As "Stock Options" no direito brasileiro

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12/11/2020 às 11:13
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O texto trata das "Stock Options" no direito brasileiro. Sendo, conceitualmente, planos de opções de compra de ações oferecidos por uma empresa e seus empregados e dirigentes, podem, nos casos concretos, repercutir nas esferas tributária e previdenciária.

Plano de Stock Options. Características. Natureza Jurídica. Aspectos Gerais. Obrigações Trabalhistas. Obrigações Fiscais. Conclusão.[1]

 

1. Os Planos de Stock Options:

As chamadas Stock Options, constituem-se, ordinariamente, como planos de opções de compra de ações oferecidos por uma empresa empregadora a seus empregados e dirigentes, sendo, assim, uma modalidade de incentivo a longo prazo, condicionada à obtenção de objetivos e metas pela firma.

Trata-se, tipicamente, de estratégia de gestão composta pela oferta de ações cotadas em Bolsa, de uma dada empresa, a seus administradores, empregados ou prestadores de serviços, em condições relativamente mais vantajosas que as encontradas no mercado[3], permitindo ao beneficiário participar da valorização futura da firma[4].

Habitualmente, encontram-se nesses planos itens como cláusulas sobre administração do programa, fixação do preço de exercício (strike price), percentual ou número máximo de ações a serem emitidas, diluição máxima das ações e requisitos para a formalização dos contratos. Incluem-se, ainda, a fixação de prazo de carência (vesting), de período de validade para o exercício da opção, assim como a pessoalidade, a intransferibilidade das opções e a onerosidade[5].

São elementos intrínsecos às Stock Options o risco compartilhado entre empresas e optantes e o sentido oneroso do negócio. Não se trata de simples benefício, devendo o preço determinado para o exercício das opções de compra ser vantajoso para o optante, mas não meramente simbólico, muito distante do valor de mercado. Neste sentido é que se faz referência ao “preço justo” indicado, por exemplo, nos direitos norte-americano[6] ou europeu[7] e, ainda, nas prescrições relativas a tais planos no campo da gestão[8], a determinar uma margem em torno da qual se estabelecerá o valor negociado.

Normalmente, o plano é estatuído mediante regramento interno da empresa, de caráter genérico e impessoal, com o beneficiário passível de inclusão no programa   devendo formalizar sua participação no mesmo por meio de contrato de adesão, de maneira que as normas aplicáveis a uma categoria de optantes valham para os demais na mesma situação.

As opções de compra são oferecidas aos beneficiários através de Outorgas emitidas pela Companhia, as quais são condicionadas a eventos ou projetos específicos, cada qual com condições ou marcos determinados. A definição desses elementos deve ser parte integrante do programa. As ações destinadas ao custeio do programa decorrerão, via de regra, de novas emissões, a impor a observância ao disposto na Instrução CVM n.º 10, de 14 de fevereiro de 1980.

 

2. A Natureza Jurídica das Stock Options:

A adoção de programas de opções de compra de ações por empresas no Brasil data das últimas décadas do século XX, na esteira de tendência internacional que se fixava naquela altura. Em que pese se tratar de estratégia de gestão crescentemente utilizada, a matéria possui regulamentação escassa no país, cabendo à doutrina e à jurisprudência lançar luz sobre as principais questões que de si derivam. Com efeito, mesmo no plano internacional, muitos ainda são os Estados nos quais não existe regulamentação certa para a matéria, embora não faltem casos na jurisprudência, habitualmente enfrentando questões trabalhistas e tributárias.

Pode-se assinalar haver previsão expressa no caso norte-americano, a permitir sua clara caracterização[9]. Na legislação norte-americana, as Stock Options dividem-se em “qualificadas” e “não qualificadas” para fins de tributação. As “qualified stock options” dividem-se em dois grupos: as “Incentive Stock Options e as Employee Stock Purchase Plans. Ambos só podem se dirigir a administradores e empregados da empresa. No primeiro caso, há um limite de cem mil dólares por ano por beneficiário. O preço de exercício da ação não poderá ser menor que o valor justo de mercado das ações, quando da introdução do plano. O exercício das opções ocorre em até dez anos. No outro tipo, deve-se abranger todos os empregados com mais de dois anos de emprego. A aquisição anual de ações pelo empregado não poderá exceder vinte e cinco mil dólares e o limite para exercício das opções não deve ultrapassar cinco anos. O valor das ações não poderá ser inferior a 85% do valor da ação no momento da concessão do plano ou do exercício da opção, prevalecendo o menor. Caso as opções tenham sido concedidas em valor já inferior ao de mercado, será tributada a diferença entre o valor da ação no momento do exercício e o preço de mercado das ações a este tempo, incidindo a tributação aplicável a salários em geral.

