Palavras chave: Direito processual civil. Execução de Alimentos. Penhora. Penhora FGTS.
Introdução
Os créditos referentes à pensão alimentícia apresentam formas de cobrança diferenciadas, por se tratar de verba alimentar e de urgência. A exemplo disto observa-se a possibilidade de penhora de até 50% (cinquenta por cento) do salário do devedor de alimentos para o adimplemento da obrigação, assim como a previsão de prisão civil em caso de insolvência, entre outras medidas que visam assegurar o direito do alimentado[1].
De acordo com o artigo 2º, § 2o, da Lei nº 8.036/1990[2], as contas do FGTS vinculadas em nome dos trabalhadores são consideradas absolutamente impenhoráveis. Entretanto, a jurisprudência pátria recente entende que tal dispositivo deva ser abrandado, pois existe um choque de princípios.
No caso em tela, o direito à vida do alimentado deve se sobrepor ao direito monetário do alimentante, que possui uma reserva de capital passível de ser utilizada para o cumprimento de sua obrigação inadimplida.
Desenvolvimento
O alimentado é toda pessoa que, por decisão judicial, deva receber alimentos, por parte de terceiro, aqui chamado de alimentante. Alimentos é a importância em dinheiro ou qualquer prestação in natura que o alimentante se obriga por força de lei a prestar ao alimentado. Além da subsistência material, os alimentos compreendem também as despesas ordinárias e especiais à formação intelectual e educação.[3]
Os alimentos são devidos em várias situações: entre pais e filhos, cônjuges, parentes, pais socioafetivos e idosos, e a quantia a ser paga é fixada em Sentença, que possui poder executório. Quando o alimentante se esquiva de sua obrigação, o alimentado poderá promover a Execução dos valores estipulados a títulos de alimentos.
Por vezes a execução mostra-se frustrada ante ao desemprego ou a ausência de bens do devedor que sejam passíveis de penhora. Para tanto, vislumbra-se a possibilidade de penhora dos valores depositados na conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do alimentante.
O FGTS é uma conta bancária, denominada de conta vinculada, constituída por depósitos realizados pelo empregador, que o trabalhador pode utilizar nas hipóteses previstas em lei. Trata-se, portanto, de uma espécie de poupança em favor do trabalhador, para que este efetue o saque no momento de sua dispensa na empresa, ou diante de outras situações excepcionais, previstas em lei.[4]
Sérgio Pinto Martins considera o conceito do FGTS como:
O nome do instituto em estudo é Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), porém este não garante o tempo de serviço, apenas uma poupança para o trabalhador, ao contrário do que ocorria com a indenização. O FGTS é um depósito bancário destinado a formar uma poupança para o trabalhador, que poderá ser sacada nas hipóteses previstas na lei, principalmente quando é dispensado sem justa causa.[5]
No início de cada mês, os empregadores depositam em contas abertas na Caixa Econômica Federal, em nome dos empregados, o valor correspondente a 8% (oito por cento) do salário de cada funcionário. O FGTS é constituído pelo total desses depósitos mensais e os valores pertencem aos empregados que, em algumas situações específicas elencadas no artigo 20 da Lei 8.036/90, podem dispor do total depositado em seus nomes.
O patrimônio do FGTS é utilizado para investimentos em habitação, infraestrutura e saneamento. Por isso, os valores depositados no FGTS são indisponíveis: o titular do crédito não pode levantá-los quando bem entender. Portanto, indisponível o crédito depositado na conta vinculada do FGTS, é consequentemente impenhorável. No entanto, em situações nas quais o crédito tiver se tornado disponível ao devedor, será possível penhorá-lo nos casos de execução alimentícia[6].
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há muito já pacificou entendimento no sentido de que não é taxativo o rol de hipóteses previstas no artigo 20 da Lei 8.036/90 que autorizam o levantamento dos saldos das contas vinculadas do FGTS, tendo em vista o fim social da norma e as exigências do bem comum a permitir, em casos excepcionais, o levantamento de valores oriundos do aludido Fundo. Dentre vários, citem-se os seguintes precedentes: REsp 719.735/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, Dje de 2/8/2007; REsp 779.063/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Dje de 4/6/2007; REsp 698.894/AL, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 18/9/2006.
Essa possibilidade foi muito bem fundamentada pela ministra Eliana Calmon, da Segunda Turma do STJ, durante o julgamento de um recurso em mandado de segurança apresentado pela Caixa Econômica Federal. Para ela, “a impenhorabilidade das contas vinculadas do FGTS e do PIS frente à execução de alimentos deve ser mitigada pela colisão de princípios, resolvendo-se o conflito para prestigiar os alimentos, bem de status constitucional, que autoriza, inclusive, a prisão civil do devedor”. A ministra entende que o princípio da proporcionalidade autoriza que recaia a penhora sobre os créditos do FGTS:
“Recurso Especial - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE DÉBITO ALIMENTAR - PENHORA DE NUMERÁRIO CONSTANTE NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO (FGTS) EM NOME DO TRABALHADOR⁄ALIMENTANTE - COMPETÊNCIA DAS TURMAS DA SEGUNDA SEÇÃO - VERIFICAÇÃO - HIPÓTESES DE LEVANTAMENTO DO FGTS - ROL LEGAL RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE DÉBITO ALIMENTAR - PENHORA DE NUMERÁRIO CONSTANTE NO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS) EM NOME DO TRABALHADOR/ALIMENTANTE - COMPETÊNCIA DAS TURMAS DA SEGUNDA SEÇÃO - VERIFICAÇÃO - HIPÓTESES DE LEVANTAMENTO DO FGTS - ROL LEGAL EXEMPLIFICATIVO - PRECEDENTES - SUBSISTÊNCIA DO ALIMENTANDO - LEVANTAMENTO DO FGTS - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A questão jurídica consistente na admissão ou não de penhora de numerário constante do FGTS para quitação de débito, no caso, alimentar, por decorrer da relação jurídica originária afeta à competência desta c. Turma (obrigação alimentar), deve, de igual forma ser conhecida e julgada por qualquer dos órgãos fracionários da Segunda Seção desta a. Corte; II - Da análise das hipóteses previstas no artigo 20 da Lei n. 8.036/90, é possível aferir seu caráter exemplificativo, na medida em que não se afigura razoável compreender que o rol legal abarque todas as situações fáticas, com a mesma razão de ser, qual seja, a proteção do trabalhador e de seus dependentes em determinadas e urgentes circunstâncias da vida que demandem maior apoio financeiro; III - Irretorquível o entendimento de que a prestação dos alimentos, por envolver a própria subsistência dos dependentes do trabalhador, deve ser necessariamente atendida, ainda que, para tanto, proceda-se ao levantamento do FGTS do trabalhador; IV - Recurso Especial provido[7]
Apesar de certo que a Lei n. 8.036/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, enumera, no artigo 20, as hipóteses permissivas para movimentação da conta, não é menos certo, contudo, que a jurisprudência majoritária entenda que tais hipóteses não são taxativas, permitindo que, em casos excepcionais, seja autorizada a liberação do saldo da conta vinculada.
É o que ocorre com a execução de alimentos. Isso porque se trata de débito alimentar, no qual a quantia devida é imprescindível à subsistência do alimentando. É necessário proteger os dependentes do trabalhador, que precisam de apoio financeiro.
Quando solicitada a penhora de tais valores, o magistrado expede ofício à Caixa Econômica Federal – mantenedora do fundo – para verificar a existência de saldo na conta vinculada do trabalhador.
Caso existam valores depositados, é procedida a penhora e consequentemente expedido Alvará para que o credor levante os valores junto ao banco, até o limite do valor executado.
Diante de todo o exposto é evidente a importância que a legislação brasileira confere à obrigação alimentar, pois ela é fundamental para suprir as necessidades de quem precisa dela, além de ser a forma mais comum de se garantir o direito à dignidade da pessoa humana.
Essa importância resta evidente quando a impenhorabilidade de conta vinculada de FGTS é mitigada pelo princípio da dignidade humana e pelo direito à vida, pois o direito a alimentos devido a menores é considerado como um instituto que deve ser privilegiado em detrimento de outros, uma vez que envolve a subsistência de pessoas que sozinhas não possuem condições de se manter.
Conclusão
O presente trabalho teve por finalidade situar o tema da impenhorabilidade do FGTS no ordenamento jurídico brasileiro, no sentido de abordar a sua relativização no instante em que o magistrado realiza a distinção entre sua impenhorabilidade frente ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à vida, configurando-se, portanto, momento processual de grande relevância prática.
Foi analisada a jurisprudência pátria brasileira para constatar a possibilidade de penhora dos créditos das contas de FGTS frente à Execução de Alimentos, vez que tais valores são destinados à manutenção da vida do alimentado. Apurou-se que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que é possível fazer a penhora do FGTS nas execuções de alimentos.
Com base nesse panorama, conclui-se que a determinação judicial de levantamento de valores mantidos em conta vinculada do FGTS para fins de pagamento de débito alimentar em execução de alimentos, não se configura como afronta ao direito do devedor, mas sim como assecuratório ao direito do alimentado.
A impenhorabilidade da conta do FGTS deve ser mitigada quando o objetivo for satisfazer dívida de natureza alimentícia, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.
Portanto, a prestação dos alimentos, por envolver a própria subsistência dos dependentes do trabalhador, deve ser necessariamente atendida, ainda que, para tanto, proceda-se ao levantamento do FGTS do trabalhador.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 5.107 de 13 de setembro de 1966. Cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Disponível em:<https://www.normasbrasil.com.br/norma/lei-8036-1990_82826.html> . Acesso em: 30 de março de 2020.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2008.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 6. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014. v. 5.
BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 01 de abril de 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1083061/RS, 3ª Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, julgado em 02/03/2010, DJE 07/04/2010.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm
CÓDIGO CIVIL (2002) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm
[1] BRASIL. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 01 de abril de 2020.
[2] BRASIL. Lei nº 5.107 de 13 de setembro de 1966. Cria o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Disponível em:<https://www.normasbrasil.com.br/norma/lei-8036-1990_82826.html> . Acesso em: 30 de março de 2020.
[3] CF, art. 5.o LXVII; Código Civil, artigo 1.694 e seguintes
[4] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2008. p.255.
[5] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 443
[6] DIDIER JÚNIOR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 6. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014. v. 5. P. 582-583
[7] REsp 1083061/RS, 3ª Turma, Relator Ministro Massami Uyeda, julgado em 02/03/2010, DJE 07/04/2010