Golpe do Motoboy e o Direito da Vítima

Direito Consumidor Vítima de Fraude e Golpe Bancário

04/11/2020 às 13:38
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Golpe do Motoboy - Quais são os direitos das vítimas e o que fazer?

Golpe do Motoboy e o Direito da Vítima

Informações divulgadas recentemente pela FEBRABAN, sobre o aumento gigantesco dos golpes e fraudes bancárias durante a pandemia, são alarmantes - “...O golpe do falso motoboy teve aumento de 65% durante o período de isolamento social. Já os golpes do falso funcionário e falsas centrais telefônica cresceram 70%...” (Confira 25 dicas para se prevenir de golpes financeiros, 2020).

O reconhecimento público do aumento gigantesco na ocorrência de fraudes e golpes bancários durante a pandemia causa inúmeras inseguranças aos consumidores. Não poderia ser diferente, porquanto vários são os relatos de vítimas que perderam toda sua economia de vida em razão de fraudes e golpes bancários sofridos.

Além disso, até mesmo pela modalidade dos golpes que tiveram seu aumento expressivo, é possível imaginar que estamos diante de situações que permitem acreditar que, em algum momento, dados pessoais dos correntistas vítimas vazaram, situação que é corroborada por notícias e operações policiais que são deflagradas e divulgadas pela mídia e portais de notícias, frequentemente.

A grande possibilidade do vazamento de informações é decorrente do fato de que os golpes que mais cresceram são aqueles em que há, inicialmente, o contato humano, por meio dos quais os falsários, em posse de todos os dados pessoais e sigilosos das vítimas - que, todavia, deveriam ser mantidos e guardados de forma segura - conseguem criar um cenário realista e ludibriam o correntista, tamanha a assertividade em decorrência dos dados que possui; há relatos inclusive de vítimas informando que o golpista tinha ciência com exatidão de gastos e locais do uso de cartões na véspera do recebimento da ligação e/ou casos em que há registros de que o interlocutor tinha ciência sobre investimentos e outras situações, ou seja, existem alegações de vítimas que não devem ser desprezadas. Portanto, não é possível criar um cenário imaginário em que os golpes e fraudes ocorrem apenas por culpa do consumidor, a realidade é que os golpes beiram a perfeição e sua concretização é fruto da falha no sistema de monitoramento de transações atípicas.

E, é após o contato inicial que os falsários conseguem aplicar o golpe propriamente dito, sendo usual a implantação de centrais de atendimentos falsas e o bloqueio de linhas telefônicas, para obtenção de outros dados pessoais e em alguns casos até conseguem retirar cartões e aparelhos celulares alegando que tais dispositivos serão periciados. Contudo, a realidade é que, existisse um sistema seguro, eficiente e inviolável de segurança no monitoramento de todas as transações, fraudes não existiriam ou seu número seria muito inferior das que ocorrem atualmente.

E, a alegação de que os sistemas bancários tecnológicos são invioláveis é uma pretensão que colide com o próprio mundo digital, portanto, ainda que sejam seguros, e isso não podemos negar, como qualquer sistema tecnológico não é 100% inviolável. Existisse um sistema 100% inviolável não teríamos atualizações constantes de software, aplicativos, avanço no uso de biometria, QRCODE, TOKEN entre outros, portanto, é certo que se existisse um método 100% eficiente bastaria fazer uso de tal dispositivo sem que fosse necessário qualquer outros tipos de investimentos.

No entanto, a realidade é a oposta e é naturalmente explicável, pois, qualquer dispositivo de segurança tecnológica é criado por mentes humanas, sendo que algumas pessoas utilizam da sua sabedoria e conhecimento para proteger e tornar as transações digitais mais seguras e outras investem tempo buscando falhas, é um jogo de gato e rato sem fim.

Em outra seara, ao analisarmos a grande maioria das transações dos consumidores que foram vítimas de fraudes, é possível observar que na imensa maioria as transações realizadas não possuem qualquer analogia com o histórico de uso, ou seja, são operações realizadas em estabelecimentos nunca visitados, com minutos e/ou segundos de diferença entre uma transação e outra, em valores extremamente elevados e muitas vezes parcelados, não sendo raros casos em que há até a liberação de limite extras; e há casos também em que há pagamentos sequenciais de boletos e impostos também sem qualquer semelhança ao perfil de movimentação, como também há registros de transferências bancárias diversas, além da contratação de empréstimos e outras operações, todas em absoluta dissintonia com o perfil de uso do correntista.