Em outros ordenamentos, como na Itália[10], aparecem regras acerca da tributação, conquanto ainda se observe, no espaço comunitário europeu, regulamentação variada no que diz respeito a essa matéria[11]. No direito comparado, como no Brasil, à míngua de definições legais claras a respeito da caracterização das stock options, tende-se a privilegiar uma análise casuística, em vista das peculiaridades e dos conteúdos de cada plano analisado concretamente.

De uma maneira geral, porém, a doutrina aponta certos requisitos caracterizadores dessas opções de compra de ações, os quais repartem-se entre os subjetivos, inerentes aos beneficiários elegíveis; os formais, referentes às previsões normativas, estatutárias, e à aprovação na Assembleia de acionistas; e os materiais, relativos ao conteúdo das opções de compra[12].

No direito brasileiro, há menção à modalidade na Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976), nos seguintes termos:

Art. 168 – (...)

§ 3º O estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle.

 

Segundo a Instrução CVM n.º 323, de 19 de janeiro de 2000, os planos de stock options devem determinar uma relação entre o resultado da companhia e a outorga da opção de compra, não devendo se tratar de mera liberalidade. Observe-se os termos da referida norma:

Art. 1.º - São modalidades de exercício abusivo do poder de controle de companhia aberta, sem prejuízo de outras previsões legais ou regulamentares, ou de outras condutas assim entendidas pela CVM:

(...)

XII – a instituição de plano de opção de compra de ações, para administradores ou empregados da companhia, inclusive com a utilização de ações adquiridas para manutenção em tesouraria, deixando a exclusivo critério dos participantes do plano o momento do exercício da opção e sua venda, sem o efetivo comprometimento com a obtenção de resultados, em detrimento da companhia e dos acionistas minoritários;

 

Deve, em qualquer hipótese, haver capital autorizado, com previsão expressa, nos estatutos da empresa, acerca da possibilidade de outorga das stock options, além de aprovação pela Assembleia Geral da Companhia[13].

Entre outros traços que singularizam esses planos, pode-se apontar a natureza de contrato preliminar, a produzir mera expectativa de direito para o beneficiário, a definição de um prazo de carência, o caráter pessoal e intransferível, a fixação de um prazo de validade, a onerosidade, a volatilidade, e o risco, não havendo, enfim, natureza habitual ou retributiva.

Além de questões jurídicas de índole civil ou mercantil, sobressaem da prática das stock options determinados problemas jurídicos decorrentes da pretensão de se lhes caracterizar como elementos de natureza salarial, componentes da remuneração do funcionário da empresa, com repercussão tanto em seus direitos trabalhistas, quanto nas obrigações tributárias do empregador.

A doutrina jurídica tem procurado tornar mais claros os contornos da questão, conforme se verifica no trecho a seguir, de Bueno e Mosquera[14]:

Os benefícios financeiros que venham a ser experimentados pelos beneficiários dos planos de ações em geral podem ou não apresentar natureza salarial, conforme as condições estabelecidas no respectivo plano.

Nesse sentido, algumas características dos planos podem demonstrar que os benefícios percebidos não têm natureza salarial como, por exemplo: (i) a desvinculação entre a concessão de ações ou opções e as condutas esperadas dos funcionários para o cumprimento de seus contratos de trabalho; (ii) a ausência de gratuidade na concessão e/ou na aquisição de ações e opções; (iii) a evidenciação de que há natureza mercantil na concessão de participação do funcionário nas ações da companhia e não mera premiação financeira; (iv) a assunção de riscos pelos funcionários beneficiários, os quais poderão não auferir benefícios financeiros, ao final, se não houver valorização da empresa; (v) a não possibilidade de que o benefício consistente na concessão de ações ou opções possa ser transferido a terceiros, ou seja, se não puder ser comercializado pelos beneficiários por certos períodos, limitando a liquidez dos direitos; e/ou (vi) a existência de condições para o gozo do benefício concedido.

 

Percebe-se, pois, que as stock options não compõem o liame laboral do empregado, dada sua natureza mercantil. Todavia, em algumas situações, em vista do caso concreto, podem ser assim consideradas.

 

3. Obrigações Trabalhistas:

Conforme mencionado, ter as stock options natureza mercantil, regida pelo direito empresarial, ou salarial, regida pelo direito do trabalho, é um ponto chave para sua compreensão jurídica no ordenamento brasileiro. Majoritariamente, a doutrina trabalhista e a jurisprudência especializada vêm reconhecendo inexistir caráter remuneratório nessas opções de compra.

Tem-se em causa questões como a integração do benefício ao salário ou seu caráter aleatório; a predominância do aspecto remuneratório ou do mercantil; e, ainda, o fato de a opção ser onerosa ou não onerosa, e de encerrar risco ou não. Sempre que constatada a natureza trabalhista dos planos, o que é raro, o benefício concedido pela empresa a seus empregados passa a integrar a base de cálculo de todos os direitos trabalhistas. 

Em geral, conforme acima afiançado, essas opções “não representam um complemento da remuneração, mas um meio de estimular o empregado a fazer coincidir seus interesses com o dos acionistas”[15]. Entre outros aspectos verificados pelo direito do trabalho para indigitar a inexistência de pertencimento das stock options à relação laboral estão a ausência de habitualidade, a facultatividade, a volatilidade, a onerosidade, a impossibilidade de sua caracterização como contraprestação da empresa pelo serviço prestado pelo beneficiário[16], além do risco.

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Observe-se que os poucos casos encontrados na jurisprudência de reconhecimento da natureza salarial das opções de compra levam em consideração, como fator preponderante, a ausência de risco. Leia-se o exemplo a seguir:

Salário (em geral) Configuração – A promessa de venda, pelo empregador, de ações da companhia a preço prefixado, para que o empregado opte por sua compra a qualquer tempo, auferindo lucro sem enfrentar qualquer risco implica em retribuição de natureza salarial, impondo-se a integração do resultado obtido pelo empregado na operação em todos os títulos contratuais pertinentes”[17].

 

Outro ponto é a inaplicabilidade de qualquer pretensão de parcelas trabalhistas a diretores estatutários, consoante precedentes do TST:

TST. RECURSO DE REVISTA - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL ABERTO - PROGRAMA DE STOCK OPTIONS - DIRETOR ESTATUTÁRIO ELEITO PELO CONSELHO ADMINISTRATIVO - CAUSAS DE PEDIR PRÓXIMA E REMOTA AFETAS AO DIREITO EMPRESARIAL . O reclamante, além de ter sido efetivamente eleito diretor estatutário pelo Conselho Administrativo, sempre exerceu a função de administrador da sociedade reclamada. Diretor não é mandatário da sociedade, mas um dos órgãos desta, agindo em nome e como órgão da companhia, pois a "presenta" e pratica os atos necessários para o seu funcionamento regular, como menciona a atual Lei das Sociedades por Acoes (Lei nº 6.404/76, art. 144). Trata-se de relação jurídica de natureza estatutária, e não contratual (mandatária). Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, o art. 114, I e IX, da Constituição da República passou a dispor que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho e, na forma da lei, outras controvérsias dela decorrentes. Tratando-se de relação jurídica de natureza estatutária que remete ao Direito Empresarial, fica obnubilada a relação de trabalho lato sensu que autorizaria a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da Carta Magna, notadamente diante do pedido e da causa de pedir veiculados na inicial . Embora essa relação jurídica eventualmente possa dar azo a questões concernentes à retribuição do autor pela energia empregada em favor da sociedade (relação de trabalho lato sensu ou atividade), v.g. a questão concernente ao recolhimento dos depósitos de FGTS devidos ao diretor não empregado, não foi esse o foco da presente reclamação trabalhista. Aqui, as pretensões deduzidas pressupunham discussão a respeito da alienação do controle acionário da reclamada e, em função desta, de eventual direito do reclamante à aquisição prioritária de ações (por meio do plano de investimento denominado "stock options"), matérias eminentemente afetas ao estatuto da sociedade empresária e às prerrogativas dele decorrentes para seus diretores. Assim, a causa petendi remota não é a atividade desenvolvida pelo reclamante, mas controvérsia decorrente da alienação da sociedade e os efeitos desta no plano de investimentos stock options, com o suposto prejuízo para o reclamante na aquisição privilegiada de ações da sociedade empresária. Seja a causa petendi remota (alienação da sociedade), seja a causa petendi próxima (vencimento antecipado do prazo para aquisição de ações em exercício das stock options) reportam-se a questões eminentemente afetas ao direito empresarial, razão pela qual a condição jurídica do reclamante em relação à sociedade reclamada não sobreleva para o deslinde da controvérsia, a evidenciar que não se trata aqui de lide concernente a relação de trabalho lato sensu, que justifique a competência desse ramo especial do Poder Judiciário. Recurso de revista não conhecido .

 

Repise-se, portanto, que a posição dos Tribunais é de reconhecimento da natureza mercantil das opções de compra, não havendo relação trabalhista[18]. Assim estão inúmeros precedentes de uma majoritária posição jurisprudencial:

 

 

TST - RR: 13285020105040010Data de Julgamento: 18/11/2015,  Data de Publicação: DEJT 04/12/2015) “STOCK OPTIONS – INCENTIVO AO EMPREGADO – CARÁTER NÃO SALARIAL. Tratando-se as denominadas stock options de incentivo ao empregado no desenvolvimento de seus misteres, condicionado, porém, a regras estabelecidas e não sendo gratuito, visto que sujeito a preço, embora com desconto, tem-se que não guardam tais opções de compra da empresa caráter salarial. Recurso Ordinário obreiro a que se nega provimento, no aspecto” (TRT 2ª Região – 42364200290202002-RO-Ac.20030636234 – 7ª T – Relª Juíza Anélia Li Chum – DOESP 5.12.2003)

 

TRT-1 - Recurso Ordinário RO 00005130820115010073 RJ (TRT-1). Data de publicação: 11/04/2014. Ementa: ACÓRDÃO EM RECURSO ORDINÁRIO STOCK OPTIONS - VALIDADE - NATUREZA MERCANTIL - NÃO SALARIAL. Embora as Stock Options - planos de opção de compra de ações ofertados pelas empresas aos seus empregados - estejam estritamente vinculadas ao contrato de trabalho, não se afiguram como benefício contraprestativo. A opção pela compra de ações conferida ao trabalhador implica em riscos naturais do mercado para o adquirente, uma vez que as ações adquiridas podem valorizar-se ou desvalorizar-se, de acordo com as oscilações financeiras, de que exsurge nítida a sua natureza mercantil. De tal modo, não há como lhes atribuir índole salarial. Precedentes do C. TST.

 

TRT-15. OPÇÃO DE COMPRA DE AÇÕES ("STOCK OPTION"). REMUNERAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Os lucros decorrentes de opções de compra de ações (stock options) não configuram remuneração, nos termos do artigo 457 ou do artigo 458, da Consolidação das Leis do Trabalho. Embora normalmente resultem em acréscimo patrimonial, não visam a remunerar o trabalho, mas a incentivar a obtenção de um melhor desempenho da companhia empregadora, o que as aproxima da participação nos lucros ou resultados. Por outro lado, a aquisição não é obrigatória e, sim, opcional, e as ações são transferidas a título oneroso, o que exclui a hipótese de constituir-se salário-utilidade. Além do mais, tais opções implicam risco para o empregado adquirente, uma vez que as ações adquiridas podem valorizar-se ou desvalorizar-se, circunstância que a distingue do salário "stricto sensu", cujo caráter "forfetário" é conhecido. TRT 15ª Reg. (Campinas/SP), RO 0387-2003-045-15-85-7, (Ac. 31971/07-PATE, 3ªC.), Rel. Juiz Ricardo Regis Laraia. DJSP 13.7.07, p.76)

 

TRT-15. “STOCK OPTIONS. NATUREZA JURÍDICA. Não se tratando de parcela destinada a contraprestação pelos serviços prestados,os Planos de Opção de Compra de Ações (Stock Option Plan) não ostentam natureza salarial, não integrando a remuneração do empregado nos termos definidos pelos artigos 457 e 458 da CLT.(TRT 15ª Região, RO 02125-2007-109-15-00-2, Ac 80161/08 PATR 1ªC, DOE 05.12.08, p.54, Luiz Antonio Lazarim)

 

TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 00896200900903004 0089600-84.2009.5.03.0009 (TRT-3). Data de publicação: 17/08/2010. Ementa: STOCK OPTIONS. NATUREZA NÃO SALARIAL. As stock options constituem um regime de compra ou de subscrição de ações e foram introduzidas na França em 1970, cujas novas regras encontram-se na Lei n. 420 , de 2001. Esse regime permite que os empregados comprem ações da empresa em um determinado período e por preço ajustado previamente. Se o valor da ação ultrapassa o preço, o beneficiário obtém o lucro e, em conseqüência, duas alternativas lhe são oferecidas: revender de imediato a mais valia ou guardar os seus títulos e se tornar um empregado acionista. As stock options não representam, portanto, um complemento da remuneração, mas um meio de estimular o empregado a fazer coincidir seus interesses com os dos acionistas, não detendo, portanto, natureza salarial.

 

TST. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. Compra de ações vinculada ao contrato de trabalho. Stock options. Natureza não salarial. Exame de matéria fática para compreensão das regras de aquisição. Limites da Súmula nº 126/TST. As stock options, regra geral, são parcelas econômicas vinculadas ao risco empresarial e aos lucros e resultados do empreendimento. Nesta medida, melhor se enquadram na categoria não remuneratória da participação em lucros e resultados (art. 7º, XI, da CF) do que no conceito, ainda que amplo, de salário ou remuneração. De par com isso, a circunstância de serem fortemente suportadas pelo próprio empregado, ainda que com preço diferenciado fornecido pela empresa, mais ainda afasta a novel figura da natureza salarial prevista na CLT e na Constituição. Agravo de instrumento desprovido. (TST; AIRR 85740- 33.2009.5.03.0023; Sexta Turma; Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado; DEJT 04/02/2011; Pág. 2143)

 

TST. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO DE REVISTA ARGUIDA EM CONTRA-RAZÕES. I. (...) STOCK OPTION PLANS. NATUREZA SALARIAL. Não se configura a natureza salarial da parcela quando a vantagem percebida está desvinculada da força de trabalho disponibilizada e se insere no poder deliberativo do empregado, não se visualizando as ofensas aos arts. 457 e 458 da CLT. (...). (TST; RR 3273/1998-064-02-00; Quarta Turma; Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen; Julg. 15/03/2006; DJU 31/03/2006)

 

4. Responsabilidade Tributária:

Conforme for sua previsão estatutária e regulamentar, bem como sua execução material em cada caso, as stock options podem implicar diferentes repercussões tributárias.

Diferentemente do direito do trabalho, no qual doutrina e tribunais solidificaram uma posição, no direito tributário ainda não há um expressivo conjunto jurisprudencial a abarcar a questão. Cumpre, entretanto, verificar as posições recentes encontradas em julgados no âmbito administrativo e judicial.

A lei fiscal não trata especificamente da incidência tributária sobre operações envolvendo stock options, embora, por exemplo, exista menção expressa à modalidade no art. 33 da Lei nº 12.973, de 2014. Não obstante, é na apuração do Imposto de Renda e na Contribuição Previdenciária que o tema aparece de forma mais contundente.

Repercute incisivamente no IRPF a caracterização ou não do caráter salarial das opções de compra. Como operação mercantil que é, recebe uma alíquota diferenciada, de 15% sobre o ganho de capital auferido com a venda das ações. Todavia, se constatado o caráter salarial das opções de compra, essa alíquota pode ser elevada até 27,5%.

Esse acréscimo resultará em responsabilização da empresa, obrigada por lei a reter na fonte e repassar o Imposto de Renda devido por seu pessoal[19]. Afinal, a falta de retenção ou recolhimento (inclusive se feito a menor), pela fonte pagadora (responsável tributária), fará com que sejam devidos pela mesma o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, observando-se o disposto no art. 722 do Decreto 3000, de 1999; na Lei nº 9.430, de 1996; na Lei nº 8.218, de 1991; e no Código Tributário Nacional. Além da quantia a recolher e repassar, o valor das multas, neste caso, pode chegar a 225% do valor eventualmente omitido e não recolhido.

Ressalte-se que, conforme o art. 723 do Decreto n.º 3000, “são solidariamente responsáveis com o sujeito passivo os acionistas controladores, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos decorrentes do não recolhimento do imposto descontado na fonte”. Além disso, os agentes responsáveis podem, a depender da situação, ser responsabilizados criminalmente, nos termos da Lei nº 8137, de 1990, e da Lei n.º 9.430, de 1996.

Na esfera administrativa, no julgamento pelo CARF do caso BM&F Bovespa, no qual a Receita Federal cobrava R$87 milhões relativos a diferenças de Imposto de Renda devido a stock options, reafirmou-se a incidência tributária nas situações em que as opções têm caráter remuneratório. Naquela oportunidade, o relator, Cons. Márcio Henrique Sales Parada, embora tenha votado pela anulação das autuações devido a vício material, reafirmou a posição daquela Corte administrativa, esclarecendo que os planos de stock option servem para dar um ganho adicional ao empregado, razão pela qual seria devido o imposto. Caberia, naquele caso, a cobrança de multa de 75% sobre o valor do imposto[20].

É, de fato, na jurisprudência administrativa que encontramos mais casos a serem analisados. Apesar de avaliar a relação laboral e o suposto aspecto salarial das opções de compra, observando parâmetros análogos aos já referidos acima, a Corte tributária tem chegado, no mais das vezes, a posições divergentes da Justiça do Trabalho.

No caso da Contribuição Previdenciária, com reflexo direito na parcela patronal e possibilidade de multas, a posição do CARF tem sido de avaliar cada plano de stock option em suas nuanças, a fim de verificar a incidência ou não da contribuição previdenciária. Observe-se o julgado a seguir, no qual a ausência de risco determinou a imposição do tributo:

De fato, sendo, via de regra, a opção de compra de ações facultativa e onerosa ao beneficiário, que, inclusive, poderá experimentar prejuízos na operação, caso o preço de venda seja inferior ao preço pago pelas ações adquiridas, não é possível caracterizar a opção de compra de ações como remuneração, já que esta decorre diretamente da prestação de serviços, não estando sujeita a risco, muito menos à opção do trabalhador – prestado o serviço, a remuneração deve ser paga pelo contratante.

É certo, contudo, que não estando presentes as características essenciais do contrato mercantil de opção de compra de ações, poderá a fiscalização provar que se trata de forma de remuneração indireta, sobre a qual incidiria a contribuição previdenciária patronal. (CARF. Recurso Voluntário nº 2401-003.045. Rel: Cons. Carolina Wanderley Landim. 18 de junho de 2013).

 

Consoante tal distinção, encontramos diferentes posições na jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Entre os processos com reconhecimento da obrigação tributária estão os casos GAFISA, ALL, Anhanguera Educacional e Cosan[21]. No sentido inverso, estão os casos BRF, Itaú, Unibanco e BMF[22], embora nem todos sob o mesmo fundamento.

No caso BRF, por exemplo, foi essencial existir a definição de um valor das ações objeto da opção de compra próximo do valor de mercado, a estabelecer o risco. Em sentido diverso, veja-se a decisão seguinte:

“PLANOS DE OPÇÕES DE COMPRA DE AÇÕES (STOCK OPTIONS). CARÁTER REMUNERATÓRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES.

Incidem contribuições previdenciárias sobre os ganhos que os segurados obtêm pelo exercício do direito de compra de ações quando se caracteriza a inexistência de risco para o beneficiário.

No caso sob apreço, inexistia qualquer desembolso quando do fechamento dos contratos de opção entre a empresa e seus diretores/empregados e estes poderiam ao final do período de carência receber a diferença entre o valor de mercado das ações exercidas e o seu preço de exercício, estando isentos de qualquer risco de perda.

A ocorrência do fato gerador para a verba em questão se dá quando da transferência das ações ao patrimônio dos beneficiários, que se concretiza no momento do exercício do direito de compra. Recurso Voluntário Negado.” (CARF. Acórdão nº 2402-005.010, julgado em 17/02/2016)

 

O risco, e o fato de ser a adesão ao plano facultativa e onerosa, formam o pano de fundo de decisões que evidenciam a impossibilidade da tributação, como a expendida pela 3ª Turma Especial, da 2ª Seção de Julgamento, do CARF, ao dar provimento a recurso do contribuinte, cancelando o crédito tributário lançado, muito embora por maioria de votos[23].

Entre outros aspectos dos julgados, cabe realçar a questão do risco, que tem servido para a jurisdição tributária definir a natureza das opções de compra. De um lado, exige-se o efetivo desembolso pelos participantes no momento da outorga. De outro, verifica-se a possibilidade de os beneficiários receberem o equivalente à diferença entre o valor de mercado e o preço de exercício, sem que tenha havido, realmente, a transferência das ações por parte da empresa, o que descaracterizaria o negócio.

Ainda a respeito da incidência tributária, o CARF tem se definido acerca de base imponível e fato gerador, estabelecendo que o lançamento correto deve considerar como o momento da ocorrência do fato gerador o exercício das opções por parte dos participantes do plano[24].

Segundo voto do relator, na tributação dos planos de stock option deve-­se observar que o fato gerador ocorre no momento da opção de compra pelo beneficiário. Assim, é necessário o efetivo exercício da opção pelo beneficiário.

A base de cálculo do tributo deve ser, então, a diferença entre o valor pago para a aquisição das ações e o valor de mercado das ações adquiridas. Conforme o precedente citado, não se pode considerar outra base de cálculo ou desconsiderar se o funcionário exerceu ou não a opção de compra. Observe-se o acórdão:

PLANOS DE STOCK OPTIONS. MOMENTO DO FATO GERADOR. Caso os ganhos com os planos de ‘stock options’ sejam tomados como remuneração, consideram-se ocorridos os fatos geradores na data em que o beneficiário possa dispor das ações sem restrição. (CARF. Acórdão nº 2402-005.011, julgado em 17/02/2016).

 

No campo judiciário, os precedentes da Justiça Federal, embora raros, têm trilhado direção similar aos da Justiça do Trabalho. Decisão recente proferida pelo TRF3 manteve sentença favorável ao contribuinte, consignando que a compra de ações da empresa pelo empregado cria uma relação jurídica contratual e, portanto, a remuneração não decorre da força de trabalho do empregado, não incidindo a referida contribuição previdenciária[25]. Note-se os termos da decisão:

“Portanto, o valor final obtido não decorre da remuneração em recompensa à força de trabalho do empregado, mas sim de um contrato mercantil. Assim, não é possível considerar como remuneração decorrente do trabalho e, consequentemente, não se submete à incidência da contribuição previdenciária”

 

Noutro caso, a empresa Skanska não foi autuada pela Receita Federal, mas entrou preventivamente na Justiça para que pudesse usar as stock options com segurança. A firma conseguira tutela antecipada em 2013, agora mantida pelo TRF, além de sentença favorável, da qual a União recorreu no TRF. Observe-se trecho da decisão[26]:

Em que pese a opção da compra de ações somente ser possível em decorrência da relação de emprego existente entre a agravada e seus empregados (fl. 57), o que sugere tratar-se de retribuição pelo trabalho, verifica-se que o valor final obtido, como bem ressalta a decisão agravada decorre de um contrato mercantil sujeito aos riscos do mercado de ações. Essa porção de ganho, em que pese consituir (sic) acréscimo patrimonial, não decorre, portanto, da remuneração pelo uso da força de trabalho do empregado.

 

Apesar desses precedentes, não se pode, ainda, aludir a uma jurisprudência firme relativamente à matéria.

 

5. Conclusão:

Verifica-se, pois, que os planos de stock options não possuem, em princípio, natureza trabalhista, sendo descabidos tanto sua incorporação aos salários dos beneficiários para fins de direitos, especialmente quando da rescisão contratual, quanto o recolhimento de Imposto de Renda e Contribuição Previdenciária por esse motivo.

Deve haver pelo menos três requisitos para descaracterizar o que seria tomado como estrita remuneração. São eles a facultatividade, mediante a qual o empregado não seja obrigado a adquirir as ações; a onerosidade, segundo a qual o empregado deve pagar, efetivamente, pelas ações; e o risco, observando que as ações podem sofrer uma desvalorização e que as opções de compra são condicionadas a resultados da firma.

Em que pese as constatações a que se pode chegar na análise das Stock Options, verifica-se, em face das lacunas normativas citadas, haver amplo espaço para que a legislação ordinária trate do assunto, inclusive especificando sua repercussão nos âmbitos trabalhista e tributário.

 

 

 

 

Sobre o autor
Wladimir Rodrigues Dias

O autor é professor universitário e advogado. É consultor da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais e Professor da Escola do Legislativo, onde coordena os cursos de pós-graduação. Foi Juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (2014-2016). Foi professor da PUC-MG e do UNIBH. É Doutor em Direito Público pela PUC/MG, com estágio doutoral na Universidade de Coimbra; Doutorando em Sociologia pela Universidade de Coimbra; Mestre em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro; Pós-Doutorando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e pela Universidade de Messina; É sócio-diretor e advogado do escritório Rodrigues Dias e Riani Advocacia e Consultoria Jurídica; Foi Ouvidor Eleitoral da OAB/MG; É diretor do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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