As benfeitorias e acessões realizadas no imóvel e o contrato de locação

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Breve análise sobre a cláusula contratual de renúncia do direito do locatário em ser ressarcido pelo locador pelas benfeitorias no imóvel alugado

As benfeitorias e acessões realizadas no imóvel e o contrato de locação

 

Para entendermos como funciona o regime das benfeitorias e as acessões nos imóveis e seus reflexos nos contratos de locação, é necessário definir primeiramente qual o significado de ambos.

A benfeitoria pode ser definida como toda obra que melhora um imóvel mas nem todas são da mesma espécie, o objetivo da benfeitoria é a melhoria de sua estrutura e viabilizar a sua conservação, basicamente. No Código Civil são registrados três tipos de benfeitoria, classificado de acordo com sua intenção e efeito jurídico – que será abordado mais adiante –, são elas: voluptuárias, úteis ou necessárias. (art. 96. caput).

Segundo a doutrina de Whashington de Barros Monteiro, a benfeitoria “são obras ou despesas efetuadas na coisa para conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la”. Elas decorrem da ação humana.

Já a acessão significa o acréscimo de algo sobre o bem imóvel por razões naturais ou humanas, pode acontecer a incorporação de um bem pelo outro, seja por fenômenos da natureza, como por exemplo o desvio de um rio ou pela atuação humana, como uma construção. O Código Civil enumera as hipóteses de acessão como causa de aquisição da propriedade em seu artigo 1.248: I -  por formação de ilhas; II - por aluvião; III - por avulsão; IV - por abandono de álveo; V - por plantações ou construções.

Portanto, as benfeitorias e acessões não se confundem, são institutos diferentes. As benfeitorias são coisa acessória, já as acessões se inserem entre os modos de aquisição originária da propriedade, criam coisa nova e adere à propriedade preexistente.

A definição das benfeitorias estão positivadas nos três parágrafos do artigo 96 do Código Civil:

 

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

 

Nos contratos de locação, a lei que rege esses contratos é a Lei nº 8.245/91, conhecida com a Lei do Inquilinato[1]. Importante destacar que esta lei é de norma pública, ou seja, as clausulas contratuais que busquem elidir os objetivos por ela estabelecido, serão nulas, como dispõe o artigo 45 da referida lei.

Deste modo, as regras aplicáveis às benfeitorias estão previstas nos artigos 35 e 36, quais sejam:

 

Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.

 

Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.

 

Como descrito nos artigos supracitados, nas benfeitorias necessárias, o locatário tem direito a indenização e retenção, sem necessitar do consentimento do locador, ou seja, independente da anuência do locador por escrito. Isso significa que o locador tem que devolver a coisa, tem que ressarcir o locatário pelo investimento feito por necessidade para a conservação da coisa. Quando falamos do “direito de retenção” é pelo fato do locador não ter devolvido a coisa e assim o locatário tem o direito de permanecer no imovel até que a coisa seja devolvida.

O mesmo ocorre com as benfeitorias úteis, entretanto, a benfeitoria obrigatoriamente deverá ser autorizada pelo locador, assim terá o direito a indenização.

Já nas benfeitorias voluptuárias, não são indenizáveis pois se trata de benfeitorias que o locatário poderá retirá-las contanto que não danifique o imóvel.

Tanto no Lei do Inquilinato quanto no Código Civil, os direitos são iguais, prevendo a retenção e indenização nos casos de benfeitorias necessárias e úteis. Como dispõe nos artigos 578 e 1.219:

 

Art. 578. Salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador.

 

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

 

Além do artigo 35 da Lei do Inquilinato, o artigo 1.255 do CC estabelece que devam ser indenizadas, ao fim do contrato, as benfeitorias ou acessões construídas pelo locatário com o consentimento do locador.

 

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

 

Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.

 

Conforme jurisprudência, decisão do Tribunal de Justiça do Pernambuco, em recente decisão:

 

APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROCEDÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. IRRESIGNAÇÃO DOS PROMOVENTES. POSSUIDOR DE BOA-FÉ. PROVA PERICIAL. DEVER DE INDENIZAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.255, DO CÓDIGO CIVIL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. - Em se tratando do direito de indenizar, necessária a verificação da boa-fé do possuidor que realizou as benfeitorias - Nos termos do art. 1.255, do Código Civil Brasileiro, "aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização". (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00013975820098150011, 4ª Câmara Especializada Cível, Relator GUSTAVO LEITE URQUIZA , j. em 19-02-2019)

(TJ-PB 00013975820098150011 PB, Relator: GUSTAVO LEITE URQUIZA, Data de Julgamento: 19/02/2019, 4ª Câmara Especializada Cível)[2]

