Considerações preliminares sobre a Filosofia da Religião

25/10/2020 às 18:03
Leia nesta página:

A expressão "filosofia da religião" surgiu a partir do século XIX, corresponde a parte da filosofia que focaliza em examinar racionalmente as explicações religiosas.

A expressão "filosofia da religião" surgiu a partir do século XIX, corresponde a parte da filosofia que focaliza em examinar racionalmente as explicações religiosas.

 

Durante muito tempo e por muitos filósofos a questão sobre a existência ou não de Deus movimentou o pensamento humano desde a Antiguidade, perpassando por Tomás de Aquino, Santo Agostinho, Nicolau de Cusa e tantos outros.

 

O pano de fundo histórico que serve ao debate é exatamente o desenvolvimento e ascensão do Cristianismo e sua massiva influência enquanto instituição social.

 

Em inúmeras ocasiões, enquanto todo o resto virava pó, a Igreja acumulou tanto riqueza material como capital político. Mesmo enquanto o Império Romano ruía e sofria os ataques dos bárbaros, a Igreja manteve-se como conciliadora e protetora da nobreza feudal.

 

A fé cristã para a doutrina católica era a verdade mais elevada. De sorte que qualquer ato que discordasse dos postulados da Igreja era considerado grave heresia. E, todas as investigações filosóficas e científicas partiam do pressuposto de que a verdade já tinha sido revelada pelo próprio Deus. Portanto, só restava à ciência e à filosofia realizar a comprovação racional da fé.

 

Entre os padres apologistas que mostravam a superioridade da fé cristã em comparação ao paganismo ou politeísmo. Padres como Orígenes, Justino e Tertuliano rejeitavam o recurso às filosofias gregas.

 

E, nessa época, as obras de Platão e Aristóteles estavam desaparecidas e o conhecimento que se tinha dessas passava pelo crivo de filósofos estoicos e neoplatônicos, e por essa razão, sempre apresentavam elementos místicos ou comportamentos que eram tachados pela Igreja como imorais.

 

A Patrística é denominação dada ao conjunto de produção intelectuais sobre a revelação cristã, a maior parte destas de autoria de padres que perceberam a necessidade de argumentação racional a fim de consolidar os preceitos cristãos entre as autoridades e o povo, seu principal expoente foi Santo Agostinho. Aliás, é do santo doutor o estabelecimento da principal diferença entre fé e a razão.

 

Pois é pela fé que galgamos compreender coisas inatingíveis e inalcançáveis pela razão. O que não torna fé e razão contraditórias. Mas, para o filósofo, a fé revela verdades de forma intuitiva, enquanto que as verdades são confirmadas pelo exercício racional. Assim, a alma humana só poderia conhecer a verdade das coisas se iluminada por Deus.

 

Já a Escolástica é denominação dada à reunião de obras filosóficas e teológicas escritas a partir do século IX e, forma reunidas para atender o projeto de organização de ensino promovido por Carlos Magno no século VIII, tal projeto ficou conhecido como a renascença carolíngia. 

 

Nessas escolas fundadas por Carlos Magno eram ensinadas as seguintes disciplinas, submetidas à teologia, a saber: gramática, retórica, dialética (e a reunião das três era conhecida como trivium). A geometria, a aritmética, astronomia e a música (compunham quatrivium). A cultura greco-romana passou a ser divulgada e assim permitiu-se que o pensamento aristotélico pudesse ser considerado nas investigações filosóficas da época.

 

Basicamente o período escolástico pode ser dividido em três fases diversas, a saber: a primeira fase compreendida do século IX ao XII onde predominava a harmonia entre fé e razão; a segunda fase compreendida entre século XII a XIV quando a harmonia entre fé e razão começou a ser parcialmente obtida; a terceira fase compreendia o século XIV ao XVI quando havia a percepção das diferenças fundamentais entre a fé e a razão.

 

Para o notável filósofo alemão Nietzsche o cristianismo veio reforçar a moral dotada de submissão, baseada no pecado e na culpa.

 

Aliás, a própria existência da moral é apenas um instrumento para o enfraquecimento dos fortes. Por essa razão que a tradição ocidental é resultante do processo de enfraquecimento dos fortes, sendo tão distinta do Estado Grego que reunia pelo espírito guerreiro de seu povo e de uma religião que não o desejava domesticar, o que propiciou as condições para o surgimento da tragédia, que é a maior expressão artística dos helenos.

 

A propósito, Nietzsche destacou que os helenos não se referiam aos deuses como se fosse acima de si, isto é, não mantinham a relação de submissão aos entes divinos. Pois os deuses serviam de exemplo do melhor que os humanos poderiam alcançar, sendo um ideal diferente do cristianismo que mergulhou o homem num profundo lamaçal.

 

Destaca-se que a religião grega não tinha um livro sagrado. E, as crenças eram difundidas com uma visão não dogmática e sem autoridade que teria o direito de proteger os dogmas.

 

 

O pensamento de Kierkegaard resta inserido na crítica à filosofia da religião que fora iniciada por Hegel. Mas, o filósofo se opôs à perspectiva de que a filosofia da religião de Hegel que apontava para a redução do cristianismo a um sistema dominada pela lógica, bem como pela junção entre religião e filosofia, em que a especulação filosófica justifica e explica racionalmente a fé. 

 

O problema da relação existente entre razão e fé é o ponto de partida da defesa da fé como paixão. Afinal, a fé é compreendida como dimensão da subjetividade. E, esta é a verdade. Apropriada na interioridade que precisa fazer sentido na vida do indivíduo.

