RESUMO: Este artigo trata da manipulação de massa por meio de técnicas de comunicação violenta, notadamente a polarização no âmbito político, e o efeito catalisador da unidimensionalidade temporal provocada pela Internet. Potenciada pelo individualismo possessivo consumista, o tecido social rompe-se, os litígios multiplicam-se e o Poder Judiciário, por suas limitações estruturais, age de forma tão ou mais violenta por meio de seus ritos clássicos procedimentais, realimentando o sistema.
Palavras-Chave: Comunicação. Polarização. Manipulação. Individualismo. Violência.
ABSTRACT: This article deals with mass manipulation by means of violent communication techniques, notably polarization in the political sphere, and the catalytic effect of the one-dimensional temporal brought by the Internet. Empowered by consumerist possessive individualism, the social fabric breaks down, litigation multiplies and the Judiciary, by their structural limitations, acts as or more violently through its classic procedural rites, feeding the system.
Keywords: Communication. Polarization. Manipulation. Individualism. Violence.
Introdução
A comunicação é antes de tudo um fato biológico, operada a nível celular. É a partir dela que o processo social tem início e por isso se constitui como código-fonte da teoria sistêmica luhmanniana.
A violência fez e faz parte do mundo natural e integra mecanismos de defesa conscientes e inconscientes do ser humano. As nuances que a envolvem no processo comunicativo, especialmente em mensagens polarizadoras, alcançam notável nível de ressonância e, consequentemente, alta visibilidade na arena pública.
A complexidade cada vez maior das relações sociais, a infinidade de informações e a multidirecionalidade da comunicação somadas ao individualismo possessivo consumista desencadeiam sentimentos inconscientes que provocam reações menos racionais e objetivas, ativando então os diferentes mecanismos de defesa com a finalidade de proteger o ego do desprazer psíquico.
As mudanças catalíticas advindas da Revolução Tecnológica trouxeram incontáveis avanços em diversas áreas do conhecimento, abrindo caminho ultra sofisticado para o desenvolvimento da ciência. Porém, parece estarmos próximos de um novo ponto de inflexão, a exemplo do excesso de racionalidade que culminou nos regimes totalitários segundo Friedrich Wilhelm Nietzsche, Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer.
Em tempos em que não há tempo para nada, não há tempo para refletir, pensar e filosofar. Por ser a pedra inaugural, mãe de toda a ciência, se não há tempo para a reflexão, não há tempo para o autoexame, o autoconhecimento e o autodescobrimento.
Almas sem rumos são espaço de toda alienação, arrebatadas pela moral de rebanho, pastoreadas pela superestrutura que se impõe a serviço de interesses alheios, quase sempre ligados ao capital e ao poder.
A escravização antes era literalmente sentida na pele, os escravos sabiam que eram seus senhores diria Hegel. Hoje, muitos de nós nem percebemos o processo escravizante. O sistema capitalista, por meio da tecnologia do poder, perpetua sua ideologia. O lazer há muito foi monetizado e passou a equivaler a consumo. Então a felicidade vem do ter e não do ser diria Erich Fromm. Agora, empreendedores do Vale do Silício convertem o tempo livre de bilhões de pessoas em lucro, muito lucro. Elas passam a produzir conteúdo gratuitamente para aquelas empresas.
Estamos submersos no que são, a partir de agora, volumes dilatados e saturados a um ponto que nossos próprios corpos pós-modernos estão desprovidos de coordenadas espaciais, incapazes na prática (e, é claro, na teoria) de se distanciarem; ao mesmo tempo, já nos referimos a como a nova expansão do capital multinacional acaba penetrando e colonizando exatamente aqueles enclaves pré-capitalistas (a Natureza e o Inconsciente) que antes ofereciam uma base extraterritorial ou arquimediana para a efetividade crítica.
Esse é um tipo de violência que o regime discursivo torna invisível. Mas ainda persiste aquela tal qual conhecemos e com mais voracidade no ambiente virtual. A intolerância e a banalização da violência e do sofrimento em escala mundial revelam uma outra pandemia não menos grave, tão ou mais fatal quanto a enfrentada no começo deste século XXI.
E todos acabam se aproveitando desse nicho, afinal, todos estamos imersos no sistema e não há mais tempo para pensar.
A única forma de resistir à persuasão é contar com armaduras, barreiras e ferramentas cognitivas, o que depende não só de escolaridade, mas acima de tudo de amplitude crítica, dar ao corpo deambulante uma alma, vale dizer, tempo para o autoexame, o autoconhecimento e o autodescobrimento.
Na insólita beleza das palavras de Victor-Marie Hugo:
Já perscrutamos bastante as profundezas dessa consciência e é chegado o momento de continuarmos a examiná-la. Não o fazemos sem emoção ou estremecimento. Nada existe mais terrível que esse tipo de contemplação. Os olhos do espírito não podem encontrar em nenhum lugar nada mais ofuscante, nada mais tenebroso que o homem; não poderão fixar-se em nada mais temível, mais complicado, mais misterioso e mais infinito. Existe uma coisa maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: o interior de uma alma.
Metodologia
Este artigo foi elaborado com base em pesquisas teóricas e empíricas no âmbito da comunicação conjugada com a teoria dos sistemas. Neste particular, houve rápida abordagem das técnicas e formas de controle, dominação e manipulação utilizados no tempo. No âmbito das teorias comunicacionais, utilizou-se uma focada no grupo e outra no indivíduo, respectivamente agenda-setting de Maxwell McCombs e Donald Lewis Shaw e modelo de elaboração de verossimilhança de Richard E. Petty e John Terrence Cacioppo.
O estudo dirigiu foco à violência institucionalizada e as implicações daí decorrentes, lançando luz à técnica da polarização, uma forma de comunicação violenta extremamente eficaz para se obter ressonância e visibilidade no modelo teórico de Ruud Koopmans. Para isso, analisou-se as rápidas mudanças advindas da Revolução Tecnológica, especialmente no âmbito da Internet e das redes sociais, e o padrão comunicativo dos atuais presidentes eleitos no Brasil e nos Estados Unidos da América e os reflexos no tecido social e, consequentemente, no Poder Judiciário.
Desenvolvimento
A técnica da polarização como meio de comunicação, apesar de não ser fenômeno recente, tem se difundido em diversos ambientes, catalisado pelo alcance das mídias sociais, configurando-se como importante elemento na arquitetura de escolha.
A polarização adota comunicação violenta, resultado de observação unilateral do interlocutor ou da distorção dela a fim de (ir)racionalizar fatos conduzindo a uma análise superficial ou incoerente da realidade. Também não leva em consideração o sentimento alheio ou a necessidade daquele não integrante do grupo da qual faz parte o emissor.
Entre 70 e 30 mil anos atrás novas formas de pensar e se comunicar fundaram a Revolução Cognitiva e deram uma vantagem evolutiva sem precedentes ao Homo sapiens. Com uma linguagem extremamente versátil, produzimos, consumimos, armazenamos e comunicamos uma quantidade extraordinária de informação, o que mais tarde descortinou as Revoluções Agrícola, Científica e Industrial.
Com o surgimento dos impérios, quantidades enormes de informação eram geradas (leis, registros de transações e impostos, inventários de suprimentos militares e navios mercantes, calendários de festividades e vitórias), e era preciso administrá-las. Durante milhões de anos, tais informações foram armazenadas no cérebro, que já não era capaz de lidar com a vasta quantidade e complexidade delas, o que exigiu um novo meio de informação: os números.
Milhares de anos depois, o estrondoso impulso decorrente da superação da mitologia pela filosofia com base na tríade logos, physis e arkhé, os intensos e calorosos debates nas ágoras gregas, locais de disputa oratória baseada na isonomia dos cidadãos, substituiu-se ineditamente o despotismo pela democracia, que ainda resiste em diversos pontos do planeta.
Mas o livre intercâmbio de ideias encontrou forte resistência na polícia do pensamento, até hoje institucionalizada em algumas nações e em outras operando em níveis sutis.
A queima de livros e o sepultamento de intelectuais é expressão derivada da política levada a cabo durante a dinastia Qin na China, entre 221 a.C. a 206 a.C., período em que o governo abandonou ideais confucionistas e passou a executar opositores e queimar seus respectivos livros.
No século XVI, a teoria geocêntrica de Aristóteles e Ptolomeu era a episteme da época na expressão foucaultiana. Malgrado a teoria heliocêntrica tivesse sido antevista pelo astrônomo grego Aristarco de Samos entre 300 a 200 anos antes de Cristo, foi ela revivida por Nicolau Copérnico, astrônomo, matemático e padre polonês, teoria que foi considerada por Martinho Lutero como uma afronta escandalosa às sagradas escrituras.
Mais tarde, Giordano Bruno, teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano, inspirado por sua intuição e acima de tudo guiado por sua fé - sem evidências científicas -, ampliou tal conceito para a tese do universo infinito, iluminado por uma infinidade de estrelas e planetas.
Embora hoje saibamos que Bruno sempre estivera correto cientificamente - pois que a Terra não é o centro do Universo e existem incalculáveis estrelas e planetas, consoante observações efetuadas por Galileu Galilei apenas 10 anos após a morte de Bruno -, àquela época sua teoria contrariou o simples argumento de autoridade da igreja e as sagradas escrituras, pelo que permaneceu preso durante 8 anos, e, ao final, em 8 de fevereiro de 1600, foi condenado à morte na fogueira pela Inquisição do Santo Ofício.
Esse tipo de comunicação violenta de extrema opressão acompanha a história da humanidade seja de maneira explícita, direta e exibicionista, seja de maneira implícita, indireta e discreta.
E é assim desde a antiguidade, como visto, passando pela Era dos descobrimentos, das Grandes Navegações ao período pré-colonial, e depois pelas Grandes Guerras, notadamente os regimes totalitários fascista, stalinista e nazista, além das ditaduras latino-americanas.
Agora, em 2 de setembro de 2020, em laboratório militar alemão, exames toxicológicos de amostras de sangue de Alexei Navalny, ativista anticorrupção opositor do governo russo de Vladimir Putin, deram conta de que foi ele envenenado pela substância neurotóxica novichok.
E a lista recente de opositores que foram supostamente envenenados pelo governo russo incluem: Sergei Skripal, Pyotr Verzilov, Vladimir Kara-Murza Jr., Alexander Litvinenko, Anna Politkovskaya e Yury Schekochikhin.
Em 7 de fevereiro de 2020, Li Wenliang, ex-médico chinês, faleceu na luta contra o novo coronavírus. Apontado como um dos primeiros a identificar o surto da doença respiratória e alertar as autoridades, acabou detido pela polícia de Wuhan, na China, acusado de propagar boatos falsos, quando foi obrigado a assinar documento reconhecendo que seus alertas eram infundados e ilegais.
Em 29 de junho de 2019, Rafael Ramón Acosta Arévalo, ex-capitão de corveta das Forças Armadas da Venezuela, preso pelo governo de Nicolás Maduro e acusado de terrorismo, conspiração e traição, faleceu em consequência dos ferimentos advindos de suposta tortura.
Em 2 de outubro de 2018, Jamal Ahmad Khashoggi, ex-colunista do jornal estadunidense The Washington Post, forte crítico do príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, bem como do rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, dirigiu-se ao consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, onde foi supostamente morto por agentes sauditas.
Em 13 de fevereiro de 2017, Kim Jong-nam, crítico de sua família, do regime norte coreano e do respectivo sistema de sucessão, meio-irmão paterno de Kim Jong-un, este atual líder supremo da Coreia do Norte, foi assassinado no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia, por duas mulheres que espirraram no rosto dele a arma química VX, supostamente instruídas por agentes norte-coreanos.
O laço comum entre Rússia, China, Venezuela, Arábia Saudita e Coreia do Norte é a pouca ou nenhuma liberdade democrática, o que inclui o controle dos meios de comunicação, destacando-se que Coreia do Norte, Arábia Saudita e China figuram na lista atualizada de 2019 do Comitê de Proteção dos Jornalistas dos 10 países que mais censuram, respectivamente em segundo, terceiro e oitavo lugar, além de Eritreia (1º), Etiópia (4º), Azerbaijão (5º), Vietnã (6º), Irã (7º), Mianmar (9º) e Cuba (10º).
Em contrapartida, em países de democracia mais avançada, os mecanismos de controle evidentemente são outros, não menos eficazes, todavia.
Antes, a política controlava a comunicação, como ainda o fazem os países listados pelo Comitê de Proteção dos Jornalistas, muitos deles exercendo uma prática primária de controle a exemplo da citada queima de livros e execução sumária de opositores e, contemporaneamente, o massivo controle sobre os meios de comunicação de massa, notadamente jornal, televisão, rádio e internet.
Não por acaso muitos políticos eram e ainda são proprietários de empresas de comunicação. Particularmente no ano de 2008, consoante dados do Observatório do Direito à Comunicação, eram 271 políticos brasileiros sócios ou diretores de empresas de radiodifusão no país, dentre eles 147 prefeitos, 55 deputados estaduais, um governador, 48 deputados federais e 20 senadores, sem contabilizar aqueles que tinham relações informais ou indiretas.
A política, no passado, controlava a comunicação com estratégias de bastidores, de modo a dar visibilidade aos interesses que estavam em jogo, tudo, evidentemente, com contrapartidas para ambos os lados.
Uma amostra notável desse estratagema foi o apoio à ditadura militar dado pelo Grupo Globo, maior conglomerado de mídia e comunicação do Brasil e da América Latina, o que reconhecido em editorial de Roberto Marinho de 7 de outubro de 1984, apoio que também foi dado por outros grandes jornais (O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e Correio da Manhã).
Mais tarde, especificamente em 2013, o Grupo Globo reconhece em editorial o erro de ter apoiado o golpe militar de 1964, o que também foi feito por alguns dos veículos de comunicação acima mencionados.
Somos uma força planetária de 7,8 bilhões de humanos no pálido ponto azul e fica difícil para qualquer entidade de controle colocar tantos pássaros numa gaiola.
A tecnologia do poder evoluiu, assim como todo e qualquer ramo do conhecimento, ajustando-se e acomodando-se de acordo com o regime de governo, as estruturas sociais dominantes, as necessidades e janelas de oportunidades.
Voltando alguns milênios no tempo, há registros de tratados a respeito de situações específicas de convivência internacional pelos povos egípcios e gregos. No Direito Romano existia o jus gentium, e, em 1780, o termo Direito Internacional foi empregado pela primeira vez pelo filósofo e jurista iluminista inglês Jeremy Bentham na obra An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, como lembra Paulo Henrique Gonçalves Portela.
A partir do século XIX, lançada a semente com a assinatura do Pacto Briand-Kellog (1928), a guerra de conquista é vedada em âmbito internacional, permitindo-se o uso da força nas relações internacionais somente em caso de agressão ou no legítimo interesse da sociedade internacional para manter e promover a paz e a segurança no mundo, o que depois foi previsto na Carta das Nações Unidas (1945) e no Estatuto de Roma (1998).
Mas a citada vedação não impediu que a tecnologia do poder desenvolvesse novos mecanismos para a continuidade do exercício de controle, influência e domínio, como estudado por Zygmunt Bauman, sociólogo, filósofo e professor polonês.
A guerra, em sua concepção clássica, era composta por exércitos contrapostos, líderes distintos, organizados e uniformizados com o objetivo de conquistar territórios.
Na guerra atual surge com mais intensidade a figura do terrorismo, uma vez que vedada a guerra de conquista. Embora ainda não exista uma definição precisa, os grupos terroristas atuam desvinculados de uma nação, geralmente motivados por questões político-ideológicas (ideais fundamentalistas e separatistas), e praticam atos criminosos de extrema violência pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror, medo e pânico no público em geral.
O uso sistemático do terror como recurso de controle social e político tem acompanhado a humanidade por milênios. Xenofonte, historiador, soldado e escritor grego que viveu entre 430 a 355 a.C., registrou que o terrorismo era praticado pelos governos das Pólis (cidades-Estado gregas) como forma de guerra psicológica contra populações inimigas. O grupo mais antigo a se utilizar desse método foram os zelotes, uma seita e partido político judaico que desencadeou uma luta contra o poder romano na Judéia, na época do imperador Tito (79 a 81 d.C.). Entre outras ações, os zelotes assassinavam judeus ricos que colaboravam com Roma.
Também semearam o terror os imperadores romanos Tibério e Calígula, os membros da Santa Inquisição, Robespierre, Saint-Just e seus adeptos, os integrantes da Ku Klux Klan, os bolcheviques, as milícias fascistas, stalinistas, nazistas, e outros tantos agrupamentos humanos.
Todavia, as táticas terroristas, neste sentido mais estrito e já com esse nome, passaram a ser empregadas no século XIX com a fundação da Irish Republican Brotherhood em 1867, com que os republicanos irlandeses passaram a combater o domínio inglês sobre seu território. Essa irmandade (brotherhood) foi precursora do IRA - Irish Republican Army (Exército Republicano Irlandês) que continuou a utilizar-se do terrorismo até o final do século 20. É provável que os irlandeses tenham exportado suas táticas para as organizações revolucionárias anarquistas russas no final do século XIX. Desses grupos, o Narodnaia volia (Vontade do Povo) ou Pervomartovtsi promoveu o atentado mais notório de sua época: o assassinato do czar (imperador) Alexandre II, em 13 de março de 1881, além da tentativa de assassinato de seu filho, Alexandre III, que o sucedeu.
Nessas circunstâncias, não raro surge o ímpeto de se atacar todo um país por conta de atos isolados de um grupo, como a invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos da América - EUA após os ataques coordenados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001.
O primeiro uso de um drone em combate ocorreu no dia 7 de outubro de 2001, data de início da Guerra no Afeganistão, logo após os citados ataques. O piloto da Força Aérea norte-americana Scott Swanson, instalado confortavelmente na sede da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) em Langley, na Virgínia, controlava remotamente um drone General Atomics MQ-1 Predator sobre Kandahar, a mais de 10 mil quilômetros de distância. O ocupante de uma caminhonete foi identificado como Mulá Omar, então líder do Talibã. O Hellfire acertou o alvo, matando dois homens, mas Omar não estava entre eles.
Segundo dados do projeto Drone Warfare, da organização não-governamental The Bureau of Investigative Journalism, os EUA realizaram 14.040 ataques com veículos aéreos não tripulados desde 2010 somente nos quatro países monitorados: Afeganistão, Paquistão, Somália e Iêmen. Os números atualizados dão conta de que as operações militares provocaram de 8.858 a 16.901 mortes, entre estes 910 a 2.200 civis e 283 a 454 crianças.
O Predator carrega sob suas asas dois mísseis AGM-114 Hellfire, que são mísseis ar-superfície (para alvos terrestres) extremamente letais e precisos, e que podem acertar um tanque de guerra a até 8 km de distância, guiados por um feixe de laser. É uma arma tão letal que várias bases aéreas americanas estão substituindo seus esquadrões de caças F-16 por Predators. Ele pode voar 740 km para chegar a um alvo, manter-se na área por 14 horas, sobrevoando-a, e depois voltar para sua base de lançamento.
De outro lado, o Global Hawk é um avançadíssimo sistema de vigilância e espionagem. Possui uma envergadura (distância entre as pontas das asas) de 39,9 metros, maior que a de um Boeing 737-700, o modelo mais usado pela Gol. Como é um avião de vigilância e espionagem, possui alcance de 14 mil quilômetros e pode voar por 28 horas ininterruptas a uma altitude de 60 mil pés (quase 20 mil metros), sendo capaz de cobrir 100 mil quilômetros quadrados em um dia.
