O abuso de poder e seus aspectos preventivos

Limites e responsabilidades destinadas aos cargos de liderança nas empresas

Leia nesta página:

Analisar a questão do assédio moral no âmbito laboral, decorrente de situações de abuso de poder por parte das empresas e suas lideranças e as suas possíveis consequências no âmbito jurídico.

O abuso de poder e seus aspectos preventivos: limites e responsabilidades destinadas aos cargos de liderança nas empresas

 

 

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, inciso X, assegura o direito de reparação em caso de violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas nos mais variados tipos de relações existentes na sociedade. No âmbito jurídico trabalhista, a figura do assédio moral caracteriza-se como verdadeiro abuso de poder dentro da relação estabelecida entre as partes, sejam, por exemplo, por meio de humilhações, ameaças ou outras intimidações praticadas pela empregadora e/ou seus prepostos em face do empregado, aptas a desestabilizar e afetar o psicológico e a dignidade do trabalhador. Partindo deste pressuposto e com objetivo de diminuir a ocorrência das mencionadas situações, é vital o estabelecimento de políticas internas rígidas e efetivas pelos empregadores, voltadas para promoção de ambientes de trabalho saudáveis. Desse modo, todos os evolvidos terão consciência dos limites de sua atuação, direitos e deveres e, consequentemente, a intervenção do Ministério Público do Trabalho, guardião e fiscal da lei, ou até mesmo a sujeição da situação ao Poder Judiciário, não mais será necessária.

Palavras-chave: Trabalho. Assédio Moral. Dignidade da Pessoa Humana. Empregador. Politica interna preventiva.

 

Abuse of power and its preventive aspects: limits and responsibilities for leadership position in companies

 

The Brazilian Federal Constitution of 1988, in its article 5, item X, guarantees the right of reparation in case of violation of intimacy, private life, honor and image of people in the most varied types of relationships existing. In the labor legal sphere, the figure of moral harassment is characterized as a true abuse of power within the relationship established between the parties, whether, for example, through humiliations, threats or other intimidation practiced by the employer and / or its agents, able to destabilize and affect the psychological dignity of worker. Based on these precepts, in order to purge the occurrence of these situations, it is vital to establish strict and effective policies by the employers' human resources sectors, aimed at promoting working environments in dignified conditions, through which all those involved are aware of the rights and duties, since in cases of eventual conflicts not resolved, consequently, the intervention of the Public Ministry of Labor, guardian and supervisor of the law, or even the subjection of the situation to the Judiciary would be appropriate.

Keyword: Work. Bullying. Dignity of human person. Employer. Preventive policy.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Pretende-se, por meio do presente artigo, analisar a questão do assédio moral no âmbito laboral, decorrente de situações de abuso de poder por parte das empresas e suas lideranças e as suas possíveis consequências no âmbito jurídico, ponderando ainda quanto à necessidade de uma postura ativa dos empregadores, a fim de evitar, por meio de politicas rígidas e efetivas, a ocorrência destas situações, aptas a gerar relevantes passivos trabalhistas e afetar seus negócios e imagem.

Assim sendo, considerando as nefastas consequências do assédio moral no âmbito trabalhista, propõe-se apresentar medidas que podem/devem ser adotadas pelo empregador para mitigação deste tipo de ocorrência no âmbito laboral.

Neste sentido, para tanto, pretende-se avaliar as normas já existentes no tocante ao assunto no ordenamento jurídico pátrio, os aspectos e impactos destas condutas para empregadores e empregados, apresentando, inclusive, por meio de estudos jurisprudenciais, alguns dos exemplos reais desta situação e os impactos desta conduta.

No intuito de alcançar a finalidade proposta, far-se-á, primeiramente, uma reflexão quanto às questões relacionadas aos poderes e limites do empregador na relação trabalhista.  Diante disso, um primeiro momento, será destinado ao estudo dos poderes empregatícios, em cada uma das suas dimensões (diretiva, regulamentar, fiscalizatória e disciplinar), bem como a compreensão quanto aos seus fundamentos e limites dentro do âmbito laboral.

Em seguida, fixados os mencionados conceitos, em um segundo momento, será feita uma analise do assédio moral propriamente dito, entendido como verdadeira forma de abuso de poder dentro da relação estabelecida entre empregador e empregado, sejam, por exemplo, por meio de humilhações, ameaças ou outras intimidações praticadas pela empregadora e/ou seus prepostos em face do empregado, aptas a desestabilizar e afetar o psicológico e a dignidade do trabalhador.

Ainda, com base nestas questões, será avaliada à questão da responsabilidade da empregadora frente às situações de assédio moral acontecidas no âmbito laboral, ainda que praticadas por terceiros.

