A responsabilidade das concessionárias de serviço público frente aos não usuários do serviço e sua evolução

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O presente trabalho trata da Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público frente aos não usuários do serviço, e tem como objetivo analisar a posição dos Tribunais Superiores sobre o terceiro não usuário do serviço público.

                                                                             

                                                                                                                                                         

Resumo

O presente trabalho trata da Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público frente aos não usuários do serviço, e tem como objetivo analisar a posição dos Tribunais Superiores sobre o terceiro não usuário do serviço público. É de grande importância a Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público, haja vista que estas diariamente cometem erros, causando danos aos particulares, de cunho material e moral.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público. Terceiro não usuário do serviço. Dano.

Abstract


This paper deals with the Civil Responsibility of Public Service Concessionaires in relation to non-users of the service, and its objective is to analyze the position of the Federal Supreme Court over the third non-public service user. It is of great importance the Civil Responsibility of the Public Service Concessionaires, since they daily make mistakes, causing damages to the individuals, of material and moral character.

               

Keywords: Responsability Civil of Concessionaries of Service Public. People not user of service. Damage.  

1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil ocorre quando há violação de uma norma jurídica pré-existente, gerando a necessidade daquele que causou o dano de reparar o prejuízo suportado pela vítima.

A responsabilidade civil na esfera do Direito Público é o ônus do Estado arcar com os danos patrimoniais ou morais que seus agentes atuando em seu nome, ou na qualidade de agentes públicos causem a bens dos particulares titulados pelo Direito.

A evolução da teoria da responsabilidade civil do Estado passou por diversas fases, até chegar a atual configuração, prevista na constituição federal de forma expressa. A norma prevista no artigo 37, §6º, da CF consagra a Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado.

O texto constitucional faz menção a duas pessoas diferentes, quais sejam pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A inserção das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, na seara da responsabilidade civil, gerou divergências na doutrina e jurisprudência.

A maioria da doutrina entendeu que o dispositivo trazia uma equivalência entre as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, sem qualquer distinção aos usuários e não usuários do serviço.

Contudo, no julgamento de um Recurso Extraordinário, o STF entendeu que tal responsabilidade não se estenderia a terceiros não usuários do serviço, já que somente o usuário era detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal.

Mais tarde, no julgamento de outro recurso extraordinário, o STF deu a entender que alteraria seu posicionamento à luz do Princípio da Isonomia e do Código de Defesa do Consumidor.

Atualmente, a questão já se encontra pacificada no STF.

Assim, diante da polêmica em que tal questão foi envolvida, de suas evoluções, críticas e importância na sociedade atual é que direciono meu trabalho, passando pela análise primordialmente da Responsabilidade Civil do Estado e de suas fases com o fim de esclarecer juridicamente a Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público, diante da quebra de paradigma realizada pelo STF, frente aos não usuários do serviço.

2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Entende-se a responsabilidade civil do Estado como sendo a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades.

A Responsabilidade Civil do Estado está prevista no artigo 37, §6º, da CF, que diz

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Essa responsabilidade deriva do latim respondere, no sentido de ter alguém respondendo por um fato causador de um dano.

Segundo Yussef Said Cahali

As pessoas jurídicas distinguem-se segundo categorias várias; contudo, a divisão mais relevante, seja pelo critério de origem, do fim, da necessidade ou do funcionamento, seja do aspecto doutrinário e do direito positivo, diz respeito às pessoas jurídicas de direito público e às pessoas jurídicas de direito privado (CAHALI, 2007, p. 14).

  

O Estado, erigido à condição de pessoa jurídica necessária, na prolixidade que caracteriza atualmente sua estrutura político-administrativa, desenvolve atividade variada, geradora de direitos e obrigações no âmbito interno como no âmbito internacional. 

No caso em tela quem causou o dano foi o Estado, então ele é quem deverá indenizar. 

A responsabilidade do artigo supramencionado é denominada de responsabilidade extracontratual ou aquiliana. É dizer, ela não se confunde com a responsabilidade decorrente de um contrato e nem com a responsabilidade na sera pena ou administrativa.

No tema Responsabilidade vigora o Princípio da Independência das Instâncias, isto é, aquilo que é decidido na esfera penal não vincula, em regra, aquilo que é decidido na esfera cível e administrativa.

