Considerações sobre o Juiz de garantias

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25/10/2020 às 18:00
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[1] Conhecido como "Pacote Anticrime", esse novo diploma legal que teve um período de vacatio legis de apenas trinta dias, ao arrepio de todas as orientações disciplinadas na Lei Complementar n.º 95/1998, que exige do legislador bom senso no momento de fixar o tempo entre a publicação e a vigência da lei, levando em conta a sua complexidade, bem como repercussão para a vida em sociedade, trouxe muito mais problemas para o ordenamento jurídico brasileiro do que propriamente mecanismos legais capazes de conter, ainda que minimamente, a criminalidade endêmica do nosso país. Apesar de todo o avanço jurídico, o Supremo Tribunal Federal, em decisão de caráter liminar, proferida pelo Ministro Luiz Fux, suspendeu a eficácia dos arts. 3.º-A ao 3.º-F, ainda pendente de deliberação do Plenário.

[2] Diferentemente do sistema inquisitório, sendo sua antítese é o sistema processual acusatório, que possui como princípio unificador o fato de o gestor da prova ser pessoa/instituição diversa do julgador. Há, pois, nítida separação entre as funções de acusar, julgar e defender, o que não ocorria no sistema inquisitivo. Destarte, o juiz é imparcial e somente julga, não produz provas e nem defende o réu. Os prováveis precursores desse sistema processual são: a) Magna Carta; b) Petition of Rights; c) Bill of Rights; d) secularização; e) iluminismo.

Eis suas principais características: a) as partes são as gestoras das provas; b) há separação das funções de acusar, julgar e defender; c) o processo é público, salvo exceções determinadas por lei; d) o réu é sujeito de direitos e não mais objeto da investigação; e) consequentemente, ao acusado é garantido o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, e demais princípios limitadores do poder punitivo; f) presume-se a não culpabilidade (ou a inocência do réu); g) as provas não são taxativas e não possuem valores preestabelecidos.

[3] Como já decidido pelo STF no HC n. 110.237 (2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 1º/03/2013), “(...) o princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exceção) e assegura ao acusado, de outro, o direito ao processo perante autoridade competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto)”

[4] ​​​O princípio do juiz natural – consagrado em todas as constituições brasileiras, exceto na de 1937 – constitui uma garantia de limitação dos poderes do Estado, que não pode instituir juízo ou tribunal de exceção para julgar determinadas matérias nem criar juízo ou tribunal para processar e julgar um caso específico. A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E acrescenta: "XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção"; "LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um "juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei".

[5] No que tange à conclusão do procedimento inquisitivo, a Lei 13.964/2019 revogou o art. 28 do Código de Processo Penal a fim de permitir o arquivamento do inquérito policial diretamente pelo representante do Ministério Público, sem que a medida se sujeitasse ao controle do Poder Judiciário. Caberia apenas ao promotor de justiça comunicar o ato à autoridade policial e aos interessados (indiciado e vítima), submetendo, em seguida, os motivos de sua decisão à apreciação de um órgão revisor dentro da própria instituição para um reexame necessário.

[6] Não obstante o já consolidado entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que não se pode presumir a necessidade da prisão com base na gravidade abstrata do delito, ficou estabelecido no texto atual que “se o juiz verificar que o agente é reincidente ou integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.”.

Novamente, pretendeu o legislador subtrair do magistrado a análise dos elementos concretos revelados nos autos do inquérito ou do processo para que se possa determinar a constrição da liberdade, antecipando assim uma conclusão a ser elaborada na mente de quem detém o poder jurisdicional.

[7] A audiência de custódia é o instrumento processual que determina que todo preso em flagrante deve ser levado à presença da autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e necessidade de manutenção da prisão. A previsão legal encontra-se, desde muito, em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Com efeito, o art. 7º, 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos reza: "Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." No mesmo sentido, o art. 9º, 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York.

Trata-se de direito do preso, mas, mesmo com as previsões supralegais, o sistema jurídico brasileiro não tinha, até então, criado condições para que este direito pudesse ser exercido. Em verdade, no Brasil o primeiro contato entre juiz e preso normalmente ocorria na audiência de instrução e julgamento, que, não raro, pode levar meses para ser designada.

[8] “A prisão em flagrante é uma prisão provisória, que visa deter o indivíduo que cometeu uma infração penal, para assegurar a instrução probatória do crime, bem como para manter a ordem social diante deste atentado….”não obstante trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Civil, incumbida que é de zelar pela ordem pública.” 

De acordo com a melhor doutrina, verifica-se que a prisão em flagrante funciona como mero ato administrativo, sendo dispensável a autorização judicial. O que é exigido apenas é a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade. A prisão em flagrante delito inicia-se com a captura do autor do delito, logo em seguida com sua condução coercitiva à presença da autoridade e posterior comunicação Juiz, Ministério Público, à sua família, ou pessoa por ele indicada. A prisão em flagrante converte-se em ato judicial a partir do momento em que a autoridade judiciária é comunicada.

[9] Desta forma, a criação do juiz das garantias acaba por distanciar o julgador (aquele Juiz que efetivamente irá julgar o caso) da investigação, o que o deixa ainda mais equidistante das partes (o Juiz deve ser imparcial, não pendendo nem para a acusação nem para a defesa).

[10] Considerando a exigência legal de um conjunto probatório significativo para a decretação da prisão preventiva, capaz de demonstrar a tendência de ocorrer condenação ao final do processo (fumus boni iuris), e que para a propositura da ação penal basta a existência de indícios da materialidade e autoria, a decretação, nesse momento, já estaria deixando entrever que o promotor teria provas mais do que suficientes para denunciar. Seria um contrassenso afirmar existir prova que justifique a constrição da liberdade, porém insuficiente para originar um processo. Em suma, se há prova para prender, então há mais do que o necessário para denunciar.

[11] A inovação legislativa alterou o art. 315, § 2.º, do Código de Processo Penal, estabelecendo que “não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I- limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV- não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;  V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;  VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. E, em complemento, a qualquer uma das hipóteses acima, aplica-se o recém-criado inciso V, do art. 564 do Código de Processo Penal, que considera nula qualquer decisão judicial carente de fundamentação.

[12] A prisão temporária surgiu devido ao incremento da criminalidade, em termos quantitativos, tornando-se assim um recurso imprescindível à eficiência das investigações policiais, pois serve para evitar a ação de suspeitos, no sentido de eliminar vestígios ou indícios dos crimes praticados. Esta é uma espécie de prisão cautelar, decretada pelo juiz durante o inquérito policial, contra aquele que o Estado suspeita ter praticado determinado crime.

O mandado de prisão deve indicar com precisão a pessoa contra quem é expedido; o prazo da prisão; mencionar a infração penal que motiva a prisão; e ser dirigido a quem tiver qualidade para a execução do ato, isto é, a autoridade policial. Este mandado deve ser expedido em duas vias, uma das quais deve ser entregue ao indiciado, servindo como nota de culpa.

Em se negando a recebê-la, duas pessoas testemunharão a entrega do documento. Efetuada a prisão, a autoridade policial informará ao preso seus direitos previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Os presos temporários devem ficar obrigatoriamente separados dos demais detentos, visando evitar a convivência deletéria com presos de outra categoria, facilitar a obtenção de provas e do esclarecimento dos fatos.

[13] Prova cautelar é a que é produzida ANTES da instrução judicial por razões de periculum in mora (ex: testemunha morrendo). Provas não repetíveis são as produzidas na fase policial e que não serão repetidas no processo (ex: perícia na porta arrombada).

A doutrina de Aury Lopes Jr., ao comentar a súmula n.º 455 do STJ, ainda enfatiza a necessidade de fundamentação concreta da medida, in verbis: “Reforça nossa posição de que a produção antecipada de provas é uma medida extrema, que deve ser objeto de estrita fundamentação e que não pode basear-se em argumentos vagos, como o mero decurso do tempo.

Deve estar demonstrada sua necessidade e urgência. (LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I, 7.ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011, p.596)”. Infelizmente, na prática forense o mero risco de esquecimento por parte dos policiais em razão do decurso do tempo já tem sido considerado fundamento suficiente para a produção antecipada da prova testemunhal e ao abrandamento do posicionamento cristalizado na súmula supracitada.

[14] Uma alteração não menos importante do Pacote Anticrime, mas à qual se deve dar especial atenção. A Lei 13.964/19 revogou o parágrafo único do artigo 312 do CPP que trata da decretação da prisão preventiva e, acrescentou dois parágrafos.

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Quero me ater ao parágrafo 2º, que dispõe da obrigatoriedade da motivação e do fundamento da decisão que decretar a prisão preventiva em decorrência de receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. Essa questão já havia sido analisada pela jurisprudência do STJ, em especial no HC em que figurou como paciente Michel Temer (HC 509.030 RJ, 30.05.2019. relator ministro Antonio Saldanha Palheiro). Agora a regra está prevista expressamente em nosso CPP.

[15] Dentre as medidas da nova lei estão a punição de agentes por decretar condução coercitiva de testemunha ou investigado antes de intimação judicial; promover escuta ou quebrar segredo de justiça sem autorização judicial; divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; interrogar à noite quando não é flagrante; e procrastinar investigação sem justificativa. O novo texto expande as condutas descritas como abusivas na legislação anterior e estabelece que seus dispositivos se aplicam a servidores públicos e autoridades, tanto civis quanto militares, dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também do Ministério Público (MP).

