A delimitação da responsabilidade criminal do psicopata no Direito Penal Brasileiro

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Este trabalho tem por finalidade analisar a situação do psicopata frente ao sistema penal brasileiro. Neste mister, aborda-se o seu enquadramento jurídico-penal a partir do transtorno de personalidade dissocial do qual é portador.

RESUMO: Este trabalho tem por finalidade analisar a situação do psicopata frente ao sistema penal brasileiro. Neste mister, aborda-se o enquadramento jurídico-penal a partir do transtorno de personalidade dissocial do qual é portador, apresentando, ainda, uma abordagem histórica sobre o tema e a delimitação conferida pela doutrina e pela jurisprudência acerca da caracterização de certos indivíduos como psicopatas. Por fim, demonstra-se a conveniência de adoção da medida de segurança no tratamento desses indivíduos e suas implicações jurídicas.

Palavras-chave: Psicopatia; transtorno de personalidade; medida de segurança.

ABSTRACT: This work aims to analyze the situation of the psychopath in relation to the Brazilian penal system. In this paper, the legal-penal response is addressed from the dissocial personality disorder of which he is a carrier, also presenting a historical approach on the subject and the delimitation conferred by doctrine and jurisprudence on the characterization of certain individuals as psychopaths. Finally, it demonstrates the convenience of adopting the security measure in the treatment of these individuals and its legal implications.

Keywords: Psychopathy; personality disorder; security measure. 

           1. INTRODUÇÃO 

Este artigo aborda o tema da imputabilidade penal do psicopata, envolvendo, deste modo, institutos de Direito Penal, Processo Penal e Psicologia Forense, com o objetivo de analisar o tratamento adequado a esse indivíduo de acordo com o ordenamento jurídico pátrio.

A partir da constatação factual de que a pena privativa de liberdade, quando aplicada, costuma não atingir seu pretendido propósito, que é o de reinserção social do apenado, revela-se desafio ainda maior conferir tratamento ao psicopata delituoso, mormente considerando-se as especificidades do transtorno de personalidade do qual é portador.  

De acordo com o CIDE-10 (Classificação Internacional de Doenças), o psicopata se enquadra no transtorno tido como dissocial, possuindo perturbação de personalidade manifestada por meio de comportamentos antissociais, sendo possível, em sentido amplo, classificá-lo como doença ocasionada por anomalia orgânica no cérebro, e, em sentido restrito, como sinônimo de psicose. Previsto na parte F60.2 da CIDE10, o transtorno não tem cura, havendo, no entanto, determinada gama de medicamentos capazes de amenizar as manifestações desse distúrbio.  

Por não aprenderem nem com a experiência nem com a punição, surge o desafio de se imporem sanções a estes indivíduos quando do cometimento de delitos, em consonância aos ditames constitucionais de preservação da dignidade do preso e da busca de sua reinserção social.

2. A ABORDAGEM DA CRIMINOLOGIA: ESCOLA CLÁSSICA E POSITIVISTA 

Consoante Senderey (1978, p. 6 apud Mirabete, 2010, p. 11,) “a Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam os fenômenos e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente e sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo”.

O crime é considerado por esta ciência um fato humano e social. Nesta ordem, sofre o criminoso influências de ordem social e biológica, assim como injunções externas que ocasionam atos transgressores do ordenamento jurídico vigente.

Dentre as escolas que surgiram para estudar esta ciência, ganha destaque a criminologia positivista, inspirada na filosofia e psicologia do positivismo naturalista predominante entre o final do século XX e início do séc. XXI, tendo como fundamento teorias baseadas em características biológicas e psicológicas que diferenciavam os sujeitos criminosos daqueles tidos como normais, além da negação do livre arbítrio diante do rígido determinismo.

Atualmente, a criminologia vem tentando superar a teoria patológica adotada no passado, que buscava a individualização dos criminosos por meios de sinais antropológicos, identificando em seguida determinadas características, através das zonas rigidamente circunscritas no âmbito do cárcere e manicômio judiciário.

César Lombroso, grande colaborador da criminologia e nome de destaque desta escola, tratava o crime como manifestação da personalidade humana, produto de inúmeras causas, estudando o infrator do ponto de vista biológico. Afirmava que, “por uma questão darwiniana de evolução, os criminosos estavam atrasados em relação ao resto da população” (PASSOS, 2016, p. 325).

Entre algumas de suas contribuições estão o estudo do crime como fenômeno biológico; o criminoso como um ser atávico, que representa a regressão do homem ao primitivismo; e o criminoso nato, que apresenta características físicas e morfológicas específicas.

Para Bitencourt (2012, p. 113-116 apud PASSOS, 2016, p. 324-325) a doutrina Positivista é composta por três fases: antropológica, caracterizada pelas ideias de Lombroso; sociológica, caracterizada pela sociologia criminal de Enrico Ferri; e jurídica, cujo expoente é Rafael Garofalo.

Quanto ao primeiro estágio, destacam-se cinco espécies de criminosos apontados por Lombroso: nato, passional, louco, ocasional e epilético. Na segunda fase, Ferri analisou todos os fatores sociais que poderiam interferir na prática do crime, ou seja, o delinquente estaria incluso em um determinismo social. No que tange à última etapa, estabeleceram-se princípios como o da periculosidade, como fonte da responsabilização do delinquente, constituindo função da pena a prevenção exercida sobre o indivíduo criminoso.

Embora a atenção aos fatores biológicos tenha sido deslocada para os aspectos sociais, dando o predomínio a estes últimos, o modelo positivista e seu estudo das causas ou fatores da criminalidade para individualizar as medidas adequadas à sua remoção permanece presente na sociologia criminal contemporânea.

Já a escola liberal não diferenciava os delinquentes dos demais indivíduos, uma vez que não partia de um rígido determinismo, demonstrando que as atitudes adotadas pela comunidade quanto aos sujeitos influenciavam de modo significativo no seu modo de agir e na possibilidade de sua reinserção social.  

Conforme Baratta (2011, p. 31) esta escola “se detinha principalmente sobre o delito, entendido como conceito jurídico, isto é, como violação do direito e, também, daquele pacto social que estava, segundo a filosofia política do liberalismo clássico, na base do estado e do direito”. Ao surgir da livre vontade do indivíduo, seu comportamento não estaria vinculado a questões patológicas.

Ademais, o objetivo do Direito Penal e da pena nessa visão classicista não seria a intervenção sobre o sujeito, mas sim a defesa do direito da sociedade de se proteger contra o crime.  

A atitude filosófica racionalista e jusnaturalista da escola clássica havia conduzido a um sistema de direito penal no qual, o delito encontra sua expressão propriamente como ente jurídico. Isto significa abstrair o fato do delito, na consideração jurídica, do contexto ontológico que o liga por um lado, a toda a personalidade do delinquente e sua história biológica e psicológica, e por outro lado, à totalidade natural e social em que se insere sua existência (BARATTA, 2011, p. 38).

