Visão geral sobre o Princípio da Insignificância e sua aplicação no Direito Penal Brasileiro

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3       REQUISITOS ADOTADOS PELA JURISPRUDÊNCIA

De acordo com Masson (2018), para que o princípio da insignificância seja reconhecido, depende de requisitos objetivos, relacionados ao fato, e de requisitos subjetivos, vinculados ao agente e à vítima.

Deve ser analisado conforme o caso concreto, e não conforme o plano abstrato.

3.1. Requisitos objetivos

Ensina Rogério Sanches (2015, p. 72), que:

A aplicação do princípio da insignificância não é irrestrita. Não é suficiente que o valor do bem subtraído seja irrelevante (furtar uma caneta da marca "Bic", por exemplo). Os Tribunais Superiores estabelecem alguns requisitos necessários para que se possa alegar a insignificância da conduta. São eles: (A) a mínima ofensividade da conduta do agente, (B) a ausência de periculosidade social da ação, (C) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e, por fim, (D) a inexpressividade da lesão jurídica causada.

Nas palavras de Márcio André Lopes (2019, p. 851):

Segundo a jurisprudência, somente se aplica o princípio da insignificância se estiverem presentes os seguintes requisitos cumulativos:

  1. mínima ofensividade da conduta;
  2. nenhuma periculosidade social da ação;
  3. reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
  4. inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No ano de 2004, o Ministro Celso de Mello, por meio do HC 84.412-0/SP, concedeu uma liminar, impetrada no Supremo Tribunal Federal. Nesta liminar o Ministro idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, e tais requisitos são adotados tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça.

Desse modo, afirma o Supremo Tribunal Federal (HC 84.412-0/SP, rel. Min. Celso De Mello), que:

O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Diante disso, para a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o princípio da insignificância, somente será aplicado se estiverem presentes os requisitos cumulativos.

Corroborando com o exposto, aduz o Supremo Tribunal Federal (RHC 118.972/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, rel. do acórdão Min. Cármen Lúcia), que:

Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

O Supremo Tribunal Federal não faz distinção entre os requisitos objetivos. A insignificância penal é um fator de política criminal, sendo mais do que um princípio. Desse modo, deve o julgador ter ampla flexibilidade, para negá-lo ou aplicá-lo, levando em conta as peculiaridades do caso concreto (MASSON, 2018).

3.2 Requisitos subjetivos

Tais requisitos não se relacionam ao fato, mas sim ao agente e à vítima do fato descrito em lei como crime ou contravenção penal.

Para Masson (2019), são requisitos subjetivos a importância do objeto material para a vítima, bem como as circunstâncias e resultados do crime.

Prelecionam Estefam e Gonçalves (2018, p. 129), que:

A jurisprudência nacional prestigia grandemente o princípio da insignificância ou bagatela, já tendo sido acolhido em inúmeras decisões de nossos tribunais, notadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Este, inclusive, desenvolveu quatro vetores para sua aplicação, de tal modo que a apreciação concreta da insignificância do comportamento não fique adstrita à dimensão econômica do prejuízo sofrido pela vítima, mas seja pautada por uma análise global da conduta e do agente.

Conforme Masson (2018), as condições pessoais do agente e as condições da vítima, são os dois requisitos subjetivos, para o reconhecimento do princípio da insignificância.

Sustenta Masson (2018), em relação ao reincidente, existem duas posições sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, a primeira, veda a incidência de tal princípio, asseverando que não há interesse da sociedade no deferimento do benefício ao condenado definitivo.

Assim, já foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (HC 123.108/MG):

No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. Nesse caso, o Colegiado, por decisão majoritária, denegou a ordem, mas concedeu “habeas corpus” de ofício para fixar o regime aberto para cumprimento de pena.

Já a segunda posição é que se admite o princípio da insignificância em favor do reincidente, assim, exclui-se a tipicidade do fato, e a reincidência é utilizada somente na dosimetria da pena.

Desse modo, há pronunciamento do Supremo Tribunal de Federal (HC 114.723/MG), aduzindo que:

1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social.

2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal.

O Superior Tribunal Federal entende que a decisão ou não do princípio da insignificância deve ser feita caso a caso.

Confirma Márcio André Lopes (2019, p. 851), “a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto.”.

As condições da vítima também dependem das condições do ofendido. Deve-se combinar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a condição econômica, o valor sentimental do bem, assim como também as circunstâncias e o resultado do crime, tudo de modo a determinar, subjetivamente, se houve relevante lesão (MASSON, 2018).


4      CONCLUSÃO

Conforme dito, o princípio da insignificância é fundamentado em valores de política criminal ou ciência criminal, a qual trabalha as estratégias e os meios de controle social da criminalidade, ela ocupa-se do crime enquanto valor.

De acordo com a doutrina majoritária, o princípio da bagatela atua como causa supralegal de exclusão da tipicidade material. A tipicidade penal é a união da tipicidade formal com a tipicidade material, uma trata do juízo de adequação e a outra da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

A aplicação do princípio da insignificância deve ser analisado de acordo com o caso concreto, dependendo de requisitos objetivos e requisitos subjetivos.

O Ministro Celso de Mello idealizou quatro requisitos objetivos, os quais são adotados tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. São eles: mínima ofensividade da conduta; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Para a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o princípio da bagatela, somente será aplicado se estiverem presentes os requisitos cumulativos.

Os requisitos subjetivos relacionam-se as condições pessoais do agente como reincidência, criminoso habitual e crime militar, e ainda as condições da vítima do fato descrito na norma penal, trata-se da importância do objeto para vítima, as circunstâncias e o resultado que se deram do crime.

Conclui-se, portanto, que o aludido princípio pode ser aplicado em qualquer crime, desde que seja compatível e que estejam presentes seus requisitos. Entretanto sua maior incidência de aplicação é nos delitos contra o patrimônio.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal: HC 108.946. Partes: Adilson Castilhos de Oliveira, Defensoria Pública da União, Defensor Público Geral Federal, Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA. Data de Julgamento: 22/11/2011. Rio Grande do Sul, 07 de dezembro de 2011. Disponível em:htts://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20995060/habeas-corpus-hc-108946-rs-stf/inteiro-teor-110217494. Acesso em: 08 out. 2019.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal: RHC 118972. Partes: Michele Andrade, Defensoria Pública da União, Defensor Público Geral Federal, Ministério Público Federal, Procurador – Geral da República. Relator: Min. GILMAR MENDES, Relator do acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA. Data de Julgamento: 03/06/2014. Minas Gerais, 04 de setembro de 2014. Disponível em:htts://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342400/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-118972-mg-stf/inteiro-teor-159437849?ref=juris-tabs. Acesso em: 08 out. 2019.

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Sobre os autores
Emerson Almeida Nogueira

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente (2009); Tem experiência na área de Direito. Advogado atuante com ênfase em Direito, desde 15.01.2010; Inscrito até 2018, junto ao Serviço Público Federal - MJSP - Polícia Federal, como Instrutor do Curso de Formação de Vigilantes; Pós Graduado em Direito Penal, Processo Penal e Legislação Especial no Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente; Membro suplente, representante da OAB/SP, junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP - Campus de Presidente Prudente - SP; Especializando em Direito Público e Gestão Pública, pelo Instituto Damásio de Direito / Ibmec.

Karen Larissa Klem Pinheiro

Bacharela em Direito pela Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE Pós - graduanda em Direito Previdenciário - Faculdade Legale

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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