E é com base nisto que, por fim, no último capitulo, pretende-se avaliar a importância das empresas fortalecerem suas politicas e seus setores de recursos humanos, no sentido de criar mecanismos eficientes a inadmitir o assédio moral dentro dos seus contratos de trabalho. As empresas devem buscar, cada dia mais, por meio de atos concretos, a promoção de ambientes de trabalhos saudáveis, evitando a ocorrência de passivos, e, sobretudo, até mesmo possíveis severos danos a sua imagem, eventualmente, vinculadas a estas práticas tão retrógradas e mal vistas em nossa sociedade contemporânea.

De tal modo, busca-se com presente artigo demonstrar a importância da adoção de medidas preventivas pelas empresas, visando assegurar e promover um bom ambiente de trabalho, combatendo a figura do assédio moral dentro do ambiente laboral, pois, mais do que tratar de um aspecto econômico com a mitigação de passivos trabalhistas, consiste também, em sua essência, em efetivar materialmente a aplicabilidade dos direitos sociais e individuais, inerentes a qualquer pessoa humana, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

2 PODERES DO EMPREGADOR E SEUS LIMITES

 

A princípio, para melhor estudo das questões relacionadas ao abuso de poder no âmbito laboral, necessário se faz, em um primeiro momento, a correta análise dos “poderes do empregador”, de forma que, então, seja possível avaliar os limites da atuação desta parte na relação trabalhista e, por consequência, compreender e ser capaz de detectar eventuais situações de abusos dentro destas relações.

Nessa toada, na esfera trabalhista, é certo que a boa doutrina mostra que os poderes do empregador podem ser entendidos como aqueles direitos garantidos a ele pelo ordenamento jurídico, geralmente relacionadas à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento do seu negócio e, por consequente, assim, abrangendo a própria prestação de serviços do trabalhador (DELGADO, 2011, p. 617).

Seguindo esta linha, Delgado (2011, p. 618) ensina que os poderes empregatícios podem ser observados dentro da relação laboral, basicamente, sob quatro aspectos distintos, por ele denominado de “dimensões”, quais sejam: “poder diretivo”, “poder regulamentar”, “poder fiscalizatório” e “poder disciplinar”.  

Aqui, para melhor compreensão do assunto, é oportuna a transcrição do ensinamento do referido Professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a respeito desta classificação doutrinaria dos aludidos poderes:

 

O poder empregatício divide-se em poder diretivo (também chamado de organizativo), poder regulamentar, poder fiscalizatório (este também chamado de controle) e poder disciplinar (...) as duas dimensões do poder intraempresarial que têm alcançado certa amplitude, consistência e identidade próprias, a ponto de justificarem, pacificamente, sua designação como modalidades específicas do poder empregatício, são os poderes diretivo e disciplinar. No tocante aos poderes regulamentar e fiscalizatório tem-se questionado sua real identificação como modalidades especificas do poder empregatício, preferindo-se enxergá-los como manifestação conexas ou extensivas do próprio poder de direção (DELGADO, 2011, p. 617-618).

 

Diante disso, ainda segundo Delgado (2011, p. 618), pode-se compreender que o “poder diretivo” do empregador estaria ligado àquelas prerrogativas relacionadas à direção do negócio empresarial propriamente, ou seja, mais voltados para organização da estruturação interna, abarcando, por exemplo, processos e procedimentos de trabalho (como executar especificamente tal atividade) e/ou quaisquer outras diretrizes ou especificações cotidianas relacionadas à prestação de serviços diários.

Já o poder regulamentar “seria o conjunto de Prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do estabelecimento e da empresa” (DELGADO, 2011. p. 618).

Lado outro, o Poder Fiscalizatório consistiria naquelas prerrogativas do empregador relacionadas ao acompanhamento e/ou monitoramento das questões atinentes ao pacto laboral firmando entre as partes e o negócio empresarial em si, como, por exemplo, o controle de jornada, exigência de prestação de contas, revistas internas, controle de acesso ao estabelecimento, entre outros (DELGADO, 2011, p. 620).

No que toca ao poder disciplinar, Delgado (2011, p. 622) ensina, ainda, que este consistiria no “conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais”.

Assim, abordados estes pontos, por meio dos quais se avalia a classificação doutrinária dos poderes empregatícios, é certo que, em suma e de um modo geral, todos estes poderes do empregador podem ser definidos essencialmente como as “prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego” (DELGADO, 2011, p. 616).