 

O direito que qualifica o delito não é analisado de perspectiva isolada, procurando-se encontrar todo complexo de causas na totalidade biológica e psicológica da pessoa, além da ótica na camada social que determina a vida daquele. Nesse sentido, Carrara aponta a “concepção do delito como um ente jurídico, constituído por duas forças: a física e a moral; a primeira é o movimento corpóreo e o dano causado pelo crime; a segunda é a vontade livre e consciente do delinquente” (NORONHA, 2009, p. 30).

A escola clássica também pôs a criminalidade e o Direito Penal como objetos de crítica nos âmbitos sociológico e político. Baseada nos princípios da humanidade, legalidade e utilidade, Beccaria (apud BARATTA, 2011, p. 33), um de seus maiores nomes, manifesta que a base da justiça humana é a utilidade comum, surgindo da manutenção dos interesses particulares e superando os conflitos existentes (estado natural).

O princípio essencial do direito natural é, para Romagnosi (2011, p. 35), a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade, de tal forma que a finalidade da pena é a defesa social, não surgindo da ideia utilitarista do pacto social, mas sim da existência e exigência originárias de uma sociedade. Defende o referido autor que a sanção não é o único meio de defesa social, sendo o objetivo maior a prevenção do delito por meio do aperfeiçoamento das condições de vida social.

Além disso, Carrara (2011, p. 36) trata o delito como ente jurídico por estar ligado à violação de um direito. É a partir dessa distinção entre consideração jurídica do delito e consideração ética do indivíduo que ele atribui à pena a função de defesa social, não tendo esta uma função retributiva, mas sim a finalidade de eliminar o perigo social que sobreviria da impunidade do delito.

Ressalta-se que tanto a escola clássica quanto a positivista detêm um modelo de ciência penal integrado, modelo em que a ciência jurídica e a concepção geral do homem e da sociedade estão correlacionadas.

Por fim, o que se deve perguntar não é o porquê do punir, mas sim quem punir, uma vez que nem todos os que praticam infrações serão alcançados pelo Direito Penal. “Não há um verdadeiro interesse em se punir todos aqueles que cometem delitos. São os sujeitos que Zaffaroni denominou de vulneráveis ao sistema punitivo. Os clientes do direito penal são bem determinados” (PASSOS, 2016, p. 330). Há, por conseguinte, um déficit entre a criminalidade real e a criminalidade das estatísticas.

 

3. CONCEITO CIENTÍFICO DE PSICOPATA 

A psicopatia é inata, orgânica, fruto da genética, ou advém de causas sociais e ambientais? Embora existam diversas teorias, a que prevalece é a de natureza constitucionalista, originando-se, segundo França (2015, p. 516 apud MELGAÇO REIS, 2016, p. 81) “de forma intrínseca e orgânica (biológica), por determinação genética, e como tal pouco ou nada pode se fazer (psicopatia como fator de natureza) ”. 

Na atualidade prevalece a corrente sustentadora da inerência da psicopatia, ou seja, ela é inata ao sujeito, ainda que existam fatores externos intensificadores, como o meio social, a educação e o convívio familiar, os quais podem melhorar ou agravar a situação.

O psicopata é aquele com distúrbios mentais graves, causados por anomalia orgânica no cérebro, existindo, inclusive, casos de psicopatia adquirida. A psicopatia afeta a forma de interação social em comunidade, “em virtude de traumatismos crânio-encefálicos ou encefalite epidérmica, surjam sequelas neurológicas capazes de gerar o quadro psicopático”. (ZACHARIAS, 1991, p. 392 apud MELGAÇO REIS, 2016, p. 83)

A própria menção a indivíduo portador de doença se mostra questionável, já que: “Ele não é um doente mental, mas sim sofre de um ‘transtorno de personalidade’ (conforme, inclusive, o Manual da sociedade americana de psiquiatria – DSM-IV)”. De acordo com essa afirmação, Melgaço Reis (2016) aduz que o psicopata tem plena capacidade de discernimento, e, em visto disto, seria processado e julgado como imputável.

Em artigo intitulado O psicopata criminoso e sua mente, publicado no Canal de Ciências Criminais, afirma-se que a estimativa da quantidade de psicopatas existentes é de cerca de 4% da população mundial, ou seja, 4% sofrem de transtorno de personalidade antissocial. Seus cérebros possuem menor conexão entre o córtex pré-frontal ventromedial – a parte responsável pela empatia e culpa – e a amígdala – correspondente ao medo e ansiedade.

Além disto, em texto publicado pela BBC Future, em 18 de julho de 2018, pesquisadores identificaram diferenças nos cérebros dessas pessoas que os separam de infratores apenas com transtorno de personalidade antissocial (TPA), muito embora seja esse o conceito clássico de psicopata. "As diferenças estão em áreas-chave do cérebro envolvidas com o pensamento sobre nossas reputações sociais e com o uso do medo para determinar nossos comportamentos", diz Blackwood, um dos estudiosos. As áreas mencionadas despertam as emoções do indivíduo, impedindo o cometimento de faltas graves no meio social.

Esses estudos abrem espaço para a menção das características mais comuns do psicopata. De acordo com Trindade (2014, p. 189-190 apud MELGAÇO REIS, 2016, p. 85), há três aspectos essenciais:

 

a.)        Relacionamento com os outros (interpessoal): são arrogantes, presunçosos, egoístas, dominantes, insensíveis, superficiais e manipuladores;

b.)        No âmbito da afetividade: são incapazes de estabelecer vínculos afetivos profundos e duradouros com os outros, não possuem empatia, remorso ou sentimento de culpa; e

c.)        Comportamento: são agressivos, impulsivos, irresponsáveis e violadores das convenções e das leis, agindo com desrespeito pelos direitos dos outros.

 

Desta forma, surge o questionamento: é possível distinguir um psicopata? Em 1991 foi criada a escala Hare, estabelecendo sintomas-chave indicativos da psicopatia, examinando desde os sentimentos e relacionamentos interpessoais até o estilo de vida e atitudes antissociais. São 20 itens, validados no Brasil, variando de 0 a 2 pontos, chegando o máximo da pontuação a 40. Sendo a taxa de corte para identificação do indivíduo com transtorno de personalidade dissocial igual ou superior a 30 pontos, será considerado um psicopata típico.

A Escala PCL-R (psycopathy checklist revised) foi programada para avaliar a periculosidade e o grau de readaptabilidade do infrator, de modo mais seguro e objetivo, sendo que os países instituidores desse projeto apresentaram considerável grau de diminuição na reincidência criminal (SERAFIM, 2014, 202). Para isso, revelou-se indispensável a existência de profissionais com domínio na área de diagnóstico. Inexistindo recursos psiquiátricos precisos para se constatar a psicopatia o julgador avaliará o grau de ressonância emocional diminuída quanto à consideração pelos demais.

Morana (2019), traduzindo a Escala Hare, e considerando a realidade brasileira, conclui que esta não está sendo aplicada por conta da falta de capacitação profissional de peritos psiquiatras capazes de qualificar um indivíduo como psicopata. Por isso, sua aplicação ainda é utópica quando verificada a realidade econômica em que o país se encontra, uma vez que os próprios presídios carecem de estrutura básica, impossibilitando a compra dos aparelhos necessários para análise cerebral dos indivíduos com indícios de psicopatia, além da capacitação dos técnicos e investimento em pesquisas.

