INTRODUÇÃO
O novo coronavírus (Sars-CoV-2) impressionou pela facilidade de transmissão e pela letalidade, atingindo rapidamente proporções gigantescas no mundo todo e obrigando os governos a adotarem medidas de isolamento. A sociedade como um todo foi afetada e assim também ocorreu com o funcionamento do Poder Judiciário.
De um dia para o outro, o expediente forense foi suspenso, os servidores e juízes passaram a atuar em trabalho remoto e as audiências presenciais foram canceladas. Naquele primeiro momento, não era possível prever a exata dimensão da afetação do trabalho, tanto que o expediente foi suspenso pelos tribunais por poucos dias e as audiências remarcadas para realização presencial.
Com o passar do tempo, as medidas que antes eram de curta duração foram se estendendo e levaram o Poder Judiciário a buscar alternativas para continuar prestando os serviços jurisdicionais. A produção de provas orais, por exemplo, que tem grande importância na Justiça do Trabalho, cujo processo é marcado pela oralidade e informalidade, passou a ser realizada por videoconferência.
O objetivo deste artigo é relacionar e justificar boas práticas adotadas especificamente quanto às audiências telepresenciais na Justiça do Trabalho, bem como compartilhar experiências na perspectiva de servidor e magistrado, sem descuidar dos impactos e desafios enfrentados também pelas partes e seus patronos.
AUDIÊNCIAS POR VIDEOCONFERÊNCIA
1- BASE NORMATIVA
A realização de audiências mediante videoconferência não é exatamente uma novidade na prática forense, nem mesmo no ordenamento jurídico brasileiro, embora somente agora tenha tomado uma maior dimensão, devido à necessidade premente motivada pela suspensão das audiências presenciais.
A Lei 10.259/2001 instituiu as reuniões por videoconferência dos juízes das turmas de uniformização de jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Mais tarde, a Lei 11.419/2006 tratou da informatização do processo e, apesar de não instituir audiências telepresenciais, previa a transmissão eletrônica de toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação (art. 1º, § 2º, II).
A primeira previsão legal de inquirição por videoconferência no âmbito nacional adveio da Lei 11.690/2008, que alterou o art. 217 do CPP para prever a inquirição do réu nessa modalidade quando a sua presença pudesse causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudicasse a verdade do depoimento. Depois, a Lei 11.900/2009 estabeleceu outras hipóteses de cabimento da audiência por videoconferência, também no processo penal.
Além disso, o CPC de 2015 estabeleceu a possibilidade de realização de atos processuais por videoconferência (art. 236, § 3º), bem como audiências de conciliação ou mediação (art. 334, § 7º) e colheita do depoimento das partes e testemunhas pelo mesmo meio (art. 385, § 3º e o art. 453, § 1º, do CPC).
Naturalmente, a legislação não havia sido pensada para as circunstâncias atuais, mas sim para os casos de partes ou testemunhas domiciliadas em comarca distinta. Porém, os princípios da economia processual, da duração razoável do processo e da cooperação das partes para um processo justo e efetivo, dentre outros, permitem visualizar outras hipóteses de cabimento, mais ainda considerando a realidade atual.
Cabe frisar que as audiências telepresenciais estão respaldadas por atos do CNJ, como a Portaria 61, de 31/03/2020, que instituiu plataforma emergencial de videoconferência, e a Resolução 314/2020. Recentemente, em 06/10/2020, o CNJ aprovou ato normativo que autoriza os tribunais a implementarem o “Juízo 100% Digital” para executar atos processuais exclusivamente por meio eletrônico e remoto.
2- OPERACIONALIZAÇÃO
2.1- Ferramenta
O primeiro passo para viabilizar a realização de audiências por videoconferência é a escolha da ferramenta a ser utilizada. A intenção do presente artigo não é determinar a melhor escolha, mas apresentar apenas os aspectos principais, viabilizando a escolha da ferramenta de acordo com as preferências de cada pessoa.
Destacaram-se nesse sentido a ferramenta Cisco Webex e o Google Meet. A ferramenta do Google tem a vantagem de que o e-mail do Google, o Gmail, é maciçamente utilizado pela população, facilitando o ingresso na sala. Contudo, faltam algumas funcionalidades, como a possibilidade de desabilitar o áudio e o vídeo de determinado participante (por exemplo, desabilitar somente para o preposto o áudio e vídeo da parte autora quando estiver sendo colhido o seu depoimento pessoal).
O Cisco Webex possui a possibilidade de colocar alguns dos participantes no chamado lobby, que funciona como uma sala de espera, na qual o participante não tem acesso ao áudio e ao vídeo dos demais participantes. Porém, não tem a interface já amplamente conhecida dos produtos Google, além de ser desconhecido para a maioria das pessoas.
2.2- Atos processuais
Eleita a plataforma digital, o próximo passo é adequar a realização dos atos processuais à modalidade inteiramente telepresencial, o que exige mudanças na praxe forense, que mesmo antes da pandemia, em maior ou menor medida, mas não livre de críticas, já era utilizada para flexibilizar o rigor das regras procedimentais.
O ponto crítico da produção de atos processuais de forma eletrônica na atualidade é a realização de audiências, porque os demais atos já eram produzidos dessa forma desde a implantação do PJe.
Registramos que o momento exige de todos os sujeitos do processo uma atuação mais comprometida com o bom andamento da marcha processual. Assim, por exemplo, é imprescindível que a parte indique a pertinência da prova oral, sendo insuficiente o uso padronizado da expressão “pretende produzir todas as provas admitidas em direito”, não raro acarretando audiências desnecessárias, seja por se tratar de matéria unicamente de direito, seja por desistência da oitiva da parte contrária ou das testemunhas. Essa orientação é um chamado para uma maior colaboração dos interessados na solução do litígio, mantendo hígido o devido processo legal, o contraditório e A ampla defesa.
Porém, antes de adentrarmos especificamente na realização de audiências, outras adequações procedimentais são possíveis. Passamos a apresentar algumas experiências, apontando vantagens e desvantagens, porém sem a pretensão de definir qual a melhor medida ou esgotar a discussão. O objetivo é trazer reflexões sobre as práticas adotadas por alguns Juízes do Trabalho na condução de audiências por videoconferência.
a) citação da parte ré e intimação para apresentar defesa, sem audiência
A primeira medida e provavelmente a mais adotada no início da pandemia, foi citar a parte ré para apresentar defesa e documentos e, após, intimar a parte autora para manifestação, informando nos respectivos prazos se possuem provas orais a produzir e justificando a pertinência.
Esse procedimento permite que o juiz faça o saneamento do processo e verifique a necessidade da prova oral. A pauta fica livre e, no caso de revelia ou inexistência ou desnecessidade da produção de provas orais, os autos seguem para sentença, evitando a realização de audiências muitas vezes desnecessárias.
A desvantagem é que esse procedimento aumenta sobremaneira o trabalho da secretaria da Vara, porque gera a necessidade de contar prazo para apresentação de defesa, intimar a parte autora para se manifestar e fazer o saneamento de cada processo - o que demanda maior atenção e tempo dos servidores e do juiz, principalmente porque os processos trabalhistas em geral possuem muitos pedidos. Além disso, a manutenção de processos fora da pauta aumenta o risco de o processo ficar "perdido", ou seja, sem movimentação por longo tempo, ocasionando o chamado "tempo morto" do processo.
b) citação da parte ré e intimação para audiência de tentativa de conciliação
Também é possível adotar rito semelhante ao do CPC, designando uma audiência de tentativa de conciliação (antes da apresentação da defesa e dos documentos) e, não havendo acordo, a parte ré ficaria intimada para apresentar defesa e documentos e a parte autora para se manifestar, adotando o calendário processual, sem a necessidade de novas intimações. Nos mesmos prazos, as partes informariam se possuem provas orais a produzir, justificando a pertinência.
Não havendo outras provas ou não justificada a pertinência, o autos são conclusos para sentença, de modo que as vantagens são semelhantes às do procedimento do tópico superior.
Além disso, tal procedimento favorece a participação das partes na audiência de tentativa de conciliação. Uma das preocupações das partes e principal motivo para impugnação à realização da audiência é a própria participação no ato, em razão do receio de haver problemas de conexão e de uma possível aplicação da revelia. Em outras palavras, as partes são mais receptivas à ideia de participar inicialmente de uma audiência telepresencial de conciliação, já que eventual ausência não acarretará penalidade.
A desvantagem é que a audiência de tentativa de conciliação ocorre sem a apresentação da defesa e documentos, os quais muitas vezes esclarecem diversos pontos. Além disso, ainda não há a manifestação da parte autora sobre esses documentos, não se sabendo se serão impugnados ou não. Parece-nos mais comum haver conciliação quando já apresentada a defesa.
c) citação da parte ré e intimação para audiência una
Há ainda as Varas que mantiveram a realização de audiências unas, o que tem a desvantagem, especialmente no início da pandemia, de pressionar a parte ré a participar das audiências, sob pena de revelia, o que causava maior resistência, principalmente por desconhecimento do procedimento das audiências telepresenciais.
A vantagem é que mantém o procedimento de audiências unas já largamente utilizado na Justiça do Trabalho no âmbito de vários Tribunais.
Há algumas variações desses procedimentos, mas basicamente são as principais possibilidades. Cada uma dessas medidas deve ser adotada de acordo com a realidade local e o momento, observando suas particularidades.
2.3- Acesso à sala de audiência telepresencial
Definida a melhor forma de iniciar os andamentos dos atos processuais na pandemia, passamos à designação e ao agendamento das audiências telepresenciais, seja de tentativa de conciliação, seja de instrução ou una e, em especial, do acesso à sala de audiência telepresencial.
Ao usar o Google Meet, o agendamento da audiência gera um link de acesso à sala de audiências, o qual deve ser informado às partes e advogados.
Esse link pode ser fornecido por e-mail, porém esse procedimento gera dificuldades de várias ordens, seja por exigir da Secretaria mais tarefas, ou seja, intimar as partes para informar o e-mail, receber a resposta e enviar o link, seja em razão de as partes não possuírem e-mail ou simplesmente deixarem o prazo transcorrer sem informá-lo. Tal procedimento faz ainda menos sentido ao se constatar que o e-mail sequer é necessário para acessar a sala.
Pode, ainda, o link ser disponibilizado por despacho, ficando a parte intimada, na pessoa do seu advogado, cabendo-lhe repassar o meio de acesso ao seu mandatário, bem como às testemunhas. Ressalte-se que, quanto à responsabilidade pelo comparecimento das testemunhas, adota-se o art. 825 da CLT, do mesmo modo que nas audiências presenciais. Se marcada a instrução em uma audiência anterior (de tentativa de conciliação, por exemplo), o link pode constar na própria ata.
É possível criar um link único para a sala de audiências, ou seja, todas as audiências ocorrem no mesmo link; ou criar um link de acesso para cada audiência.
O uso do link único facilita as intimações, porque o mesmo link é informado para todas as audiências de todos os processos, mas permite a entrada simultânea de várias pessoas na sala virtual e não raro as partes ou advogados de outros processos fazem interferências descuidadas por não desabilitar o áudio, por exemplo, causando certo tumulto e atrasando a realização do ato.
Por outro lado, o link de acesso para cada processo torna as audiências mais organizadas, mas demanda maior atenção para informar na intimação o link correto.
Uma prática que também tem sido adotada é a criação de uma sala de espera e uma sala de audiência, onde o ato efetivamente ocorrerá. Nesse caso, as partes ingressam inicialmente na sala de espera virtual e após são redirecionadas para a sala da audiência, também virtual. A vantagem é que as testemunhas e as partes que ainda não foram ouvidas podem permanecer na sala de espera até o momento de serem ouvidas. Por outro lado, no momento oportuno, as partes e testemunhas terão que sair da sala de espera e então ingressar na sala de audiências, com link disponibilizado pelo secretário de audiências, por exemplo, o que pode causar algumas dificuldades a quem não tem familiaridade com ferramentas tecnológicas.
Outra prática muito utilizada consiste em criar salas auxiliares para conversar separadamente com as partes no momento da tentativa de conciliação, ou seja, adotando a técnica do caucus, que tem se mostrado muito efetiva para a conciliação. A criação dessa sala auxiliar, depois de adquirida uma certa habilidade, não demora mais que trinta segundos e pode ser feita pelo próprio juiz. Nesse caso, uma das partes sai da sala e entra em outra, cujo link pode ser postado no próprio chat da ferramenta utilizada, enquanto o juiz fica circulando alternadamente entre uma sala e outra, tomando o cuidado, naturalmente, de sair de uma das salas ou bloquear o áudio e o vídeo de modo que uma das partes não ouça a conversa do juiz com a outra parte.