[16] De acordo com o Código de Processo Penal, art. 155:1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça." De antemão, algumas definições importantes: a) interceptação telefônica: é a captação da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem que os interlocutores saibam disso. A e B conversam enquanto C escuta, sem que os dois primeiros saibam; b) escuta telefônica: também é a interceptação da comunicação telefônica por um terceiro, mas com uma diferença: um dos interlocutores sabe; c) gravação clandestina: é a gravação da conversa por um dos interlocutores, sem a presença de um terceiro, e sem que a outra parte saiba. Ex.: A grava a sua conversa telefônica com B, sem que este saiba.

Para a lei de interceptação telefônica, importam apenas a interceptação e a escuta. Seja qual for a natureza da comunicação, a interceptação deve ser sempre precedida de autorização judicial que a autorize. Caso a interceptação seja realizada sem autorização, e, posteriormente, o juiz a autorize, não haverá o que se falar em convalidação.

Portanto, a autorização deve ser obrigatoriamente prévia, sem exceção. Nem mesmo a autorização posterior de um dos interlocutores legitima a interceptação. Nesse sentido, STJ: “Não é válida a interceptação telefônica realizada sem prévia autorização judicial, ainda que haja posterior consentimento de um dos interlocutores para ser tratada como escuta telefônica e utilizada como prova em processo penal.” (STJ, HC 161.053/SP). Neste julgado, o STJ considerou que a escuta telefônica não está abrangida pela Lei 9.296/96. A questão, todavia, é polêmica em sede doutrinária.

[17] Foi bastante oportuna a inserção do art. 133-A CPP ao dispor que o juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança pública previstos no artigo 144 da Constituição Federal brasileira vigente, do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades. Há muito tempo, a sociedade questionava a razão de o Poder Público não se utilizar dos bens sequestrados e apreendido no combate à criminalidade em prol do aperfeiçoamento da estrutura da segurança pública.

[18] Preliminarmente, cumpre distinguir “violação das comunicações telefônicas” de “quebra de sigilo de registros de dados telefônicos”. O primeiro, corresponde à interceptação da comunicação propriamente dita, captação da conversa alheia, eis que ocorre no momento real e imediato, por intermédio de gravações ou escutas. Já a quebra de sigilo de registros e dados telefônicos corresponde à obtenção de registros existentes na companhia telefônica sobre ligações já realizadas, dados cadastrais do assinante, data da chamada, horário, número do telefone chamado, duração do uso, valor da chamada, etc.

[19] A existência de determinados direitos fundamentais de superlativa importância tem levado a doutrina constitucional a admitir que alguns deles só podem ser limitados por decisão judicial. Não se trata da mera possibilidade de recorrer ao Judiciário quando de sua restrição por outra autoridade não jurisdicional, mas do reconhecimento de que, diante de certos direitos fundamentais, o Judiciário tem sempre a primeira e a última palavra.

[20] O chamado “Pacote Anticrime” do Governo Federal se refere a um conjunto de alterações na legislação brasileira que visa a aumentar a eficácia no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção, além de reduzir pontos de estrangulamento do sistema de justiça criminal. A Lei 13.964/19, conhecida como lei do "pacote anticrime", foi sancionada em 24 de dezembro de 2019 e entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020 Com a nova lei, diversos dispositivos do Código Penal (CP) e do Código de Processo Penal (CPP), além de outras leis, como a Lei 7.210/84 (LEP), foram revogados, alterados ou acrescentados.

[21] O acordo de não persecução penal dependerá de homologação do juiz, que poderá recusá-lo caso entenda não terem sido respeitados os requisitos legais acima citados, ou quando considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições firmadas. Nessas hipóteses, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor. 

Ao contrário do que fora previsto sobre o Juiz das Garantias, o acordo de não persecução penal está em pleno vigor, e os operadores do Direito vêm encontrando inúmeras dificuldades no enfrentamento de algumas questões fundamentais. No caso de descumprimento, por exemplo, quem terá competência para revogar o pacto homologado? E caso seja uma atribuição do promotor de justiça, este será o que atua na Vara de Execuções Penais ou aquele que formulou a proposta? O acordo de não persecução penal poderá ser oferecido apenas antes do oferecimento da denúncia ou em qualquer fase do processo penal?

[22] Por sua vez, a Lei 13.964/2019 ao criar o chamado acordo de não persecução penal acentuou ainda mais a mitigação ao Princípio da Obrigatoriedade. Mediante o negócio jurídico (processual) disciplinado no art. 28-A do Código de Processo, com redação determinada pela lei em comento, o Ministério Público poderá deixar de promover a ação penal, caso todos os requisitos subjetivos e objetivos para a sua celebração estejam presentes, como a existência de procedimento investigatório que não se coadune às hipóteses de arquivamento; a infração penal não tiver como elementar a violência ou a grave ameaça, e a pena mínima cominada for inferior a quatro anos; ter o investigado confessado formalmente, e voluntariamente, ser o autor da infração penal; a infração não ter sido cometida no âmbito da violência doméstica ou familiar contra a mulher; o investigado não ter sido beneficiado nos últimos cinco anos por transação penal ou suspensão condicional do processo etc.