Quantos aos desvios de personalidade, eles controlam a mente e podem levar à realização de atos impensáveis dado a sua incapacidade de sensibilização. No entanto, é necessário salientar que a maioria dos indivíduos com transtorno dissocial não são violentos, tendo muitos deles, inclusive, vida bem-sucedida no mundo dos negócios. Assim, a psicopatia não é a causa de todos os crimes violentos, mesmo sendo o índice de reincidência dos portadores desse distúrbio maiores que o dos demais criminosos.

 

4. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE IMPUTABILIDADE PENAL

 

São elementos da culpabilidade previstos no Código Penal: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade está relacionada à possibilidade de se atribuir responsabilidade penal ao indivíduo que praticou um ato típico e antijurídico, distinguindo-se nesse contexto as figuras do imputável, semi-imputável e inimputável.

Dessa forma, será considerado imputável o indivíduo capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, ou seja, aquele com capacidade para compreender o significado de sua conduta e ter o comando da própria vontade.

À vista disso, Capez (2012, p. 333) visualiza dois aspectos da imputabilidade: o primeiro, intelectivo (capacidade de entendimento), e o segundo, volitivo (faculdade de controlar e comandar suas vontades). Ao agir com dolo, o agente visa à concretização do ato criminoso, causando dano a outrem; abusa-se da vontade livre e consciente ao praticar a conduta tipificada em norma penal incriminadora. No entanto, haverá situações em que o indivíduo agirá com dolo, só que não possuirá discernimento pleno de sua vontade. Assim, temos o art. 26, caput, do Código Penal, tratando do indivíduo inimputável:

 

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Grifo nosso)

 

Por consequência, existem situações que excluem a culpabilidade, sendo um dos requisitos para que não haja a punição deste infrator: a) doença mental; b) desenvolvimento mental incompleto (a exemplo de indígenas e menores de idade); c) desenvolvimento mental retardado (neste caso, o estágio de vida em que a pessoa se encontra é incompatível com seu discernimento, estando abaixo do desenvolvimento normal para a idade cronológica, a exemplo dos surdos-mudos); e d) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

No que tange à doença mental prevista no referido artigo, Capez (2012, p. 334) a conceitua como:

 

Perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc. 

 

A análise feita para que seja constatada a inimputabilidade leva em consideração três tipos de sistemas: biológico, psicológico e biopsciológico. O primeiro é utilizado no tocante à menoridade penal, pois há presunção absoluta de que, por causa da pouca idade comprovada por documento adequado (STJ, súmula 74), menor de 18 anos não sabe ou não tem suficiente capacidade de responder pelos seus atos - critério cronológico.

O psicológico se refere ao momento da ação ou omissão, analisando se o agente tinha condições de se determinar de acordo com o caráter ilícito do fato. Por fim, pelo último sistema (que é misto), aquele que em razão de causa prevista em lei atue no momento da prática da infração penal sem capacidade de entender o caráter criminoso do ato não será responsabilizado penalmente - regra do art. 26, caput, do CP.

Além disso, há ressalvas a serem feitas quanto ao sistema biopsicológico, porque nele há três requisitos para considerar o infrator inimputável: causal (existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, previstos no ordenamento jurídico), cronológico (atuação no tempo da ação ou omissão) e consequencial (perda total da capacidade de entender/querer). A inimputabilidade restará caracterizada apenas quando presentes os três pressupostos (CAPEZ, 2012, p. 337).

Ainda sobre a inimputabilidade, esta advém de perícia médica. Esse incidente de insanidade mental suspenderá o processo até o resultado final, podendo ser determinado pelo magistrado de ofício ou a requerimento do MP, defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, consoante o caput do art. 149 do CPP, com a ressalva de que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, conforme preceitua o art. 182 do CPP.

Caso não sejam preenchidos os elementos do crime (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) haverá absolvição do réu sem imposição de sanção (pena ou medida de segurança) – absolvição própria. Se existentes os dois primeiros pressupostos, o juiz passará ao exame da culpabilidade. Afirmada a inimputabilidade por meio do exame de sanidade mental, ocorrerá a absolvição imprópria do acusado, com a aplicação de medida de segurança. (CAPEZ, 2012, p. 338).

Ademais, a modalidade de semi-imputabilidade, causa obrigatória de diminuição de pena, está relacionada à perda de parte da capacidade do entendimento, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Nesta hipótese, há parcial capacidade, havendo responsabilização penal, mas fazendo jus o condenado à redução de pena de 1/3 a 2/3, ou substituição por medida de segurança.

 

5. IMPUTABILIDADE, ININPUTABILIDADE OU SEMI-IMPUTABILIDADE?

 

Conforme dispõe a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o indivíduo é um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e, nesta condição, a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que praticou. (MIRABETE, 2010, p. 196). Ocorre a designada imputação – imputabilidade, atuando como pressuposto da culpabilidade.

A imputabilidade é averiguada quando o indivíduo pratica o fato tido como ilícito, sendo inimputável aquele que não possui capacidade de entendimento ou autodeterminação ao tempo da ação ou omissão. Trata-se de exclusão da imputabilidade a doença mental prevista no art. 26 do Código Penal, termo abrangente de todos os distúrbios provocadores de alterações da saúde mental.

Mirabete (2010, p. 199) afirma que os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de entenderem o caráter ilícito do fato; logo, a personalidade psicopática seria enquadrada nos exemplos de perturbações da saúde mental, pois interferem na conduta do agente, manifestando-se por meio de atitudes violentas, e participando, deste modo, da categoria dos semi-imputáveis.

Para Mirabete (2010, p. 200), constitui direito público e subjetivo do acusado ter sua condenação equivalente não só à gravidade do fato, mas também de acordo com a perturbação mental ou a deficiência mental do réu.

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Haverá a substituição da pena por medida de segurança para o indivíduo com transtorno psicopático, estando ele sujeito às mesmas consequências a que se submete o inimputável, dentre as quais à perícia medica, que deverá comprovar a eventual cessação da periculosidade como condição para a desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial.

A doutrina e a jurisprudência têm optado pelo enquadramento do indivíduo com psicopatia como semi-imputável, aplicando o disposto no art. 26, parágrafo único do Código Penal, conforme posicionamento do STJ compilado a seguir:

 

PENAL E EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, INCISO IV, DO CP. CONDENAÇÃO. SEMI-IMPUTABILIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. ALTERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL. IMPOSSIBILIDADE. I - O art. 98 do Código Penal autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável que necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança para inimputáveis. II - O juiz deve aplicar a medida de segurança de internação ao condenado por crime punível com reclusão, possibilitada a posterior desinternação ou liberação condicional, precedida de perícia médica, ex vi do art. 97 do CP (Precedentes do STJ e do STF). Recurso especial provido. (STJ, REsp 863.665/MT, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 22/05/2007, DJ 10/09/2007, p. 296). (Grifo nosso)

 

 Destarte, o indivíduo com transtorno dissocial é alguém com capacidade de entendimento e autodeterminação reduzidas, diferentemente de outros distúrbios mentais, cujas características estejam relacionadas a delírios e alucinações

Nova jurisprudência, na mesma linha, ampliou a discussão:

 

habeas corpus Nº 462.893 - MS (2018/0197852-1) RELATOR: MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. PACIENTE: ANTÔNIO NADRA JEHA FILHO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO E AMEAÇA. MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. SEMI-IMPUTABILIDADE. ALEGAÇÃO DA DEFESA DE INTERNAÇÃO DESNECESSÁRIA. CONSTATAÇÃO DE PERICULOSIDADE. RISCO PARA A FAMÍLIA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. Ordem denegada. DECISÃO. Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Antônio Nadra Jeha Filho, em que se aponta como autoridade coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. No Processo n. 0043354-43.2015.8.12.0001, o Juízo da 2ª Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Campo Grande/MS condenou o paciente à pena de 2 meses de prisão simples, por contravenção de vias de fato, e 4 meses de detenção, pelo delito de ameaça, totalizando 6 meses de detenção, em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por medida de segurança de internação, pela prática do delito descrito no art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941 e art. 147 do Código Penal, ambos c/c art. 26, parágrafo único, e art. 98, do mesmo diploma legal (fls.275/282). Interposta apelação pela defesa (n. 0043354-43.2015.8.12.0001), foi pedida a absolvição do paciente e, subsidiariamente, a declaração de semi-imputabilidade.

 

A jurisprudência exposta acima trouxe precedentes da Primeira Câmara Criminal. Nesse sentido:

 

A Primeira Câmara Criminal negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa (fl. 360): APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA E VIAS DE FATO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ABSOLVIÇÃO – INVIÁVEL. PROVAS SEGURAS. PALAVRA DE VÍTIMAS E DE INFORMANTES. PRETENDIDA EXCLUSÃO DA APLICAÇÃO DO ART. 98, DO CÓDIGO PENAL - IMPOSSIBILIDADE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL COM PRODUÇÃO DE LAUDO PSIQUIÁTRICO, CORROBORADO POR LAUDO PSICODIAGNÓSTICO PARA FINS JUDICIAIS - CONCLUSÕES PERICIAIS QUE INDICAM ANOMALIA PSÍQUICA E RECOMENDAM AFASTAMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR, POR REPRESENTAR RISCO AOS FAMILIARES - REDUTORA DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO RECONHECIDA - MEDIDA DE SEGURANÇA ADEQUADAMENTE IMPOSTA - PEITO DE RECONHECIMENTO DE DETRAÇÃO PENAL E DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INVIÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA QUE NÃO SE CONFUNDE COM PENA - INAPLICÁVEL A DETRAÇÃO PENAL. 1. Provada a autoria e materialidade delitiva, inadmissível a absolvição. 2. O juízo acertadamente aplicou o redutor imposto pelo artigo 26, parágrafo único do CP, na dosimetria da pena do apelante. 2. Se os laudos periciais produzidos em incidente de insanidade mental atestam que o semi-imputável requer afastamento do convívio de familiares em seu tratamento psiquiátrico, porque apresenta risco à segurança deles, o juiz poderá converter a pena em medida de segurança de internação (CP, art. 98). 4. Medida de segurança é distinta de pena e como tal não se lhe aplica a detração penal nem é possível ocorrer a extinção da punibilidade considerando tal fato. No presente writ, a Defensoria Pública aponta ausência de fundamentação válida para a declaração da semi-imputabilidade do paciente, muito menos para a aplicação de medida de segurança de internação (fl. 10). Sustenta que o laudo pericial não foi conclusivo e que não é o caso de aplicação de medida de segurança (fls. 1/12). [...] Parecer ministerial opinando pela denegação da ordem (fls. 392/398). É o relatório. (Grifo nosso)

 

Findo o relatório, percebe-se em síntese um caso clássico em que o afastamento do infrator é a medida adequada para tratar a enfermidade, pois detém caráter curativo. Caso fosse o indivíduo enviado a presídio para cumprir pena privativa de liberdade sua situação apenas se agravaria. De acordo com o precedente:

 

A defesa entende ser indevida a aplicação de medida de segurança de internação e alega que o laudo não foi conclusivo nesse aspecto. Na sentença, esta foi a fundamentação a respeito da necessidade de aplicação de tal medida de internação (fls. 278/279): [...] Na esfera penal, no incidente de insanidade mental examina-se a capacidade do réu de compreender o caráter ilícito do ato e também a capacidade de se autodeterminar de acordo com este entendimento. Nesta seara, a capacidade de entendimento depende essencialmente da capacidade cognitiva, que normalmente se encontra preservada nos indivíduos diagnosticados como psicopatas. Por outro lado, a capacidade de autodeterminação depende da capacidade volitiva, que está comprometida parcialmente no transtorno na psicopatia, haja vista a falta de freios inibitórios nestes indivíduos, já que eles não sentem empatia ou remorso por seus atos, transformando a todos em simples objetos para sua satisfação momentânea, gerando, desta forma, a condição jurídica de semi-imputabilidade. [...] Já foi decidido que, apesar da psicopatia não ser considerada uma moléstia mental, ela pode ser vislumbrada como uma ponte de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais, sendo assim, os agentes psicopatas devem ser tidos como semi-imputáveis [...] (RT 495/304). No mesmo condão, manifestou-se o TJMT: 'A personalidade não se inclui na categoria das moléstias mentais, acarretadoras da irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações da saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena'. (RT 462/409/10)." (SILVA, 2012). (Grifo nosso)

 

Destacada a semi-imputabilidade do indivíduo por enquadrar-se a psicopatia entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais (ponto alto da discussão), a autoridade julgadora passou a analisar o caso concreto:

 

[...] no caso concreto, necessário frisar novamente, que o laudo pericial de p. 85-88 atestou a elevada periculosidade do réu, diagnosticando-o como portador de psicopatia de natureza grave, associada a transtornos mentais e comportamentais devido a uso de múltiplas drogas, recomendando inclusive seu afastamento do convívio familiar, na medida que representa risco real para essas pessoas. Assim, dada a incapacidade do réu de autodeterminar-se, somada ao risco real imposto às vítimas, conforme acima transcrito, o reconhecimento da semi-inimputabilidade é medida que se impõe, nos termos do parágrafo único do art. 26, do Código Penal. [...] analisando a matéria, assim se manifestou o Julgador local (fl. 367): [...] correta a decisão, pois, se o semi-imputável é condenado, o juiz deve reduzir a pena, nos termos do art. 26, parágrafo único, do Código Penal, mas também pode aplicar medida de segurança, para seu tratamento, e inclusive a medida de segurança de internação, se o seu convívio social representar perigo à segurança das pessoas. [...] Verifica-se que a pretensão da defesa exige o reexame de provas dos autos, porquanto, tendo a instância ordinária entendido pela periculosidade do paciente, inclusive para a proteção dos familiares, inviável o reexame em sede de habeas corpus.