Por isso é que, após esta breve explanação quanto aos conceitos relacionados à questão dos poderes empregatícios (inclusive, sua eventual classificação doutrinária) e antes mesmo de adentrar-se efetivamente nos aspectos do assédio moral no âmbito laboral, decorrente do abuso de poder, passa-se, primeiro, pela análise dos limites destes poderes do empregador. Isto porque não há como penalizar o empregador, por exemplo, por aqueles atos “praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”, como expressamente definido no art. 188 do Código Civil de 2002.

Neste rumo, há que se constatar que o assédio moral ocorre às margens dos limites legais do poder diretivo do empregador, quando o empregado, em decorrência da extrapolação e/ou abuso dos poderes conferidos ao empregador e/ou de seus prepostos, passa a sofrer durante o pacto contratual trabalhista situações constrangedoras e humilhantes, que, ao seu termo, ferem a sua dignidade e os direitos de sua personalidade.

Neste sentido, ainda que a concentração dos poderes assinalados acima (“diretivo”, “regulamentar”, “fiscalizatório” e “disciplinar”) esteja vinculada à figura do empregador, igualmente, é possível compreender que estes poderes não são absolutos. Obviamente tais institutos encontram balizas delimitadoras dentro do próprio ordenamento jurídico, de modo a constatar, por exemplo, que até mesmo as próprias normas que conferem poderes ao empregador, ao seu termo, também são aptas a impor limites para o exercício destes poderes dentro da relação trabalhista. A este respeito é o ensinamento do autor Maurício Godinho Delgado:

 

De fato não há no Direito do Trabalho do país regra ou conjunto de regras que explicitamente instituam e regulamentem o fenômeno do poder no estabelecimento ou na empresa. Essa existência, como visto, deriva da estrutura dinâmica do próprio contrato de trabalho e conjunto de prerrogativas a ele inerentes e distribuídas entre as partes contratuais. A legislação atual brasileira, por tanto, por vias indiretas ou implícitas é que tende a tratar do poder empregatício, estabelecendo ou limitando prerrogativas no contexto intraempresarial. Entre essas normas que, indiretamente, reportam-se ao poder empregatício destaca-se na CLT, o preceito contido no caput do art. 2º celetista, que menciona a prerrogativa deferida ao empregador no tocante à direção da prestação de serviços. Destacam-se, também, na mesma linha, certos preceitos celetista que reconhecem, em alguma proporção, o chamado jus variandi do empregador no contexto do contrato de trabalho (ilustrativamente, o art. 469, CLT, que trata da transferência de local de trabalho; o parágrafo único do art. 468, CLT, que trata da prerrogativa de reversão ao cargo efetivo do empregado ocupante de cargo de confiança). Há que se destacar, ainda, o art. 474 da CLT, que reconhece e fixa limites temporais à suspensão disciplinar no âmbito empregatício (DELGADO, 2011, p. 632).

 

Assim, ainda que a legislação trabalhista confira estes poderes ao empregador, em alguma proporção, ao seu tempo, trata também de coibir possíveis condutas tendencialmente excessivas e passiveis de gerar danos aos trabalhadores. É o que acontece, por exemplo, quando a lei prevê taxativamente as hipóteses em que o empregador pode realizar a demissão por justa causa, com nítido intuito de evitar o uso deste instituto de forma incompatível com sua finalidade.

Nessa toada, pode-se concluir que os limites do poder empregatício, ainda que de forma indireta ou implícita, encontram suas balizas senão nas próprias leis que o conferiram ao empregador, nas próprias bases fixadas pelo Poder Constituinte. Desse modo, devem sempre se referenciar acima de tudo aos princípios gerais da Constituição Federal de 1988, tais como, por exemplo, o da Dignidade da Pessoa Humana, proporcionalidade e razoabilidade (DELGADO, 2011, p. 621).

A este respeito, acrescenta-se, ainda, o ensinamento de Rúbia Zanotelli de Alvarenga, citada por Teixeira, a qual, muito bem explica serem também os direitos da personalidade humana verdadeira baliza protetiva dos trabalhadores frente aos possíveis abusos do empregador no âmbito da relação trabalhista:

 

A subordinação jurídica do empregado não o sujeita ao poder diretivo ilimitado do empregador, na verdade, este poder encontra limites nos direitos da personalidade que compõem as liberdades públicas salvaguardadas pela Constituição Federal de 1988, que veda ao empregador: discriminar o trabalhador (incs. I e VIII); obrigá-lo a fazer ou a não fazer algo expressamente previsto em lei (inc. II), submetê-lo a  tortura e a tratamento desumano ou degradante (inc. III); impedir a manifestação do seu pensamento (inc. IV); violar sua liberdade de consciência e crença (inc. VI); além de sua intimidade, imagem, honra e vida privada (inc. X), entre outras liberdades públicas. (ALVARENGA apud TEIXEIRA, 2020)

 

A propósito, tanto é assim, que a própria Constituição Cidadã de 1988, ao tutelar os direitos da personalidade, é expressiva ao reconhecer a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando ainda direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (inciso X, do art. 5º da CRFB).

Assim, é certo que compete ao empregador, na condição de responsável pela direção da prestação de serviços, buscar sempre o exercício de seus poderes empregatícios de modo compatível com a ordem constitucional. Lado outro, quando isso não ocorrer, assiste ao empregado o instrumento resistência, o qual lhe possibilita diante da extrapolação destes poderes, o direito a justa recusa ao seu patrão, bem como até mesmo eventual direito a reparação em caso de comprovados danos decorrentes desta conduta, nos termos do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal Brasileira de 1988.

Feitas estas ponderações, importantes para compreensão e regular desenvolvimento deste artigo, passa-se adiante a avaliar o assédio moral no âmbito laboral e a responsabilidade do empregador frente às estas situações, ainda que praticadas por terceiros.

 

3 O ASSÉDIO MORAL E A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR E SEUS REPRESENTANTES

 

Compreendidos os pontos acima, a respeito dos poderes do empregador e seus limites, chega-se, agora, ao estudo do assédio moral e a responsabilidade do empregador diante da sua ocorrência. O assédio moral pode ser compreendido como um padrão reiterado de conduta (ou condutas), ocorrido no ambiente de trabalho ou em decorrência deste, apto a desestabilizar e afetar o psicológico e a dignidade do trabalhador (HIRIGOYEN, 2001, p. 65).

Em outras palavras, o assédio moral consiste em todo e qualquer comportamento abusivo no ambiente de trabalho, ocorrido de forma reiterada, que extrapolam os limites do poder empregatício, manifestado por meio de palavras, ações, gestos, omissões, etc. que podem prejudicar a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou mental do trabalhador, colocando em risco seu emprego ou ferindo à sua honra (HIRIGOYEN, 2001, p. 65).

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A este respeito, acrescenta-se o seguinte ensinamento:

 

O assédio moral caracteriza-se pela submissão do trabalhador a constantes humilhações e constrangimentos. Se expressa, contudo, em atitudes violentas e sem ética que provocam repercussões negativas na identidade da pessoa assediada, maculando sua noção de dignidade e infringindo seus direitos fundamentais (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 252).

 

Desta feita, há que se constatar que o assédio moral ocorre às margens ou para além dos limites legais do poder diretivo do empregador, quando o empregado, em decorrência disso, passa a sofrer durante o pacto contratual trabalhista situações constrangedoras e humilhantes, que, ao seu termo, ferem a sua dignidade e os direitos de sua personalidade.

Dentro da relação de trabalho, observa-se que o assédio moral pode vir a se manifestar de variadas formas, como, por exemplo, por meio de táticas comerciais cruéis destinadas a reduzir o quadro de empregados e aumentar lucro, modelo de gestão agressivo, desvio de caráter, perseguições dentro do ambiente de trabalho ao empregado, esvaziamento das atividades do trabalhador, isolamento, revistas e apelidos vexatórias ao operário, exposição de aspectos pessoais em público sem consentimento do trabalhador, cobranças infundadas, uso da imagem sem prévia autorização, fofocas, dentre tantas outras situações correlatas (XAVIER, 2019, p. 44).

Quando o assédio moral parte de empregados em posições hierarquicamente superiores para com seus subordinados, a doutrina passou a denominar este ato abusivo como assédio moral vertical. Há também o denominado “mobbing combinado” (quando o superior hierárquico se une com os colegas para perseguir e/ou excluir determinado empregado), e o “mobbing ascendente”, quando, ao contrário, o próprio empregado em cargo de liderança começa a sofrer retaliações, visando boicotá-lo perante o empregador, seja para provocar o seu desligamento, seja para ocupar sua posição hierárquica (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 252-253).

De toda forma, independente de como o assédio moral se manifesta dentro da relação trabalhista, é certo que os efeitos deste tipo de violência podem ser devastadores à saúde física e psíquica do empregado, de modo a desencadear transtornos que passam a ter relação direta com o trabalho, tais como a ansiedade, depressão, insônia, crises de pânico, dores de cabeça, distúrbios digestivo, entre outros (BARROS, 2013, p. 342).

A este respeito, acrescenta-se, ainda, o ensinamento de Márcia Novaes Guedes, citada por Renato da Costa Lino de Goes Barros, a qual, muito bem explica as possíveis repercussões do assédio moral na saúde dos trabalhadores:

 

Os efeitos para o organismo não se limitam ao aspecto psíquico, mas adentram no aspecto físico, fazendo com que todo o organismo se ressinta das agressões. Os distúrbios podem atingir o aparelho digestivo ocasionando bulimia, problemas gástricos diversos e úlcera. Sobre o aparelho respiratório a queixa mais freqüente é a falta de ar. Sobre as articulações podem ocorrer dores musculares, sensação de fraqueza nas pernas, sudoração, tremores, como também dores nas costas e problemas na coluna. Sobre o cérebro verificam-se ânsias, ataques de pânico, depressão, dificuldade de concentração, insônia, perda de memória e vertigens. Sobre o coração os problemas podem evoluir de simples palpitações e taquicardias para o infarto do miocárdio. E o enfraquecimento do sistema imunológico reduz as defesas e abre as portas para diversos tipos de infecções e viroses (Guedes apud Barros, 2020, p. 5237).

 

Neste contexto, de possíveis e avassaladores efeitos danosos à saúde do trabalhador em decorrência do assédio moral, é importante salientar que, diante da omissão da legislação civil, trabalhista e penal expressamente quanto ao tema (assédio moral), tem-se que o embasamento jurídico repressivo a estes comportamentos inadequados (tendentes a agredir os direitos da personalidade humana no âmbito laboral) encontra suas fontes normativas por meio da leitura sistêmica do ordenamento legal pátrio.

Neste rumo, é o oportuno o seguinte ensinamento:

 

Ainda que se trate de conduta ilícita, o assédio moral, não encontra regulamentação própria no Direito Penal, Civil ou do Trabalho, mesmo assim, gera conseqüência trabalhista, civil, até mesmo penal, pois, mesmo que não haja tipo penal específico, para essa figura lesiva e antijurídica, poderá a conduta do sujeito ativo denegrir bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico penal. Sendo que mesmo não prevista tal conduta como tipo penal específico, pode ela ser introduzida como a prevista para os crimes contra a honra, segundo o Código Penal brasileiro no Capítulo V, em seus artigos 139 (Difamação) e 140 (Injúria); ou no crime de periclitação da vida e da saúde, no Capítulo III, em seu artigo 136 (maus-tratos); ou, ainda, nos crimes contra liberdade individual, no Capítulo VI, em seu artigo 146 (Constrangimento ilegal), ensejando contra o sujeito ativo do assédio moral uma sanção restritiva à liberdade, independente da responsabilidade civil, sendo esta de natureza pecuniária (SENA, 2014, p. 3).

 

Diante disso, tal como já visto, a ausência de regulamentação própria a respeito do assédio moral nas esferas do direito brasileiro não inibe a sua reprovação jurídica e responsabilidade do empregador. É o que se compreende quando, por exemplo, a própria Constituição Federal ao tutelar os direitos da personalidade em suas dimensões física, intelectual e moral (art. 5º, X, da CRFB/88), veda a prática de qualquer conduta tendente a desconstruir os direitos da personalidade humana. No mesmo sentido, a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ao prever, por meio do seu art. 223-C, que a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física, demonstra implicitamente incompatibilidade com a tolerância ao assédio moral.

A propósito, ao ensejo, não se pode esquecer também da lei civil brasileira, a qual não se eximindo do direcionamento apresentado pela CRFB/88, destinou capítulo próprio para os direitos da personalidade no Código Civil de 2002 (CC/2002), sendo muita assertiva ao proteger a personalidade de possíveis danos, definindo expressamente estes direitos como intransmissíveis e irrenunciáveis, disponibilizando, inclusive, mecanismos preventivos para fazer cessar até mesmo possíveis ameaças ao livre exercício destes direitos.

É o que se compreende por meio da leitura dos seguintes dispositivos da lei civil, perfeitamente compatíveis com o Direito do Trabalho brasileiro:

 

 

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. [...]

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial (BRASIL, 2002).

 

 

Por tanto, outra não pode ser a interpretação do ordenamento jurídico brasileiro senão aquela de que o assédio moral é inadmissível, competindo ainda ao empregador, na condição responsável pela direção da prestação de serviços, ser o garantidor de todos os meios necessários para que a prestação de serviços contratada ocorra em respeito às diretrizes constitucionais e infraconstitucionais acima destacadas. Incumbe-lhe resguardar os direitos da personalidade de seus trabalhadores contra qualquer dano em razão do serviço contratado, sob pena de ser responsabilizado civilmente, caso assim não observe.

Tanto é assim que – mais uma vez recorrendo ao CC/2002 – constata-se que a norma brasileira define expressamente a incidência da responsabilidade civil do empregador pelos atos praticados por seus trabalhadores, procuradores ou representantes, seja no exercício efetivo da atividade confiada ou mesmo em razão do serviço prestado, independentemente de culpa deste no infortúnio. Veja-se:

 

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil (...)

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (...)

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos (BRASIL, 2002).

 

 

Neste rumo, é mais que oportuno o ensinamento de Xavier (2019, p. 64) quanto à responsabilidade objetiva do empregador frente ao assédio moral, ou seja, responsabilidade independente de culpa no âmbito laboral:

 

O assédio moral dá ensejo à responsabilização do empregador e do agente pelos danos sofridos pelas vítimas, sendo a responsabilidade subjetiva do agente e objetiva do empregador, adentrando nas esferas civil e trabalhista. Verifica-se, portanto, a importância de regras claras de natureza educativa, preventiva e inclusive punitiva quanto a atitudes discriminatórias, quanto à pressão excessiva por resultados, a exposição de funcionários a situações humilhantes e constrangedoras, brincadeiras, apelidos e outros comportamentos depreciativos que podem caracterizar o assédio (XAVIER, 2019, p. 64).

 

Assim, por tudo, denota-se, que, não obstante a possibilidade de responsabilidade subjetiva do agente frente à situação de assédio moral, o empregador responde objetivamente pelos danos causados à vítima. 

Diante disso, com base no que foi até aqui avaliado, é possível, constatar ser merecedora de bastante atenção pelos empregadores a questão preventiva do assédio moral, já que estas situações são aptas a causar danos aos seus trabalhadores e, portanto, passível de necessária reparação, a teor do inciso X do art. 5º da CRFB/88. É que, da compreensão sistêmica do ordenamento jurídico, outra não pode ser a conclusão de que todos indistintamente devem ter seus direitos fundamentais preservados, sendo vedadas, portanto, quaisquer formas de ofensas aos direitos da personalidade dos trabalhadores.

Ademais, em virtude da responsabilidade objetiva do empregador frente as situações de assédio moral, observa-se a importância do zelo do empregador com relação a nomeação de terceiros (sejam empregados ou não) para agir em seu nome. O mesmo zelo deve ser observado quanto ao próprio ambiente de trabalho oferecido aos seus trabalhadores, já que ao assim defini-los em decorrência do poder diretivo, são os próprios empregadores que passam a suportar o ônus por eventuais abusos e danos causados aos trabalhadores pelos excessos ou omissões destas escolhas, em decorrência dos institutos da culpa in elegendo e/ou mesmo da culpa in vigilando, ou seja, o empregador responde por não ser capaz de fiscalizar e apurar os eventuais excessos ou omissões ocorridas no âmbito laboral ou mesmo pela escolha inadequada de seus representantes.

E é diante dessas ponderações que se passa logo à frente a avaliar a questão da importância das empresas fortaleceram suas politicas e seus setores de recursos humanos, no sentido de criar mecanismos eficientes a inadmitir o assédio moral dentro dos seus contratos de trabalho, buscando, cada dia mais, por meio de atos concretos, a promoção de ambientes de trabalhos saudáveis, evitando a atuação do Ministério Público do Trabalho ou mesmo do Poder Judiciário, e, sobretudo, até mesmo possíveis severos danos a sua imagem, eventualmente, vinculadas a estas práticas tão retrógradas e mal vistas em nossa sociedade contemporânea.

 

4 A PREVENÇÃO E A IMPORTÂNCIA DOS CARGOS DE LIDERANÇA NAS EMPRESAS NO COMBATE AO ASSÉDIO MORAL

 

Avaliados os pontos acima, por meio do qual se compreendeu um pouco mais a respeito do assédio moral, suas possíveis consequências à saúde do trabalhador e a reponsabilidade objetiva do empregador frente a estas situações, mostra-se de suma importância para os empregadores a adoção de medidas preventivas eficientes e suficientes para coibir a ocorrência do assédio moral dentro da relação trabalhista estabelecida, de modo a mitigar os passivos gerados pela ocorrência desta situação e cessar todo e qualquer mal-estar surgido destas condutas.

Tal encargo, a princípio, se mostra bastante desafiador, mormente porque a identificação dessas situações muitas vezes pode passar despercebida dentro da rotina empresarial. As próprias circunstâncias do assédio moral podem acontecer de forma velada, sendo, inclusive, alvo de ajuste de tolerância e omissão entre os próprios trabalhadores, estejam eles na condição de vitimas, assediadores e/ou mesmo testemunhas (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 255).

Contudo, apesar disso, não devem os empregadores deixar de adotar quantas forem às medidas necessárias para banir das suas relações a ocorrência desta situação, suficientes para lhes causarem objetivamente o dever legal de reparar todos os eventuais danos causados em virtude destas ocorrências e também vir, até mesmo, a comprometer a sua reputação na qualidade de empresas/empregadores.

Assim, visando a mitigar os riscos da ocorrência do assédio moral, inicialmente, tem-se que é extremamente relevante que os empregadores e seus prepostos se conscientizem a respeito do assédio moral e suas consequências na relação trabalhista para que, após esta importante compreensão, sejam capazes de estabelecer diretrizes claras no combate deste mal, promovendo, por consequente, a conscientização dos seus trabalhadores.

É importante também que os empregadores demonstrem a sua completa atenção quanto a mera possibilidade da prática de quaisquer condutas tendentes a caracterizar o assédio moral, abrindo, por exemplo, canais de comunicação e denúncia para que todos os trabalhadores tenham oportunidade de indicar/noticiar ao empregador possíveis situações não conformes, abrindo espaço para apuração (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 253).

Para tanto, a capacitação dos trabalhadores quanto à maneira de se portar, comunicar e agir dentro do ambiente de trabalho é salutar e pode ser objeto de desenvolvimento pelos empregadores. Neste rumo, a criação, desenvolvimento e implantação de programas preventivos específicos no combate ao assédio moral e até mesmo voltado para saúde dos trabalhadores, incentivando o autocuidado e cuidado com colega de trabalho podem ser fatores decisivos no combate ao assédio moral (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 253).

Aqui, para melhor compreensão do assunto, é oportuna a seguinte citação:

 

A criação e divulgação de um Programa de Conduta específico e apto a prevenir a prática do assédio moral (...) serve como orientação de comportamento, permitindo que sejam evitadas situações de assédio moral e, caso ocorram, que a vítima detenha suporte normativo para enfrentar a situação. O desenvolvimento de um aplicativo acessível a todos da organização (...), contendo canal de denúncias, comunicados, treinamentos mensais e avaliações políticas e procedimentos, entre outros facilitadores do programa, atenderá de forma eficaz (...) é necessária a adoção de Políticas de Ética, de Fraude e de Denúncia que deixem claro o comportamento esperado de cada funcionário, bem como verificada a existência de normas internas descritas e, principalmente, difundidas, e a sensibilização de todos os níveis hierárquicos da empresa. As vantagens empresariais podem ser vistas inicialmente pela disseminação de padrões de ética e cultura na organização, e consequências como agregação de valor no mercado e melhoria no relacionamento com os clientes e acionistas (XAVIER, 2019, p. 15).

 

Diante disso, dúvidas não há no sentido de que a implementação de programas próprios pelos empregadores para conscientização e repressão ao assédio moral é um passo importante em seu combate. Mas, não somente isso. É fundamental também que, na realidade, estas diretrizes criem mecanismos eficientes para coibir o assédio moral, viabilizando, por tanto, na prática, um ambiente de trabalho humanizado, abrindo espaços para o diálogo, enfrentamento e resolução pacifica de possíveis situações internas não conformes, trazendo sentimento de confiança entre trabalhadores e empregador (BOBROFF; MARTINS, 2013, p. 253).

Seguindo esta linha, há de se enfatizar, por consequente, a necessidade de que os empregadores estejam sempre atentos ao ambiente de trabalho, destacando, neste aspecto, a importância da figura daqueles que venham a exercer cargos de liderança nas empresas, eis que diante do processo de hierarquia, inerentes aos ambientes corporativos, estes cargos além de, muita das vezes, serem, estrategicamente, os “olhos’ e “ouvidos” do empregador nas diversas relações trabalhistas, simbolizam, igualmente, a própria figura do empregador frente aos demais trabalhadores.

Neste rumo, aqueles que exercem estes cargos de liderança devem ter e/ou desenvolver profundamente as habilidades de observação e empatia com seus colegas de trabalho, aprimorando a sua função de líder e de gestor de pessoas, estando atendo aos detalhes que possam indicar situações de assédio e, lado outro, também, abertos para o dialogo e cooperação de modo a contribuir com o desenvolvimento de todos profissionais, indistintamente.

Assim também aponta Xavier:

 

Deve ser premente a educação do diálogo, devendo existir diante de uma situação conflituosa. A criação do ambiente de trabalho seguro que contribua com que o próprio assediado se sinta à vontade para resolver o conflito. Deve ser fomentada nas empresas a prática de ouvir, de registrar, da forma mais natural possível, entretanto de maneira significativa. Deve ser adotada pelas empresas a cultura do respeito, do desprendimento, da ausência de preconceito, não sendo reforçada a ideia de ordem. Sendo permitido que todos possam opinar, ajudando a estabelecer boas relações de trabalho, criando compromisso e estabelecendo comunicação adequada. O papel da pessoa do gestor é fundamental nesse processo, devendo sempre deixar claro que está disponível e aberto para conversas de cunho pessoal, sempre mantendo a profissionalidade quanto à relevância dos assuntos (XAVIER, 2019, p. 76).