No entanto, quando houver na esfera penal a absolvição, porque existe prova de que o fato não existiu, ou ainda, quando houver no processo penal a absolvição de alguém, porque existe prova de que não foi aquela pessoa o autor do fato, não será possível a responsabilização nas demais instâncias.

Faz-se importante mencionar que nem sempre a responsabilidade civil do Estado foi objetiva.

Na época dos monarcas, das monarquias absolutas vigorava a Teoria da Irresponsabilidade do Estado. Não era imputado ao Estado qualquer dano, pois ele não era tido como sujeito responsável. Vigorava a máxima de que o rei não fazia nada de errado.

Houve uma pequena evolução, passando-se da Teoria da Irresponsabilidade para a Teoria Civilista, isto é, somente haveria responsabilização se ficasse comprovado que o Estado por meio do seu agente tivesse agido com dolo ou culpa.

Todavia, era muito difícil de provar que o agente público tinha agido com dolo ou culpa, não sendo a vítima ressarcida pelos danos causados pelo Estado.

Assim, houve a necessidade do avanço para as Teorias Publicistas (Famoso Caso Blanco de 1783), com a necessidade de utilizar regras específicas do direito público para cuidar da questão da responsabilidade do Estado.

Então, passamos a ter a Teoria da Culpa do Serviço. Antes, a culpa era imputada ao agente. A partir da Teoria da Culpa do serviço, a vítima tinha que demonstrar a culpa do serviço. É a chamada “falta do serviço”.

Não obstante tal evolução, a teoria supracitada estava longe dos anseios de justiça e, assim, tivemos que dar mais um passo à evolução, consagrando-se a Teoria Objetiva do Estado.      

2.1 Responsabilidade Objetiva do Estado

A responsabilidade objetiva do Estado vem consagrada no artigo 37, §6º, da CF. Nessa teoria basta demonstrar que houve uma conduta estatal, que essa conduta causou dano e que existe nexo causal entre a conduta e o dano.

Hoje, no Brasil, como regra, adota-se a Teoria Objetiva na modalidade de risco administrativo, ou seja, o Estado não é obrigado a indenizar todo e qualquer ato da vítima. Se o Estado consegue provar que a culpa do dano foi, por exemplo, exclusiva da vítima, ele não precisa indenizar. Trata-se de uma excludente estatal. 

No entanto, há situações em que podemos aplicar a Teoria do Risco Integral, quais sejam danos causados por substâncias nucleares, danos ambientais ou ataques terroristas.

O Estado pode responder por atos lícitos ou ilícitos causadores de dano. Além disso, o Estado pode ser responsabilizado em casos de omissão, quando deixou de fazer algo que deveria.                                            

2.2. Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço

A CF/88 definiu claramente dois campos de atuação, quais sejam campo próprio do Estado chamado serviço público e um peculiar aos particulares, denominado domínio econômico.

O campo do serviço público, em princípio, só admite a atuação por parte do Estado ou para pessoas que o Estado cria ou convoca para o exercício da atividade. Por outro lado, nas atividades econômicas, a atuação precípua é do particular e o Estado não pode interferir nesses setores, com exceção de situações especiais.

O tema da concessão de serviços públicos se enquadra, inicialmente, nessa divisão da CF/88 entre serviço público e atividade econômica.

Serviço público é toda atividade que a lei define como sendo de cumprimento obrigatório pelo Estado. Tal serviço pode ser dividido em uti singuli (serviço prestado de modo a oferecer comodidades individuais a cada usuário)  e uti universi (serviço de prestação geral que beneficia a toda coletividade de modo difuso sem criar vantagens individuais a cada usuário).

Vale ressaltar que a Lei 8.666/93, que regulamentou o art. 37, XXI, da Constituição, instituindo normas gerais sobre licitações e contratos da Administração Pública, definiu "serviço público" como sendo toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, dentre outros.

A prestação de um serviço público pode se dar de diversas maneiras. Uma delas é a prestação direta pelo Estado, isto significa que a própria pessoa jurídica de direito público se incumbe de realizar essa prestação. Por outro lado, existe a prestação indireta, em que a prestação não é realizada diretamente pela pessoa federativa, mas por outra pessoa jurídica.

Na visão de Yussef Said Cahali

Ao deslocar a responsabilidade civil para o âmbito do serviço público prestado, desconsiderando, em tese, a natureza jurídica (pública ou privada) da entidade prestadora do serviço, o legislador buscou de alguma forma superar o dissídio que grassava no direito anterior, quando se discutia a aplicabilidade do art. 107, da Constituição de 1969 às empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais, permissionárias e concessionárias de serviços públicos e empreiteiras de obras públicas (CAHALI, 2007, p. 89). 

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A prestação do serviço público indireta pode ser por outorga, ou seja, o Estado cria uma pessoa jurídica governamental encarregada da prestação do serviço. É o que acontece com as autarquias. Há também a prestação indireta por delegação. Nesta, há também outra pessoa jurídica, mas que não é criada pelo Estado e sim convocada por meio de um procedimento licitatório para a prestação dessa atividade. É o caso das concessionárias de serviço público.

Assim, a concessão de serviço público é um mecanismo de prestação indireta de serviço.

A concessão de serviço público é um contrato administrativo bilateral em que se beneficia apenas pessoa jurídica. Não existe no Brasil pessoa física concessionária de serviço público. E mais, o direito brasileiro exige que a outorga, a delegação de um serviço público se dê por meio de licitação na modalidade concorrência.

Em todo procedimento relativo à concessão, de bens ou de serviços, pode-se verificar a presença de dois atos distintos. Um ato unilateral e autoritativo da Administração Pública, que o libera, e outro bilateral, e que constitui a concreta atuação do ato deliberativo da Administração Pública. Neste segundo ato, a Administração Pública e o concessionário privado se vinculam reciprocamente, fixando os respectivos direitos e outras disposições relativas ao uso do bem comum ou aos fins do serviço, se a concessão visa a tal atividade. Os dois atos, não obstante serem dotados de função autônoma, são coordenados ao desenvolvimento da função fundamental do próprio instituto na sua complexidade, de forma que a sorte de um liga-se à do outro, e vice-versa (CAHALI, 2007, p. 120).

Faz-se importante mencionar que há uma inversão de fases na licitação que antecede a concessão de serviço público, ou seja, a fase do julgamento das propostas antecede a fase de habilitação.

Outra característica importante da concessão de serviços públicos é que possui prazo determinado e exige lei específica.

Assim, caracterizado o instituto da concessão, e definida a atividade do concessionário, a questão da responsabilidade civil pela reparação dos danos causados a terceiros em razão dessa atividade configura-se de grande importância. Como o concessionário age em nome próprio, sendo-lhe delegados pela Administração poderes necessários indispensáveis ao exercício do serviço público, segue-se ser ele responsável pelo serviço, respondendo também por todos os riscos.

Por fim, faz-se ainda importante analisar a responsabilidade das concessionárias em relação aos usuários e não usuários do serviço público.

2.3. A responsabilidade civil das concessionárias frente aos usuários do serviço

O artigo 37, §6º, da CF afirma que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público respondem pelos danos que seus agentes nessa qualidade causarem a terceiros.

O assunto, na seara doutrinária, sempre foi pacífico, pois os doutrinadores sempre sustentaram que a responsabilidade das concessionárias é objetiva, isto é, independe de culpa. Assim, a vítima não precisa provar a culpa para ser indenizada.

A responsabilidade no serviço público é objetiva independentemente de quem realiza o serviço, pois se trata de uma garantia do usuário.

Não obstante a uniformidade doutrinária, o STF, por um determinado tempo, criou uma grande celeuma nas concessões de serviço público.

O STF passou a dividir a responsabilidade da concessionária a partir da qualidade da vítima. O tipo de responsabilidade do concessionário variaria conforme o status da vítima perante o prestador.

O STF entendia que se no ato de um acidente, por exemplo, com um ônibus de uma concessionária de serviço e a vítima fosse um passageiro, em relação ao passageiro a responsabilidade seria objetiva. Faz sentido, porque é uma relação de direito público, em que há prestação. Havendo prestação, a responsabilidade é objetiva.

No entanto, se a vítima do acidente não fosse usuária do serviço, a responsabilidade não seria objetiva. O que ensejou essa compreensão do STF foi um caso muito interessante. O motorista de um ônibus de uma concessionária de serviço público provocou um acidente de trânsito e esse acidente vitimou dois tipos indivíduos. Em primeiro lugar, causou prejuízo aos passageiros do ônibus, sujeitos que estavam dentro de uma relação de direito público de prestação de serviço entre o concessionário e o usuário. Mas o acidente causou também danos a motoristas de carros, que no momento do evento lesivo não tinham relação de direito público com a empresa concessionária. Tratavam-se de terceiros não usuários.

Então, o STF firmou o entendimento de que em relação a terceiros não usuários, a responsabilidade seria subjetiva da empresa concessionária.

Este entendimento movimentou a questão na seara doutrinária e muitos autores manifestaram uma preocupação com esse entendimento do STF, visualizando injustiças práticas na divergência de soluções técnicas dependendo da qualidade da vítima.

Muitos se manifestaram dizendo que não seria justo indenizar objetivamente o usuário e subjetivamente o não usuário se ambos foram vítimas do mesmo dano. E as críticas se tornaram cada vez mais frequentes.

Com o tempo, o STF alterou o seu entendimento. O caso foi o de um motorista de ônibus que dirigia o veículo em uma estrada e um sujeito empurrava a sua bicicleta na lateral da via. O motorista do ônibus sem perceber atropelou esse indivíduo com a sua bicicleta. A família entrou com uma ação de indenização na justiça invocando o entendimento majoritário da doutrina de que a responsabilidade seria objetiva. Contudo, as primeiras instâncias da justiça aplicaram aquela antiga visão que o STF vinha adotando nos últimos tempos.

No entanto, ao decidir esse caso o STF mudou de entendimento e voltou a entender alinhado com toda a doutrina que não importa a qualidade da vítima, a responsabilidade do concessionário de serviço público será sempre objetiva.

Não importa mais se a vítima é usuário ou não usuário, sofreu um prejuízo durante a prestação do serviço público, a responsabilidade civil é objetiva, porque o artigo 37, §6º, da CF fala em danos causados a terceiros. E quando ela fala em terceiros, ela não está diferenciando terceiros usuários e terceiros não usuários.

Assim, como a CF não diferenciou, não importa o status da vítima. Havendo prejuízo no exercício da prestação do serviço público, a responsabilidade do concessionário será sempre, em todos os casos, objetiva.      

2.4 A evolução da responsabilidade civil das concessionárias de serviço público frente aos não usuários do serviço

A evolução da Teoria da Responsabilidade Civil do Estado passou por diversos estágios, até chegar a atual configuração prevista no texto constitucional de forma expressa.

A norma prevista no §6º, artigo 37, da CF de 1988 consagra a Teoria da Responsabilidade Objetiva.

A disposição expressa na CF/88 determina que o Estado repare o prejuízo, de ordem moral ou patrimonial, ocasionando pelos atos de seus agentes que agirem nessa qualidade, sem que possa alegar a inexistência de culpa no exercício da atividade.

A CF/88, como já mencionado acima, faz referência a duas pessoas distintas, quais sejam pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A inserção das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, na seara da responsabilidade civil, gerou divergência na doutrina e jurisprudência. A maioria da doutrina entendia que o dispositivo igualava as pessoas de direito público às pessoas de direito privado prestadoras de serviço público.

O artigo 2º, II, da Lei 8.987/95 dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos e regulamenta o art. 175, da CF, que assim prescreve:

Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

Concessão de serviço público: a delegação de sua

Prestação, feita pelo poder concedente, mediante

licitação na modalidade de concorrência, à

pessoa jurídica ou consórcio de empresas que

demonstre capacidade para seu desempenho,

por sua conta e risco e por prazo determinado. 

Assim, como a prestação do serviço público se dará pelas concessionárias e permissionárias do serviço público, que assumirão o risco da sua prestação, pode-se concluir, embasado no descrito no artigo 37, §6º, da CF, que a responsabilidade de tais entes segue a mesma sistemática da teoria do risco administrativo, qual seja a responsabilidade é objetiva, não havendo demonstração de dolo ou culpa.

Todavia, nem sempre esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal.

       No julgamento do Recurso Extraordinário de número 262.651/SP, de 16/11/04, em oposição oposta à doutrina, o STF entendeu que a responsabilidade objetiva dos entes supracitados não se estenderia a terceiros não usuários, já que somente o usuário seria detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causação do dano.

Não obstante o julgado se referir à concessionária de serviço, na ementa do acórdão constou a expressão genérica pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, o que fez com que os tribunais aplicassem esse precedente em todos os casos em que estivesse de um lado uma prestadora de serviço público por delegação e um não usuário do serviço.

Como o artigo 37, §6º, da CF não estabelecia distinção entre a vítima do serviço, ou seja, se usuário ou não do serviço, tal entendimento foi se revelando injusto.

Mais tarde, no julgamento do Recurso Extraordinário de número 459.749/PE de 08/03/07, o STF deu a entender que alteraria seu posicionamento. O Ministro Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso por entender que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também em relação aos não usuários do serviço. 

Quase dois anos se passaram até que a questão chegasse novamente ao STF que por meio do RE número 91874/MS, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 26/08/09, entendeu que não poderia interpretar restritivamente o alcance do artigo 37, §6º, da CF/88, pois interpretando-a à luz do Princípio da Isonomia, não permite que se estabeleça qualquer distinção entre os terceiros, isto é, entre usuários e não usuários do serviço público.

Isso decorreu do fato de que todos os terceiros, de igual modo, podem sofrer dano em razão da ação administrativa do Estado, seja ela realizada diretamente, seja por meio de pessoa jurídica de direito privado. Aduziu-se, ainda, que o entendimento de que apenas os terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito subjetivo de receber um serviço adequado, iria de encontro à própria natureza do serviço público, que pode definição, tem caráter geral, alcançando indistintamente, todos os cidadãos, beneficiários direitos ou indiretos da ação estatal.

A nova interpretação do STF oferece uma melhor interpretação do art. 37, §6º, da CF/88, tendo em vista que o julgador não poderia interpretar restritivamente uma norma que equipara as pessoas jurídicas de direito privado, na prestação de serviço públicos, ao próprio Estado.  

Assim, hodiernamente, prevalece o entendimento pacífico na maioria da doutrina, tribunais e, inclusive, no STF que a responsabilidade das concessionárias de serviço público é objetiva, não importando o status da vítima, ou seja, se usuária ou não do serviço público, pois o que prevalece é a isonomia, bem como a proteção irrestrita àquele que sofre dano. 

2.4.1  Doutrina

       O presente tema da Responsabilidade Civil das Concessionárias de Serviço Público frente aos não usuários do serviço, embora já tenha sido alvo de várias críticas e discussões, a maioria da doutrina sempre defendeu a responsabilidade objetiva das concessionárias independentemente da qualidade da vítima.

                        Ratifica-se o exposto por meio de citações de obras de alguns dos mais importantes doutrinadores administrativistas.

                        Segundo Yussef Said Cahali

                                                                      

A responsabilidade civil da entidade estatal apresenta-se em termos mais amplos, seja pela maior amplitude da reparação do dano, seja em razão do elastério da norma constitucional. Assim, em casos de atropelamento por veículo oficial, afirma-se que “a teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade objetiva integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima de prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização”, já está assente na jurisprudência o entendimento de que manobra de marcha-à-ré em veículos pesados deve ser executada sempre com o auxílio de ajudante, porque o motorista não plena visão do caminho a seguir; assim, a realização da operação por caminhão da Prefeitura em aterro aberto à passagem do público situado próximo á via pública sem observância da cautela indicada, colhendo pessoa que passava pelo local, constitui grave imprudência; provada, portanto, a culpa da Administração e inexistente comprovação de culpa concorrente da vítima, caracteriza-se a responsabilidade civil do Estado” (CAHALI, 2007, p. 224-225).

                        Na visão do renomado autor José dos Santos Carvalho Filho

Ao executar o serviço, o concessionário assume todos os riscos do empreendimento. Por esse motivo, cabe-lhe responsabilidade civil e administrativa pelos prejuízos que causar ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros.

No que tange ao sujeito lesado pelo dano, há entendimento no sentido da inaplicabilidade da responsabilidade objetiva do concessionário, no caso de danos causados a terceiros, não usuários do serviço concedido. Em outras palavras, a responsabilidade objetiva só incidiria no caso de danos causados a usuários. Concessa vênia, dissentimos da decisão. Na verdade, o texto constitucional não faz qualquer distinção a respeito, não cabendo ao intérprete fazê-lo. Ao contrário, as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos (como é o caso dos concessionários) estão mencionadas ao lado das pessoas de direito público (art. 37, §6º, CF) para o efeito de se sujeitarem à responsabilidade objetiva. Desse modo, não há razão para aludida distinção (FILHO, 2008, p. 351).

Assim, o tema na doutrina não comportava divergências expressivas, restando pacificado. No entanto, na visão dos tribunais e do próprio STF, o tema passou por uma significativa evolução, a qual se faz importante relatar.

     

2.4.2  Jurisprudência

O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário número 262.651, de São Paulo entendeu que a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público não alcançaria os não usuários do serviço:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. CF, art. 37, §6º.

I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, §6º, da CF.

II. - R.E. conhecido e provido.

Posteriormente, o mesmo STF, ao julgar o Recurso Extraordinário de número 591.874-2/MS, mudou seu entendimento, no sentido de que a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público alcançaria o terceiro usuário ou não usuário do serviço, independentemente da sua relação com o poder público:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE ENVOLVENDO CICLISTA E ÔNIBUS DE EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. DANO MATERIAL NÃO COMPROVADO. DANO MORAL INDEPENDENTE DE PROVA. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS INICIAIS.

1. À míngua de prova de que o acidente envolvendo ciclista e ônibus de empresa de transporte coletivo, com morte do ciclista, deu-se por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima, a empresa responderá objetivamente pelo dano, seja por se tratar de concessionária de serviço público, seja em virtude do risco inerente à sua atividade.

2. Inexistindo prova de que a vítima fatal de acidente de trânsito desenvolvia atividade remunerada, tem-se por improcedente o pedido de pensão alimentícia formulado pela companheira e pela filha.

3. O sofrimento decorrente do sinistro que acarretou a morte do companheiro e pai independe de qualquer atividade probatória e permite condenar a empresa de transporte coletivo a indenizar a família pela dor causada”.

Vale ressaltar que durante alguns anos, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não estendia a responsabilidade objetiva das concessionárias de serviço público aos não usuários do serviço.

 No entanto, atualmente, o TJMG alterou seu entendimento e passou a responsabilizar objetivamente as concessionárias de serviço público por todos os danos causados aos usuários e não usuários do serviço.

Corrobora-se o aludido por meio de um julgado do TJMG, em 23/11/17, na apelação cível de número 1.0024.12.321162-5/001:

EMENTA: APELAÇÃO CíVEL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO - TERCEIRO NÃO USUÁRIO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA - MORTE DA VÍTIMA - CULPA DE TERCEIRO - AUSÊNCIA DE PROVA - INDENIZAÇÃO DEVIDA - VALOR - ART. 944 DO CC/02 - REDUÇÃO.
Não se aplica a teoria da responsabilidade objetiva em atropelamentos envolvendo empresa concessionária de serviço público de transporte coletivo e pedestre.
Nos termos do art. 333, II do Código de Processo Civil cabe ao réu comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.
Não tendo a empresa comprovado ter sido o acidente fatal causado por culpa de terceiro, não merece ser modificada a sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais.
Revelando-se o montante fixado na sentença elevado, deve ser minorado, de forma que atinja valor suficiente para concretizar a pretendida reparação civil.

3. Considerações finais

A responsabilidade civil do Estado é a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros por suas atividades.

A responsabilidade objetiva do Estado vem consagrada no artigo 37, §6º, da CF. Nessa teoria basta demonstrar que houve uma conduta estatal, que essa conduta causou dano e que existe nexo causal entre a conduta e o dano.

A Carta Magna de 1988 definiu dois campos de atuação, quais sejam campo próprio do Estado chamado serviço público e um peculiar aos particulares, denominado domínio econômico.

A prestação de um serviço público pode se dar de diversas maneiras. Uma delas é a prestação direta pelo Estado, isto significa que a própria pessoa jurídica de direito público se incumbe de realizar essa prestação. Por outro lado, existe a prestação indireta, em que a prestação não é realizada diretamente pela pessoa federativa, mas por outra pessoa jurídica.

O tema da concessão de serviços públicos se enquadra, inicialmente, nessa divisão da CF/88 entre serviço público e atividade econômica.

Assim, a concessão de serviço público é um mecanismo de prestação indireta de serviço.

Assim, caracterizado o instituto da concessão, e definida a atividade do concessionário, a questão da responsabilidade civil pela reparação dos danos causados a terceiros em razão dessa atividade configura-se de grande importância.

O assunto, na seara doutrinária, sempre foi pacífico, pois os doutrinadores sempre sustentaram que a responsabilidade das concessionárias é objetiva, isto é, independe de culpa. Assim, a vítima não precisa provar a culpa para ser indenizada.

A responsabilidade no serviço público é objetiva independentemente de quem realiza o serviço, pois se trata de uma garantia do usuário.

Não obstante a uniformidade doutrinária, o STF, por um determinado tempo, criou uma grande celeuma nas concessões de serviço público.

O STF passou a dividir a responsabilidade da concessionária a partir da qualidade da vítima. O tipo de responsabilidade do concessionário variaria conforme o status da vítima perante o prestador.

Então, o STF firmou o entendimento de que em relação a terceiros não usuários, a responsabilidade seria subjetiva da empresa concessionária.

Muitos se manifestaram dizendo que não seria justo indenizar objetivamente o usuário e subjetivamente o não usuário se ambos foram vítimas do mesmo dano. E as críticas se tornaram cada vez mais frequentes.

Com o tempo, o STF alterou o seu entendimento e voltou a entender alinhado com toda a doutrina que não importa a qualidade da vítima, a responsabilidade do concessionário de serviço público será sempre objetiva.

Portanto, como a CF não diferenciou, não importa o status da vítima. Havendo prejuízo no exercício da prestação do serviço público, a responsabilidade do concessionário será sempre, em todos os casos, objetiva.     

4. Referências

CAHALI, Yussef. Responsabilidade Civil do Estado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

DIAS, José. Da Responsabilidade Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

FILHO, José. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

PAULO, Marcelo. Direito Administrativo Descmplicado. 19ª ed. São Paulo: Metodo, 2011.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário oficial da União. Brasília, 5 out. 1988.

Artigo: MOTTA, André. A responsabilidade civil das concessionárias de serviço

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Âmbito Jurídico: ROCHA, Sergio. A responsabilidade civil do Estado e o terceiro não usuário do serviço público. Dez horas, Muriaé, 03 de junho. 2013.Disponível em: <http:www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10130/>.Acesso em 03 de junho.2013.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível. Acidente de Trânsito. Empresa de Transporte Coletivo. Terceiro não usuário. Apelação nº 1.0439.11.015255-0/001. Responsabilidade Objetiva Afastada. Morte da Vítima. Relator: Amorim Siqueira. Belo Horizonte, 24 abr. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 370. Responsabilidade Civil do Estado: Prestadores de Serviços Públicos e Terceiros Não-Usuários – 2.Disponível em: <http: //www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo370.htm>. Acesso em: 04 de jun.2013.  

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Constitucional Administrativo. Civil. Responsabilidade Civil do Estado: Responsabilidade Objetiva. RE nº 262.651. Responsabilidade Objetiva. Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço Público. Concessionário ou Permissionário do Serviço de Transporte Coletivo. Relator: Carlos Velloso. Brasília, 6 mai. 2005.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Apelação Cível. Ação de Reparação de Danos. Natureza Jurídica. Responsabilidade objetiva. Obrigação de indenizar. RE nº 591.874-2/MS. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 23 nov. 2009.


Sobre a autora
Thaysa Navarro de Aquino Ribeiro

Mestra em Direito Processual pela UCP. Professora do Centro Universitário Unifaminas - Muriáe. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior. Advogada.

Informações sobre o texto

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