Embora exista previsão legal que reconheça o direito a indenização e retenção, existe a possibilidade de colocar uma cláusula no contrato de locação afastando a indenização por benfeitorias e o direito de retenção pelos valores gastos. Aplicando essa tese, fixada na Súmula 335 do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça de Goiás negou pedido feito por um locatário de ser indenizado pelas benfeitorias feitas em imóvel alugado.[3]

SÚMULA 335
“Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.” Data da Publicação - DJ 07.05.2007 p. 456

Como demonstra o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, foi negado a locatária indenização por haver no seu contrato de locação a cláusula que ela renuncia esse direito, baseada na súmula 335 do STJ, vejamos:

 

Apelação cível. Ação de despejo c/c cobrança. Reconvenção. Locatária que pretende a compensação dos valores devidos com a quantia gasta em reparos e benfeitorias. Impossibilidade. Cláusula contratual prevendo a renúncia do direito de indenização pelas benfeitorias. Validade. Sumula 335 STJ. Ausência de provas quanto a real necessidade das obras realizadas sem a anuência do locador. Alegação de descaso da imobiliária não demonstrado. Prova que pedidos da locatária foram atendidos. Recurso conhecido e não provido. 1. Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção (Art. 35 da Lei 8.245/91). 2. Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção (Súmula 335, STJ). 3.Recurso conhecido e não provido. (TJPR - 12ª C.Cível - 0000869-49.2017.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: Juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza - J. 17.02.2020)

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(TJ-PR - APL: 00008694920178160194 PR 0000869-49.2017.8.16.0194 (Acórdão), Relator: Juiz Luciano Carrasco Falavinha Souza, Data de Julgamento: 17/02/2020, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: 18/02/2020)[4]

 

Vejamos também o julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

 

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. RESSARCIMENTO PELAS BENFEITORIAS REALIZADAS NO IMÓVEL NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DA LOCAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CLÁUSULA CONTRATUAL DE RENÚNCIA AO DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 335, DO STJ. ¿Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção¿. O LOCATÁRIO RECEBEU O IMÓVEL EM PERFEITO ESTADO DE CONSERVAÇÃO, CONFORME CLÁUSULA 7.ª, DO RESPECTIVO CONTRATO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM RAZÃO DO TRABALHO ACRESCIDO. ART. 85, § 11, DO N.C.P.C. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TJ-RJ - APL: 00027258920078190008, Relator: Des(a). NORMA SUELY FONSECA QUINTES, Data de Julgamento: 27/06/2019, OITAVA CÂMARA CÍVEL)[5]

 

Vale mencionar que, quando nos referimos às locações rurais, ou melhor, o arrendamento rural, as regras são distintas, pois o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) no artigo 95 estabelece os princípios que devem seguir porque envolve a exploração da terra objetivando o uso da terra para trabalho, regulando as atividades extrativas, de agricultura e pecuária, não necessitando de anuência do locador.

Resta concluir que as regras relativas às benfeitorias e acessões tem previsão na Lei do Inquilinato (8.245/91) e, as mesmas regras constam no Código Civil. Fica evidente a importância das cláusulas nos contratos de locação, uma vez que o STJ valida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. O locatário acaba por renunciar a este direito, sobretudo pelo princípio da autonomia das partes, pois, se assinar o contrato contendo esta cláusula abdicará do seu direito e o locador não terá a obrigação prevista em lei.

 

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Lei de introdução e parte geral. São Paulo. 14ª edição. Ed. Gen-Atlas, 2019.

 

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006

 

OUTRAS REFERÊNCIAS

 

Disponivel em: https://ferrianiejamal.com.br/das-benfeitorias-e-das-acessoes-nas-relacoes-locaticias/. Ultimo acesso: 08.10.2020.

Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm>. Ultimo acesso: 08.10.2020.

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16780/comparacao-entre-benfeitorias-e-acessao> Ultimo acesso: 08.10.2020.

 

 


[1]Acessado em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm>. Último acesso: 08.10.2020

[2]Disponivel em: <https://tj-pb.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/845715616/13975820098150011-pb?ref=serp>. Ultimo acesso: 08.10.2020.

[3]Disponivel em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-27/contrato-afastar-indenizacao-benfeitorias-imovel-alugado>. Ultimo acesso: 08.10.2020. “De acordo com o relator, desembargador Gerson Santana Cintra, o artigo 35 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) diz que somente serão indenizadas as benfeitorias quando não houver no contrato expressa disposição em contrário. O que não é o caso do contrato analisado, concluiu.”

[4]Disponivel em: <https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/918992195/processo-civel-e-do-trabalho-recursos-apelacao-apl-8617220178160194-pr-0000861-7220178160194-acordao?ref=serp>. Últomoo acesso: 08.10.2020.

 

[5]Disponível em: < https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/729452077/apelacao-apl-27258920078190008?ref=serp>. Último acesso: 08.10.2020.

Sobre a autora
Jacqueline Nicole Negrete Blass

Advogada. Mestranda no Núcleo de Estudos em Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEPP-DH/UFRJ).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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