Entre seu equipamento operacional, possui um potente radar de abertura sintética, além dos sensores eletro-óptico e infravermelho que podem ser operados simultaneamente com o radar para fornecer imagens de altíssima definição do terreno a ser observado. Além disso, o radar possui indicador de alvos em movimento no solo, que identifica quando algo está se mexendo e fornece a velocidade e posição (em coordenadas) para que possa ser lançado algum míssil ou bomba guiados por satélite.
Carrega ainda uma infinidade de sensores para coleta de dados de sinais (SIGINT - signal intelligence), sendo capaz de interceptar comunicações de rádio e qualquer outro tipo de transmissão de dados sem fios. Leva também consigo sistemas de autodefesa como o aviso de laser ou rastreamento por outro radar (quando um laser está travado nele para guiar um míssil ou é identificado por outro radar para o mesmo propósito) e um sistema de interferência eletrônica para atrapalhar os mísseis lançados.
Drone, veículo aéreo não tripulado (VANT) ou aeronave remotamente pilotada (ARP) é qualquer aparelho que possa sustentar-se na atmosfera a partir de reações do ar que não sejam as reações do ar contra a superfície da terra, e que se pretenda operar sem piloto a bordo, conforme definição da Instrução do Comando da Aeronáutica - ICA 100-40, reeditada pela Portaria DECEA n. 112/DGCEA, de 22 de maio de 2020.
Em palavras simples, drone é um robô voador, que, em 2001, inaugurou uma forma inédita de guerra extremamente eficaz e mortal.
O emprego desta tecnologia de poder possibilitou a captura de Sadam Hussein e a morte de Osama bin Laden e Qasem Soleimani pelos EUA em 13 de dezembro de 2003, 2 de maio de 2011 e 3 de janeiro de 2020, respectivamente. A morte do último, aliás, é considerada mais impactante que a dos dois últimos, pois, como ex-chefe da Força Quds iraniana e figura de grande influência no Oriente Médio e no mundo, também liderava a política externa do Irã, uma potência militar regional.
Portanto, a guerra tal como conhecida não existe mais, não há plena necessidade de um exército, de uma infantaria, frota, esquadra, flotilha ou esquadrilha. A forma de conquista agora é outra.
A guerra moderna não mais pressupõe a tomada de um território, basta que se utilize dos recursos, da estrutura e do espaço de outras nações e/ou converta sua cultura e costumes, fazendo com que elas sejam dependentes de suas ações e de seus produtos para que se possa tê-las sob domínio.
Segundo dados da Organização Mundial do Comércio - OMC de 2017 compilados pelo sítio eletrônico HowMuch.net, os países que mais exportaram são: 1) China: US$ 2,263 trilhões; 2) Estados Unidos: US$ 1,547 trilhão; 3) Alemanha: US$ 1,448 trilhão; 4) Japão: US$ 698 bilhões; 5) Holanda: US$ 652 bilhões; 6) Coreia do Sul: US$ 574 bilhões; 7) Hong Kong: US$ 550 bilhões; 8) França: US$ 535 bilhões; 9) Itália: US$ 506 bilhões; 10) Reino Unido: US$ 445 bilhões.
A China hoje é a superpotência mundial. Decisões acertadas para o futuro a colocaram nessa posição. Depois da crise de 2008, ela passou a investir discretamente em países em desenvolvimento na África e na Ásia. Uma das estratégias mais ambiciosas é o Belt and Road Initiative ou One Belt One Road, também conhecido por Cinturão Econômico da Rota da Seda ou a Rota da Seda Marítima do Século 21.
Consiste em uma série de projetos em infraestrutura:
a) a segunda ou nova ponte continental Eurásia, a maior rota logística entre a China e a Europa integrada por três linhas de ferro que sai do porto de Lianyungang na província de Jiangsu e vai até Rotterdam na Europa Ocidental;
b) o corredor China-Mongólia-Rússia que envolve trens de alta velocidade e ligações rodoviárias divididas em duas linhas: • Pequim / Tianjin / Hebei para a Rússia (via Hohhot, Mongólia Interior) • Dalian para Chita na Rússia (via Shenyang, Changchun, Harbin, Manzhouli e Mongólia Interior);
c) o corredor China-Ásia Central-Ásia Oriental é uma rede de oleodutos, importante porta de entrada para o petróleo e gás natural partindo de Xinjiang até a Península Arábica, Turquia e Irã;
d) o corredor China-Península da Indochina ligará o círculo econômico do Delta do Rio das Pérolas (Guangzhou, Hong Kong e Shenzhen) com os países do Sudeste Asiático de Camboja, Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã. Novas ferrovias de alta velocidade e as autoestradas funcionarão a partir do citado delta no sul da China até Cingapura via Nanning na província de Guangxi e Hanói no Vietnã;
e) o corredor Bangladesh-China-Índia-Myanmar que conectará a China com Sul da Ásia. A China vê a Índia como um parceiro importante para integração com a Ásia Ocidental e além;
f) o corredor China-Paquistão ligará Kashgar em Xinjiang com o porto marítimo de Gwadar, no Paquistão. Este corredor permitirá à China um atalho para o Oriente Médio e África via Dubai e Omã contornando o Estreito de Malaca.
Ao redor do mundo a China investiu mais de US$ 1 trilhão em projetos de infraestrutura em dezenas de países. Apoiadores dizem que esses projetos de infraestrutura vão retirar milhões de pessoas da pobreza e criar trabalho em países mais pobres. Críticos dizem que é uma apropriação de terras utilizando dinheiro ao invés de espadas.
O fato é que essas decisões estratégicas do passado foram suficientes para aumentar a riqueza da China em um ritmo meteórico, fazendo com que uma das economias mais pobres até a década de 1990, comparada ao patamar de países africanos, que ainda persistem na miséria, crescesse a uma taxa média de incríveis 10% ao ano durante três décadas, posicionando-a na segunda colocação entre as maiores economias do planeta com PIB de US$ 14,1 trilhões em 2019.
Em 2018, a China foi responsável por 18,6% do PIB mundial, exportando 41% dos computadores, 34% dos aparelhos de ar-condicionado e 70% dos aparelhos celulares produzidos no mundo (veja por si mesmo em sua própria residência quantos produtos você possui que foram fabricados na China - made in China).
Há quem defenda se tratar de um novo modelo de colonização viabilizada em grande parte pelo soft power, a exemplo dos maciços investimentos efetuados pela China no continente africano, que chegou em 2018 a US$ 60 bilhões, em troca de influência política, inclusive para receber votos na ONU, acesso a recursos e contratação de grandes projetos de infraestrutura por empresas chinesas.
Do ponto de vista utilitarista, depois de instalados os grandes blocos hegemônicos em todos os continentes planetários, deixar o conflito bélico de lado era a melhor opção, não só pelas questões éticas e humanitárias envolvidas - extremamente trágicas, deletérias e traumáticas -, mas sobretudo do ponto de vista econômico - pois este era um dos principais móveis desses grandes conflitos bélicos ao lado do fator político e, depois de findo, tanto vencedores e vencidos sofriam perdas materiais incalculáveis (parque industrial voltava-se ao conflito; havia perda significativa da população masculina economicamente ativa; infraestruturas importantes eram destruídas; escassez de alimentos gerava outras tantas mortes por fome).
O ponto é o discurso, como a comunicação é realizada, pois a violência neste caso é implícita, indireta e discreta:
O discurso é sempre reforçado, já que é tanto um instrumento quanto o efeito do poder: ele controla os pensamentos e a conduta, que, por sua vez, moldam o sistema de crenças.
[...]
Diferentemente da maneira como o poder foi usado ao longo do tempo para compelir e coagir as pessoas a se comportar de certo modo, esse tipo de poder-conhecimento não tem nenhuma espécie de agente ou estrutura que possam ser reconhecidos de imediato. E por causa de sua natureza onipresente, parece que não há nada específico contra o que se pode resistir.
A modernidade, nas palavras de Niklas Luhmann, decorre das diferenciações nas sociedades avançadas capitalistas entre os diversos sistemas sociais que a compõem, a exemplo do econômico, político, jurídico, ambiental, cultural, científico, educacional, religioso, racial etc.
Nessa concepção, a sociedade é um macrossistema autopoiético, dotado de autorreferência que se modifica a partir de suas próprias bases. “O elemento base da sociedade não é o ator humano, mas a ‘comunicação’ - um termo que ele define como a ‘síntese de informação, transmissão e compreensão’ provenientes das atividades e interações, verbais e não verbais, dentro de um sistema”.
As pessoas, na visão dele, seriam o entorno psíquico dos sistemas sociais, ocupando a comunicação posição central na teoria de Luhmann, em que é ela potencial modificadora dos subsistemas, exercendo cada qual destes influências uns sobre os outros (a comunicação se desenvolve a partir da comunicação).
Diante da complexidade social como problema fundamental, o mecanismo para a redução dela advém do teorema da dupla contingência:
Luhmann afirma que ‘são caos e medo paralisante as únicas alternativas à confiança’ (Luhmann, 2000b, p. 01, em livre tradução). O fator fundamental para o qual se faz necessária a confiança entres os indivíduos é a imprevisibilidade do comportamento dos outros. Esta imprevisibilidade foi conceituada por Parsons e retomada por Luhmann através do teorema da ‘dupla contingência’ (double contingency em Parsons; doppelte Kontingenz em Luhmann), conceito necessário para dar conta da possibilidade de interação entre os indivíduos, e da possibilidade da própria ordem social. A consciência desta dupla contingência é uma forma direta de os indivíduos vivenciarem a complexidade social, e por isso se fazem necessários mecanismos que diminuam estas contingências, pré-selecionem as possibilidades de ações dos indivíduos e, consequentemente, reduzam a variedade de comportamentos esperados possíveis. ‘Através da existência de um alter ego, o ambiente dos seres humanos torna-se o mundo da humanidade’ (Luhmann, 2000b, p. 08, em livre tradução).