 

A fé é mais alta paixão de todo homem. E, muitos podem até não alcançar. Enfim, a filosofia de Soren Kierkegaard fora elaborada através de profundo processo de autoconhecimento e, principalmente, no enfrentamento de sua própria experiência existencial, suas intuições, melancolia e angústia.

 

A teoria de Kierkegaard se compõe de três estádios a saber: estético, o ético e o religioso. Refere-se, portanto, ao percurso existencial e espiritual do indivíduo, como sendo um processo de individuação, ou ainda, ao desenvolvimento do si mesmo.

 

A teoria dos três estádios não é a definição de um processo linear, em que uma fase exclui a anterior, num determinismo existencial, mas, são possibilidades de experiência existencial; um modo de vida que pode ser superado por outro e, também, estar em processo de constituição.

 

De acordo com Cambridge Dictionary of Philosophy a epistemologia religiosa corresponde a um ramo da filosofia que investiga o status epistêmico de atitudes proposicionais sobre reivindicações religiosas.

 

A epistemologia reformada não é um fideísmo em si mesmo que apoia explicitamente a legitimidade da fé sem o apoio, não apenas de evidências proposicionais, mas também da razão. E, oferece uma explicação metafísica e epistemológica da garantia segundo a qual a crença em Deus pode ser garantida, mesmo que não seja apoiada por evidências, e oferece uma descrição da crença adequadamente básica em Deus é epistêmica, a par de tantas outras crenças básicas comuns sobre o mundo e outras mentes que parecem ser paradigmaticamente racionais.

 

A época medieval foi a mais profícua em pretensas demonstrações da existência de Deus, tal como as cinco vias de Santo Tomás de Aquino, ou o argumento ontológico de Santo Anselmo. Essas provas deixaram de ter ampla aceitação desde o século XVIII, embora ainda convençam muitas pessoas e alguns filósofos.

 

Os argumentos contra e a favor da existência de Deus têm sido propostos por filósofos, teólogos, cientistas e tantos outros pensadores ao longo da história da humanidade. Em termos filosóficos, tais argumentos envolvem principalmente a epistemologia e a ontologia.

 

E, os argumentos para a existência de Deus normalmente incluem questões metafísicas, empíricas, antropológicas, epistemológicas ou subjetivas. Os que acreditam em deus ou mais divindades são chamados de teístas e os que rejeitam são chamados de ateus.

 

O debate filosófico sobre a existência de Deus começou com Platão e Aristóteles que formularam argumentos que hoje podem ser classificados como cosmológicos. E, também Epicuro preocupou-se com o problema do mal através do seguinte questionamento: se Deus é onipotente, onisciente e benevolente, por que o mal existe?

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A favor da existência divina também foram propostos por Santo Anselmo que foi o primeiro a formular o primeiro argumento ontológico e Tomás de Aquino veio a apresentar mais tarde suas próprias versões sobre o argumento cosmológico e a primeira via, respectivamente.

 

Descartes afirmou que a existência de Deus benevolente era logicamente necessária e, Immanuel Kant ainda argumentou que pode a existência de Deus ser reduzida a partir da existência do bem.

 

Pensadores que forneceram argumentos contra a existência de Deus incluem David Hume, Nietzsche e Bertrand Russel. Já para cultura contemporânea, a existência de Deus fora debatida por cientistas como Stephen Hawking, Richard Dawkins, John Lennox e Francis Collins, bem como pelos filósofos, incluindo Daniel Dennett, Richard Swinburne, William Lane Craig, Michael Tooley e Alvim Plantinga.

 

A existência de deus fora defendida por teses e argumentos distintos por São Boaventura, Duns Scoto, Descartes, Leibniz, Hegel, Newton, Karl Bath e N. Malcom. E, rejeitaram o argumento ontológico, os filósofos como Tomás de Aquino, David Hume, Immanuel Kant entre outros.

 

A principal crítica de Aquino foi ao propor uma definição de Deus. Posto que seja transcendente e, portanto, seria impossível para os humanos defini-lo. Em versão mais recente e sofisticada, fora proposta por Plantinga que pretende, por meio da semântica de mundo possíveis, demonstrar a existência de Deus.

 

Não tendo como esgotar as possibilidades de reflexão, preliminarmente cabe apontar para a complexa teia que compõe a relação da filosofia e da religião bem como sua interconexão que faz da significação da religião um tema importante no estudo da filosofia. Aliás, para se analisar adequadamente o problema de Deus e da religião deve-se seguir um paralelo composto da história e da teologia.

 

Referências: Não tendo como esgotar as possibilidades de reflexão, preliminarmente cabe apontar para a complexa teia que compõe a relação

da filosofia e da religião bem como sua interconexão que faz da significação da religião um tema importante no estudo da filosofia. Aliás, para se analisar adequadamente o problema de Deus e da religião deve-se seguir um paralelo composto da história e da teologia.

Refências:

PLANTINGA, Alvin (1982). The Nature of Necessity. Oxford: Oxford University Press line feed character character in |editora= at position 18

Kant, Immanuel. “The Critique of Pure Reason”, Encyclopædia Britannica, Inc, p.177-179

Guyer, Paul. “Cambridge Companion to Kant”, Cambridge University Press, p.399

Anais da Sociedade Brasileira de Filosofia, Volume 7;Volume 15. 1946. Sociedade Brasileira de Filosofia, Rio de Janeiro

 Leuenberger, Hans-Dieter. História do Esoterismo Mundial. [S.l.]: Editora Pensamento. 232 páginas

Couto, Daniel. A religião: um ponto de vista filosófico. Disponível em:https://domtotal.com/noticia/1118020/2017/02/a-religiao-um-ponto-de-vista-filosofico/  Acesso em 6.10.2020

 

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos