A fase de execução, aquela que termina a análise do mérito processual, que já conhece-se a parte sucumbente, não há, em regra, reinvindicação probatória. Há uma relação obrigacional entre o credor e o devedor, um de restituir o outrem com os devidos juros moratórios e atualizados monetariamente. Nela encontra-se um procedimento sob os pilares do devido processo legal e ampla defesa, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. A parte na qual detém o direito de fato adentra com uma ação executória, e a parte vencida pode apresentar uma impugnação, se houver uma discordância entre valores.
Há alguns casos previstos no código de processo civil, como o artigo 833, que assevera um rol taxativo não mitigado de bens impenhoráveis, ex vis legis, “são impenhoráveis: (...) IV- Os Vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinada ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º; (...)”. Isto é, são bens de natureza subsidiaria, o mínimo para o indivíduo viver dignamente, que não deve ter interferência executória, como o da penhora.
Entretanto, como o teor iluminista hermeneuta, como o da escola dos pandectas, em que pregava que o magistrado deve interpretar o direito, tornando volátil aos princípios morais da sociedade, são eles que vislumbram o bem-estar social, distanciando-se da vontade do legislador, do poder originário, já que o direito modifica-se com o tempo, com o progresso social, e por muitas vezes, a codificação não acompanha essa sinergia, já que o poder legiferante prende-se a uma burocracia deliberativa, de aprovação, uma manifestação política.
E esse “direito liquido”, conceito de Z. Bauman, na qual está numa transformação infinita; muito se assemelha ao Common Law europeia, na qual o Brasil tem fortes influências, por também, assim como a Civil Law, ter se originado em Roma.
Depois de entender os conceitos supracitados, deve adentrar no embate contemporâneo do direito, somos positivistas kelsenianos ou hermeneutas? E o que a sociedade pensa sobre o ativismo judicial? O jus filósofo, Rui Barbosa sempre atacou a iniciativa do judiciário em cirar atos ou normas, “ a pior ditadura é a do Poder Judiciário, contra ela não há a quem recorrer”, uma citação que mostra o lado legalista de Rui Barbosa, defensor veementemente da separação dos poderes para melhor administrar a Res Publica. Como vê-se no livro, o “espirito das leis” de Monstequieu, na qual cada instituição detém suas respectivas competências funcionais típicas e atípicas, mas devem respeitar o check and balances, isto é, a harmonização dos poderes.
Agora, voltando a fase de execução, o entendimento jurisprudencial do artigo 833 do CPC/2015 e a sua possibilidade de relativização para o pagamento ao credor. Desde o Pacto de San José da Costa Rica, mesmo que previsto em lei, os países que o adeririam, não devem positivar a prisão por dívida ou depositário infiel, já que fere os princípios internacionais dos direitos humanos.
E, as vezes a relativização da lei ou norma traz maior segurança jurídica e bem-estar social, desde que advenha junto ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, para não causar nenhum dano irreversível ao devedor. O principal objetivo da execução é o pagamento integral da dívida judicial, porém analisando caso a caso. Como vislumbra a seguir:
“EMBARGOS à PENHORA. NATUREZA SALARIAL DOS RECURSOS. ARTIGO 649, INCISO X, CPC/73. impenhorabilidade. RELATIVIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.APELAÇÃO DESPROVIDA. - Os artigos 7º, inciso X, da CF/88 e 833, incisos IV e X, da lei processual civil dispõem sobre a impenhorabilidade do salário. - Provada a natureza salarial dos valores penhorados por meio do BACENJUD, descabe ilação sobre a existência de disponibilidade ou de "sobra" de numerário aptos a permitir a relativização da proteção ao salário, pois somente a prova de alguma espécie de fraude poderia afastá-la, sob pena de ofensa ao direito de propriedade previsto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal. - Apelação desprovida”.
Muitas vezes o juiz de direito acaba tendo um poder político de legislar, mas não é por ativismo, é por pacifismo do legislador, que não acompanha a real vontade da sociedade. Por exemplo, o juízo a quo da 2ª Vara Cível determinou a penhora de 30% dos vencimentos do executado, mesmo sendo o salário um bem impenhorável, alegando que a penhora preserva o suficiente para a manutenção do executado e de sua família. Para ceder um direito à execução deve analisar alguns requisitos, um deles é a vontade das partes, o outro é o quantum possível para cobrir a dívida dignamente para ambas as partes.
No antigo código de processo civil, o de 1973, os bens inexecutáveis eram chamados de absolutamente impenhoráveis, isto quer significar, que em hipótese nenhuma pode-se penhorar em casos de dívida, mesmo se houver expressa manifestação de vontade do executado, por que adentra em direito de família como a herança.
Entretanto, há inúmeras interpretações perante a impenhorabilidade de bens, como logrou a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que autorizou a penhora de 10% do rendimento líquido de aposentado para quitar honorário advocatício, pela razão do mesmo ter natureza alimentar, sendo uma exceção à regra do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/2015, como pode ser visto: “Art. 833. São impenhoráveis: § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o.”
Não há uma súmula vinculante que ordene um mínimo possível a penhora, alguns abrangem nos 30%, podendo chegar até a mais da metade dos vencimentos, daí adentra o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, que deve ter uma execução própria à situação do executado, já que não tem caráter punitivo, e sim de ressarcimento ou indenizatório.
Logo, conclui-se que para o ser subsistir de maneira digna, sendo que haja um equilíbrio na quantidade, cabendo a parcela, e que tenha convergência entre o executado e exequente, pode-se relativizar a aplicabilidade da penhora, tendo maior abrangência, para assegurar a todos os seus direitos, sem abuso, ou que nenhuma parte sinta-se lesada.