Desse modo, normalmente o advogado especialista em fraude bancária, ao analisar o caso concreto, consegue demonstrar que há um cenário de transações que somente foram concretizadas por falha na prestação do serviço bancário, ou seja, ainda que o consumidor possa ter falhado em algum momento, a fraude somente foi concretizada pela ineficiência do serviço de monitoramento de transações - retaguarda - em detectar a atipicidade das operações. E, como na grande maioria dos contratos de prestação de serviço há condicional em que os bancos e administradoras de cartão possuem total liberdade para monitorar, e até mesmo bloquear transações, ainda que simplesmente por entender ser suspeita, o não uso de tal ferramenta é vista como falha na prestação do serviço.

E, respeitando opiniões em contrário, ainda que o consumidor possa ter uma parcela de culpa em algumas situações, é a parte mais frágil na relação, por conseguinte, não pode ser o único responsável por fraudes que são originárias no vazamento de seus dados e concretizadas pela falha do monitoramento das transações. Isso porque, imagina-se que um sistema seguro seja acobertado de várias “portas” de segurança, objetivando-se que, falhando um sistema outro existe para suprir tal falha, e, com isso, evitar o prejuízo ao consumidor. Portanto, em alguns casos, ainda que o consumidor possa ter fornecido o cartão cortado e o próprio aparelho celular, se existisse um sistema de monitoramento eficiente não existiria fraude, pois, na primeira operação atípica o sistema impediria o ato.

Além disso, o próprio aumento expressivo da fraude demonstra que há necessidade de adequar o próprio sistema, afinal, vivemos em um país em que grande parte da população não possui conhecimento adequado quanto ao uso de tecnologia; as campanhas, ainda que existentes, alertando sobre a forma correta do uso dos dispositivos digitais são baixas; o aumento das transações digitais e a dispensa de funcionários majora consideravelmente o volume das transações que são validadas por sistemas de algoritmos, portanto, ainda que acredita-se que o volume de fraude não corresponda a cerca de 2,00% das transações, em razão do volume de operações, é provável que o número de vítimas cresça ainda mais nos próximos anos.

Desse modo, como consequência, o consumidor vítima de fraude, após ter negado todos os pedidos administrativos, poderá fazer uso do judiciário para pleitear o ressarcimento, sendo usual arguir, dentre outros, a falha na prestação de serviço, conforme preceitua o 14 do CDC, aliado com os artigo 186 do Código Civil e amparado pela Súmula 479 do STJ, vejamos:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.”

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

“Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Destarte, decisões estão sendo proferidas em proveito dos consumidores vítimas de golpes e fraudes bancárias, vejamos:

“Ação declaratória de inexistência de débito c.c. indenizatória por danos morais. "Golpe do motoboy". Obtenção e utilização fraudulenta do cartão de crédito da autora por meliantes que se fizeram passar por prepostos da instituição financeira. Fraudadores possuíam os dados pessoais da autora, o que deu verossimilhança à fraude. Falha no sistema de segurança da instituição financeira. Má prestação de serviço. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva. Inteligência do Recurso Repetitivo nº 1.199.782/PR e Súmula nº 479, ambos do E. STJ. Dever de indenizar. Dano moral configurado. "Quantum" indenizatório. Fixação com observância dos critérios de prudência e razoabilidade. Sentença reformada em parte. Recurso provido”

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“Ação de indenização por danos morais e materiais. Transações indevidas em cartão de crédito. Ocorrência do chamado golpe do motoboy. Contexto dos autos que evidencia a falha na prestação dos serviços pelo banco. Danos materiais e morais caracterizados. Recurso do requerido improvido, e provido o recurso da autora.”