2.4- Outros destaques
A realização de audiências telepresenciais requer a adoção de medidas necessárias ao bom andamento do ato processual, relacionadas à vestimenta, ao ambiente, aos equipamentos, entre outros.
As audiências sempre foram atos formais e solenes e não perderam tais características só por serem realizadas por videoconferência. Contudo, deve-se evitar rigor excessivo, sobretudo, considerando que muitos participantes das audiências não dispõem de ambiente adequado.
Também é altamente recomendável ter cuidado com atividades alheias à audiência, evitando que assuntos pessoais ou comentários descuidados atrapalhem o ato ou acarretem situações desconfortáveis ou embaraçosas, situação que infelizmente vem acontecendo com certa frequência desde o início da pandemia.
Quanto ao ambiente, as partes, advogados, juízes e servidores devem procurar sempre que possível manter ambiente livre de ruídos externos e com boas condições acústicas, com luminosidade adequada e sem circulação de pessoas. É natural que nem todos tenham essa facilidade, mas é importante que todos façam um esforço para, tanto quanto possível, manter boas condições para a prática do ato processual. As partes, se não tiverem tais condições, podem comparecer ao escritório dos seus procuradores. Muitas vezes as testemunhas também se deslocam ao escritório dos advogados, que não raro providenciam salas separadas e equipamentos para a oitiva sem contato com os demais participantes.
Boas condições acústicas e de vídeo dependem principalmente do ambiente e do equipamento utilizado, sendo recomendável aos advogados fazerem testes com tais equipamentos antes da audiência. O uso de fone de ouvido também é altamente recomendável, porque os ruídos externos não são captados e o usuário tende a ouvir melhor e se dispersar menos, além de evitar microfonia.
O juiz, antes de iniciar a audiência de instrução, deve testar a qualidade de áudio e vídeo própria, dos servidores, das partes, das testemunhas e dos advogados, bem como observar o ambiente no qual as partes e testemunhas participarão. Às vezes, pequenos ajustes no início da audiência evitam transtornos desnecessários durante a tomada de um depoimento. É claro que, mesmo adotando essas medidas, pode haver intercorrências, como uma queda ou instabilidade na conexão, situações que devem contar com o bom senso e paciência de todos.
3- DESAFIOS
A par das numerosas vantagens das audiências telepresenciais, como a desnecessidade de grandes deslocamentos, a facilidade de acesso à Justiça, a viabilidade do teletrabalho dos servidores que auxiliam o juiz na sala de audiências e a própria possibilidade de o juiz presidir a audiência quando deslocado de sua residência, existem muitos desafios a serem enfrentados nessa nova modalidade de produção das provas orais ou de tentativa de conciliação.
3.1 – Acessibilidade
O acesso a recursos tecnológicos ainda é uma realidade distante para diversos segmentos sociais, carentes de recursos de toda espécie, inclusive os mais básicos para uma vida digna. Esses indivíduos precisam transpor inúmeras barreiras para exigir direitos pela via judicial, não lhes sendo possível exigir participação em audiências telepresenciais, as quais necessitam de certo grau de compreensão para manejar as ferramentas, bem como equipamentos para permitir a comunicação, além de acesso à Internet.
Alguns advogados têm disponibilizado seus escritórios, juntamente com os recursos materiais necessários para viabilizar a prática do ato, afinal, em geral, é interesse da parte obter a solução do litígio com brevidade. A questão é tormentosa e muito sensível, merecendo atenção cuidadosa no estabelecimento de estratégias a médio e longo prazo.
Outra questão importante diz respeito às barreiras para as pessoas com deficiência, sendo, pois, fundamental que sejam criados mecanismos para que essas pessoas possam ter participação plena nas audiências por videoconferência.
Paradoxalmente, pessoas com dificuldade de acesso à justiça por dificuldade de locomoção, seja em razão de barreiras físicas e/ou arquitetônicas, seja em razão da distância geográfica, têm nas audiências telepresenciais a alternativa para superar esses desafios.
