Exploração mineral: licenças ambientais e econômicas e seu reflexo no Direito Penal.

A falta das licenças ambientais e dos títulos minerários e a consequente caracterização dos crimes previstos na Lei 9.605/1998 e na Lei 8.176/1991

28/10/2020 às 11:57

Resumo:


  • A jurisprudência entende que a extração mineral irregular configura concurso formal de crimes, pois as leis protegem bens jurídicos distintos.

  • Para a prática regular da atividade de mineração, são necessárias licenças ambientais e econômicas específicas.

  • O crime previsto no artigo 55 da Lei 9.605/1998 refere-se à ausência ou descumprimento das licenças ambientais, enquanto o artigo 2º da Lei 8.176/1991 trata da falta de licenças econômicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Visa demonstrar a relação entre os direitos ambiental e minerário com o direito penal, assumindo que a falta das licenças ambientais caracteriza o crime do artigo 55 da Lei 9.605/98 e a falta dos títulos minerários, o crime do artigo 2º da Lei 8.176/91.

A prática de extração mineral, sem as licenças para tanto, implica discussão quanto à capitulação jurídica do fato. Defendia-se que, com a entrada em vigor da Lei 9.605/1998, a conduta amoldar-se-ia, apenas, à figura típica prevista no artigo 55 da Lei dos Crimes Ambientais, não se devendo aplicar o artigo 2º da Lei 8.176/1991, o qual estaria derrogado, devido ao fato de aquela lei ser mais específica (e recente) que esta.

Com o passar do tempo, porém, a jurisprudência foi-se firmando em sentido distinto. STF e STJ, hoje, exibem julgados que pugnam pela existência de concurso formal de crimes (art. 69 do CP) quando há prática de extração irregular (rectius: sem as devidas licenças ou em desacordo a elas) de minério.

O fundamento comumente usado é o de que, na espécie, estamos diante de duas normas que protegem bens jurídicos distintos. A Lei 9.605/1998 visa a proteger o Meio Ambiente. A seu turno, a Lei 8.176/1991 visa a proteger a ordem econômica.

De fato, a leitura da ementa dessas normas seria suficiente para a percepção de que elas cuidam de bens jurídicos distintos:

  • Lei 8.176/1991: Define crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis.

  • Lei 9.605/1998: Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.

No HC 144.118 - STF (relatora: Ministra Rosa Weber), o voto relator deixa clara essa distinção entre os bens jurídicos protegidos pelas duas leis em comentário:

Carece de plausibilidade jurídica a tese defensiva, porquanto o ato dito coator está em consonância com a jurisprudência desta Corte firmada no sentido de que “Como se trata, na espécie vertente, de concurso formal entre os delitos do art. 2º da Lei n. 8.176/1991 e do art. 55 da Lei n. 9.605/1998, que dispõem sobre bens jurídicos distintos (patrimônio da União e meio ambiente, respectivamente), não há falar em aplicação do princípio da especialidade para fixar a competência do Juizado Especial Federal” (HC 111.762/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 04.12.2012); e “Os artigos 2º da Lei n. 8.176/91 e 55 da Lei n. 9.605/98 tutelam bens jurídicos distintos: o primeiro visa a resguardar o patrimônio da União; o segundo protege o meio ambiente. (...) Daí a improcedência da alegação de que o artigo 55 da Lei n. 9.605/98 revogou o artigo 2º da Lei n. 8.176/91” (HC 89.878/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 14.5.2010).

No mesmo sentido, confiram-se as razões expostas no julgamento do Resp 942.326 - STJ.

Ainda, o julgado do TRF 3 disponível no seguinte link: https://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/4008395.

Firmada essa premissa, doravante passaremos a abordar como se dá a regulamentação ambiental, de um lado (importante para a caracterização do tipo penal previsto no artigo 55 da Lei 9.605/1998) e, de outro, como se dá a regulamentação econômica (importante para a caracterização do tipo previsto no artigo 2º da Lei 8.176/1991).

