Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) e o local da incidência tributária

20/10/2020 às 18:19
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A correta definição do lugar da prestação do serviço é fundamental para o ente público municipal e o contribuinte, pois é neste local que deve ser recolhido o tributo.

1. INTRODUÇÃO

                        

Este artigo trata especificamente sobre Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e a determinação do local da incidência tributária (local do recolhimento do tributo) na prestação de serviço de competência tributária municipal.

Inicialmente, será analisada a hipótese de incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza. De forma bem objetiva, hipótese de incidência é o fato descrito em lei. Dessa forma, praticado o fato descrito em lei pelo contribuinte, nasce a obrigação tributária em relação à fazenda pública. Ou seja, essa norma abstrata transforma-se em uma realidade concreta de pagar um tributo ou multa ao ente federativo. Cabe ressaltar que a hipótese de incidência pode ser dividida em cinco aspectos: material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo. Todos esses aspectos serão analisados minuciosamente.

Em seguida, trataremos do local da incidência tributária. A correta definição do lugar da prestação do serviço é fundamental para o ente público municipal e o contribuinte, pois é neste local que deve ser recolhido o tributo. A Lei Complementar nº 116/2003 traz uma regra geral e algumas exceções. Entretanto, o poder judiciário, principalmente através do Superior Tribunal de Justiça, vem alterando algumas regras legais.

Diante do exposto, este trabalho apresenta a seguinte problemática: qual o local da incidência tributária na prestação de serviços descritos na lista de serviços em anexo à Lei Complementar nº 116/2003? A hipótese da pesquisa sugere que, de acordo com a Lei Complementar nº 116/2003, regra geral, o imposto sobre serviços de qualquer natureza é recolhido no local do estabelecimento prestador.

O presente trabalho tem como objetivo definir o local da incidência tributária na prestação de serviço de competência municipal. A relevância da pesquisa encontra-se no fato de que a definição do local da prestação do serviço traz segurança jurídica para o poder público e os contribuintes.

O método científico utilizado é o dedutivo, pois parte de argumentos gerais para argumentos particulares. A modalidade de pesquisa utilizada será basicamente através de pesquisa bibliográfica. Esta pesquisa se dará através de livros, artigos científicos, jurisprudência e legislação, seja em meio impresso ou eletrônico.

2. A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN)

A hipótese de incidência do tributo, também chamado de fato gerador, é o ponto de partida para o estudo de todo e qualquer tributo. Isso acontece porque a natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador.

A expressão fato gerador pode indicar a obrigação de recolher um tributo, a obrigação de pagar uma multa ou o cumprimento de uma obrigação acessória (AMARO, 2017, p. 291). Entretanto, no caso desta pesquisa, como se trata de um tributo, trataremos apenas do primeiro caso.

A definição genérica sobre fato gerador coube ao Código Tributário Nacional (CTN): “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” (BRASIL, 1966).

O termo situação expressa o conjunto de fatos definidos em lei (MARTINS, 2013, p. 58). Situação definida em lei significa a escolha pelo legislador de um fato que possa desencadear uma relação entre as pessoas e o Estado, colocando este na condição de credor e aquelas na condição de devedora, tendo por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (BELTRÃO, 2014, p. 219).

A definição do CTN acima, além de não ajudar muito a entender o instituto, ainda contém algumas falhas.

Assim, a legislação não diferenciou o fato concreto do fato abstrato, trouxe apenas um acontecimento único. Na verdade, a hipótese de incidência caracteriza a descrição prevista em lei (MAZZA, 2018, p. 590). É o fato abstrato previsto na norma. Por outro lado, fato gerador significa o fato concreto (ROCHA, 2018, p. 372). É a operação efetivada no mundo real pelo contribuinte. Quando o fato concreto praticado pelo contribuinte coincide com o fato abstrato previsto em lei, dizemos que, neste momento, ocorreu uma obrigação tributária do contribuinte com a fazenda pública.

O nascimento da obrigação tributária não decorre da previsão abstrata prevista em lei, mas da efetiva ocorrência do fato concreto previsto na norma, sendo este acontecimento condição indispensável para que ocorra o nascimento da obrigação tributária principal (ABRAHAM, 2018, p. 202).