 

Ademais, novos precedentes são trazidos aos autos para indicar a inviabilidade do reexame dos fatos e provas e denegar a ordem à defesa do acusado:

 

Confiram-se, nesse sentido, os precedentes desta Corte: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME APENADO COM RECLUSÃO. TRATAMENTO AMBULATORIAL. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. A reversão do julgado ensejaria a rediscussão acerca da situação pessoal da ré inimputável, o que demandaria, necessariamente, o reexame dos fatos e das provas produzidas nos autos, o que é vedado pelo enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.107.323/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 1º/8/2012)

 

Concluiu-se, deste modo, pela denegação do pedido da defesa que pugnava pela afastabilidade da imposição de internação. Não havendo revisão de fatos e provas na instância superior, prevaleceu o reconhecimento da semi-imputabilidade e, por conseguinte, a aplicação da medida de segurança em sua modalidade de internação para o infrator, visto como ato necessária e suficiente no referido caso concreto.

 

6. HISTÓRICO DO TRATAMENTO DADO AO PSICOPATA NO BRASIL

 

6.1. BREVE ANÁLISE HISTÓRICA ANTERIOR À LEI 10.216/2001

 

No Código do Império Brasileiro, os arts. 12 e 13 dispunham, respectivamente, que:

 

Art. 12. Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.

Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.

 

Aqueles tido como loucos eram destinados a casas específicas ou entregues aos parentes. Nesse sentido, o Código Republicano (decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890) dispunha que os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental seriam entregues a suas famílias, ou recolhidos a hospitais de alineados.

Já o Código Penal de 1940 trouxe a medida de segurança como meio imprescindível à prevenção da infração, passando esta denominação a ser utilizada a partir do Projeto Sá Pereira. De acordo com Serafim (2014, p. 197) na época: “Era aplicável tanto aos doentes mentais que tivessem infringido a lei quanto aos reincidentes em crimes dolosos ou aos aliados a bandos ou quadrilhas de malfeitores (CP, art. 78)”. Assim, o sistema duplo binário ou dualista permitia a aplicação tanto de pena quanto de medida de segurança. (EL TASSE, 2008, p. 143).

Já em 1984 a parte geral do Código foi revisada, passando a periculosidade a ser analisada por outra perspectiva, levando em consideração somente pessoas com doença mental. Nessa reforma o Brasil passou do sistema duplo binário para o vicariante, trazendo este método a imposição de pena ou de medida de segurança, não havendo a estipulação destas de maneira cumulativa ou sucessiva.

No tocante à medida de segurança, necessário mencionar o denominado holocausto brasileiro, ocorrido no maior hospício do Brasil (Hospital Colônia de Barbacena-MG), dos anos de 1930 a 1980, lugar em que teriam morrido cerca de 60 mil pessoas.

Esse manicômio foi criado no ano de 1903, sendo a ele destinados inúmeros indivíduos, não apenas doentes mentais. O livro Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex (2013) retrata a história de quem presenciou as atrocidades, tendo sido entrevistados ex-funcionários do hospital, pacientes, parentes, moradores de Barbacena, cujos relatos são acrescidos de fotos e documentos oficiais expondo a realidade daquele período.

Em pleno século XX, era nítida a falta de critérios para a internação do indivíduo, havendo estimativa de que 70% dos pacientes não eram doentes mentais, tendo sido enviados para Barbacena indivíduos indesejáveis ou que ameaçavam a ordem pública, como homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, mendigos, negros, pobres, entre outros (ARBEX, 2013, p. 25-26).

Na década de 30, com a superlotação da unidade, a história de extermínio teve início, havendo, após trinta anos, 5 mil pacientes em lugar projetado para apenas 200. Há relatos de crianças e adultos misturados, mulheres nuas expostas a possíveis violências sexuais, moscas pousando nos mortos-vivos, indivíduos bebendo água do esgoto do pátio a céu aberto. As imagens ilustradas na referida obra assemelham-se, em muito, à dos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial.

Em 2004 foi realizada inspeção nacional nos hospitais psiquiátricos pela Comissão Nacional de Direitos Humanos, pelo Conselho Federal de Psicologia e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo encontradas em 28 instituições seres humanos em situações degradantes, apesar da existência de leis que asseguravam a humanização desses estabelecimentos. Desde então os discursos tomaram nova forma, a fim de garantir a extinção de locais inapropriados como aquele. (ARBEX, 2013, p. 254).

 

6.2. REFORMA PSIQUIATRICA BRASILEIRA

 

A Lei 10.216/2001, reputada como reforma psiquiátrica brasileira, constitui lei de suma importância, vedando a internação em institutos dotados de características asilares, já que, muitas vezes, estes agravam a condição do paciente ao invés de melhorá-la.

O enfoque dado a este tópico remete à análise de situações em que o doente mental comete um delito, estando, portanto, no polo ativo da ação penal, tendo como consequência a inimputabilidade, e, nos casos de psicopatia, a imputabilidade diminuída (PEREIRA, 2012, p. 312), acarretando, possivelmente, na substituição da pena por medida de segurança.

Na idade Clássica era imposta aos doentes mentais a internação, havendo não apenas loucos infratores nos primeiros hospitais, mas também aqueles que perturbavam a paz social ditada pela burguesia e igreja da época. Moreira, Novo e Andrade (2004, p. 163 apud PEREIRA, 2012, p. 313), em análise sobre os doentes mentais, apontam que:

 

Pode-se observar que as formas de lidar com os loucos migraram de um procedimento visivelmente agressivo e coercivo para um tratamento moral, não menos punitivo. Se os procedimentos de lobotomia, ducha fria, sangrias etc representam certo avanço tecnológico, o tratamento moral esteve presente, de forma silenciosa, na evolução tecnológica psiquiátrica, com base na sintomalogia da doença mental. Os locais privilegiados da atenção e tratamento foram os hospitais psiquiátricos que serviram à exclusão e afastamento. Este dispositivo asilar manteve a sociedade afastada e estrategicamente protegida, e de certa forma, indiferente a idéia de outras alternativas para questões que envolviam o louco e a loucura.

 

Em pleno século XXI o Brasil ainda não consegue lidar com a questão da saúde mental, sequer o Judiciário. Até meados do século passado tratamentos como banhos quentes e frios eram fornecidos, além de técnicas torturantes, como cadeira giratória, eletrochoque e medicação dada de forma exacerbada. Por isso, a lei 10.216/2001 foi considerada um avanço, uma vez que está pautada na proteção e promoção dos direitos daqueles que sofrem quaisquer transtornos mentais, inclusive proibindo a criação de novos manicômios.

A título de exemplo, é possível extrair do seu art. 1º que os direitos dos enfermos mentais serão assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno.

O rol destas garantias está presente no parágrafo único do art. 2º da referida lei. Além disso, será responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de doenças, atuando conjuntamente com a sociedade e a família. Merece destaque o art. 5º, o qual aduz:

 

Art. 5o. O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. (Grifo nosso)

 

O art. 6º também é relevante, pois trata da internação psiquiátrica, podendo esta ser voluntária (com consentimento do paciente), involuntária (sem consentimento do paciente, mas a pedido de terceiro) e compulsória (determinada pela Justiça).

Outro ponto essencial da Lei de Reforma Psiquiátrica está presente no art. 11, no tocante às pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos, não podendo ser realizadas sem o consentimento expresso do usuário ou de seu representante legal, e sem a comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.

Ainda assim, no ano de 2009 o Observatório de Saúde Mental e Direitos Humanos reportou terem sido encontrados, em certos manicômios, pessoas em estado degradante, havendo relatos de indivíduos nus em regiões frias, hospitais tratando doentes mentais como presidiários, enfermarias fechadas com grades e cadeados, falta de médicos, dentre outras situações.

O debate da matéria deve ser feito em conjunto entre agentes da área penal e da saúde, utilizando-se equipe multidisciplinar devido ao grau de complexidade do problema, com enfoque ainda maior da área da saúde pública.

Delgado (2010, p. 25 apud PEREIRA, 2012, p. 318) afirma que:

 

A sociedade cria e recria normas para definir o que rejeita e consagra. Faz-se progressista na área da saúde por atitudes, mais do que por atos. Assim, inscrever o doente mental na história da saúde pública, aumentando sua aceitação social, diminuindo o estigma da periculosidade e incapacidade civil absoluta, contribui para elevar o padrão da civilidade da vida quotidiana. A doença mental não é contagiosa, dispensa isolamento. Não pode ser compreendida orgânica apaziguada só pela quimioterapia e os remédios. Claro, é o avanço da medicina e da farmacologia que permite a reinserção social, convivência, restituindo o indivíduo, sua alma e desejos, ao mundo dos vivos. A medicina não deve ser carceral para ampliar a solidão moral do paciente como se sua doença criasse para ele um mundo de não direito. (Grifo nosso)

 

O filme Coringa, de produção da Warner Bros (2019), conta a história de indivíduo que sofre com a dificuldade alheia em lidar com o diferente. Em frase emblemática contida em uma das cenas, no caderno de piadas de Arthur Fleck há a frase: a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse”.

O filme retrata nada mais do que a realidade dos portadores de transtorno de personalidade, assim como demostrando anteriormente. É neste desafio que se situam os gestores públicos nos âmbitos municipal, estadual e federal, tendo como dever implementar serviços efetivos em todo o país para que sejam assegurados os direitos das pessoas portadoras de doença mental.

 

7. TRATAMENTO JURIDICO-PENAL CONFERIDO AO PORTADOR DO TRANSTORNO NO PAÍS

 

7.1 MEDIDA DE SEGURANÇA E SEU FUNCIONAMENTO

 

A medida de segurança é espécie de sanção penal com caráter diferente da pena, qual seja, o preventivo. Segundo Capez (2012, p. 473) a medida “é exclusivamente preventiva, visando tratar o inimputável e o semi-imputável que demonstrem, pela prática delitiva, potencialidade para novas ações”. Fundamentada na periculosidade do acusado, consiste em impedir o cometimento de novas infrações, inexistindo tempo determinado para sua imposição.

Tendo sido o sistema vicariante adotado pelo Código Penal, aos inimputáveis apenas se aplica medida de segurança, ou seja, essa adoção de sistema serve apenas para o semi-imputável, uma vez que podem receber pena ou medida de segurança a depender do caso.

Nessa situação, o juiz aplica a pena privativa de liberdade reduzida de 1/3 a 2/3, e, posteriormente, se comprovada a periculosidade, o magistrado substitui a pena pela medida de segurança (art. 98 do CP). Não existindo prova da periculosidade, será mantida a decisão proferida.

Para que seja decretada a medida de segurança é necessário o preenchimento de certos requisitos, dentre eles a prova de que o acusado cometeu o fato típico e antijurídico, já que, não havendo a identificação desses pressupostos, o acusado deverá ser absolvido mesmo que se trate de pessoa perigosa. Outro requisito é a existência de prova da periculosidade do agente em razão da inimputabilidade decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou de semi-imputabilidade decorrente de perturbação da saúde mental, ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

Assim, não se aplica a medida de segurança quando: não houver prova da autoria, prova do fato, se estiver presente causa de exclusão da ilicitude, se o crime for impossível e se ocorreu a prescrição ou outra causa extintiva da punibilidade (CAPEZ, 2012, p. 473).

Presume-se a periculosidade quando a perícia atesta que o réu é inimputável. Aplica-se a medida de segurança quando laudo aponta a perturbação, tornando-a obrigatória, consoante o art. 386, III, do Código de Processo Penal, que aduz sobre sentença absolutória imprópria.

No tocante aos semi-imputáveis é preciso perícia para que se confirme a privação parcial de sua capacidade de entendimento e autodeterminação, além de serem necessários elementos que concluam pela provável reincidência de infrações, chamada de periculosidade real. Para estes indivíduos, a sentença sempre terá natureza condenatória, uma vez que o juiz aplica pena privativa de liberdade e, em seguida, se for o caso, a substitui pela medida de segurança.

Esse tipo de sanção penal possui duas espécies: a detentiva e a restritiva. A primeira consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta, em outro estabelecimento com características semelhantes. Caso não haja vaga em hospital psiquiátrico, a internação pode ocorrer em hospital comum/particular; inclusive, constitui constrangimento ilegal a colocação de pessoa, a quem fora determinada medida de segurança, em penitenciária ou cadeia pública, possibilitando a impetração de habeas corpus (ESTEFAM, 2018, p. 697).

A internação é obrigatória para penas de reclusão, com tempo indeterminado. O exame de cessação de periculosidade será realizado no prazo mínimo, podendo acontecer antes do prazo se o juiz da execução assim o determinar. Apesar disso, de acordo com Estefam e Gonçalves (2018, p. 697):

 

[...] Na prática, entretanto, os juizes só tem decretado a medida de internação naqueles crimes apenados com reclusão em que o montante da pena justificaria a aplicação de regime de pena inicial fechado ou semiaberto (se o réu fosse imputável). Tal providência se dá devido à escassez de vagas nos hospitais psiquiátricos e à desnecessidade de internação, quando cometidos crimes menos graves (ainda que apenados com reclusão). Ex: crime de furto simples. (Grifo nosso)

 

De acordo com Greco (2012, p. 666), independentemente do art. 97 do Código Penal, o julgador tem faculdade para decidir qual melhor tratamento para recuperação e reintegração do sujeito na sociedade, não estando a decisão judicial subordinada ao fato ser punido com detenção ou reclusão.

A internação é decretada pelo juiz, estabelecendo o período mínimo na sentença, cujo tempo irá variar entre 1 e 3 anos, levando em conta a gravidade da infração. Além disso, a perícia médica de cessação de periculosidade é feita ao final do período fixado e repetida a cada ano ou a qualquer tempo, se assim o desejar o juiz da execução.

Já a segunda espécie está relacionada à sujeição ao tratamento ambulatorial, consistente no comparecimento regular para consultas pessoais com psiquiatras e equipe multidisciplinar, sendo possível sua aplicação quando o fato for punido com detenção. O tempo também é indeterminado, e o exame de cessação de periculosidade será realizado no prazo mínimo, podendo acontecer antes se o juiz o desejar (art. 176 da LEP). Esse prazo é estabelecido de acordo com o grau de perturbação mental do indivíduo, assim como é levada em consideração a gravidade da infração.