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. "Golpe do motoboy". Hipótese em que os autores foram induzidos a entregar seu cartão a terceiro, que realizou compras e saques. Caso em que as despesas são incompatíveis com o perfil dos usuários. Inexigibilidade reconhecida. Inteligência do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva do banco por fortuito interno decorrente de fraude. Súmula 479 do C. STJ. DANOS MORAIS. Indenização devida. Fatos e circunstâncias que justificam o seu acolhimento, vez que ultrapassam aos meros dissabores. Recurso dos autores provido. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO, PROVIDO O DOS AUTORES”

“RESPONSABILIDADE CIVIL – Falha na prestação de serviços relativa a uso de cartão de débito/crédito – Vítima de "golpe do motoboy" – Cartão entregue a terceiro em razão de ligação recebida – Culpa concorrente do consumidor – Prejuízo que deve ser compartilhado entre consumidor e prestador de serviços - Inteligência do art. 14 do CDC e do art. 945 do Cód. Civil. DANO MORAL – Inocorrência - Falha na prestação de serviços bancários para a qual concorreu o consumidor - Inexistência de outros dissabores, além daqueles diretamente decorrentes da fraude – Sentença reformada – Apelação parcialmente provida”

Entretanto, é imperioso ressaltar que, ainda que os principais golpes sejam conhecidos, cada caso possui sua peculiaridade, que deverá ser analisada pelo profissional de confiança da vítima, posto que, existem diversos tipos de procedimentos judiciais que são definidos com base em cada situação concreta.

Além disso, ainda que atualmente grande parte das decisões judiciais sejam benéficas aos consumidores, nosso ordenamento jurídico é mutante, por conseguinte, é fundamental que a vítima também análise com o profissional de confiança todos os riscos da demanda judicial, pois, existem, vejamos:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO – "GOLPE DO MOTOBOY" – R. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – MANUTENÇÃO – PROVA DOS AUTOS NÃO EVIDENCIA DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, JÁ QUE SÓ FOI REALIZADA UMA TRANSAÇÃO EM TESE FRAUDULENTA, EM VALOR NÃO EXACERBADO E DE FORMA PARCELADA, O QUE NÃO DESTOA DO PERFIL DO AUTOR. ALÉM DISSO, NÃO HÁ COMO SE AFASTAR A CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR E DE TERCEIRO NA HIPÓTESE, JÁ QUE O AUTOR ENTREGOU, A UM SÓ PORTADOR, CARTÕES DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS DIVERSAS E, AINDA, SEU TELEFONE CELULAR, SITUAÇÃO COMPLETAMENTE INUSITADA NOS DIAS QUE CORREM. APELAÇÃO DESPROVIDA.

 Apelação – Ação de restituição de valores c.c. inexistência de débitos e indenização por danos morais - Fraude bancária - "Golpe do Motoboy"– Sentença de procedência - Cartão de débito/crédito – Negativa de compras/operações pela autora – Demandante que foi vítima de golpe ao entregar o seu cartão a terceiro - Culpa da vítima reconhecida que agiu com desídia e sem cautela necessárias exigíveis nas operações bancárias – Falha da prestação dos serviços não caracterizada – Requerido que acusa contato por parte da autora apenas no dia seguinte aos fatos – Ausência de impugnação em réplica - Responsabilidade objetiva afastada – Decisão reformada - Recurso provido para julgar improcedente a ação.

Conclui-se, portanto que, vivemos em uma sociedade em que não são raras notícias sobre o vazamento dos mais diversos tipos de dados, aliado a isso, temos que golpistas e falsários estão cada vez mais habilidosos em usar tais informações para ludibriar e convencer consumidores, isso tudo somado à certeza de que nenhum sistema tecnológico é inviolável e a existência na falha no monitoramento de todas as transações digitais, reflete na ocorrência de fraudes que causam prejuízos gigantescos e muitas vezes o ressarcimento ocorre somente por intermédio de processo judicial.

Por Alexandre Berthe Pinto

fonte:

www.golpedomotoboy.com.br

 https://portal.febraban.org.br/noticia/3545/pt-br/ 

https://www.tecmundo.com.br/seguranca/138705-dados-1-4-milhao-clientes-banco-inter-expostos-acesso.htm e https://olhardigital.com.br/noticia/vazam-quase-250-gb-de-dados-bancarios-saiba-como-se-proteger/88263







 

Sobre o autor
Alexandre Berthe Pinto

Advogado, Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Secção de São Paulo; Membro da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP; Membro da Associação dos Advogados de São Paulo; Cursou Pós Graduação em Direito das Famílias e das Sucessões (EPD), É Pós Graduando em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde; Ao navegar Fone 11 5093-2572 - Skype alexandre.berthe - WhatsApp 55 11 94335-8334 - E-mail [email protected] - www.alexandreberthe.com.br

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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