3.2 – Duração das audiências
As audiências por videoconferência são mais demoradas que as audiências presenciais, por vários motivos, como dificuldades e instabilidade de conexão, necessidade de testar o áudio e o vídeo dos participantes, falhas de entendimento entre os participantes etc. Nesse caso, marcar audiências com intervalo de tempo maior entre uma e outra parece ser a solução adequada para evitar que as partes fiquem esperando por tempo demasiado, o que gera desgaste e prejudica o andamento dos trabalhos.
3.3- Jus postulandi
A problemática do jus postulandi não diz respeito somente à participação nas audiências, o que por si só já ocasiona certa dificuldade para a parte, seja autora ou ré, normalmente com poucos recursos e falta de acesso à internet de qualidade, mas também ao próprio ajuizamento da demanda.
Porém, alternativas como o atendimento via WhatsApp, telefone ou Google Meet, podem vencer essa tribulação. Nesse sentido, destaca-se a prática adotada inicialmente pela 17ª Vara do Trabalho de Belém-PA, pelo Juiz Carlos Rodrigues Zahlouth Junior, e posteriormente estendida a todas as Varas do Trabalho da 8ª Região – Pará e Amapá – de disponibilizar um link permanente do Google Meet para atendimento às partes e advogados dentro de um horário pré-estabelecido.
Pensando em um futuro próximo, o passo seguinte será a disponibilização de espaço adequado nas Varas do Trabalho para atendimento às partes, com contato mínimo possível e sanitização, o que ainda não foi possível em todas as regiões devido ao fato de não ter havido tempo hábil para as adequações ambientais e para a compra de materiais.
3.4- Segurança da produção da prova
Quanto à segurança da prova, é adequado ordenar que a parte e a testemunha, no momento do depoimento, mostrem o ambiente em que estão, quando há alguma suspeita de comunicação com outras pessoas. Também é importante que os inquiridos olhem sempre para a câmera.
Apesar de ser comum o argumento de que as audiências por videoconferência não favorecem a segurança da colheita da prova, a verdade é que, se as partes têm esse intuito, a prova já vem viciada antes da audiência, seja presencial, seja telepresencial. Ademais, as testemunhas ficam diante do Juízo, que consegue perceber desvios do olhar, consultas a pessoas externas e outras artimanhas que podem ser usadas pelas partes para obter resultado favorável na demanda.
3.5- Partes, advogados e testemunhas no mesmo ambiente
Um fator de preocupação dos juízes, das partes e advogados é a participação de partes e advogados e, ainda, das testemunhas, no mesmo ambiente, geralmente o do escritório dos procuradores.
Naturalmente, o ideal, tanto para a segurança da realização do ato, quanto pela necessidade de isolamento social, é que cada uma das partes, advogados e testemunhas esteja em um ambiente diferente, mas nem sempre isso é possível, motivado por diversos fatores, sendo o principal a falta de equipamento ou de conhecimento para participação na audiência.
Nessas situações, a solução normalmente é pontual e depende da criatividade das partes e do juiz. A condição em que o advogado e o autor ou réu estão na mesma sala, no momento do depoimento pessoal, pode ser contornada pela exibição de ambos lado a lado, com pedido para que não façam contato visual entre si, não utilizem telefone celular, não escrevam durante o depoimento e mantenham o olhar focado na câmera.
O réu que está presente no escritório do seu procurador pode ser retirado da sala física durante o depoimento do autor.
Se o escritório possuir outras salas e equipamentos, a parte e o advogado podem ficar nesses ambientes separados.
Quanto às testemunhas no mesmo local da parte, é muito comum no processo do trabalho a oitiva de uma única testemunha por parte, o que facilita a instrução, porque basta assegurar que ela não tenha contato com a parte até o momento do seu depoimento e que não haja contato durante o depoimento.
Havendo mais testemunhas, a situação se torna um pouco mais complicada, mas, havendo uma sala separada para suas oitivas e uma sala de recepção do escritório na qual as demais possam permanecer, é possível contornar a situação.
Em todos esses casos, é altamente recomendável, embora não seja absolutamente indispensável, a adoção do fone de ouvido, que impede que uma testemunha ouça o depoimento da outra mesmo estando em salas diferentes.
Haverá casos em que o escritório não dispõe de sala de recepção ou de mais de uma sala, ocasião em que é imperioso o adiamento da audiência para realização telepresencial - se a parte se dispuser a assegurar ambiente adequado - ou presencial - caso isso não seja possível.
Futuramente, isso pode ser solucionado com a adoção de cabines com equipamentos de informática e fones de ouvido no próprio Fórum Trabalhista, asseguradas todas as medidas de sanitização.
3.6- Resistência das partes, servidores e juízes
Um grande desafio a ser superado é a resistência das partes, servidores e juízes à realização das audiências por videoconferência. Seja por medo do novo, por maximização dos problemas, por desconhecimento quanto à tecnologia ou por estratégia processual mesmo, observa-se que essa novidade vem encontrando dificuldades para ser implementada.
Há pouco tempo, o CNJ alertou para a existência de juízes que ainda não haviam feito nenhuma audiência por videoconferência, mesmo depois de quase seis meses desde o cancelamento das audiências presenciais, o que certamente gerará um passivo processual difícil de administrar mesmo com a volta dos serviços presenciais, que até o momento é imprevisível.
Também alguns servidores, por desconhecimento ou por dificuldade de lidar com a nova realidade, demonstraram desconfiança acerca do novo procedimento.
Observou-se ainda uma grande resistência advinda dos grandes litigantes e das grandes empresas brasileiras, maior até do que dos micro e pequenos empresários ou dos trabalhadores. Um grande banco brasileiro, por exemplo, alegou que não possuía condições tecnológicas de participar das audiências por videoconferência, enquanto trabalhadores no interior de fazendas ou, como já ocorreu, diretamente de sua residência de paredes de barro e chão batido, demonstraram boa vontade de participar do ato processual.
Naturalmente, essa resistência é exceção, mas mesmo ela precisa ser vencida, até porque atualmente o processo é fundado na ideia de cooperação das partes (art. 6º do CPC). As vantagens do procedimento telepresencial justificam a sua adoção. Certamente, quando da volta das audiências presenciais, não faltarão requerimentos para participação via remota, pois isso gera economia, evita deslocamentos e permite a participação de qualquer lugar do Brasil ou no estrangeiro.
Vale lembrar que a implantação do PJe também encontrou muita objeção em sua fase inicial e, apesar dos problemas enfrentados nas primeiras versões, praticamente não há quem, atualmente, defenda a volta do processo impresso em papel.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As audiências por videoconferência não se tratam de procedimento novo na legislação brasileira e, embora as previsões legais não contemplem exatamente as circunstâncias atuais em que elas vem sendo realizadas, é possível defender a sua aplicação, respaldada por atos normativos do CNJ.
Existem ferramentas tecnológicas que permitem a realização de audiências telepresenciais, cabendo ao juiz escolher a ferramenta e adequar os procedimentos internos a fim de tornar viável o prosseguimento do processo, inclusive com audiências de instrução.
Além disso, é importante que as boas práticas nas audiências telepresenciais sejam compartilhadas e que o juiz mantenha-se atento e contorne as dificuldades com estratégia, criatividade e bom senso.
Não olvidamos que existem desafios a serem superados nessa nova etapa da prestação jurisdicional, mas em qualquer período de mudança é natural desajustes iniciais e certa resistência dos envolvidos, o que, como dito, também aconteceu com a implantação do PJe.
O espírito de cooperação é um dever e não uma opção e a confiança na boa-fé dos atores processuais é imprescindível para vencermos esse período de adversidades. Não é demais citar que, em geral, as partes, a advocacia e as testemunhas vêm concentrando esforços e cooperando, aos poucos desconstituindo a ideia de que as audiências telepresenciais seriam um sonho distante ou inalcançável.
Por fim e diante de todo o exposto, defendemos as audiências telepresenciais como meio imprescindível para que o Poder Judiciário e em especial a Justiça do Trabalho continue oferecendo à sociedade os serviços jurisdicionais, apesar das circunstâncias atuais. E, ainda, diante de um futuro quadro de volta dos serviços presenciais, é preciso viabilizar a realização de audiências no mínimo semipresenciais, que fatalmente serão objeto de reivindicação pelas partes e pela advocacia. A videoconferência é viável e é a melhor alternativa na condição atual para o Judiciário cumprir seu papel institucional.