Embora haja limite mínimo, não há previsão de prazo máximo de duração da medida, caso não seja constatado o fim da periculosidade. Todavia, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o condenado não pode ser submetido a medida de segurança por tempo superior ao máximo previsto em abstrato no tipo penal como pena, conforme disposto na súmula 527 do respectivo Tribunal Superior: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF) tem interpretação diversa, no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é de 30 anos de acordo com a redação do art. 75 do Código Penal, o qual aduz que: “O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”. Segundo este tribunal esse é o limite imposto pela própria Constituição.

Zaffaroni e Pierangeli (1998, p. 858 apud PEREIRA, 2012, p. 320) compreendem não ser constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua como sanção penal, pois seria inviável a aplicação de um tratamento pior àquele em que o sujeito se encontrava submetido.

Reconhecida por meio de perícia a cessação da periculosidade a desinternação ou a liberação é condicional, devendo haver o reestabelecimento da condição anterior se o agente, antes do decurso de um ano, praticar qualquer atividade indicativa de continuidade de seu caráter perigoso (art. 97, § 3, do CP), não necessariamente se tratando de delito.

Já o parágrafo 4º do mesmo dispositivo, assim como o art. 184 da Lei de Execuções Penais (LEP), estabelecem que a qualquer tempo do tratamento ambulatorial o juiz pode determinar a internação do agente, cujo período será de no mínimo um ano, sempre que for providência necessária para fins curativos. É adotada quando o agente demonstrar comportamento incompatível com a medida durante a execução do tratamento ambulatorial, por exemplo se o indivíduo deliberadamente se recusa a comparecer perante o juiz que o tenha citado. O contrário também é aplicável, pois embora não haja previsão em lei, pode o juiz, de acordo com a melhora no quadro clínico do indivíduo submetido à internação, substituí-la pelo tratamento ambulatorial.

Ademais, a execução da medida seguirá o estabelecido pelos artigos 171 a 179 da LEP. A verificação do fim da denominada periculosidade, presente nos indivíduos subordinados à medida de segurança, é feita a cada final do período mínimo fixado na sentença. Todavia, o art. 176 da LEP dispõe que ele pode ser realizado antes, ainda no decorrer do prazo de duração, se o juiz da execução receber requerimento do Ministério Público, do interessado, seu procurador ou defensor. 

Comprovada a cessação da periculosidade, o magistrado promoverá à desinternação ou liberação, mas esta não será extinta de imediato. Haverá mera suspensão da medida de segurança, pois dentro do prazo de 1 ano o sujeito ficará sob observação de certas condições obrigatórias e outras facultativas. Inclusive, o simples descumprimento de alguma dessas exigências não é suficiente para que a medida seja retomada; não obstante, poderá o juiz determinar a realização de nova perícia.

Passado o mencionado prazo sem que restem demonstrados indícios da possibilidade de retorno ao cometimento de delitos por parte do réu será declarada extinta a medida, cabendo recurso de agravo em execução das decisões proferidas pelo juiz, segundo o art. 197 da LEP. O prazo para interposição do agravo é de 5 dias, segundo entendimento consolidado pela súmula 700 do STF, o qual servirá para discutir uma questão de execução da pena e não de mérito.

A lei 12.403/2011 criou nova modalidade de prisão preventiva, denominada internação provisória, prevista no art. 319, VII do Código Processo Penal, sendo aplicada nas hipóteses de infrações praticadas com violência ou grave ameaça quando os peritos concluírem que o réu é inimputável ou semi-imputável e houver chances de reincidência. O tempo em que o acusado permanece sob essa custódia do Estado deverá ser descontado da pena aplicada, ou seja, haverá detração quanto ao prazo mínimo para a primeira perícia; portanto, se na sentença o juiz fixou o período de 1 ano, e o acusado ficou preso ou internado por 4 meses, o exame será feito após 8 meses. 

No que tange à existência de prescrição nos casos de medida de segurança, os tribunais superiores têm o entendimento pacificado de que, por serem sanções penais, deverão sujeitar-se a regime de prescrição. Apesar de ser aplicada por prazo indeterminado a interpretação é no sentido de que as pretensões punitivas e executórias devem tomar por base o montante máximo da pena em abstrato; por exemplo, se o crime tem pena máxima de 6 anos, prescreverá em 12.

Nesse sentido, aduz El Tasse (2008, p. 148) que: “A medida de segurança tem fim, ainda, pela extinção da punibilidade, sendo aplicáveis às medidas de segurança quaisquer das hipóteses extintivas da punibilidade do art. 107 do CP, quer ocorram antes ou depois da sentença irrecorrível”. (Grifo nosso)

Com a prescrição da pretensão punitiva extingue-se a medida de segurança, ficando o juiz impedido de determiná-la mesmo que seja constatada a periculosidade do réu. Quando aplicada aos semi-imputáveis, há de se fazer a ressalva de que o juiz aplica a estes a pena, reduzida de 1/3 a 2/3 e, posteriormente, a substitui pela medida de segurança, sendo sua base de cálculo diferente. Essa conversão, que só ocorrerá durante o prazo de cumprimento da sanção, após laudo psiquiátrico, faz com que os tribunais se posicionem a favor da consideração da reprimenda constante na sentença inicialmente para elaboração da base do cálculo da prescrição (TJSP, RT, 641/330). A respeito do tema, Capez (2012, p. 479-480) aduz:

 

Contudo, há posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a medida de segurança convertida não pode ultrapassar o tempo de duração do restante da pena, de modo que, se, encerrado o prazo da pena, ainda persistir a necessidade de tratamento, deverá o condenado ser encaminhado ao juízo cível nos termos do art. 682, §2º, do CPP. [...] não pode ter duração indeterminada, mas, no máximo, o tempo total imposto na sentença condenatória.

 

Havendo a manifestação da doença mental de forma superveniente, após a prática do ilícito penal, a ação permanecerá suspensa aguardando o restabelecimento de sanidade do acusado ou a ocorrência da prescrição. Nessa situação, pode ser imposta a internação do acusado em manicômio judiciário, desde que presentes os requisitos do art. 319, VII do CPP. Logo, sobrevindo a doença durante a execução da pena privativa de liberdade poderá o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, impor a medida de segurança no caso de doença grave, cuja melhoria seja improvável.

Quanto a surto psicótico breve ou quadro de perturbação passageira das faculdades mentais, o sujeito deverá ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico a fim de que seja reabilitado, para, em seguida à sua recuperação, retomar o cumprimento da pena originária.

 

7.2 MEDIDA DE SEGURANÇA COMO PENALIDADE ADEQUADA

 

A Constituição Brasileira, ao trazer o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, avança quanto ao reconhecimento do indivíduo como limite e fundamento do poder existente no Estado. Relacionado a isto, o princípio da legalidade, de acordo com Estefam e Gonçalves (2013, p. 113), se estende às medidas de segurança, uma vez que a Constituição prevê não haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, redação prevista no art. 5º, XXXIX da CF.

A culpabilidade, analisada sob viés principiológico, dispõe de status constitucional. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2013, p. 117). Ao se observar os artigos 1º, inciso III e 5º, inciso LVII, ambos da Constituição Federal, extrai-se que o primeiro remete à proteção da dignidade da pessoa humana, enquanto o segundo abarca tanto o princípio da presunção de inocência quanto o da culpabilidade. Tanto no art. 1º quanto no 5º se encontra a fundamentação da culpabilidade.