Ademais, o CTN não está de acordo com a moderna doutrina dos elementos da hipótese de incidência tributária. No capítulo onde trata do fato gerador, o CTN reconhece apenas o aspecto material da hipótese de incidência, disciplinando os demais elementos em outros capítulos.

Dessa forma, atualmente a hipótese de incidência tributária apresenta cinco aspectos ou critérios: material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo (COSTA, 2018, p. 218), que serão devidamente detalhados a seguir.

Diante do exposto, o aspecto material do ISSQN vem disciplinado no primeiro artigo da Lei Complementar nº 116/2003:

Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. [...] (BRASIL, 2003).

O critério material é o núcleo central escolhido pelo legislador, que será formado por um verbo seguido de seu completo (CARVALHO, 2018, p. 538). No caso do imposto sobre serviço, o verbo é prestar e o complemento é serviços de qualquer natureza. Ou seja, esse elemento se reveste na conduta praticada pelo empresário.

Trata-se, portanto, do critério nuclear, o mais importante, em torno do qual gravitam os demais elementos (MACHADO, 2017, p. 138). O critério material significa a conduta praticada pelo contribuinte. Entretanto, no caso do ISSQN, não é qualquer conduta que faz nascer a obrigação tributária de pagar o tributo. Não é qualquer serviço que justifica a cobrança do ISSQN (CARVALHO, 2006, p. 30). Tem que ser uma conduta (serviço) prevista na lista de serviços em anexo à Lei Complementar nº 116/2003. Por exemplo, o serviço de provedor de internet não incide ISSQN, pois não está tipificado na lista de serviços.

Por exemplo, quando o empresário do ramo de ensino presta um serviço de educação (previsto no item 8.01 da lista de serviços em anexo à LC 116/2003), automaticamente nasce o fato gerador do tributo com a respectiva obrigação tributária, ou seja, neste caso, o fato concreto enquadrou-se perfeitamente no fato abstrato, gerando uma relação jurídico-tributária entre a fazenda pública e o sujeito passivo.

O critério espacial, também chamado de territorial, é o local da ocorrência do fato (acontecimento praticado pelo sujeito passivo). O fato gerador necessita de um espaço para se concretizar (HARADA, 2014, p. 49). No caso do ISSQN, esse elemento é de fundamental importância, pois é nesse local (Município) que deve ser recolhido o tributo.

A Lei Complementar nº 116/2003 considerou que o serviço considera-se prestado, regra geral, no local do estabelecimento prestador. Quanto a essa disposição, sem maiores problemas. Entretanto, a própria legislação trouxe exatamente 25 (vinte e cinco) exceções à regra, pois há casos de difícil identificação do local da prestação do serviço.

Ademais, para complicar ainda mais a identificação do local da ocorrência do fato gerador, o Superior Tribunal de Justiça vem expressando posicionamento diferente da legislação em alguns casos específicos. Assim, por se tratar de tema específico desta pesquisa, o detalhamento do local da incidência tributária será tratado no tópico seguinte.

Com relação ao elemento temporal, é o momento da ocorrência do fato gerador. A lei complementar federal, que disciplina normas gerais sobre o imposto sobre serviços de qualquer natureza, não fixou expressamente o momento da incidência do tributo municipal (CURADO; BARREIRINHAS, 2011, p. 99).

Isso acontece pelo fato de existir momentos distintos para a ocorrência do fato gerador do ISSQN. Como ainda vigora o art. 9º do Decreto-lei nº 406/68, existe a figura do prestador de serviço profissional autônomo. Assim, existe um momento para determinar a hipótese de incidência do profissional autônomo e outro para o empresário que presta serviço e recolhe o ISSQN sobre o faturamento.

No caso do profissional autônomo, que recolhe o tributo sobre um valor fixo, geralmente, os Municípios determinam esse elemento logo no começo do ano, ou seja, no primeiro dia do exercício fiscal. Com relação aos demais prestadores de serviços, que recolhem o imposto sobre o faturamento, o fato gerador ocorre assim que o serviço é prestado, conforme art. 1º da LC 116/2003.

Assim, em se tratando de prestador de serviço enquadrado como profissional autônomo, a legislação municipal cria uma ficção jurídica para determinar o momento da incidência tributária. Por outro lado, nos demais casos, somente com a efetiva prestação dos serviços é que ocorre a incidência tributária, não interessando aspectos negociais ou documentais da operação (MELO, 2017, p. 245).

Isso significa dizer que, caso o serviço prestado não seja pago, esse aspecto não influencia no nascimento da hipótese de incidência. Assim, o fato gerador da obrigação principal acontece independentemente de pagamento ou recebimento, basta a prestação do serviço.

Dessa forma, como a norma federal não delimitou esse momento, cabe aos Municípios, em sua legislação local, determinar o instante da incidência tributária.

O aspecto pessoal se refere aos sujeitos da relação tributária: sujeito ativo e sujeito passivo.

O sujeito ativo é o ente federativo que tem competência para instituir, cobrar e fiscalizar o ISSQN do sujeito passivo. É a pessoa jurídica de direito público titular do direito para exigir o cumprimento da obrigação tributária principal (DÁCOMO, 2007, p. 21). Compreende os Municípios e o Distrito Federal (BORGES; REIS, 2015, p. 32).  Assim, os 5.570 Municípios da República Federativa do Brasil possuem competência legislativa para instituir, fiscalizar e arrecadar o imposto sobre serviços de qualquer natureza (PATROCÍNIO, 2016, p. 21).

O sujeito passivo pode ser de duas espécies: contribuinte e responsável.

O contribuinte é a pessoa física ou jurídica que tem relação pessoal e direta com o fato gerador da operação. Trata-se do prestador do serviço. No caso concreto, é o médico, o engenheiro, o advogado, a gráfica, a lavanderia, o hospital privado, a escola privada, a farmácia de manipulação, entre outros prestadores. É a lista de serviços em anexo à LC nº 116/2003 que vai delimitar o tipo de prestador. Entretanto, ultimamente, a natureza do prestador de serviço tem se alargado consideravelmente, incluindo cooperativas, entidades sem fins lucrativos, empresas públicas, entre outros. Entretanto, em se tratando de prestador de serviço com vários estabelecimentos em diversas localidades, cada estabelecimento é considerado contribuinte individualmente (BERGAMINI, 2017, p. 131).

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O responsável é aquele que não pratica o fato gerador, mas a sua obrigação decorre de disposição expressa de lei. O responsável tributário não pratica o fato tributário, mas mantém vínculo indireto com o aludido fato (PROCHALSKI, 2009, p.176). Assim, a fazenda pública nomeia algumas pessoas para figurar como responsável, também chamado de substituto tributário. Essa determinação acontece por motivo de conveniência do poder público. Esse responsável pode ser um contribuinte ou não. Diante da globalização econômica, inclusive dos serviços, empresas se estabelecem em determinado Município, mas presta serviço em outra localidade. É muito comum no ramo de engenharia, advocacia, informática, manutenção e limpeza, entre outros casos. Por exemplo, um prestador executou um serviço na cidade de João Pessoa em um órgão público, mas tem estabelecimento no Município de Fortaleza. Caso o fisco local (João Pessoa) não estabeleça a responsabilidade ao ente público de reter e recolher o tributo devido, dificilmente a fazenda pública vai receber tal crédito tributário. Assim, a substituição tributária é motivo de conveniência e oportunidade do fisco que facilita a arrecadação tributária.

Por fim, temos o aspecto quantitativo, que é dividido em base de cálculo e alíquota. Esse elemento está relacionado ao cálculo para encontrar o valor do tributo.

Regra geral, no caso do ISSQN, a base de cálculo é o preço do serviço, conforme determina o art. 7º, caput, da LC 116/2003. Preço do serviço é tudo aquilo que compõe o valor do serviço, incluindo os custos e o valor do próprio imposto (OLIVEIRA, 2004, p. 153). Essa regra tem gerado muitas controvérsias. Alguns serviços, de forma excepcional, podem efetivar a dedução da base de cálculo, por exemplo, na construção civil, conforme art. 7º, § 2º, I, da lei geral sobre ISSQN. Neste caso, o prestador de serviços de engenharia pode abater da base de cálculo os materiais utilizados na obra. Isso tem uma lógica, pois tais materiais já foram tributados pelo imposto estadual (ICMS). Mesmo assim, na prática, a comprovação é difícil, pois depende de apresentação de documentação idônea.

A alíquota é o percentual que incide sobre a base de cálculo. Há dois tipos de alíquota: ad valorem e específica (MELO, 2005, p. 36).

A alíquota específica é aquela com um valor determinado. É uma alíquota de valor fixo. É utilizada nos casos de profissional autônomo e sociedades uniprofissionais. Por outro lado, a alíquota ad valorem é aquela que expressa um percentual sobre a base de cálculo, sendo a regra no caso do ISSQN.

A LC 116/2003 estabeleceu uma alíquota máxima de 5% (cinco por cento) e mínima de 2% (dois por cento). Entretanto, a grande maioria dos Municípios adota a alíquota máxima.

3. O LOCAL DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA NO CASO DO SERVIÇO SUJEITO AO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA

Questão bastante controvertida é identificar o Município competente para instituir e exigir o imposto sobre serviços, principalmente nos casos em que um determinado contribuinte presta serviço em um local diferente do seu estabelecimento empresarial (MOURA, 2004, p. 127).

Todo e qualquer fato tributário, para que possa desencadear efeitos jurídicos, deverá ocorrer num local determinado pela norma legal competente (PIVA, 2012, p. 102). Em matéria tributária, a determinação do lugar tem implicação direta na determinação da obrigação tributária (CORAZZA, 2004, p. 19).

O local da incidência tributária é um problema antigo relacionado ao ISSQN. E sempre foi um tema muito discutido, pois determinar o local da incidência tributária significa especificar onde o tributo deve ser recolhido (BARRETO, 2005, p. 321). De longa data, o critério espacial do ISSQN vem sendo objeto de inúmeros debates jurídicos (BRUN, 2011, p. 227).

Como nenhum Município quer perder receita, e também o contribuinte não quer pagar duas vezes, nos últimos anos, instalou-se uma verdadeira batalha judicial sobre onde ocorre o fato gerador do ISSQN.

O Decreto-lei nº 406/68 trazia a seguinte redação:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada. (BRASIL, 1968).

A regra acima era relativamente simples. Regra geral, o imposto era recolhido na sede do estabelecimento prestador do contribuinte. No caso da construção civil, o tributo era recolhido no local onde estava a obra. Por fim, no caso de exploração de rodovia, cada Município cobrava o imposto referente ao seu território.

Entretanto, com a globalização dos serviços, por exemplo, uma empresa que tinha estabelecimento num Município, mas se deslocava para prestar serviço em outro Município, a legislação do DL nº 406/68 começou a ficar desatualizada.

Então, o judiciário passou a intervir com frequência no local da incidência tributária. O Superior Tribunal de Justiça passou a considerar o local da prestação do serviço como sendo o local da ocorrência do fato gerador.

A combinação da legislação com o entendimento jurisprudencial do STJ acabou por resolver parte do problema. A legislação do DL nº 406/68 vigorou até o ano de 2003, quando entrou em vigor a LC nº 116/2003. A nova legislação poderia ter resolvido tal problema, mas parece que acabou complicando ainda mais a situação:

Art. 3º O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: [...] (BRASIL, 2003).

A Lei Complementar nº 116/2003 poderia ter seguido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, mas não foi isso que aconteceu (MANGIERI, 2013, p. 48). O caput do art. 3º traz a regra geral, ou seja, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador. Até esse ponto, tudo bem. O problema é que a legislação disciplina uma listagem com 25 (vinte e cinco) exceções. Nestes casos, o imposto não é devido no local do estabelecimento prestador, mas no local onde efetivamente for prestado o serviço, por exemplo, execução de obras, edificações em geral, coleta de lixo, conservação e limpeza, estacionamento de veículos, entre outros serviços.

Se uma construtora tem sede no Município de Cabedelo, mas está construindo um prédio residencial no Município de João Pessoa, é nesta localidade que deverá ser recolhido o ISSQN, mesmo que a empresa não tenha inscrição municipal no local do fato gerador.