[23]  A Lei 11.719 de 2008 criou a defesa do artigo 396 do CPP, que diz: Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Essa primeira defesa do processo é oferecida logo após o recebimento da denúncia. Ainda que muitos prefiram chamá-la de defesa preliminar, prefiro o termo “resposta à acusação”. O procedimento é o seguinte: 1. MP oferece a denúncia; 2. Juiz recebe a denúncia; 3 acusado oferece resposta à acusação (ou defesa preliminar).

Na resposta à acusação, podemos arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Para as preliminares, peça a absolvição sumária, nos termos do art. 397 do CPP. Para as de mérito, peça o afastamento de uma qualificadora indevida, ou a absolvição, com base no art. 386 do CPP. Ainda sobre em teses, fica a dica: dê uma boa lida nos artigos 386 e 564 do CPP. Sem dúvida alguma, cairão na peça.

Na prática, a resposta à acusação costuma ser bem simples, pois é raro ocorrer um caso de absolvição sumária. Contudo, no exame, alegue TUDO o que for favorável ao réu.  Já a Lei 11.343/06 (“Lei de Drogas”) traz, em seu teor, uma peça que só é aplicável nos crimes nela previstos, que intitulo “defesa prévia”. Art. 55.  Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. Na defesa prévia, a defesa poderá arguir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas.

[24] A defesa preliminar ou resposta preliminar, que não se confunde com a resposta à acusação (artigo 396, CPP) e tampouco com a antiga defesa prévia (revogada pela Lei 11.719/08), é prevista em alguns procedimentos especiais para ser feita entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória, tendo como objetivo impedir ou evitar a instauração de lide temerária. São exemplos de procedimentos especiais que preveem a defesa preliminar: a) Lei de drogas (n 11.343/06): Art. 55. Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.  § 1º Na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá arguir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas; b) Crimes de responsabilidade dos funcionários públicos  CPP, Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze dias; c) Juizados especiais criminais (Lei n 9.099/95). Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença;  d) Competência originária dos tribunais (Lei n 8.038/90)  Art. 4 - Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias; e) Lei de improbidade administrativa (Lei n 8.429/1992;  Em que pese esta lei não ter natureza criminal, ela prevê hipótese de defesa preliminar no artigo 17, in verbis: Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar § 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias Fonte: Curso Intensivo II da Rede de Ensino LFG - Professor Renato Brasileiro de Lima.

[25] Contudo, os mais controvertidos pontos da Lei 13.964/2019 não giram em torno do Juiz das Garantias ou do inquérito policial, mas sim no que diz respeito ao acordo de não persecução penal (Art. 28-A). É sabido que a atual Constituição da República consagrou o que chamamos de Justiça Penal Consensual ao dispor sobre os Juizados Especiais Criminais. Antevendo o atravancamento dos processos judiciais que ocorreria anos mais tarde, culminando na proporção de quase um processo para cada dois brasileiros, o legislador constituinte lançou as bases para a realização de acordos no âmbito criminal.

[26] O pacote de medidas "anticrime", principal bandeira do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é inconstitucional. São ideias inadequadas e ineficazes sob o ponto de vista do enfrentamento ao controle de criminalidade nacional. Algumas são cruéis em relação aos presos, e outras desconsideram direitos, como de individualização de julgamento, acompanhamento por advogados. A posição é da Defensoria Pública da União, que produziu um estudo sobre o tema.

Quanto ao plea bargain, por exemplo, instituto norte-americano de acordo de réus com a promotoria, a DPU afirma ser uma "necessidade inadiável", mas sem que seja importado nos moldes dos Estados Unidos. Há, ainda, problemas a enfrentar antes de pensar nesta questão. O número insuficiente de defensores públicos do país para acompanhar os casos e prestar assistência jurídica seria um deles, para que haja a garantia do direito de defesa efetivo para todo investigado ou acusado. In: POMPEU, Ana. Para DPU, projeto anticrime do governo é inconstitucional e ineficaz. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mai-20/dpu-projeto-anticrime-governo-inconstitucional#:~:text=Para%20DPU%2C%20projeto%20%22anticrime%22%20do%20governo%20%C3%A9%20inconstitucional%20e%20ineficaz&text=O%20pacote%20de%20medidas%20%22anticrime,ao%20controle%20de%20criminalidade%20nacional   Acesso em 19.08.2020.

Sobre os autores
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Arthur

Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. Secretário Municipal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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