O INTERESSE ESTRANGEIRO NA NAVEGAÇÃO DA AMAZÔNIA

11/11/2020 às 09:43
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE MATÉRIA ATINENTE AO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

O INTERESSE ESTRANGEIRO NA NAVEGAÇÃO DA AMAZÔNIA

Rogério Tadeu Romano

Segundo o Estadão, em site no dia 9 de novembro do corrente ano, as desconfianças do governo brasileiro em relação à China começaram a ser expostas em papéis oficiais. Documentos do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) obtidos pelo Estadão registram a preocupação com um interesse do país asiático pelos recursos naturais estratégicos, especialmente a água. O órgão comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) destaca que as potencialidades brasileiras já estão na mira de potências como Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.

“A entrada da China no seleto grupo de grandes potências econômicas hegemônicas do mundo, contextualiza uma nova realidade global, na qual regiões ricas em recursos naturais estratégicos passam a ser o alvo das políticas externas do Governo chinês”, ressalta uma apresentação feita na última terça-feira, 3, aos integrantes do Conselho.

O rio Amazonas é um rio internacional.

O Amazonas tem sua origem na nascente do rio Apurímac (alto da parte ocidental da cordilheira dos Andes), no sul do Peru, e deságua no oceano Atlântico junto ao rio Tocantins no delta do Amazonas, no norte brasileiro. Ao longo de seu percurso recebe, ainda no Peru, os nomes de CarhuasantaLloquetaApurímacrio Enerio TamboUcayali e Amazonas. Ele entra no território brasileiro com o nome de rio Solimões e finalmente, em Manaus, após a junção com o rio Negro, assim que suas águas se misturam ele recebe o nome de Amazonas e como tal segue até a sua foz no oceano Atlântico. Sua foz é classificada como mista, por apresentar uma foz em estuário e em delta. O rio Amazonas é o único com uma foz mista no mundo.

O termo internacional não quer dizer senão que o rio em questão banha as margens dos dois ou mais Estados.

O rio Amazonas é o rio internacional mais importante da América do Sul e um dos mais importantes do mundo, não só por sua considerável extensão e a larga área abrangida por sua bacia, sendo também pelo número de navios banhados por ele ou por seus tributários. O rio Amazonas nasce no Peru, mas desenvolve a maior parte de seu curso de 6.500 Km no território brasileiro, até desaguar no Oceano Atlântico, servindo de via de comunicação essencial no Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, dando ainda acesso à sua bacia pelo Essequibo, favorecendo com isso a Guiana Inglesa e, pelo Orenoco, a Guiana Francesa. Suas partes inferior e média encontram-se integralmente no território brasileiro, onde os seus maiores afluentes desaguam. O Tratado de Cooperação Amazônica, adotado em Brasília, em 3 de julho de 1978, entrou em vigor internacional, em 2 de outubro de 1980, reunindo o Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Pelos Decretos Imperiais nº 3.749, de 7 de dezembro de 1886, e nº 3.920, de 31 de julho de 1867, o Brasil franqueou, por atos próprios e espontâneos, as águas do rio Amazonas e seus afluentes à navegação comercial de todas as bandeiras. Tais decretos são atos unilaterais do Estado brasileiro, que valem como fonte no Direito Internacional.

Paulo Roberto Palm(A abertura do rio amazonas à navegação internacional e parlamento brasileiro) relatou:

“No Brasil, o Conselho de Estado, ao examinar, em 1o de abril de 1854, a questão da abertura do rio Amazonas à navegação internacional, debruçou-se sobre o Parecer da Seção dos Negócios Estrangeiros acerca do assunto, elaborado por Paulino Soares de Souza, Abrantes e Lopes Gama, no qual, referindo-se ao pactuado no Congresso de Viena, os relatores bem lembravam: “Estas disposições de mero direito convencional somente regulam e obrigam as Potências que nela convierem. Não foram admitidas pela Europa em geral, e menos por todo o mundo”. E, mais adiante, pontificavam: “O que algumas Nações da Europa estipularam a respeito de alguns rios da Europa, que lhe pertenciam, não estabelece direito entre Nações da América sobre rios da América que lhes pertencem, sem que por atos seus adotem e dêem força àqueles princípios”. O citado Parecer, que discorre longamente sobre as normas e práticas de Direito Internacional vigentes para a navegação de rios que atravessem mais de uma nação, aborda, em respaldo à sua posição restritiva, doutrinas de internacionalistas defensores do princípio de soberania territorial, dentre os quais Klüber, Martens, Wattel, Puffendos, Chilty e Wolff, para concluir que a soberania sobre rios internacionais não se cinge às suas nascentes, porém a todo o curso, e que as nações ribeirinhas têm propriedade sobre os trechos fluviais que atravessem seus respectivos territórios, podendo negar trânsito às demais, inclusive passagem aos ribeirinhos superiores. Por conseqüência, apenas o direito convencional estabeleceria servidão sobre o uso de suas águas a terceiros países.

O Parecer da Seção dos Negócios Estrangeiros assinalou, com propriedade, que as “questões de livre navegação de rios são questões meramente de interesse e não de princípios.

Já em 1826, houvera um pedido de cidadãos norte-americanos para navegarem o rio Amazonas, e foi o início de um longo registro de negativas do Governo brasileiro. Dentre todos os interessados naquela navegação, porém, nenhum suplantaria Matthew Fontaine Maury em obstinação e mobilização da opinião pública e dos círculos oficiais de seu país em favor de seu intento.”

Ainda relatou Paulo Roberto Paim que a área ficou sujeita às ambições americanas de expansionismo. Disse ele:

“A ação diplomática norte-americana, por questões táticas, concentrou-se no Rio de Janeiro, para onde foi deslocado, em 1853, como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário, o General William Trousdale, sertanista do Tennessee, que em seu país participara ativamente das guerras contra os índios Seminoles e contra os Mexicanos. Trousdale recebeu, uma semana antes de partir, instruções específicas no sentido de que o objetivo mais importante de sua missão seria o de conseguir, para seus concidadãos, o uso livre do rio Amazonas, possibilitando-lhes, assim, comerciar com o Equador, o Peru, a Bolívia, Nova Granada e a Venezuela. Após entrevista com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Limpo de Abreu, em 28 de outubro, Trousdale lhe encaminhou uma Nota, três dias mais tarde, formalizando a solicitação de seu Governo junto ao São Christóvão,68 a qual apelava aos princípios do Congresso de Viena e ao Direito das Gentes. Apesar dos ansiosos contatos efetuados com vários funcionários do Governo Imperial, somente após um ano Limpo de Abreu lhe responderia, pela célebre Nota de 13 de setembro de 1854, refutando brilhantemente os argumentos jurídicos, econômicos e comerciais apresentados por Trousdale,69 conforme será visto mais adiante.

Em 1855, mesmo ano em que se entrevistara com D. Pedro II, houve mudança no Gabinete, e Trousdale, provavelmente exasperado com as protelações da Administração brasileira, que sempre alegava estar cogitando para breve a abertura do rio, dirigiu extensa Nota a Paranhos, onde, ameaçadoramente, afirmava que “o Governo dos Estados Unidos (estava) decidido a conseguir para os seus cidadãos o livre uso do Amazonas para fins comerciais (grifo no original)”. O Brasil manifestou estranheza pelos termos coercitivos utilizados, e reafirmou, ponderadamente, as razões de suas cautelas, ligadas fundamentalmente à segurança da região, escassamente povoada, à sua insignificância comercial e à necessidade de fixar com precisão os limites do Império com seus vizinhos amazônicos. As inúmeras tentativas de William Trousdale terminaram em 1857, quando ele foi substituído por Richard Meade. Este, instruído a adiar discussões sobre o assunto até melhor definição da política brasileira sobre a questão, deveria aguardar orientação de Washington, que jamais chegou, provavelmente devido à crise que prenunciou a Guerra Civil norte-americana. Partiu de volta em 1861, provavelmente por simpatizar com a causa dos Confederados

......

Como coadjuvantes na propaganda pela abertura do rio Amazonas à navegação de terceiros países, não pode ser esquecido o papel de alguns missionários protestantes que aqui aportaram. Dentre eles, destaca-se o ministro presbiteriano James Cooley Fletcher, designado como Capelão da Legação Americana, e que, chegando ao Rio de Janeiro durante a missão de Robert Schenck, então representante de seu país, dedicou-se fervorosamente, a par de seu ministério, à missão de “converter o Brasil ao protestantismo e ao ‘progresso’. Fletcher, tal como o episcopaliano Richard Holden, que operaria mais tarde em Belém e em São Salvador, além de sua campanha pela abertura do Amazonas, levada aos jornais do Rio, em 1853, também militaria em favor da imigração protestante, participando, em 1865, da fundação da Sociedade de Imigração Internacional, na capital brasileira, que objetivava estimular a vinda de Confederados de seu país ao Brasil. Preocupou-se em estabelecer laços de amizade com várias personalidades brasileiras, os “amigos do progresso”, que seriam simpáticos à sua pregação, dentre os quais podem ser citados Nascentes de Azambuja, Couto Ferraz, Pereira de Souza, Silveira da Mota e Tavares Bastos. Seria, ainda, ao que tudo indica, um dos principais articuladores da expedição de Louis Agassiz ao Brasil, a qual contribuiu sobremaneira para dissipar os temores quanto à abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Chegamos aos tempos de hoje onde se nota o interesse da China pela Amazônia.

Como já observara o Clima Info, em 16 de junho de 2020, o Post Magazine, Melissa Chan e Heriberto Araújo relatam como empresas chinesas estão chegando à Amazônia e diversificando sua atuação econômica. Mais do que simples consumidores de commodities, os chineses estão aproveitando o momento econômico do Brasil – com um governo interessado em expandir as atividades econômicas na Amazônia, ainda que a custo de seu desmatamento – para atuar em outros elos dessas cadeias, como comércio internacional (traders), investidores e construtores de infraestrutura.

Um exemplo dessa diversificação é o interesse de construtoras do país em tirar do papel a “Ferrogrão”, um projeto de ferrovia que facilitaria o escoamento da produção do norte do Mato Grosso até o rio Tapajós e, daí, para seus compradores chineses do outro lado do mundo. Além do projeto, os chineses oferecem também apoio econômico para financiar a operação, no âmbito da Iniciativa Belt and Road (BRI), o principal tijolo no projeto geopolítico internacional de Xi Jinping para a China nas próximas décadas.

A China está envolvida em projeto Hidrovia Amazônica, um projeto multimilionário que pretende dragar os quatro maiores rios da região amazônica do Peru e aumentar a segurança do transporte usando um sistema de navegação por satélite e GPS.

O projeto de 95 milhões de dólares tem apoio do governo e vai abrir uma hidrovia de 2.687 quilômetros de extensão ao longo dos rios Marañon, Ucayali, Huallaga e Amazonas, tão logo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) seja aprovado.

O projeto levaria o Peru a seguir o caminho da Amazônia brasileira, onde rios da região têm ganhado um papel cada vez.

O envolvimento de uma empresa chinesa no projeto é algo muito significativo, diz Rosario Santa Gadea, diretora do Centro de Estudos China-Ásia-Pacífico na Universidade do Pacífico em Lima.

“A China tem interesse em investir em infraestrutura no exterior e o Peru oferece muitas oportunidades”, disse ela, acrescentando que o projeto da hidrovia “aumentará a conectividade e o comércio entre a China e o Peru”.

Como ficariam, de antemão, os estudos de impacto ambiental e ainda os relatórios de impacto ambiental na região?

As comunidades indígenas se preocupam com o impacto das dragagens na ictiofauna, além dos planos de remover os troncos das árvores que ficam submersos no rio, conhecido como quirumas, local de reprodução de peixes. As dragagens também afetam a migração dos peixes e a segurança alimentar de toda a região da floresta amazônica, segundo um relatório da Wildlife Conservation Society no Peru.

Daí a importância geopolítica que se apresenta para o caso.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos