O papel do Sistema Tributário brasileiro na desigualdade de raça e gênero

25/10/2020 às 13:08
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Esse trabalho acadêmico abordará o início e consolidação da carga tributária, objetivando demonstar como nosso sistema tributário é racializada e perpétua mazelas, fincando um grupo em detrimento de outro na pobreza extrema e impedindo a mobilidade social

INTRODUÇÃO.

 

Trataremos nesta pesquisa das evidências das disparidades fiscais no Brasil, demonstrando que o segundo país mais desigual do mundo[1] tem sua carga tributária incididente nos salários e consumo, onerando a base da população brasileira que são em sua esmagadora mairoia pessoas pobres e negras e, verificando de forma mais profunda, mulheres negras.

Tal incidência demasiadamente onerosa dificulta a mobilidade social e mantêm estas pessoas estagnadas na pobreza, sem acesso aos serviços públicos, em empregos subalternizados, basicamente sobrevivendo dia dia com o pouco que se tem.

O nosso sistema tributário nacional vai de contra aos objetivos da República Federativa no Brasil mantendo a pobreza e a concentração de renda, como se não bastasse as disparidades sociais não são liagadas meramente a questão de renda, mas sim a raça.

O nosso sistema tributária nunca rompeu com as bases racistas fundadoras da sociedade brasileira e o histórico de abandono e políticas institucionais de segregação racial demonstram isso.

O racismo estrutural é base de todos as nossas relações sociais, política, institucional, econômica e educacional, e têm como uma de suas facetas o sistema tributária nacional.

Quando iniciamos o debete a cerca do viés racial por trás do sistema tributário nacional pode paracer que um grupo de pessoas brancas e ricas de forma técnica e racional estruturou um sistema para tributar mais pessoas pobres e negras, no entanto não há este nível de pessoalidade por parte da máquina tributária, não hoje!      E sim como já dito, há uma perpetuação de um sistema que lá trás racializou individuos para submeter uns a condições não humanos e enriquecer outros.

Ocorre que analisando a arquétipo da justiça, a deusa da Justiça, a justiça é cega para ser imparcial, consequentemente justa, no entanto no nosso cenário brasileiro a cegueira da justiça perpetua injustiças fiscais sob a camada mais vulnerável da sociedade.

Para demonstrar como se deu esta perpetuação analisaremos a evolução da carga tributária ao longo da evolução do sistema tributário de forma histórica.

1.    A CARGA TRIBUTÁRIA SOB O DOMÍNIO DE PORTUGAL E DURANTE A INDEPENDÊNCIA.

O terriotório Brasileiro durante todo o período sangrento e tortuoso da colonização portuguesa foi uma terra de exploração, onde tudo que se produzia aqui era tributado e enviada para a Metrópole, assim foi o nascimento de um sistema fiscal mediavel onde não se levava em conta a capacidade contributiva, assim foram inagurados os primeiros tributos, com o quinto do pau-brasil[2] e as derramas[3].

Com a vinda da familia Real ao Brasil o sistema fiscal se inovou, mas para adequar ao protecionismo do mercado externo, com a abertura dos portos somente para “nações amigas” e a criação do imposto de importação no intuíto promover o mercado de exportação.

Na proliferação das ideias liberais e os questionamentos dos colonos burgueses, começava-se a questionar o monopólio das relações econômicas que existiam até então.

Insta esclarecer que neste período indígenas e negros não passavam de  mercadoria de tração própria, portanto seus anseios não eram relevantes para esta sociedade.

 Bem, em 1822 o Brasil passava por uma grande crise econômica, a concorrência mundial tornara o Brasil um fornecedor secundário de commodities agrícolas.  A exportação de açúcar declinara diante da produção a partir da beterraba no continente europeu.

Os principais concorrentes econômicos do Brasil eram Cuba e as Antilhas por suas produções de cana, onde abasteciam os demais mercados, especialmente os da América do Norte, onde inclusive, o algodão enfrentava pesada concorrência da produção com o Brasil.

Outros produtos como fumo, cacau e couros tinham peso relativo menor na pauta de exportações, esclarece Celso Furtado, (1958, pag. 38):

Somente um desenvolvimento intenso do setor não ligado ao comércio exterior poderia haver contrabalançado o declínio relativo das exportações. As atividades não ligadas ao comércio exterior são, via de regra, indústrias e serviços localizados nas zonas urbanas. Não existe, entretanto, nenhuma indicação de que a urbanização do país se haja acelerado nesse período”.

Com o declínio do maior mercado econômico do Brasil acompanhado do endividamento externo crescente, primeiro pelo Brasil ter assumido a dívida da coroa portuguesa, onde o Brasil praticamente comprou a indepedência de Portugual[4], e depois pelo endividamento com a Inglaterra, a alternativa foi a maior tributação do mercado interno.

Neste período os bens de consumo tinham uma da maiores cargas tributárias, como não existia um controle fiscal na circulação de mercadoria, na compra e venda, a maior parte dos tributos tinha caracteristica alfandegárias.

Assim o quadro tributário do período era o seguinte:

I – Direitos aduaneiros de entrada, cobrados à razão de 15% sobre o valor oficial, estabelecido em pauta alfandegária, das mercadorias de procedência portuguesa e inglesa, e de 24% sobre o valor oficial dos artigos de outras origens, excluídos tanto de uma quanto de outra taxa de vinhos, licores, azeite e vinagres, cujos direitos de importação eram cobrados de acordo, com tabela especial, baixada com o alvará de 25 de abril de 1818; nas alfândegas eram arrecadados, ainda, os direitos de entrada de escravos e, entre outras contribuições de menor vulto, os direitos de baldeação, os de guarda-costas, os de reexportação e o imposto de ancoragem dos navios estrangeiros;

II – Dízimos, em que incorriam os gêneros de cultura e criação de todas as províncias, e para cuja cobrança, antes feita por administradores ou por contrato de arrematação, com graves prejuízos e vexame dos contribuintes;

III – Imposto de exportação representado pela taxa de 2% sobre todos os gêneros não sujeitos a qualquer outro subsídio ou direito de saída;

IV – Décima urbana sobre o rendimento líquido anual dos prédios, ou sobre o valor do aluguel arbitrado, no caso de neles morarem seus donos;

V – Sisa cobrada à razão de 10% sobre o valor de todas as compras vendas e arrematações de bens de raiz;

VI – Imposto de carne verde, constituído pela contribuição de cinco réis em cada arrátel de carne fresca de vaca;

VII – Imposto conhecido como “subsídio literário”, pois destinava-se ao pagamento dos mestres escolas, corresponderia a um real em cada arratel de carne verde que se cortasse nos açougues, e a dez réis em canada de aguardente da terra;

VIII – Imposto sobre aguardente de consumo;

IX – Imposto sobre seges, lojas e embarcações, conhecido também pelo imposto do “banco”

X – Imposto sobre o tabaco de corda, cobrados na base de 400 réis por arroba;

XI – Direitos sobre os escravos, que se despachavam para as minas;

XII – Imposto do selo do papel e décima das heranças e legados;

XIII – Meia sisa dos escravos ladinos isto é: “todos aqueles que não são havidos por compra feita aos negociantes de negros novos e que entram pela primeira vez no país, transportados da costa da África;

XIV – Contribuições diversas, como taxa dos correios, dízimos de chancelaria, terças de ofícios, direitos de portagem, pedágios, taxa de trânsito entre as províncias, cobrados, não raro, pelas autoridades locais.

(Deveza, 1974, p. 60-84).

Apesar da independência a insatisfação neste período era crescente, crescia as ideias republicanas alimentadas pelos problemas sociais e disputas locais de poder, no entanto a entrada do Vice Reinado, garantido pelo retorno das exportações, sufocou de forma momentênea e violenta os anseios republicanos.

Em  1836 a produção cafeeira subiu e tornava o café o principal produto exportador do Império, o que beneficiou a arrecadação por parte do Imperio e fez sugir os chamados barões do café.

Em meio a primeira revolução industrial Inglaterra pressionava  territórios de mão de obra escrava dada a nova organização capitalista (trabalho assalariado), onde se pretendia o “retorno” as industrias, na compra de produto industrializados por parte dos operários e a arrecadação estatal do salário, incidindo direratamente sob o consumo, afinal escravo não compra mas operário sim.

E com a demora do fim da guerra do Paraguai, bem como os gastos desta o Brasil Imperial perdia cada vez mais força, para no fim, perder o apoio restante dos cafeicultores na abolição da escravatura, pois estes, insatisfeitos por não receberem indenização face a “libertação de escravos” se tornaram republicanos de última hora, assim nascia a República.

2.   A CARGA TRIBUTÁRIA NA REPÚBLICA.

Nesta nova configuração social já não existia espaço para a figura do escravo, pois o sistema financeiro já entendia o benefício do mercado interno de consumo.

Mas o que fazer com quem antes era mercadoria e agora passou a ser gente?

Bem, neste período os trabalhadores da fazenda de café já haviam sido substituito de forma gradual e tímida pelos imigrantes vindo da Europa.

E, na Constituição de 1891 negros não podiam frequentar escolas, o sistema educacional era de aulas domiciliares aos ricos, escolas públicas ao pobres e livres nascidos no Brasil, porém nascidos na África não tinham direitos, não eram nem ao menos cidadãos e não podiam frequentar escolas.

Neste mesmo período, no Rio de Janeiro, capital da República, negros ainda que libertos eram proibidos de frequentar escolas.

O Brasil foi o último país do Ocidente a findar formalmente a escravidão negra. O objetivo era atender, o máximo possível, aos interesses das elites agrícolas, que dependiam em absoluto desse tipo de mão-de-obra. O Estado não só teve ingerência em favor dos negócios das elites, como foi beneficiário direto da situação (MARTINS, 2017, p. 2 e 4).

Em resumo não se tinha trabalho para pessoas negras e muito menos oportunidades de profissionalização.

A elite negra de intelecutais que se tinha a época da luta em pró da abolição, os poucos que conseguiam letratamento a partir de patrocínio de padrinhos ou mesmo de pais que se importavam minimamente com os filhos bastardos, reduzia ano após ano dada a estagnação, marginalização e abandono crescente desta população.

Na abolição as pessoas negras que antes estavam em situação de escravidão migraram para longe de onde estavam sendo exploradas, numa forma de se afastar do horror que viviam nas propiedades rurais.  Nesta fuga houve migração considerável dos “recem libertos” à areas urbanas a procura de oportunidade de sobrivivência.

Durante esta migração e sem opções de moradia a única forma de sobrevivência era se alojar aos arredores dos territorios onde se tinham oportunidade escassa de trabalho, áreas periféricas, mesmo que com precária remuneração.

Ao passo que o Brasil investia cada vez mais na promoção de entrada de imigrantes ao território, inclusive com oportunidade de moradoria e direito a assitência[5], assim explica Telles (2003, pag. 251):

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De forma mais destacada, políticas de imigração continuaram a apoiar desigualdade racial por, pelo menos, duas décadas após a Abolição. E um esforço para “branquear” e civilizar a população brasileira empregadores, em conluio com os governos federal e estaduais, buscaram imigrante europeus para substituir escravos, barrando a imigração de africanos, asiáticos e afro-americanos. (...) em oposição a uma efetiva política de acolhimento aos cerca de 1,5 milhão de imigrantes que chegaram nesse período, assim como e função da ampla disponibilização de terras e meios de subsistência aos imigrantes brancos, os negros foram virtualmente excluídos da economia formal, sendo que aos recém-libertos sequer era dado o mínimo acesso a terras, sendo “expulsos pelos seus ex-senhores, que passaram a não ser mais responsáveis pela subsistência que lhes era garantida quando eram escravos

A República iniciava sua reforma ao sistema fiscal tipificando o conceito de receita e a concentração desta receita cabendo tão somente a União.   Todavia deu-se maior autonomia aos Estados em tributar nas operações de comércio, em especial do café.

Em meio a Primeira Guerra Mundial e depois da crise de 1929 a economia se viu obrigada a susbtiuir as importações de café que estavam em drástica queda, nascia dentre as camadas brasileiras a burguesia industrial que fazia embate ideológico e econômico com a oligárquia latifundiária e mercantil brasileira.

Ou seja, a redução do comercio exterior ocasionada pela primeira guerra mundial obrigou o governo a buscar receitas domésticas, assim cresceu a importância dos impostos de consumo, de forma definitiva, e dos diversos impostos sobre rendimentos de forma temporária.  Tal importância foi tão significativa para União a ponto de que mesmo após o fim da guerra e a abertura do mercado os impostos de consumo não perderam sua importância na Receita total da União.

No início da década de 40 o imposto de vendas e consignações, antecessor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, tornou-se rapidamente a principal fonte de receita estadual, a ponto de ser 45% da receita tributária dos estados, em 1946 subiu para 60%.

Quanto a arrecadação da União, com a segunda guerra mundial cresceu a importância do imposto de consumo, onde em 1946 este era responsável por aproximadamente 40% da arrecadação e em 1944 o imposto de renda correspondia cerca de 27%.

Fica evidente que já neste período os sistema tributário explorava principalmente o mercado doméstico que ao mesmo tempo começava um processo de desenvolvimento industrial.

Atento ao mercado interno e com foco na industrialização crescente, o Governo passou a financiar gastos públicos com intuíto de promover o desenvolvimento econômico, atráves da criação do BNDES em 1952, e buscava capital estrangeiro para investimento interno oferecendo em contrapartida  favores financerios e câmbiais.

Ocorre que a crescente despesa neste setor do desenvolvimento gerou um crescimento nas depesas do governo o que não foi suprido pela arrecadação, gerando um efeito em cascata para equilibrar as contas públicas, nas palavras de Ricardo Varsano (1996, pagina 7).

Nessa época, o sistema tributário mostrava insuficiência até mesmo para manter a carga tributária que vinha conseguindo gerar na década de 50. Como as despesas continuaram a crescer aceleradamente, o déficit do Tesouro ultrapassou, em 1962 e 1963, a marca dos 4% do PIB. Não existindo uma estrutura institucional que possibilitasse o seu financiamento por meio de endividamento público, o déficit foi coberto quase que totalmente através de emissões. A taxa de inflação anual, que era da ordem de 12% em 1950 e já atingia 29% em 1960, elevou-se rapidamente para 37 e 52% nos anos seguintes e saltou para 74% em 1963. Para fazer frente à crise econômica e política que o país atravessava, formava-se uma consciência da necessidade de reorganização de quase todos os setores da vida nacional, de "reformas de base". Neste contexto, a reforma tributária era vista como prioritária não só para resolver o problema orçamentário como para prover os recursos necessários às demais reformas.

Neste momento o Brasil se via numa grave crise política e econômica, o cenário econômico da época era a concentração de riqueza por parte de uma Elite que tinha laços estreitos com o período escravagista e dominava o jogo político e do outro lado, uma massa pobre e miserável, que tinham contra si uma série de legislações criminais com condutas tipificadas como mendicância, ebrios e vadiagem.

Perceba qua estas elites dominantes faziam parte de um grupo racial prestigiado e privilegiado por pelos menos 380 anos, em detrimento de pessoas negras que quando tinham fontes de renda “certas” e não conseguiam provar o vínculo de trabalho eram descartadas como se fossem criminosas, simplesmente por existir.

Em 1952, o jornal O Globo noticiou a prisão de Maria das Dores por vadiagem. O que o comissário, ao prender a mulher, não sabia, era que ela na verdade era empregada doméstica de um juiz.

Há dias o comissário Deraldo Padilha prendeu e encaminhou ao depósito de presos a doméstica Maria das Dores. Recolhida a essa dependência policial, foi ela espancada, tendo sido instaurado processo contra a mesma por vadiagem [...]. Acontece que a jovem era empregada na residência do juiz de direito criminal Emilio Pimentel de Oliveira, o qual, ciente da arbitrariedade contra a mesma praticada, oficiou à Chefia de Polícia, esclarecendo não se tratar de uma vadia e solicitando sua imediata liberdade. (Jornal O Globo, 1952)

3.   O DITADURA MLITAR E O MILAGRE DA CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA.

Neste sistema caótico e racializado perpetuado desde os primordios da exploração e colonização, o Brasil vivia uma Ditarura militar onde durante o período foi criada a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda que tinha como tarefa reorganizar e modernizar a administração fiscal.

Sem grandes obstáculos instituicionais e politicos o sistema tributário foi implantado entre 1964 e 1966 com o foco na reabilitação das finanças federais, anseios que atendiam aos setores empresariais que constituíam a base do regime, sofendo alterações o Imposto de Renda, resultando num aumento da arrecadação e a reformulação do imposto de consumo sob a forma do Imposto sobre Produtos Industrualizados (IPI), também com considerável aumento na arrecadação.

Segundo Ricardo Varsano (1996, pagina 9).

Assim, o objetivo fundamental do sistema tributário foi elevar o nível de esforço fiscal da sociedade de modo que não só se alcançasse o equilíbrio orçamentário como se dispusesse de recursos que pudessem ser dispensados, através de incentivos fiscais à acumulação de capital, para impulsionar o processo de crescimento econômico. Ao privilegiar o estímulo ao crescimento acelerado e à acumulação privada -- e, portanto, os detentores da riqueza -- a reforma praticamente desprezou o objetivo de eqüidade

Ocorre que durante esta estruturação e normativa inovadora do sistema tributário nacional, a prioridade econômica deste período era o crescimento econômico acelerado, no entanto pra esta elite dominante e branca o crescimento econômico vinha alinhado a uma injustiça fiscal que só deslacerava a ferida da desigualdade em nosso país.

Assim a concentração de renda, apliação do crédito ao consumo e a abertura da economia brasileira ao mercado externo de 1969 a 1973 possibilitou o chamado “milagre brasileiro”.

Neste cenário o sistema tributário nacional passou a ter composição mais semellhante com a temos hoje, impostos diretos, incidindo sobre a renda do contribuinte e os indiretos, que são repassados no preço de cada mercadoria, por conta da cadeia produtiva.

Assim o IPI tinha uma alíquota que era proporcional a essencialidade do produto, ou seja, quanto mais essencial mais oneroso para as camadas mais desvaforecidas, pobres e negros.

Os vinhos foram acrescidos de uma alíquota de 20%, enquanto a cerveja alcançava 35%; produtos de perfumaria e cosméticos possuíam a mesma taxação que vassouras e dentifrícios, isto é 8%; os automóveis não ultrapassavam 20%, enquanto alíquotas iguais eram atribuídas a sabões e sabonetes (...) a chita era onerada com a mesma alíquota que a seda; os móveis de madeira nobre sofriam a mesma incidência que os fabricados em pinho. (Costa, 1999, p. 354).

É verdade que durante este Governo autoritário e sangrento ocorreu grande investimento estrangeiro no país, o que possibilitou uma maior industrialização e grandes obras públicas que foram custeadas por  investimento estrageiro em troca de isenção de impostos, como por exemplo a Zona Franca de Manaus e o próprio endividamento público.

            No intuito de baratear a mão de obra, que até este momento já era barata, dado ao êxodo rural e a precariedade do ensino público, o Governo militar instaurou uma política salarial de contenção de reajustes, aliado a mudanças na legislação trabalhista para desonerar as empresas numa possivel demissão, acabando com a estabilidade de 10 anos e criando o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o que baraterou as rescisões. 

Com a crise do petróleo, a alta das taxas de juros, o endivamento externo triplicou, a inflação subiu a índices alarmantes e o poder de compra da massa populacional, formada majoritariamente por pessoas negras foi reduzida a metade.

E foi neste cenário que o milagre econômico foi entregue sociedade civil e os militares deixaram o poder, na chamada decáda perdida numa recessão onde cinco anos depois o País declarou a moratória.

Nas palavras de  Claudio Hamilton dos Santos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):

“As reformas feitas pelos militares foram feitas sem o contraditório da oposição. Foram medidas polêmicas, que implicaram em vencedores e perdedores. Não houve discussão porque o regime era de exceção"

No entanto, este vencedores e perdores são sujeiro racializados, conforme Disciplina Silvio de Almeida em Racismo Estrutual:

O racismo se manifesta no campo econômico de forma objetiva, como quando as políticas econômicas estabelecem privilégios para o grupo racial dominante ou prejudicam as minorias. Um exemplo disso é a tributação. [...]

“Ou seja, o Brasil é um típico exemplo de como o racismo converte-se em tecnologia de poder e modo de internalizar as contradições. ”

(ALMEIDA, 2019).

4.    A REDEMOCRATIZAÇÃO, O CENÁRIO TRIBUTÁRIO ATUAL.

Agora de forma participativa num espectro democrático o Brasil passava por um processo de redemocratização, onde que no âmbito do Direito constituicional tributário inaugurado pela chamada Constituição Cidadã tivemos inovações.

A grande inovação trazida pela Magna Carta é a vinculação aos direitos fundamnetais, a tributação trazendo limites estatal ao poder de tributar, levando em conta  princípios como a probição do confisco, a capacidade tributária e estabelecendo um compromisso constituicional com a erradicação da pobreza e diminuição das desigualdades de renda e raça.

Em suma, esta constiuição assumia as disparidades de renda e raça existentes no Brasil, estabelecendo ainda como crime imprescritível e inafiançável o racismo.   Ademais, carregada ainda de um caráter fomal estabeleceu princípios que se observados poderiam de fato levar a igualdade material.

Ou seja, mesmo sendo garantista a Constituição de 1988 não se comprometeu de forma material com a redução da carga tributária, nas palavras de Pablo Dutra Martuscelli (2010, pág. 4220).

Apesar das suas virtudes e do claro ressurgimento do complexo de direitos e garantias amplamente difundidos em seu texto, a Constituição de 1988 não é um texto que aponta para uma maior justiça na tributação. A simples previsão de direitos e garantias não é suficiente para que tenhamos tal efeito o caráter semântico, as Constituições de 1937 e 1967 é a prova disso. Ao contrário, a nova Constituição concentra as bases de tributação preponderantemente sobre o consumo e o faturamento, herança do ideário de 1964, tornando a tributação regressiva e incapaz de cumprir seu papel redistributivo. Quanto ao aspecto federativo, não é efetiva no que toca aos problemas relativos à competição entre as regiões do país, fragilizando o vínculo federativo que então se pretendia proteger. E no que toca aos direitos e garantias fundamentais, melhor sorte não se tem em face da concessão de uma série de direitos de realização complexa ou quase impossível.

O caráter regressivo da tributação aprofunda as disparidades sociais e só consolida o que o sistema tributário vem fazendo a séculos, que é a concentração de riquezas.

Assim, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e tributação, para cada 1 real de cachaça são 82 centavos só de imposto, no caso da carne, ficam 29 centavos, açucar 31 centavos, arroz, feijão ou farinha 17 centavos.

Nesse sistema quem tem menos consome absolutamente tudo que recebe com necessidades de subsistência, como alimento e vestuário.  Ao passo que pessoas ricas pagam a mesma proporção tributária mesmo tendo maior capacidade contributiva, que inclsuive conseguem poupar e ainda lucrar com as altas no juros multiplicando suas riquezas em períodos de crise.

Participação (%) por decis de renda, por raça/cor e sexo:

Nesse sentido, ao dividir a distribuição de renda por decis, isto é, em dez segmentos com a mesma quantidade de pessoas, das mais pobres às mais ricas, pode se perceber o comprometimento da renda das classes mais pobres e negra, em razão da tributação regressiva.

Conforme referido no Estudo do Instituto de Estudo Socioenômicos as injustiças fiscais consolidam uma discriminação ligada a raça e gênero.

Onde, dos 68,06% que carregam o peso da carga tributária ganham menos e são negros, e deste grupo 35,59% são mulheres negras.

No topo da pirâmide social, os mais ricos, 83,72% são brancos, estes pagam menos tributos em relação aos que estão na base da pirâmide mulheres negras, e deste grupo 49% são homens.

São estas mulheres negras que ganham menos, que estão nos postos de trabalho mais precarizados e que chefiam familias, ora por abandono de seus pares, ora por seus pares serem vítimas da guerra as drogas, onde se mata mais jovens negros.[6]

E ainda por terem menos acesso a serviços públicos as mulheres negras são as  que mais morrem vitimas de aborto inseguro no Brasil, conforme Anuário brasileiro de segurança pública.

Hoje o sistema tributário é um dos tentáculos do racismo estrutural que quando não mata condena pessoas negras a pobreza.

Assim o Racismo estrutural:

É a relativa sobreposição estrutural entre negritude e pobreza que reforça crenças (ideológicas) e atitudes (práticas) contra os negros, ainda que elas sejam inconscientes ou apresentadas em um discurso classista.

(CAMPOS, 2017, p. 16).

Da mesma forma que podemos definir que:

 É uma decorrência da própria estrutura, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. (ALMEIDA, 2019).

5.   CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Conforme explanado de forma suncita e focada nas bases tributárias herdadas, no Brasil há uma perpetução da concentração de riqueza em detrimento do empobrecimento da base da sociedade.

Tal concentração se dá com a regressividade tributária que tem como caracterisitica central tributar mais o consumo e a renda, e em especial aos consumos ligados a subsistência, alimentos, higiene e vestuário.    Essa tributação ocorre em toda a cadeia de produção gerando impactos no preço final do produto.

Esse tipo de tributação despreza a capacidade contribuitiva do cidadão e impede que a renda deste cidadão seja revertida na cultura, lazer e mesmo educação própria, transformando a base da sociedade, pobre e negra, numa massa feita para trabalhar e gastar tudo que se ganha no trabalho para comer e vestir.

Este sistema tributário existe em decorrência de um processo exploratório intenso por pelo menos quase 400 anos e por um esforço institucional em permetuar as mazelas com base em raça, impedindo a mobilidade social e o bem-estar aos negros.

Assim é preciso desmitificar conceitos como “racismo é uma questão de educação ou aplicação da lei”, pois a própria lei ainda é usada como ferramenta de reprodução destas desigualdades, ou seja, encarar que ainda reproduzimos um sistema racista é uma forma de pensar, questionar e mudar a realidade, precentua Bertulio (1989, p. 102 e 103).

O racismo institucional foi definido a partir de ações oficiais que, de alguma forma excluíam ou prejudicavam indivíduos ou grupos racialmente distintos: “a manipulação consciente de instituições a fim de atingir objetivos racistas.”. Para tal, as instituições racistas são extensão do pensamento racista individual. [...] É dessa forma que o racismo individual se introduz no sistema de macro relações sociais, atendendo os objetivos de discriminação ou segregação raciais. O sistema de empregos, educacional, econômico e jurídico, são exemplos marcantes dessa ação racista institucionalizada.

Apesar da Magna Carta não ter feito uma mundaça para equilibrar a balança e conceder uma justiça fiscal, com os princípios, ainda que ineficazes dado a realidade, é possível buscar nos remédios constitucionais a justiça fiscal e consequentemente, exigir a aplicação dos principios constitucionais, trazendo pra si, ao povo, o objetivo e a finalidade da constituição cidadã, enrracadizar a pobreza.

Pois em meio a tantos projetos de reforma tributária não se faz lógico supor que aqueles que permetuam a máquina opressora fiscal irão de forma contrária aos seus próprios interesses.

Só resta a instrumentalização do direto para servir a constituição.

Como por exemplo há 25 anos temos por força da lei a isenção dos tributos sobre lucros e dividendos garantidos pela lei 9.249/95, onde tal legislação isenta a camada da sociedade que está dentre os mais ricos, ou seja, nosso sistema politico legislativo aprova e mantêm normas claramente inconstitucionais que além de não corresponderem com a finalidade da Carta Magna serve a conveniência dos dententores de poder.

Além disso, conforme esclarece Fagnani. (2018, pág. 276)

“A isonomia de tratamento entre as rendas auferidas pelas pessoas físicas é condição essencial para a equidade do sistema tributário brasileiro. Tributar os lucros e os dividendos e outras rendas do capital da mesma forma que se tributam as rendas do trabalho significa o primeiro passo para a construção de uma tributação mais justa e, consequentemente, uma sociedade mais justa e igualitária, cumprindo com os objetivos fundamentais da República, previstos no Artigo 3º da CF/88. “

Ou seja, exigir no Judiciário a adequação do atual sistema aos princípios contitucionais pode ser um caminho.

É o que a ADPF, Arguição de descumprimento de preceito fundamental, elaborada pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), com apoio da Oxfam Brasil e do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) questiona no Supremo Tibunal Federal, o sistema tributário nacional.

A DPF questiona a regressividade do sistema tributáio nacional e confronta a Corte ao analisar o nosso sistema frente aos principios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, este remédio requer, além da orientação a cerca das mudanças no sistema tributário, que cesse a inconstitucionalidade do sistema tributário brasileiro.

Tal questionamneto na corte é um marco para a sociedade civil e as organizações sociais que buscam o fim da desigualdade racial.

Produzir estudos acadêmicos, exigir pelos meios legais o cumprimento do acordo social e dos direitos fundamentais serão a saída para a tão sonhada igualdade material para a população negra brasileira.

REFERÊNCIAS

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BERTULIO, Dora Lucia de Lima. Direito e relações raciais – uma introdução crítica ao racismo. Dissertação (Mestrado em Direito) Curso de Pós-graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989.

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MARTUSCELLI, Pablo Dutra, PARA UMA COMPREENSÃO HISTÓRICA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL DE 1988, Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, 2010.

VARSANO, Ricardo, A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: Anotações e reflexões para futuras reformas, IPEA, 1998.


[1]{C} Relatório do Desenvolvimento Humano 2019 disposnivel em < https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2019/pnud-apresenta-relatorio-de-desenvolvimento-humano-2019-com-dado.html> acessado em 09 de agosto de 2020.

[2]{C} Considerado o primeiro tributo brasileiro e decorreu da exploração da árvore nativa pau-brasil.

[3]{C} Eram a cobrança da diferença em relação ao que deveria ter sido pago e não foi.

[4]{C} Para obter o reconhecimento da ex-metrópole, D. Pedro comprometeu-se a assumir o empréstimo de 1,4 milhões de libras “que Portugal emitira em Londres em 1823, assim como pagar ao seu real pai 600 mil libras pelas propriedades que deixou no Brasil. (...) Mas antes da partida de D. João VI, a extravagância de sua corte e os milhares de dependentes que trouxera de Portugal, quase levaram o Brasil à falência. (...) Empréstimos estrangeiros eram, portanto, vitais para a sobrevivência nacional”, segundo conta o estudioso inglês Frank Griffith Dawson, em seu livro A primeira crise da dívida latino-americana..

[5]{C} O art. 2º da Lei de Imigração de 1945, que só foi revogada décadas depois, pela Lei nº 6.815, de 1980, disciplinava que “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência europeia.

[6] Segundo aponta o Atlas de Violência 2020, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) o risco de ser vítima de homicídio no Brasil é 74% maior para homens negros e 64% maior para mulheres negras do que para os demais.

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