Contingência, neste contexto luhmanniano, significa a possibilidade de qualquer seleção dentre as múltiplas possíveis, deixando outras escolhas abertas. Esta contingência não significa dependência mútua, mas a seleção entre diversas alternativas por dois sistemas psíquicos autônomos, num movimento circular que produz indeterminância. É por este processo de dupla contingência que a interação se torna sistema social. Neste ponto, a solução para este problema fundamental da dupla contingência difere entre os dois autores. Para Parsons, a interação seria garantida pelo compartilhamento de normas e valores, numa mesma herança cultural. Havia aí uma certa presunção de consenso, colocando muita ênfase na socialização dos indivíduos. Já em Luhmann, a dupla contingência passa a ser vista como um problema constantemente renovado, em cada interação, o que insere uma instabilidade básica nos sistemas. Para o sociólogo alemão, não há consenso e, portanto, a solução não está nas normas compartilhadas, mas requer comunicação e sua ordenação através da formalização em sistemas e meios de comunicação simbolicamente generalizados. ‘O sistema regula a insegurança, pois ele [...] estrutura as possibilidades de comunicação’ (Baraldi et al, 1997, p. 39, em livre tradução). Esta comunicação acaba, no entanto, por inserir novas contingências e, portanto, nova complexidade à interação. ‘A condição de dupla contingência inicia comunicação e essa comunicação inevitavelmente constitui um sistema social como uma rede de seleções reciprocamente significativas – o que reproduz o mesmo problema de dupla contingência’ (Vanderstraeten, 2002, p. 88, em livre tradução).
Em outra perspectiva, com base nos estudos do matemático britânico George Spencer-Brown, o processo interno de redução da complexidade do sistema se dá por meio de um raciocínio binário de aceitação ou rejeição a partir dos dados disponíveis, em que Humberto Maturana e Francisco Varela identificaram como modelo para o funcionamento de todo e qualquer processo cognitivo, em certa medida desenvolvimento da teoria do condicionamento operante de Burrhus Frederic Skinner.
Esses sistemas, segundo Luhmann, são razoavelmente indiferentes ao que acontece em outros sistemas, operam focados em seus interesses e propósitos sem influência dos demais, a não ser quando elementos destes tenham impactos sobre suas atividades. Surge, assim, o que ele chama de acoplamentos estruturais, a conexão de elementos de um sistema com os de outros sistemas sociais ou psíquicos, utilizando-se deles para operar seus próprios processos comunicativos, levando-os a níveis de complexidade e diferenciação ainda maiores.
Convém relembrar que a política controlava a comunicação, como ainda o fazem os países listados pelo Comitê de Proteção dos Jornalistas, muitos deles exercendo uma prática primária de controle a exemplo da citada queima de livros e execução sumária de opositores e, contemporaneamente, o massivo controle sobre os meios de comunicação de massa, notadamente jornal, rádio, televisão e internet.
Em sistemas e subsistemas que são criados, referenciados e modificados pela comunicação - elemento essencial da sociedade na concepção luhmanniana -, e assim controlados por ela, métodos persuasivos são intrínsecos e, com a especialização da técnica, passam por refinamento que formata a sociedade e dita o rumo de nações.
Dentre as inúmeras teorias de comunicação, limitaremos a expor uma focada no grupo e outra no indivíduo para os propósitos deste artigo.
Maxwell McCombs e Donald Lewis Shaw formularam a teoria do agenda-setting por meio de estudos realizados durante a eleição presidencial dos EUA em 1968, em que o republicano Richard Milhous Nixon venceu o democrata Hubert Horatio Humphrey Jr. e o terceiro concorrente George Corley Wallace Jr. do partido Independente Americano, sagrando-se o 37º presidente dos EUA.
Nixon concorreu com uma campanha publicitária proeminente em que prometia restaurar a lei e a ordem. Em Chapel Hill, pequena cidade do Condado de Orange, no Estado da Carolina do Norte, McCombs e Shaw coletaram dados de um grupo aleatório de habitantes a respeito de quais assuntos sobre a eleição eram mais importantes naquele momento. Ao confrontar com o conteúdo que era exibido pela mídia, constataram uma correlação muito alta.
Com isso, eles perceberam que quanto mais um assunto era explorado pela mídia, mais esse assunto moldava a opinião pública, ou seja, ia do grupo para o indivíduo, conclusão que foi veiculada no artigo seminal The Agenda-Setting Functions of Mass Media.
Mas, a partir do surgimento do sistema global de rede de computadores, a Internet, o paradigma espaço-tempo é profundamente alterado, a dimensão espaço-temporal que antes formava uma unidade, agora perde a dimensão espacial e resulta numa unidimensionalidade temporal, vale dizer, o tempo fica instantâneo para todas as localidades do planeta.
Não só isso, o que antes estava restrito a uma classe dominante e grupos midiáticos, agora passou a ser acessível a todos que possuem condições de se conectar à Internet, o que democratizou exponencialmente os meios de comunicação e ampliou a direcionalidade das mensagens.
Hoje, qualquer pessoa que tenha um aparelho de telefonia celular com acesso à Internet em qualquer local do mundo é um potencial difusor de informações, tanto que a profissão da moda é ser “youtuber”, “instagramer”, “vlogger”, “blogueiro” ou influenciador digital.
Nesse ponto, a política não tem mais como controlar a comunicação e o cenário se inverte, a comunicação passa a controlar a política.
Empoderado o indivíduo, a via de influência doravante corre também deste para o grupo e, em 1980, Richard E. Petty e John Terrence Cacioppo conceberam o modelo de elaboração de verossimilhança. Trata-se de uma teoria dual de mudança de opinião e de atitude por meio de duas rotas: a central e a periférica.
A rota central diz respeito à mensagem, envolve a análise de argumentos objetivos e consome tempo. Emprega-se alto nível de elaboração da mensagem em que grande quantidade de cognição sobre os argumentos é gerada pelo indivíduo que a recebe. Os resultados da mudança da opinião e consequentemente de atitude são relativamente duradouros, resistentes e preditivos de comportamento.
A rota periférica envolve pistas positivas ou negativas no estímulo ou de uma simples inferência sobre os méritos da posição defendida. São processos cognitivos empregados em decisões não racionais com estratégias que ignoram parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida. As dicas recebidas pelo indivíduo pela rota periférica geralmente não estão relacionadas à qualidade lógica do estímulo. Essas dicas envolvem fatores como a credibilidade ou atratividade das fontes da mensagem ou a qualidade de produção da mensagem.
As duas rotas compõem a mensagem persuasiva no nível individual e indicam quais características predispõem o indivíduo a ser persuadido: 1) need for cognition; 2) tópico importante; 3) situação pessoal atual (tempo disponível para decidir); 4) efeito do humor; e 5) credibilidade da fonte.
Em palavras simples, a persuasão que altera a opinião do indivíduo viaja pela rota central, enquanto aquela que a valida viaja pela rota periférica.
A inclusão promovida pela Internet, além dos fatores positivos da democratização do acesso à informação e difusão dela, além da potencialização e especialização da comunicação, trouxe igualmente inúmeros efeitos colaterais.
A angústia é a vertigem da liberdade disse Sören Aabye Kierkegaard.
A extrema e absoluta liberdade que a Internet aparenta conferir trouxe à tona uma legião de falsos profetas, emissários da verdade e profusores de ódio que alardeiam aos quatros cantos em busca de visibilidade, o que tomou Umberto Eco a afirmar que a Internet dá voz a uma multidão de imbecis, isto em 10 de junho de 2015, em plena cerimônia em que recebeu o título doutor honoris causa em comunicação e cultura pela Universidade de Turim.
Como disse o cantor:
Não quero ser um americano idiota, não quero uma nação governada pela mídia, não quero fazer parte desta agenda. Todos seguem e fazem a propaganda e cantam na Era da paranóia. Bem vindo ao novo tipo de tensão, por toda parte há alienação, e nada é feito para dar certo. A televisão sonha com o amanhã, sonhos que, todavia, não foram feitos para nós. Não quero ser um idiota americano numa nação governada pela mídia na Era da informação histérica.
Em uma sociedade fortemente influenciada pela violência, constantemente veiculada pela mídia, fluida e instilada no espectro social, a comunicação inevitavelmente se torna violenta e fica muito difícil para o sujeito se libertar dela, uma vez que imerso no sistema.
A violência é institucionalizada ao admitirmos explícita ou implicitamente que ela é natural e inevitável.
Em 2017, houve 65.602 mortes por homicídio no Brasil, dentre eles 4.936 de mulheres e 47.510 praticados com emprego de armas de fogo. Entre 2008 e 2018 foram 628.595 pessoas assassinadas, uma média de 57.145 assassinatos anuais. Mesmo assim, o atual governo brasileiro insiste em colocar mais armamentos em circulação como “antídoto” para a violência, a exemplo dos Decretos n. 9.785/19, 9.845/19, 9.846/19 e 9.847/19.
Não é nada natural ou inevitável que 57 mil pessoas sejam assassinadas todos anos, a maior parte delas envolvendo emprego de armas de fogo.
Também não é nada natural ou inevitável que a sociedade se acostume com pessoas passando fome, crianças pedindo esmolas, famílias morando nas ruas, e toda sorte de exclusão dos direitos mais básicos e fundamentais que a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 alberga, mormente quando a economia brasileira há anos figura entre as 10 maiores do planeta.
Aliás, é notável se considerar que o ser humano é o único dentre todos os seres sencientes do pequeno Planeta Terra com a capacidade de destruí-lo e, por consequência, dar fim a si mesmo.
Nesse contexto, a imprensa marrom possui relevante atuação ao neutralizar o senso de anormalidade ao empregar técnicas que incluem exageros, escândalos de fautores e sensacionalismos, empregando tratamento pouco profissional e até mesmo antiético, tudo com o escopo de aumentar a audiência e monetizar o canal. Há quem diga que as histórias sensacionalistas e os exageros das terríveis condições de Cuba retratados pelos jornais de Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst convenceram os EUA a ingressarem na guerra entre Cuba e Espanha em 1898.
A arte não deixa passar em vão e mais uma vez na letra da canção, essa mídia se alimenta do sangue das vítimas: “Aos jornais. Eu deixo meu sangue como capital. E às famílias um punhal. À corte eu deixo um sinal”.
A propósito, o pensamento do professor doutor da Universidade de São Paulo Norberto Luiz Guarinello:
A violência tem muitas faces. Lamentamos a violência crescente da criminalidade, mas também consideramos uma violência a brutal desigualdade que produz, ao menos em parte, nossos criminosos. Criminosos que condenamos, justa ou injustamente, à violência de nosso sistema prisional – um dos mais brutais deste planeta. Observamos horrorizados à violência dos chamados terroristas, mas a violência da ação imperial dos países dominantes do mundo tampouco nos reconforta. Condenamos a violência doméstica ao mesmo tempo em que reclamamos da falta de limites das novas gerações.
Violência é uma palavra latina, derivada de vis, força, e nós a empregamos em um sem-número de sentidos: a força da natureza, do mar, do vento, dos elementos, a força física que obriga um ser humano a fazer o que não quer, a força social que mantém os oprimidos e explorados em seus lugares, a força moral, intelectual, que domina nossas mentes e nos faz achar nosso próprio mundo normal, muito normal. Parte integrante e necessária da vida, instinto de morte ou de poder ou, ao contrário, ruptura de relações estabelecidas, ato de um poder perverso e perversamente exercido?
Não tenho respostas: a violência, em qualquer caso, só nos é presente, só se manifesta, quando nos incomoda, quando parece fugir de nosso controle, quando está além do ‘normal’, além do esperado. Muitos pequenos atos de nosso cotidiano, para nós absolutamente normais e corriqueiros, podem parecer absolutamente violentos, quando vistos por um estranho, quando encarados da fronteira que separa o ‘nós’ do ‘outro’. A violência, assim, antes de ser um fato sociológico é, primordialmente, um fato antropológico, que se desvenda e se constrói na diferença. E, portanto, é também um fato histórico, na mesma medida em que o passado, que a história estuda, é uma terra estrangeira, é um outro, diferente de nós.
Dito em outros termos: para entendermos e estudarmos a violência entre nós, para estabelecermos juízos sobre ela, para a aceitarmos em suas várias formas ou negá-la, é importante refletir sobre ela fora de nós, entendê-la no outro, chocarmo-nos mesmo com a violência do outro, para depois repensá-la em nosso próprio mundo.
Nesse contexto social persuasivamente violento, a violência acaba se reproduzindo em um sistema autopoiético e autorreferente, o que é replicado pelas agências estatais, não menos violentas, e catalisado pelos meios de comunicação de massa, principalmente com o advento da Internet e com bastante intensidade nas redes sociais.
Como antes dito, a política controlava a comunicação. Agora, na Era da Internet, a comunicação controla a política.
Desde a reabertura democrática, os políticos favoritos ao pleito eleitoral eram aqueles que buscavam consenso, davam declarações equilibradas e não adotavam posturas radicais.
Todavia, desde a última eleição presidencial norte-americana de 2016, uma notória mudança ganhou projeção pelo êxito de seu resultado e o alcance de sua persuasão, o que igualmente acabou por impactar a eleição presidencial brasileira de 2018.
Enquanto Hillary Diane Rodham Clinton dava declarações consensuais e amplamente aceitas no debate político, Donald John Trump partia para o ataque com declarações polêmicas e controversas:
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Americanos de origem árabe comemoraram os ataques de 11 de Setembro: Trump fez reiteradas declarações afirmando que, em 11 de setembro de 2001, milhares de americanos de origem árabe celebraram em Nova Jersey os ataques aéreos às torres gêmeas em Nova York. Ele afirmou que tais comemorações “dizem algo” sobre muçulmanos morando nos EUA. No entanto, não há nenhum registro que comprove as afirmações de Trump;
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Mesquitas nos EUA deveriam ser vigiadas: Trump acredita que muçulmanos devem ser rastreados e alvo de leis antiterrorismo. Em relação ao tema, ele voltou atrás em alguns pontos como, por exemplo, na posição de manter um banco de dados de todos os muçulmanos nos EUA, mas reitera que não se importa em ser considerado politicamente incorreto por defender o monitoramento de mesquitas;
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Mulheres devem ser julgadas pela aparência: um vídeo de 2005 exibiu Trump fazendo comentários obscenos e misóginos sobre mulheres e provocou numerosas alegações de assédio sexual contra ele. Num comício, ele sugeriu que uma dessas mulheres que o acusou não era atraente o suficiente para ser assediada. Além disso, pessoas que trabalharam em seu reality show O Aprendiz o acusaram de julgar concorrentes do sexo feminino pela aparência. E uma ex-Miss Universo, concurso do qual ele é dono, o acusou de misogenia - Trump a chamou “Miss Piggy” depois que ela ganhou peso;
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Idade limite para mulheres é 35 anos: Num áudio divulgado pela rede CNN, no qual Trump comenta o corpo de suas próprias filhas e sobre namorar mulheres mais jovens, ele diz que 30 anos é a “idade perfeita” para elas - e que, ao completarem 35 anos, devem “sair de cena”;
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EUA deveriam usar afogamento como método de interrogatório: Trump já defendeu métodos de interrogatório controversos e bastante criticados, como afogamento, na luta contra o grupo autodenominado Estado Islâmico. Argumentou que isso não é nada se comparado com práticas brutais adotadas pelos extremistas, como a “decapitação”;
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Estado Islâmico deve ser mandado para o “inferno”: Além de declarar que o Estado Islâmico deve ir para o inferno, Trump afirmou reiteradamente durante a campanha que nenhum outro seria mais duro na luta contra o EI. Disse que pretende enfraquecer os extremistas cortando acesso ao petróleo nas regiões onde o conflito é mais intenso;
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O mundo seria melhor se os ditadores Saddam Hussein e Muammar Gaddafi ainda estivessem no poder: Trump disse à CNN que ele acredita que a situação do Iraque e da Líbia estão “muito piores” do que estavam sob o comando dos dois ditadores falecidos. Ao mesmo tempo em que admite que Hussein era um “cara horrível”, Trump avalia que o ex-ditador iraquiano “foi melhor” na luta contra os terroristas. “Ele era um cara ruim. Muito ruim. Mas você sabe de uma coisa? Ele matou terroristas. Isso foi muito bom. Ele não lia os direitos para eles, eles não tinham voz. Eles eram terroristas. Pronto”;
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Deve ser erguido um muro enorme entre EUA e México (e os mexicanos devem pagar por ele): Trump defende construir um muro separando os EUA e o México. Durante a campanha, ele sugeriu que os mexicanos que vêm para os EUA são criminosos. “Eles estão trazendo drogas, cometendo crimes. E eles são estupradores.” Um muro na fronteira, segundo ele, não só evitaria a entrada de latinos sem visto, como também a de imigrantes sírios. Também disse acreditar que o México deve pagar pelo muro, que, conforme estimativa feita pela BBC, poderia custar entre US$ 2,2 bilhões e US$ 13 bilhões (R$ 7 bilhões e R$ 41 bilhões);
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Os cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais devem ser deportados: Estima-se que 11 milhões de ilegais estejam vivendo nos EUA - e, para Trump, todos deveriam ser deportados. Apesar das críticas de que tal medida seja xenófoba e cara - a BBC estima que custaria US$ 114 bilhões (R$ 366 bilhões) -, o republicano diz que seu plano de deportação em massa é viável. Além disso, afirma, suas reformas para a imigração iriam acabar com a cidadania concedida aos filhos de imigrantes ilegais que nasceram em solo americano. Ele não apoia nenhum tipo de caminho para legalizar a situação de trabalhadores sem documentos;
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Muçulmanos não devem ser aceitos nos EUA: Em um comunicado para a imprensa, divulgado durante a onda de ataques terroristas em San Bernardino, na Califórnia, Trump defendeu fechar as portas do país para muçulmanos até que os políticos americanos entendam o que está acontecendo. Mas voltou atrás e passou a defender aumentar as exigências para quem quer imigrar para os Estados Unidos;
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Imigrantes sírios que buscam asilo nos EUA serão mandados embora: Trump diz acreditar que os ataques terroristas em Paris, ocorridos quase um ano atrás, provaram haver terroristas fingindo ser migrantes e capazes de provocar danos catastróficos. E que, por isso, iria se opor aos pedidos de asilo de sírios nos EUA e prometeu deportar aqueles que já estão em território americano;
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EUA deveriam investir no tratamento da saúde mental para evitar assassinatos em massa: Trump afirma não acreditar que um maior controle de armas seja a resposta para previnir assassinatos em massa. Em um documento no qual se posicionou favorável ao direito de portar armas de fogo, o republicano revelou que ele próprio tem uma licença. Para ele, “o governo não tem se meter em dizer que tipos de armas de fogo são boas nem definir se pessoas honestas devem ser autorizadas a portar armas”. Trump também se opõe ampliar a verificação de antecedentes criminais antes de autorizar venda e porte de armas.
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Vladimir Putin é um “líder”: Trump elogiou a liderança do presidente russo Vladimir Putin e criticou a atual relação dos EUA com a Rússia. Em entrevista à CNN, disse: “Eu provavelmente iria me dar muito bem com ele. Não acho que teria o tipo de problemas que estamos enfrentando agora”;
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Administradores de fundos de cobertura estão escapando de punições: Para o presidente eleito, o atual código tributário dos EUA protege administradores de fundos de cobertura (uma classificação genérica para fundos de investimento que aplicam em diversos mercados ao mesmo tempo e, assim, minimizam perdas com grandes oscilações). A posição é compartilhada por integrantes do partido oposicionista, o Democrata, como a senadora Elizabeth Warren, para quem os administradores desses fundos não pagam impostos suficientes. No entanto, analistas que avaliaram detalhes do plano de Trump para regular esses fundos afirmam que o efeito seria oposto: eles seriam beneficiados com corte de taxas;
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Relação comercial com a China deve ser mais equilibrada: Para melhorar as condições de competição com a China, Trump diz ser preciso rever uma série de práticas. Ele afirmou que vai forçar os chineses a parar de depreciar a própria moeda e a intensificar padrões internacionais trabalhistas e ambientais. O presidente eleito também é crítico ao que chama de atitude negligente do gigante asiático em relação às regras de propriedade intelectual e pirataria;
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Estatísticas de desemprego nos EUA estão equivocadas: Trump tem dito repetidamente que o desemprego é de 20% - uma vez chegou a citar a taxa de 42%. No entanto, o órgão que contabiliza o número de pessoas sem trabalho nos EUA calcula que a taxa seja de 5,1%. O republicano insiste, porém, que esse não é um número real;
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Movimento em defesa de negros vítimas da polícia busca problemas: Trump zomba de ex-candidatos democratas como Martin O'Malley, que pediu desculpas aos integrantes do movimento de protesto contra a brutalidade policial. Durante a campanha, ele se lançou como o candidato que defende a aplicação da lei. “Eu acho que eles estão à procura de problemas”, disse sobre o grupo Black Life Matters (“Vidas negras importam”). Também postou no Twitter um gráfico controverso, no qual pretendia mostrar que os afro-americanos matam brancos e negros em taxas muito mais altas do que as mortes cometidas por brancos ou policiais. Porém, o gráfico cita como fonte dos números um órgão fictício, o “Crime Statistics Bureau”. As estatísticas divulgadas por ele têm sido amplamente contestadas por dados reais do FBI;
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Aquecimento global é balela: Enquanto diz acreditar que manter ar e água limpos é importante, Trump afirma que o fenômeno da mudança climática é uma notícia falsa. Para ele, as exigências ambientais sobre empresas as torna menos competitivas no mercado global. “Eu não acredito que devemos colocar em perigo as empresas dentro do nosso país”, disse à CNN. "Custa muito e ninguém sabe ao certo se vai funcionar", declarou sobre as restrições ambientais;
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Tóquio e Seul devem construir arsenais nucleares: Para Trump, o Japão e Coreia do Sul não deveriam esperar tanto dos EUA e se beneficiariam se tivessem suas próprias armas nucleares. Uma guerra nuclear entre o Japão e a Coréia do Norte, nas palavras de Trump, pode ser “terrível”, mas seria “muito rápida”;
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Os médicos devem ser punidos por administrar abortos: Em entrevista à emissora MSNBC, Trump disse que, se o aborto se tornasse ilegal, as mulheres devem ser punidas por fazê-los. Ele se retratou dizendo que os médicos deveriam ser responsabilizados e punidos no lugar delas.
No Brasil, Jair Messias Bolsonaro foi pelo mesmo caminho e sempre fugiu de amenidades valendo-se de declarações fortemente polêmicas e controversas:
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“O erro da ditadura foi torturar e não matar” (2008 e 2016): Bolsonaro reiterou seu posicionamento sobre a ditadura no Brasil no programa Pânico, da Rádio Jovem Pan, em julho de 2016, repetindo a mesma declaração proferida anos antes, em agosto de 2008, em discussão com manifestantes em frente ao Clube Militar, no Rio de Janeiro. O ato na ocasião protestava contra militares que se opunham a uma revisão da Lei da Anistia, a fim de levar à Justiça oficiais acusados de terem cometido crimes durante a ditadura;
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“Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff […] o meu voto é sim” (2016): Em votação na Câmara em abril de 2016, Bolsonaro se posicionou a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff com uma homenagem ao coronel Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador durante a ditadura militar. Morto em 2015, ele foi comandante do DOI-Codi em São Paulo, um dos maiores centros de repressão durante a ditadura, entre 1970 e 1974. A fala rendeu ao deputado um processo no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar, mas o caso foi arquivado meses depois;
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“Ele merecia isso: pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura. Tu sabe disso. E o povo é favorável a isso também” (1999): Bolsonaro se referia a Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central, que na ocasião invocou o direito de ficar calado na chamada CPI dos Bancos no Senado. “Sou favorável, na CPI do caso Chico Lopes, que tivesse pau-de-arara lá”, disse ele em entrevista ao programa Câmera Aberta, da Band.
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“Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada! Só vai mudar, infelizmente, se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro, e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil, começando com o FHC, não deixar para fora não, matando! Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.” (1999): A declaração foi feita também no programa Câmera Aberta. Bolsonaro chegou a sugerir o “fuzilamento” do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em diferentes ocasiões. Em livro, seu filho, Flávio Bolsonaro, explica que a afirmação foi apenas uma alusão a uma declaração do avô de FHC, que teria falado em fuzilar a família real caso ela resistisse ao exílio;
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“A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo (1999): Discurso na tribuna da Câmara em junho de 1999. No mesmo ano, questionado no programa Câmera Aberta, da Band, se fecharia o Congresso caso fosse presidente da República, Bolsonaro respondeu: “Não há a menor dúvida. Daria golpe no mesmo dia. No mesmo dia! […] O Congresso hoje em dia não serve para nada.” A declaração teve impacto, e Bolsonaro foi alvo de um pedido de processo por falta de decoro e crime contra a Lei de Segurança Nacional. A ação não foi para frente;
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“Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Vou botar esses picaretas para correr do Acre. Já que gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá” (2018): Bolsonaro falava em ato de campanha no centro de Rio Branco em setembro. Com o tripé de uma câmera de vídeo, ele simulou segurar um fuzil e disparar tiros. Questionado por jornalistas mais tarde, defendeu ter se tratado de “figura de linguagem, hipérbole”. Ainda assim, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a ele que esclarecesse a afirmação;
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“Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria” (2018): Bolsonaro se referia aos adversários do PT com quem disputou o segundo turno das eleições. O discurso, em vídeo, foi transmitido em um telão na avenida Paulista, em São Paulo, durante uma manifestação de seus apoiadores uma semana antes da votação de 28 de outubro;
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“[O policial] entra, resolve o problema e, se matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado, e não processado” (2018): Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto, o então candidato reforçou seu entendimento, declarado diversas vezes, de que “violência se combate com mais violência”, justificando que criminoso “não é ser humano normal”. Em declarações anteriores, ele já havia dito que “policial que não mata não é policial” e que a “polícia brasileira tinha que matar é mais”;
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“Morreram poucos. A PM tinha que ter matado mil” (1992): Sobre o Massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, em que agentes da Polícia Militar mataram 111 detentos durante repressão a uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. A frase, uma das primeiras declarações públicas polêmicas de Bolsonaro, veio durante seu primeiro mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro, em resposta à comoção da sociedade diante do massacre e aos protestos indignados de organizações como a Anistia Internacional;
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“Somos um país cristão. Não existe essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem” (2017): O discurso, gravado em vídeo e publicado no YouTube, foi feito durante um evento na Paraíba em fevereiro de 2017, diante de seus apoiadores;
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“Eu jamais ia estuprar você porque você não merece” (2003 e 2014): A frase foi dirigida à deputada Maria do Rosário (PT-RS), primeiro durante uma discussão nos corredores da Câmara em 2003, diante de vários jornalistas, depois repetida em 2014, dessa vez na tribuna da Casa. Em esclarecimento ao jornal Zero Hora na época, Bolsonaro disse que a colega “não merece (ser estuprada) porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”. Em 2015, o então deputado foi condenado a pagar uma indenização de 10 mil reais à parlamentar petista por danos morais. Em relação ao mesmo caso, ele é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por prática de apologia ao crime e injúria.
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“Por isso o cara paga menos para a mulher (porque ela engravida)” (2014): Em entrevista ao jornal Zero Hora, Bolsonaro sugeriu que o Brasil tem muitos direitos trabalhistas e, por isso, é uma “desgraça ser patrão no nosso país”. “Quando [a mulher] voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias. Então, no ano, ela vai trabalhar cinco meses”, afirmou. “Quem vai pagar a conta? É o empregador.” Em 2016, ele reiterou, em entrevista ao programa Superpop, da RedeTV, que “não empregaria [homens e mulheres] com o mesmo salário”. “Mas tem muita mulher que é competente.”
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“Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada, e veio uma mulher” (2017): A declaração sobre seus cinco filhos, tachada de sexista, foi umas das diversas frases polêmicas proferidas pelo então deputado do PSC durante uma palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em abril de 2017. Ele já havia se lançado como possível candidato ao Planalto.
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“Para mim é a morte. Digo mais: prefiro que morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” (2011): Em entrevista à revista Playboy, Bolsonaro afirmou que “seria incapaz” de amar um filho homossexual e acrescentou que ter um casal gay como vizinho desvaloriza imóveis. “Sim, desvaloriza! Se eles andarem de mão dada, derem beijinho, vai desvalorizar”, declarou. “Não sou obrigado a gostar de ninguém. Tenho que respeitar, mas, gostar, eu não gosto.”
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“O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um couro, ele muda o comportamento dele. Tá certo?” (2010): Deputado pelo PP, Bolsonaro fez essa declaração no programa Participação Popular, da TV Câmara, que discutia um então projeto de lei para proibir a punição corporal na educação de crianças. À época, ele fazia parte da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Casa. Conhecida como Lei da Palmada ou Lei Menino Bernardo, a regra entrou em vigor em 2014;
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“90% desses meninos adotados [por um casal gay] vão ser homossexuais e vão ser garotos de programa com toda certeza”: A afirmação, em vídeo antigo sem data, foi reproduzida durante uma entrevista de Bolsonaro no programa Agora é tarde, da Band, em 2012. Questionado pelo apresentador Danilo Gentili sobre a fonte daquele dado, o deputado diz não ter “base nenhuma”. “É indiferente”, afirma, sugerindo ser uma “tendência” que filhos de casais homossexuais sejam também homossexuais;
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“Não existe homofobia no Brasil. A maioria dos que morrem, 90% dos homossexuais que morrem, morre em locais de consumo de drogas, em local de prostituição, ou executado pelo próprio parceiro” (2013): Em entrevista à minissérie documentário Out there, exibida pela emissora britânica BBC, Bolsonaro disse ao apresentar Stephen Fry que “a sociedade brasileira não gosta de homossexual”. “Nós não perseguimos. […] Não gostar não é a mesma coisa que odiar. Você não gosta dos talibãs.” Gay assumido, Fry descreveu o encontro como “um dos mais estranhos e sinistros” de sua vida;
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“O cara vem pedir dinheiro para mim para ajudar os aidéticos. A maioria é por compartilhamento de seringa ou homossexualismo. Não vou ajudar porra nenhuma! Vou ajudar o garoto que é decente” (2011): A declaração foi feita em entrevista à revista Playboy. Questionado pelo repórter se ele acredita que a aids é consequência direta da homossexualidade, ele respondeu: “Em grande parte, sim. As questões de mulheres casadas que contraem o vírus, muitas vezes elas pegam pelo marido, que é bissexual e leva para dentro de casa”;
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“Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens” (2008): O então deputado se referia ao índio Jacinaldo Barbosa, que lhe jogou um copo de água durante uma audiência pública na Câmara para discutir a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Ao longo da corrida eleitoral, o capitão reformado se mostrou diversas vezes contrário aos direitos indígenas, prometendo acabar com o que chamou de “ativismo ambiental xiita”. “Se eu chegar lá, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, disse;
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“Fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem para procriadores servem mais” (2017): A afirmação, em palestra no Clube Hebraica, no Rio, rendeu a ele uma denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República pelo crime de racismo e discriminação. Em setembro deste ano, Bolsonaro acabou sendo absolvido das acusações pelo STF. A maioria dos ministros entendeu que, “por pior que tenham sido”, as declarações se inserem na liberdade de expressão. O capitão defendeu que ser contra as reservas quilombolas não é ser racista;
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“Quem usa cota, no meu entender, está assinando embaixo que é incompetente. Eu não entraria num avião pilotado por um cotista. Nem aceitaria ser operado por um médico cotista” (2011): Em entrevista ao programa CQC, da Band, Bolsonaro afirmou ser contra cotas raciais por entender que o ingresso em universidades e concursos públicos deve ser por mérito. Em julho deste ano, no programa Roda Viva, da TV Cultura, ele reafirmou sua posição, negando que haja uma dívida histórica do Brasil com os afrodescendentes. “Que dívida? Eu nunca escravizei ninguém na minha vida”, afirmou. “O negro não é melhor do que eu, e nem eu sou melhor do que o negro”;
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“Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso” (2018): Dias antes do segundo turno, em entrevista à TV Cidade Verde, do Piauí, Bolsonaro reiterou que a política de cotas no Brasil está “totalmente equivocada” e reforça o preconceito, referindo-se a políticas afirmativas de governos anteriores como “coitadismos”;
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“A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver” (2015): O então deputado se referia aos “marginais do MST, dos haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo” que tem pedido refúgio ao Brasil. “Os sírios estão chegando também”, afirmou, em entrevista ao Jornal Opção, de Goiás;
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“Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro para ONG. Esses inúteis vão ter que trabalhar” (2017): A declaração foi outra que gerou polêmica durante sua palestra no Clube Hebraica, no Rio. Antes, em 2015, ele já afirmara que, se um dia fosse eleito presidente, “o pessoal da Anistia Internacional não mais interferiria na vida interna do país”. Em 7 de outubro, em discurso de agradecimento pela votação no primeiro turno, prometeu “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”;
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“Como eu estava solteiro na época, esse dinheiro do auxílio-moradia eu usava para comer gente (2018): Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em janeiro, o então candidato respondia a um questionamento sobre o auxílio-moradia que recebia da Câmara, mesmo tendo imóvel próprio em Brasília. “O dinheiro foi gasto em alguma coisa. Ou você quer que eu preste continha: olha, recebi 3 mil, gastei 2 mil em hotel, vou devolver mil. Tem cabimento isso?”.
Esses dois personagens (Trump e Bolsonaro) se utilizaram principalmente das redes sociais, não dependendo mais dos controladores da mídia de outrora, passaram eles a serem difusores de opinião e (des)informação sem os filtros dos conselhos editoriais daqueles meios.
Incorpora-se à arena pública esse espaço multidirecional de ampla liberdade de expressão que conformam sistemas e subsistemas com a liderança de gigantes empresas de tecnologia que passam a dominar o tempo útil das pessoas por meio do emprego de avançadas táticas, técnicas e estratégias psicológicas e comportamentais.
Dado o alcance e o poder de magnetização das redes sociais, não fez diferença, no caso brasileiro, o tempo de propaganda eleitoral. O candidato Bolsonaro teve apenas 8 segundos, enquanto seus concorrentes detinham: a) Alvaro Dias 40 segundos; b) Cabo Daciolo 8 segundos; c) Ciro Gomes 38 segundos; d) Geraldo Alckmin 5 minutos e 32 segundos; e) Guilherme Boulos 13 segundos; f) Henrique Meirelles 1 minuto e 55 segundo; g) João Amoêdo 5 segundos; h) João Goulart Filho 5 segundos; i) José Maria Eymael 8 segundos; j) Fernando Haddad 2 minutos e 23 segundos; k) Marina Silva 21 segundos; l) Vera Lúcia Pereira da Silva Salgado 5 segundos.
Também não fez diferença o fato de Bolsonaro não ter participado de nenhum dos debates promovidos pelas emissoras de televisão brasileiras.
É verdade que ele deu entrevistas exclusivas à Rede TV, à Rede Bandeirantes e à RecordTV.
Mas mesmo que se desconte esse tempo, Bolsonaro foi de longe o candidato que mais tempo ficou exposto tanto nas mídias tradicionais como nas redes sociais, contribuindo para isso o fato involuntário ocorrido em 6 de setembro de 2018, o atentado praticado por Adélio Bispo de Oliveira há praticamente 1 mês do primeiro turno, que culminou num golpe de faca na região abdominal daquele, causando-lhe ferimento grave que exigiu 4 cirurgias para recuperação.
Tal atentado, pela própria gravidade de não ser apenas um crime contra a vida, mas também uma ameaça à democracia, foi coberto 24 horas pelos canais de comunicação.
Os jornais, as estações de rádio, os canais de televisão, as redes sociais seja pelas declarações polêmicas e controversas, seja pelo atentado sofrido, discutiram e debateram intensamente a figura de Bolsonaro.
Segundo Ruud Koopmans, sociólogo e professor holandês, mensagens polarizadoras têm legitimidade questionável e por isso ganham ressonância e visibilidade na arena pública.
Do amplo espectro de assuntos que podem ser acomodados no espaço limitado da mídia, são três os mecanismos rotulados como oportunidades discursivas para a difusão de mensagens contenciosas: legitimidade; ressonância; e visibilidade.
Legitimidade é entendida como a capacidade de a mensagem gerar consenso. A mensagem legítima não é necessariamente correta e conta simplesmente com a adesão de boa parcela do público.
Ressonância é a capacidade que a mensagem tem de gerar discussão a respeito de si mesma e está relacionada com a legitimidade.
Mensagens com alto grau de legitimidade podem não ter ressonância por serem incontroversas, assim como as mensagens altamente ilegítimas por gerarem descrédito.
A alta ressonância só é alcançada com o aumento da controvérsia, vale dizer, com uma redução líquida da legitimidade. E a alta ressonância gera alta visibilidade, é a medida da extensão da cobertura nos meios de comunicação de massa, pois estas veiculam aquilo que está sendo discutido na arena pública.
Tudo que polariza uma sociedade tem uma legitimidade questionável.
Imagine que o candidato “7” veiculou as seguinte mensagens na mídia: “Todos são iguais perante a lei” ou ainda “A Terra é uma esfera”. Essas mensagens são altamente legítimas, todos concordam com elas e por isso não geram discussão a respeito de si, ou seja, elas não geram ressonância e, consequentemente, não geram visibilidade.
“Para mim é a morte. Digo mais: prefiro que morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo” (2011): Em entrevista à revista Playboy, Bolsonaro afirmou que “seria incapaz” de amar um filho homossexual e acrescentou que ter um casal gay como vizinho desvaloriza imóveis. “Sim, desvaloriza! Se eles andarem de mão dada, derem beijinho, vai desvalorizar”, declarou. “Não sou obrigado a gostar de ninguém. Tenho que respeitar, mas, gostar, eu não gosto”. Essas mensagens têm menos legitimidade que a anterior. Muitos discordam dela, mas muitos concordam com ela. Logo, elas geram muita discussão a respeito de si, o que gera ressonância e, com isso, visibilidade.
Imagine que o candidato “7” veiculou as seguintes mensagens na mídia: “Nem todos são iguais perante a lei” ou “A Terra é plana”. Essas mensagens são altamente ilegítimas, todos discordam delas e por isso não geram discussão a respeito de si, ou seja, elas não geram ressonância e, consequentemente, não geram visibilidade.
Logo, na trajetória da mensagem discursiva, a polêmica sempre leva vantagem na competição por espaço na arena pública porque provoca reações de outros atores.
Com o advento da Internet e das redes sociais, ampliada a direcionalidade da comunicação, não demorou muito para que se percebesse esse efeito, o que criou espaço ideal para a proliferação das fake news.
Essa prática atende aos interesses de pessoas ou grupos e se vale da massa de manobra para concretizá-los, o que possibilitou definir as eleições de vários países, dentre eles Brasil e EUA.
Ao mesmo tempo ela eleva o acirramento das hostilidades e, aliada à mídia sensacionalista e aos transtornos de ansiedade provocados pelo estresse da instantaneidade e quantidade de informações e pelo modelo de vida consumista e individualista possessivo, resulta na banalização da violência em todos os seus sentidos na acepção saussuriana.
Como disse Pierre Félix Bourdieu, filósofo e sociólogo francês, o habitus é a sociedade escrita no corpo, no indivíduo biológico.
Insertos nestes sistemas e subsistemas orientados por uma comunicação violenta, os cidadãos passam a internalizar essas disposições sociais que moldam suas percepções, sentimentos e ações, as quais passam a ser reproduzidas e evoluem no tempo por meio da interação do subconsciente tanto quanto mais essas estruturas sociais são reproduzidas.
A intensificação desse modelo estrutural é responsável em grande parte pelo abalroamento das relações sociais, juntamente com o fenômeno explicado pela teoria política do individualismo possessivo de Crawford Brough Macpherson, que revela o comportamento violento por parte do sujeito dissimulado pelo regime discursivo.
Como já dissemos, a violência é institucionalizada ao admitirmos explícita ou implicitamente que ela é natural e inevitável. O retrato atual que revela cruamente essa violência institucional velada e disfarçada são os atos de corrupção de agentes públicos e cidadãos praticados em plena pandemia da Covid-19.
A morte diária de milhares de pessoas por falta de atendimento e insumos médicos na rede pública de saúde por força da Covid-19 não foi capaz de sensibilizar tais criminosos e inúmeros esquemas de corrupção orquestrados por agentes governamentais foram praticados contra a sociedade por meio da aquisição de respiradores e insumos superfaturados, além da contratação irregular de hospitais de campanha.
Houve aqueles que se aproveitaram da situação para subtrair insumos hospitalares e revendê-los a preços exorbitantes.
E também os que se cadastraram e receberam sem ter direito ao auxílio emergencial.
O Poder Judiciário é um subsistema de outros sistemas e está sujeito às mesmas forças, tanto que tradicionalmente sua atuação foi e ainda é marcadamente violenta, herança da vingança penal (“olho por olho, dente por dente”) geradora de mais violência espontânea ou reprimida.
Verificados os efeitos negativos deste sistema de retroalimentação positiva, observou-se a paulatina humanização do subsistema e, derivada dos estudos de Albert Eglash e Howard Zehr na década de 1970, concebeu-se a justiça restaurativa como forma de reparar não só a vítima, mas também a sociedade, o ofensor e as relações interpessoais.
Posteriormente surgem outros mecanismos como a autocomposição, a conciliação, a mediação, a arbitragem, a transação penal, a suspensão condicional do processo, os círculos de construção da paz, o direito sistêmico, a comunicação não violenta, o acordo de não persecução civil e penal, o que trouxe uma perspectiva mais holística a respeito de todas as variantes envolvidas no sistema de justiça.
Todavia, essas ferramentas, por deterem alto grau de legitimidade na acepção do sistema teórico de Koopmans, não têm ressonância e, com isso, não têm visibilidade. Logo, elas não ingressam no sistema comunicativo de massa e não conseguem promover mudanças estruturais no sistema e subsistemas sociais.
De outro lado, a violência, tão arraigada ao ser humano, tão intrínseca e historicamente ligada a ele, está repleta e disponível por todos os lados, a todos os momentos, parte imanente do inconsciente coletivo.
No nível proximal, o mindset passa a ser configurado, moldado e adaptado por essas forças sutis ou explícitas que transitam no regime discursivo dos sistemas e subsistemas contemporâneos. No nível distal, a superestrutura histórica, jurídica e política dão base e arrematam esse modus operandi.
Quanto mais o mundo se conecta, mais as pessoas se desconectam de si mesmas e dos outros paradoxalmente.
Nessas condições, a comunicação violenta que permeia a sociedade acaba em grande parte por desaguar no Poder Judiciário e, como última instância de controle e com poucos recursos para atender seus usuários na maioria das comarcas e subseções do país, com cidadãos e organismos estatais pouco predispostos ao diálogo, a atuação jurisdicional acaba também por ser violenta, realimentando o sistema.
Há violência maior quando uma decisão judicial retira a guarda de uma criança de sua mãe? Isto para ficarmos com um exemplo além de tantos outros. Independentemente de juízo de mérito ou das circunstâncias do caso concreto, pois tal decisão em regra estará protegendo a criança em detrimento de comportamento negligente ou temerário da genitora, a violência está aí embutida, na clássica definição weberiana do monopólio do uso legítimo da força física dentro de determinado território.
É que o regime discursivo faz desaparecer a violência clara e evidente como num passe de mágica.
As técnicas e estratégias comunicacionais passam então a dominar a arena pública com o emprego massivo da polarização, advindo daí a visibilidade tão almejada por políticos, celebridades, personalidades e tantas outras pessoas comuns, característica pós-moderna narcisista como expõe Gilles Lipovetsky, filósofo e sociólogo francês: “o narcisismo é o efeito do cruzamento entre uma lógica social individualista hedonista, impulsionada pelo universo dos objetos e dos sinais”.
Um exemplo claro é o discurso altamente polêmico, controverso e conflitivo de Trump e Bolsonaro, que não só dividiu seus países, mas acarretou até mesmo em rupturas familiares, esboço de uma oclocracia que revela a violência latente, introjetada no subconsciente, ancorada na couraça do caráter e parcialmente no superego no sentido reichiano.
Como ondas, essa força se dissemina em alta frequência, abalroa as relações sociais e atinge o Poder Judiciário, que a reverbera, por vezes em intensidade até maior, amplificando aquelas ondas que, por sua vez, reverberam na sociedade.
Inúmeros protestos violentos praticados por correligionários de Bolsonaro chegaram ao Poder Judiciário, a exemplo dos Inquéritos n. 4781 e 4828 que apuram, respectivamente, a disseminação de fake news e ameaças contra ministros da Corte e violações à Constituição durante a realização de atos em apoio ao presidente, ambos em trâmite no Supremo Tribunal Federal - STF.
As Ações de Investigação Judicial Eleitoral n. 1779-05, 1782-57, 1771-28 e 1968-80, 1369-44 e 1401-49 em trâmite no Tribunal Superior Eleitoral - TSE apuram o uso indevido de meios de comunicação por aplicativos de redes sociais e abuso de poder econômico.
No Inquérito n. 4831 daquela Corte Constitucional, liberado o acesso a vídeo de reunião presidencial pelo Ministro Celso de Mello, a comunicação violenta deu a tônica, alcançado o ápice na frase do então Ministro da Educação Abraham Weintraub: “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.
Restringimo-nos a estes exemplos para ficarmos com uma pequena amostra da coleção de processos judiciais que o governo Bolsonaro está acumulando, sem mencionar os 53 pedidos de impeachment que 1457 pessoas e organizações subscreveram até o momento.
Não é por acaso que o Poder Judiciário brasileiro possui uma das maiores e inacreditáveis distribuições de processos por ano, em parte explicada pela comunicação violenta sistêmica.
Conclusão
O espaço comunicativo atual, multidirecional e unidimensional temporal, incorporou número ilimitado de difusores de opinião e (des)informação, muitos destes replicadores da lógica de mercado consumista e alienante, motivados por propósitos individualistas possessivos, socialmente incorporados, introjetados a nível subconsciente.
A desmaterialização espacial advinda da Revolução Tecnológica gerou grande excesso de angústia e ansiedade como subproduto, escravizando almas na medida da má-fé existencialista sartriana.
Estes players disputam a atenção, a audiência e a graça do público e consagram a sociedade do espetáculo, a fetichização da mercadoria e a reificação das relações sociais. Esse culto total ao estrelato elege seus novos ídolos, venerando-os e adorando-os.
Nesse ambiente, a técnica comunicacional polarizadora ganha muitos adeptos, especialmente no cenário político, em que a conquista do voto depende essencialmente da persuasão. A mensagem polarizadora, por deter legitimidade questionável, acaba por gerar intensa ressonância e, consequentemente, muita visibilidade.
Porém, as hostilidades se acirram, as intolerâncias afloram e as rupturas se sucedem, replicando e amplificando a carga de violência no macrossistema autopoiético e autorreferente, fato autogerador e multiplicador de conflitos, abalroando as frágeis relações sociais.
Com isso, a crise de resolutividade se acentua e os problemas são terceirizados ao Poder Judiciário pela ausência de diálogo que, pela própria origem histórica, e pela atuação burocrática e procedimentalista, acaba por dar soluções tão ou mais violentas, realimentando o sistema.
Percebe-se, então, o grave nível de deterioração da sociedade no momento em que mensagens hediondas contam com a adesão de significativa parcela dela, o que a revelar a importância de técnicas como a comunicação não violenta para a promoção da cultura da paz.
No metal crítico: “Alguns do que estão no poder são os mesmos que queimam cruzes. Matam em nome de seus interesses e nós simplesmente fazemos o que nos mandam, permanecendo sob controle”.
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Obs.: notas de rodapé constantes do artigo original não suportadas por este editor de texto do sítio eletrônico https://jus.com.br.