De fato, aquele que pretende explorar minério deverá obter as licenças ambientais (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação), conforme exigências previstas na Lei 6.938/1981 e na Resolução 237/97 – CONAMA. E por que são necessárias licenças ambientais para a prática da mineração? Porque se trata de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente, implicando, portanto, aplicação do artigo 225, IV, da Constituição.

Aliás, frise-se, é tão evidente o potencial lesivo ao Meio Ambiente da atividade de mineração que a própria Constituição, depois de frisar que os minerais são bens da União, prevê compensação financeira a Estados e Municípios em que essa atividade for explorada (art. 20, § 1º, Lei da Leis).

Seguindo, paralelamente à necessidade de obtenção das licenças ambientais, o empreendedor deverá obter os títulos minerários respectivos, conforme previsão legal contida no Código de Mineração (vide Decreto 9.406/2018, que regulamenta as Leis 6.567/1978, 7.805/1989, 13.575/2017 e o DL 227/1967).

Significa dizer que, de um lado, aquele que pretende praticar extração mineral válida deverá obter as licenças ambientais pertinentes - licença prévia, de instalação e de operação, sem as quais se caracteriza o crime previsto no artigo 55 da Lei 9.605/1998:

Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

O crime igualmente se caracteriza se o empreendedor, a despeito de ter obtido as licenças, pratica a atividade em desacordo com suas condicionantes.

Por outro lado, se o mesmo empreendedor tampouco detém os títulos minerários (também chamados de licenças econômicas), vale dizer, se não tem Autorização de Pesquisa, Concessão de Lavra, Licenciamento ou Permissão de Lavra Garimpeira, conforme o caso, ele estará incorrendo no crime previsto no artigo 2º da Lei 8.176/1991:

Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Pena detenção, de um a cinco anos e multa. § 1º Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo.

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Em resumo, temos que, para a prática regular da atividade de mineração, são necessárias licenças de dois distintos matizes:

LICENÇAS AMBIENTAIS

LICENÇAS ECONÔMICAS

Licença prévia

Autorização de pesquisa

Licença de instalação

Concessão de lavra

Licença de operação

Permissão de lavra garimpeira

Licenciamento

(Registro de extração)

Sem as licenças ambientais ou em desacordo a elas, está caracterizada a prática do crime previsto no artigo 55 da Lei 9.605/1998, cujo elemento normativo remete à ausência dessas licenças.

Sem as licenças econômicas (títulos minerários) ou em desacordo a suas condicionantes, temos caracterizada a prática do art. 2º da Lei 8.176/1991, cujo elemento normativo remete à falta destes títulos.

Dessa forma, resta caracterizada a correção do posicionamento jurisprudencial de que, quando se dá a extração mineral irregular, há concurso formal de crimes, pois as multicitadas leis protegem bens jurídicos distintos.

Mais do que isso, porém, o presente artigo visava demonstrar que o elemento normativo dos tipos penais em discussão remetem a regulamentações distintas. O da Lei Ambiental, à falta das licenças ambientais ou o descumprimento de suas condicionantes. O da Lei dos Crimes contra a Ordem Econômica, à falta das licenças econômicas ou o descumprimento de suas condicionantes.

Assim, ao perceber que cada tipo penal remete a uma regulamentação inteiramente distinta, fica extremamente simples perceber que não há conflito de normas e, em consequência, compreender também o porquê de os tribunais seguirem firmes na remansosa jurisprudência que pugna pelo concurso material de crimes, já que estamos diante de proteção a bens jurídicos absolutamente distintos: de um lado, o Meio Ambiente; de outro, o bem da União (minério).

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Sobre o autor
Anderson de Andrade Bichara

Delegado de Polícia Federal desde 2003, atualmente exercendo a função de Superintendente da Polícia Federal no estado do Amapá (desde 2021), já tendo ocupado a função de Secretário-Executivo da Comissão de Definição das Ações de Segurança para os Jogos Rio 2016 (2014 - 2017). Possui MPA em Gestão de Órgãos de Segurança Pública pela Universidade Cândido Mendes (2019). Cursa Mestrado em Criminologia Aplicada na Universidad Católica de Ávila e Especialização em Bases Teórico Metológicas da Criminologia na Universidade de São Paulo. Foi Auditor Fiscal e Técnico do Tesouro Nacional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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