Aduz a Constituição Federal, em seu art. 150, IV que é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios utilizar o tributo com efeito confiscatório.
Essa disposição se relaciona com os direitos e garantias fundamentais conferidos
aos cidadãos, sobretudo ao direito de propriedade, ao passo que busca impedir que a elevada
carga tributária interfira nesse direito de modo a lhe impedir o exercício, isto é, lhe retirar.
É necessário que o Estado observe parâmetros mínimos, não podendo privar os
contribuintes de seus bens ou necessidades básicas sob o argumento de manter a colaboração
com a máquina pública. Esclarece o Professor Novais (2018) que seria um absurdo o
trabalhador repassar ao Estado a quase totalidade de suas receitas, pois chegaria até a
desumana situação de passar necessidades e privações com sua família.
Com base nesse princípio entendemos que a tributação deve se revestir de razoabilidade, impedindo que o ente público exija do contribuinte o que não é proporcional
com a sua receita. A colaboração pública não se sobrepõe à existência digna dos sujeitos.
Sabbag (2018, pag. 34) argumenta nessa perspectiva, dispondo que
O tributo com efeito de confiscos supõe previamente a tributação em
excesso, exacerbada ou escorchante. Por outro lado, a exação que se atém
aos limites da capacidade contributiva do cidadão mantém-se na ideal zona
intermediária entre o confisco e o mínimo razoável na tributação.
O mínimo existencial (vital ou necessário) está disciplinado no art. 7.o, IV,
da CF, cujo teor aponta os parâmetros de quantidade de riqueza mínima,
suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família. A propósito, o
princípio da vedação ao confisco advém do princípio da capacidade
contributiva, pois tal capacidade se manifesta na aptidão para suportar a
carga tributária sem que exista perecimento da riqueza tributável.
A vedação à confiscabilidade proíbe a instituição de quaisquer tributos com
caráter de absorção substancial da propriedade privada, sem a proporcionada
indenização [...]
Esclareça-se que no ordenamento jurídico pátrio, só é admitido apropriação de
bens em favor do Estado, sem indenização, em situações específicas, a saber: quando se
tratar de pena de perdimento de bens, conforme art. 5.o, XLVI, b, da CF e se referir a
expropriação de glebas destinadas a culturas de plantas psicotrópicas e trabalho análogo à
escravidão, de acordo com o art. 243, parágrafo único, CF.
Apesar da plausível intenção do constituinte originário, temos que tal princípio às
vezes demonstra-se simbólico, revertido de alto grau de abstração, pois na prática se opera, mesmo ao arrepio do comando constitucional. Por inexistir parâmetros predeterminados de tributação, em diversas situações a carga se mostra efetivamente confiscatória, tomando o Estado elevado percentual do patrimônio dos cidadãos.
Há grande subjetivismo na aplicação desse princípio, exigindo que o Poder Judiciário interprete a atuação estatal em cada caso concreto, de modo a defender à vedação do efeito confiscatório do tributo, limitando o excesso de arrecadação e garantindo os direitos básicos dos contribuintes.
Em decorrência desse subjetivo até os próprios tribunais encontram dificuldades
para aplicar o princípio, não sabendo precisar os limites entre o confiscatório e razoável. O
STF ao enfrentar a temática esclareceu que ao se analisar o efeito confiscatório é preciso
observar o gênero tributo e não se ater apenas a uma espécie tributária, para assim se verificar
a totalidade dos tributos suportados por uma pessoa a um mesmo ente. É o que explana
Sabbag (2018, p. 34):
Ressalta-se que esse princípio engloba as multas tributárias. Utilizando-se de uma
interpretação literal do inciso IV, art. 150 da CF, a Fazenda Pública e parte da doutrina
afastavam a aplicação do princípio à vedação ao confisco em relação às multas, pois o
legislador previu “tributos”. Valendo-se de tal entendimento muitos entes políticos
estabeleciam (ainda estabelecem, diga-se de passagem) multas elevadíssimas, fazendo a
discussão chegar ao judiciário. Pretendia-se estender o postulado da não confiscabilidade à
multa exacerbada.
Diante das críticas às cobranças em valores desarrazoados, o STF se posicionou
no sentido de ampliar a interpretação do dispositivo anteriormente citado, fazendo substituir a
terminologia “tributo” por “crédito tributário”, o que incluiria, por óbvio, as multas. Por
tanto, hoje, a vedação ao efeito confiscatório também é extensível às multas tributárias.
Nesse sentido, o seguinte julgado:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. §§ 2o e 3o do art. 57 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio
de Janeiro. Fixação de valores mínimos para multas pelo não recolhimento e
sonegação de tributos estaduais. Violação ao inciso IV do art. 150 da Carta
da República. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua
consequência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta,
atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente (ADI 551, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 24.10.2002, DJ 14.02.2003, p. 58, Ement. vol-02098-01, p. 39).
Esclareça-se que a expressão Crédito Tributário encontra guarida no art. 139 do
CTN, traduzindo a obrigação tributária principal, correspondente ao pagamento do tributo ou
penalidade tributária, de acordo com o art. 113, § 1o do mesmo diploma legal.
Diante do exposto, podemos entender que o princípio da vedação ao confisco
obsta que o Estado realize a tributação em dissonância aos limites da razoabilidade e
proporcionalidade para com o tribuinte, limitando a carga tributária, para que esta não se
opere em excesso, entendimento válido em relação às multas oriundas de ilícitos tributários.
Por fim, uma observação importante deve ser destacada. O princípio ora em
comento não se aplica, sobre os tributos extrafiscais (IOF, II, IE, IPI), em tese. É possível a
incidência de alíquotas confiscatórias em relação a esses impostos, de acordo com o
posicionamento jurisprudencial.
A mesma ideia se aplica às situações de progressividade extrafiscal, sendo
admitido exacerbar a cobrança de ITR e IPTU, se relacionados à previsão constitucional da
função social da propriedade. Igualmente, o princípio da vedação ao confisco não se aplica
sobre os impostos seletivos, como é o caso do ICMS e IPI. A incidência de alíquotas nesses
impostos é tomada com base na técnica da seletividade, onde variará de acordo com a
essencialidade do bem. Desse modo, é admitido o efeito confiscatório na tributação de
bebidas e cigarros, por exemplo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOVAIS, Rafael. Direito tributário facilitado. 3. ed. São Paulo: MÉTODO, 2018.
SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial. 6. ed. São Paulo: MÉTODO, 2018.