É possível impetrar habeas corpus contra mera suspeita de prisão?

25/10/2020 às 21:11
Leia nesta página:

Analisa-se a possibilidade de impetração do habeas corpus na modalidade preventiva diante de suspeitabilidade de prisão.

Remédio constitucional

O Habeas Corpus - usualmente abreviado para “HC” – é um dos instrumentos jurídicos mais antigos que se tem conhecimento, possuindo berço no Direito Romano.

Através da sua natureza jurídica de ação autônoma, o HC destina-se ao resguardo da garantia fundamental da liberdade de locomoção, de alçada indiscutivelmente constitucional, o que o faz ser chamado constantemente de remédio constitucional.

Essa qualidade advém da ideia de que o HC serve para “sarar” uma ferida, “curar” uma “patologia” jurídica, ou seja, resolver um problema que vai além da própria matéria que ali consta. Possui, por isso, uma alta capacidade de desfazimento de ilegalidades ou abusividades, quando elas, de alguma forma, interfiram no direito de ir, vir e permanecer.

Dado seu caráter fundamental, o HC é - ou ao menos deveria ser - o meio adequado para se anular, de forma efetiva, uma coação à liberdade de locomoção, sem que seja necessário se ater às barreiras burocráticas da atividade processual.

Exemplo: uma decisão que manda prender determinada pessoa, mas que é emanada por autoridade incompetente, pode ser desfeita por meio da impetração do HC.

Cláusula pétrea

A fundamentação do HC no direito brasileiro hoje encontra-se, precipuamente, nos termos elencados no inciso LXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal – CF, cuja previsão tem força irrestringível, já que se enquadra nas hipóteses de cláusula pétrea (inciso IV, do parágrafo 4º, do artigo 60, da CF).

Vários nomes

Outras formas de se fazer referência ao HC: ação constitucional, remédio heroico, impetração de liberdade, writ, mandamus (menos utilizado).

Partes

Aquele que impetra o HC é chamado de Impetrante, e terá sua atuação no polo ativo da demanda. Já aquele em face de quem se impetra o writ é chamado de Impetrado – o polo passivo da demanda.

Mas e a pessoa que está sofrendo a coação, quem é nessa história?

Aquele que sofre a coação é chamado de Paciente: é o indivíduo que, de alguma forma, vê seu direito de locomoção ferido por atitude ilegal ou abusiva de certa autoridade, sendo o verdadeiro beneficiado nos casos de concessão da ordem.

O Paciente também pode ser o próprio Impetrante, desde que esteja postulando a ordem em seu nome - o que não é muito comum.

Ausência de formalidades

Muito diferente do que ocorre com as demais medidas judiciais, onde o não atendimento às formalidades pré-determinadas pode levar, até mesmo, ao indeferimento liminar do pedido, o HC é tratado como um instrumento jurídico que dispensa rigorismos exacerbados. Isso está atrelado, como dito acima, ao seu caráter de defesa de garantia fundamental, que, ao ser sopesado com as exigências processuais, supera a necessidade da alta carga de formalidade.

Mas atenção: isso não quer dizer que o HC pode ser feito de qualquer jeito, de maneira alguma. A intenção é apenas que o instrumento dispense meras burocracias em nome da garantia máxima do direito à liberdade.  

Há certos doutrinadores que afirmam que em decorrência disso o HC pode até mesmo ser feito “em um papel de pão”, como forma de ilustrar o baixo rigor necessário na confecção do remédio constitucional.

Em que pese isso, na prática o que se vê são HCs sendo impetrados como todas as demais peças jurídicas comuns, com sua praxe de estilo.

Após a ocorrência da restrição... mas e antes?

O mais usual é que o HC seja impetrado em face de uma decisão ilegal ou abusiva que já tenha restringido a liberdade do indivíduo, ou seja, quando o indivíduo já teve sua liberdade maculada.

É o que chamamos de HC repressivo.

Para ilustrar, imagine a seguinte situação: João está em sua casa quando ouve a campainha tocar; ao sair para atender a porta, é surpreendido por um policial que lhe dá voz de prisão, em cumprimento a um mandado da Justiça local; o advogado, ao verificar o mandado, nota que a fundamentação utilizada pelo magistrado para ordenar a prisão de João está revogada; diante disso, de forma imediata, o patrono impetra HC perante a autoridade competente, em favor de João.

Nesse caso o que se busca é a expedição de um alvará de soltura.

Agora imagine outra situação: Maria, acompanhando um processo no qual responde por determinado crime, verifica que há decisão nos autos em que foi ordenada a sua prisão; imediatamente Maria comunica o fato ao seu advogado, que, ao acessar os autos, percebe que tal decisão foi prolatada após já ter ocorrido a prescrição do crime; instantaneamente o advogado impetra, então, um HC requerendo o afastamento da iminente prisão.

Note que nessa segunda situação ainda não houve a efetiva restrição da liberdade, mas sim, um indício patente de que a restrição ocorrerá, já que se tem notícia de decisão decretando prisão de forma contrária à norma.

Aqui, portanto, deve ocorrer a impetração de HC preventivo.

Nesse caso o que se busca é a expedição de um salvo-conduto.

Importante observar, no entanto, que para que haja a possibilidade de impetração do HC preventivo é necessário que se esteja diante de fundado receio de constrangimento à liberdade de locomoção, não bastando, para tanto, mera suspeita (temor remoto) de que a prisão ilegal ou abusiva ocorrerá. Ou seja, não é possível a impetração de HC preventivo quando o risco ao jus libertatis do indivíduo for simplesmente hipotético (vago, incerto).

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Portanto, a resposta à pergunta inicial é não.

Resumindo

Para ficar claro, veja o esquema abaixo:

  • SITUAÇÃO
  • MODALIDADE
  • OBJETIVO
  • restrição da liberdade já ocorrida
  • HC repressivo
  • alvará de soltura
  • liberdade concretamente ameaçada
  • HC preventivo
  • salvo-conduto
Sobre o autor
Gustavo Carvalho

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Itu - FADITU e Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG - Assessor Jurídico e Advogado Contencioso - garantista por natureza

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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