Entretanto, há casos que é difícil identificar o local da incidência tributária, pois parte do serviço é realizado em um local e parte em outro. Tomemos como exemplo o caso de um advogado que tem escritório no Município de João Pessoa, local onde faz as petições, mas faz audiências na cidade de Recife, local onde tem as audiências judiciais. E ainda pode ocorrer que o contrato efetivado com o cliente seja feito na cidade de Campina Grande.

Outro exemplo, o caso de um laboratório de análises clínicas que faz a coleta do material na cidade Santa Rita, mas a análise do material é efetivada no Município de João Pessoa.

Assim, conforme a dificuldade dos casos foi aumentando, o Superior Tribunal de Justiça resolveu intervir novamente na questão:

TRIBUTÁRIO.  ISS.  SUJEIÇÃO ATIVA.  ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO.  RESP 1.060.210/SC. LEI COMPLEMENTAR 116/2003. SERVIÇOS MÉDICOS. COMPETÊNCIA PARA COBRANÇA. FATO GERADOR. MUNICÍPIO EM QUE O SERVIÇO É EFETIVAMENTE PRESTADO.

[...]

2.  Nessa linha, o acórdão recorrido encontra-se em desconformidade com o entendimento firmado no âmbito do STJ, uma vez que, tratando-se de fato gerador do ISS ocorrido na vigência da Lei Complementar n. 116/2003, o sujeito ativo da relação tributária é o município no qual o serviço é efetivamente prestado.  Rever a conclusão do Tribunal de origem quanto ao lugar em que se deu a incidência do imposto, por sua vez, demanda revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, vedado nesta instância conforme o entendimento consolidado na Súmula 7/STJ ("A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial").

3.  Agravo Interno não provido. (STJ, 2019).

Vejam que os serviços médicos (item 4.01), conforme art. 3º, caput, da LC 116/2003, deveriam se enquadrar na regra geral (o imposto é devido no local do estabelecimento prestador). Entretanto, a decisão acima considerou que os serviços médicos devem ser recolhidos no local onde ocorre o fato gerador do tributo.

A questão é complexa. É preciso entender que o estabelecimento prestador não se confunde, necessariamente, com a sede da empresa ou filial formalizada (MANGIERI; MELO, 2018, p. 74).

A seguir, passaremos a tratar das conclusões sobre a pesquisa.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com relação ao Decreto-Lei nº 406/68, o legislador àquela época não imaginava que pudesse surgir tal problema de local de prestação de serviço, ou seja, empresas prestando serviços em outros municípios que não seja a sua sede. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, de forma necessária, resolveu o problema dando uma nova interpretação ao art. 12 do Decreto-Lei 406/68 dizendo que o local da prestação do serviço é o local do fato gerador.

Em alguns casos, é necessário observar o sentido de justiça da norma e muitas vezes é preciso estabelecer uma nova interpretação, pois o direito e os fatos sociais aparecem de forma dinâmica e muitas vezes o legislador não pode prever problemas futuros.

Em 31.07.2003 foi sancionada a Lei Complementar nº 116/2003, onde revoga o art. 12 do Decreto-Lei 406/68 e disciplina novas regras sobre o local da prestação do serviço.

Com a edição da Lei Complementar 116/2003, o legislador brasileiro teve a grande oportunidade de resolver tamanho problema para os Municípios brasileiros. Porém, a Lei Complementar nº 116/2003 acabou por complicar ainda mais o problema, trazendo uma série de exceções ao critério do local do estabelecimento. Infelizmente, essas exceções não foram suficientes para resolver o problema do deslocamento dos prestadores de serviços.

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça continuou a intervir e disciplinar normas específicas sobre o assunto, pois existem alguns serviços de difícil definição do aspecto espacial.

Assim, a falta de regra clara e objetiva a respeito do aspecto espacial dificulta consideravelmente a relação tributária obrigacional entre fazenda pública e contribuinte.

Dessa forma, podemos concluir que a melhor solução seria uma reforma na lei no sentido de trazer regras claras e objetivas. A legislação poderia, inclusive, seguir a orientação jurisprudencial.

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