Ademais, faz-se mister o destaque da teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, qual seja, a normativa pura da culpabilidade. Conforme este raciocínio:

 

A culpabilidade constitui-se de um juízo de reprovação, que recai sobre o autor de um fato típico e antijurídico, presente sempre que o agente for imputável (arts. 26 a 28 do CP), puder compreender o caráter ilícito do fato (art. 21 do CP) e dele se puder exigir conduta diversa (Estefam e Gonçalves, 2013, p. 119).

 

Esse elemento constituinte da formação do crime tem dupla finalidade, ou seja, servirá como pressuposto da pena, portanto, para a reprovabilidade do ato, assim como medida da pena, representante da censurabilidade do fato. Baseado neste último, será decidida a qualidade, a quantidade e o rigor da pena, se será aplicada pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, se esta ultrapassará o mínimo legal e se o condenado iniciará o cumprimento em regime fechado, semi-aberto ou aberto.

Após análise geral da culpabilidade, torna-se mais fácil a identificação da imputabilidade, avaliando-se a maturidade e a sanidade mental - preceitos fundamentais para acesso à capacidade de compreensão e autodeterminação. Além disso, Estefam e Gonçalves (2013, p. 414) apontam a diferença entre imputabilidade e responsabilidade ao descreverem que:

 

Por responsabilidade jurídico-penal entende-se a obrigação de o agente sujeitar-se às consequências da infração penal cometida. Nada tem que ver, portanto, com a capacidade mental de compreensão e autodeterminação (imputabilidade). Tanto é assim que um inimputável por doença mental (CP, art. 26, caput), embora desprovido de condições psíquicas de compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar conforme essa compreensão, será juridicamente responsável pelo delito praticado, pois ficará sujeito a uma sanção (a medida de segurança), caso demonstrada sua periculosidade.

 

Quem tem doença mental precisará passar por perícia médica para confirmar seu estado de capacidade, sendo os art. 149 a 154 do Código de Processo Penal os responsáveis por coordenar o trâmite do exame, de tal forma que a decisão do magistrado não é vinculada à conclusão do especialista.

Diante disso, poderá o perito concluir de 5 formas distintas: a) na primeira, o agente não possui qualquer doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; assim, o juiz, concordando com a perícia, tratará o autor do fato como penalmente imputável; b) na segunda, o sujeito possui doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, mas isto não interfere em sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação; novamente, se o magistrado estiver de acordo com o resultado da perícia, o réu será considerado imputável; c) na hipótese de ser portador de doença mental ou desenvolvimento psíquico incompleto ou retardado, com capacidade de entendimento ou autodeterminação inteiramente suprimida, ao tempo do ato, se o juiz concordar com o exame, fará com que o agente seja considerado inimputável, ficando sujeito a medida de segurança, desde que comprovada a autoria do crime e a presença da tipicidade e antijuridicidade; d) quando o denunciado for portador de doença mental ou desenvolvimento psíquico incompleto ou retardado e teve sua capacidade de entendimento ou de autodeterminação diminuída, por ocasião da ação ou omissão, aceitando o magistrado, o indivíduo será considerado semi-imputável, ficando sujeito a uma pena reduzida, de um a dois terços, ou a medida de segurança; e) caso o perito constate que o agente era, ao tempo da conduta, mentalmente são e, posteriormente, acometeu-se de alguma doença mental, gerada a superveniência desta, suspender-se-á o processo.

Não basta a prática do fato previsto na lei, havendo necessidade da existência de periculosidade do autor do fato e sua probabilidade de delinquir novamente para que seja empregada a medida de segurança como meio adequado de sanção. Sobre a medida de segurança, Marchewka (2004, p. 175 apud EL TASSE, 2008, p. 139) aponta que:

 

O que a caracteriza, em relação à pena, é seu caráter exclusivamente terapêutico e o fato de ser aplicada a quem apresente perigo para o meio social. Em regra, a medida de segurança deve ser reservada apenas para os inimputáveis por doença mental, que venham a cometer uma infração penal. Nesse caso, a medida de segurança constitui uma sanção alternativa à pena.

 

Busca-se com a sanção o tratamento do autor do fato, a fim de recuperá-lo, impedindo o cometimento de outros delitos. São adotadas providências de fins curativos e assistenciais para os inimputáveis e semi-imputáveis, baseando-se na teoria preventivo-especial, que encontra seu ideal teórico na noção de que o sistema penal é responsável pela reabilitação do infrator.

Os fundamentos para a determinação da medida de segurança são pouco debatidos, apontando Peluso (2006, p. 55 e 56 apud EL TASSE, 2008, p. 141) que:

 

Talvez o desinteresse tenha como causa principal a natureza dos ‘clientes’ a quem as medidas de segurança são destinadas, geralmente pessoas desprovidas, na prática, de seu status de cidadão e, ainda, desprovidas ou diminuídas da sua própria capacidade intelectual e volitiva [...]

 

No julgamento dos semi-imputáveis, é dada ao magistrado a opção entre reduzir a pena ou impor medida de segurança, a qual, uma vez decretada, será executada como se o réu fosse inimputável. Ademais, Greco (2012, p. 665) entende que:

 

A classe média, há alguns anos, vem se mobilizando no sentido de evitar a internação dos pacientes portadores de doença mental, somente procedendo a internação dos casos reputados mais graves quando o convívio do doente com seus familiares ou com a própria sociedade torna-se perigoso para estes e para ele próprio.

 

Para Greco (2012, p. 671) “não se trata de faculdade do julgador, mas sim de direito subjetivo do condenado em ver reduzida a sua penal [...]”. Para o citado autor, além de ser obrigatória a diminuição, o art. 98 do Código Penal implica na aplicação de mudança da pena privativa de liberdade para medida de segurança, seja internação ou tratamento ambulatorial, quando necessária para especial tratamento curativo do condenado.

 

 

8. CONCLUSÃO

 

A legislação brasileira tem avançado no sentido de assegurar ao psicopata infrator direitos constitucionalmente assegurados aos demais condenados. Faltam, no entanto, profissionais capacitados e devido investimento público em infraestrutura de estabelecimentos, bem como recursos adequados para o tratamento desses indivíduos.

A imputabilidade penal do portador de transtorno dissocial passou a ser discutida mais amplamente e de forma mais contínua; todavia, ainda existem tabus a serem superados. A visão leiga da população torna mais difícil a reinserção social desses indivíduos, tornando necessária a intervenção do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública a fim de zelar pela preservação de sua dignidade.

As medidas curativas devem ser aplicadas em conformidade com uma visão mais humanista, respeitando os princípios constitucionais, a fim de que tragédias como a do Hospital Colônia de Barbacena não mais se repitam. A este respeito, quando inexistentes vagas para a internação, deverá promover-se a substituição por tratamento ambulatorial, de forma a zelar pelo cuidado e pela recuperação, tanto quanto possível, desses indivíduos.

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Amanda Milhomem Cardoso

Graduada em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de publicação conjunta de docente doutor (Tarsis Barreto Oliveira - orientador) e graduada do curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins (Amanda Milhomem Cardoso - orientanda).

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