Execução de alimentos com pedido de prisão durante a pandemia

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A pandemia não pode ser utilizada pelo devedor contumaz como escusa ao adimplemento da obrigação alimentar, cabendo aos advogados a busca de alternativas de coercibilidade para que ocorra a satisfação da obrigação pelo alimentante.

O Direito de Família foi frontalmente atingido pela pandemia que assola o mundo em pleno ano de 2020. Se num primeiro momento surgiram as discussões decorrentes de contratos e relações comerciais, o tempo mostrou rapidamente as consequências da declaração de emergência em saúde pública de importância internacional nas relações familiares.

A primeira questão que se colocou foi a prisão civil do devedor de alimentos, essa que é apontada como o mais efetivo meio de coerção para o pagamento do débito alimentar.

Nesse ponto, importante lembrar: o débito que autoriza a prisão civil do devedor de alimentos é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.

Assim, as execuções de alimentos que tenham por objeto prestações pretéritas seguem seu curso e obedecem eventuais suspensão de prazos determinadas pelos tribunais locais – o que não significa suspensão do processo mas apenas a suspensão dos prazos processuais com vistas principalmente a evitar prejuízos ao credor em função da dificuldade na obtenção de documentos e contato com seu advogado constituído.

No tocante ao devedor alimentar sujeito à prisão civil, menos de uma semana após a declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo coronavírus pela Organização Mundial da Saúde o Conselho Nacional de Justiça, em 17/03/2020, através da Recomendação nº 62, orientou aos magistrados com competência cível que considerassem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus.

Em seguida, no final de março deste ano de 2020 o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça,  determinou o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar ressaltando que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízos de execução de alimentos, inclusive em relação à duração, levando em conta as medidas adotadas pelo Governo Federal e local para conter a pandemia do Covid-19 e ressalvando que a decisão não revoga a adoção de medidas mais benéficas eventualmente já determinadas pelos juízos locais.

Na sequência, o Projeto de Lei 1.179/2020, apresentado em 13/04/2020, prevê que a prisão civil por dívida alimentar deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar até 30/10/2020, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

De certo que a Recomendação do CNJ, as disposições da decisão judicial com alcance nacional e o projeto de lei tem caráter humanitário e buscam primordialmente proteger a saúde e a vida do devedor mas é claro que a prisão do devedor de alimentos em regime domiciliar vem recebendo duras críticas. A principal delas é que a prisão domiciliar não caracteriza verdadeira sanção uma vez que durante a pandemia a recomendação dos órgãos de saúde, tanto nacionais quanto internacionais, é que todos devem observar o distanciamento social e permanecer em casa.

Mas é possível conciliar tanto o direito à saúde e à vida do devedor quanto o direito irrenunciável aos alimentos do credor: a prisão civil pode ser diferida para momento posterior ao término da pandemia e essa nos parece uma posição possível ainda que inegavelmente o sustento do credor de alimentos poderá ser prejudicado enquanto perdurar a situação sanitária excepcional, sobrecarregando o genitor guardião.

Inclusive, a 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo em 10/05/2020 decidiu pela suspensão da prisão apenas pelo período em que perdurar a situação de pandemia, postergando-se o seu respectivo cumprimento para o período de normalidade.

Nesse cenário é de extrema importância que o profissional do Direito se utilize de todas as ferramentas disponíveis para a satisfação do crédito alimentar lançando mão de todas as alternativas possíveis de coercibilidade. E nesse sentido pouco se tem utilizado o artigo 244 do Código Penal, que trata do abandono material. De certo que não poderá ser utilizado em todos os casos, mas pode – e deve – ser invocado e aplicado nos inúmeros casos envolvendo devedores contumazes com fundamento principalmente nos princípios da paternidade responsável e da solidariedade familiar e no dever de sustento. Nesse ponto importante destacar que a tutela penal não se confunde com a prisão civil, sendo uma independente da outra.

Por fim, importante anotar o Projeto de Lei nº 1.627/2020, já retirado de votação, que em síntese autorizava a redução dos Alimentos em até 30% por decisão judicial mediante comprovação, pelo devedor, de sua alteração econômico-financeira em razão da pandemia pelo prazo de até 120 dias, desde que comprovada a regularidade dos pagamentos até 20 de março de 2020 estabelecendo que a diferença deveria ser paga em até 6 parcelas mensais, atualizadas monetariamente, com vencimento a partir de 1º de janeiro de 2021.

Ao assim estabelecer o dispositivo encerrava flagrante ofensa ao contraditório prévio pois não estabeleceu a prévia manifestação do credor assim como determinava a incidência apenas de correção monetária sobre a diferença devida, nada dispondo acerca dos juros legais que certamente seriam devidos a exemplo do disposto acerca da possibilidade de parcelamento do débito nas execuções em geral.

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Como visto, as mudanças seguem a velocidade da luz e os operadores do Direito precisam estar atentos a tudo, buscando soluções aos problemas criados. Mas há um imenso farol no fim do túnel: neste momento em que tudo muda o tempo todo certamente o ordenamento jurídico pátrio e os princípios que norteiam o Direito de Família contém em si as soluções aos problemas hoje enfrentados.

Sobre a autora
Julia Fátima Gonçalves Torres

Coautora do livro "Visão Moderna do Direito Civil e do Processo". Advogada desde julho/2004 com experiência na área do Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito do Trabalho e Direitos Especiais. Pós-Graduação em Direito de Família e Sucessões (2014) e em Direito Civil e Processual Civil (2018) pela Escola Superior de Advocacia - Núcleo Santos/SP, ambas com qualificação para o Ensino Superior. Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS no primeiro semestre letivo de 2021 nas disciplinas "Direitos Culturais e Dignidade Humana" e "Tópicos Especiais: Acesso à Justiça: Métodos Adequados de Resolução de Conflitos". Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado da Universidade Federal de Pelotas - UFPel no segundo semestre letivo de 2021 nas disciplinas "A Construção da Dignidade Humana a partir dos Direitos Sociais" e "Consumo e Vulnerabilidade na Sociedade Contemporânea". Proficiência em língua inglesa certificada pelo TEAP e pela FUVEST. Proficiência em língua espanhola certificada pela instituição Don Quijote Salamanca.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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