 

Há, por tanto, de se considerar que devem estes cargos de liderança, acima de tudo, serem os primeiros exemplos do padrão estabelecido pelo empregador, de modo que qualquer conduta eventualmente desconforme por parte destes profissionais (por omissões ou ações) seja exemplarmente reprimida e penalizada de acordo com o padrão estabelecido pelo empregador, assim como no caso dos demais colaboradores.

Não devem estes cargos gozar de qualquer imunidade do empregador quanto à possível constatação de pratica (ou conivência) de assédio moral, sob pena de esvaziar e desestimular o combate dos demais empregados contra esta prática violenta, pondo em dúvida até mesmo a credibilidade do empregador frente aos seus trabalhadores para resolução de eventuais conflitos em decorrência da ausência de isonomia indicada pelo referido comportamento.

Sob esta perspectiva no combate ao assédio moral, ressalta-se ser de suma importância tanto o mecanismo da prevenção, como o mecanismo da repressão pelo empregador, de modo que quando age preventivamente o empregador visa disponibilizar aos trabalhadores o melhor dos ambientes de trabalho de modo a não se justificar a ocorrência deste tipo de violência aos direitos da personalidade dentro dos seus contratos de trabalho; lado outro, quando adota postura repressiva, diante da constatação de eventual assédio moral em seu âmbito, sinaliza não ser tolerante/conivente com tais práticas.

Ainda que a adoção de todas essas medidas não se mostrem suficientes pelo empregador para evitar a ocorrência do assédio moral dentro de suas relações trabalhistas e nem para eximir sua responsabilidade (de caráter objetivo) na reparação dos possíveis danos provenientes da situação, é certo que a comprovação da adoção destes mecanismos serve, ao menos, como elemento mitigador e até mesmo atenuador para fixação de eventual indenização.

Neste sentido, a própria Jurisprudência Trabalhista se mostra uníssona no sentido de que deve haver equidade na responsabilidade da empregadora, ponderando o seu grau de dolo ou culpa na situação concreta:

 

 

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. A indenização por dano moral deve ser fixada em compasso com a razoabilidade, sopesando a extensão do dano, a culpabilidade e a condição econômica das partes, sem se olvidar de seu viés pedagógico, objetivando inibir a repetição da ofensa, evitando-se, o enriquecimento sem causa do ofendido, tudo em observância, ainda, aos termos do art. 223-G da CLT (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Danos Morais, PJe: 0010205-34.2018.5.03.0104 (RO); Disponibilização: 28/06/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1454; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Ana Maria Amorim Reboucas).

 

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ARBITRAMENTO. A indenização por danos morais não guarda relação com interesses materiais. Sua função é desagravar a ofensa, compensando a vítima e demonstrando-lhe que a conduta ilícita não ficou impune. Também tem caráter de sanção ou, até mesmo, inibitório para o autor da ofensa. Conquanto seja impossível mensurar o sofrimento, nem por isto haveria de se deixar de indenizá-lo, conforme assegura o art. 5º, X, da Constituição Federal. Os critérios para fixação do montante indenizatório são intrincados, ante a impossibilidade de se aquilatar a dimensão precisa do prejuízo e de avaliá-lo pecuniariamente. O julgador deve ser cauteloso, fixando valor condizente com as circunstâncias, suficiente para amenizar o sofrimento da vítima e para inibir o causador do dano à repetição de atos semelhantes. Deve-se considerar, ainda, “a natureza do bem jurídico tutelado”, “a intensidade do sofrimento”, “a possibilidade de superação física ou psicológica”, “os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão”, “as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral”, “o grau de dolo ou culpa”, bem como “a situação social e econômica das partes envolvidas”, a teor do art. 223-G da CLT (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Danos Morais; PJe: 0001257-36.2013.5.03.0086 (RO); Disponibilização: 01/08/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1408; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Ricardo Antonio Mohallem)

 

Desta feita, por meio de todas estas circunstâncias, não há como não destacar a importância das empresas fortalecerem suas políticas e seus setores de recursos humanos, no sentido de criar mecanismos eficientes, tais como os apresentados neste capítulo, focados na prevenção e tratativa ao assédio moral dentro dos seus contratos de trabalho, buscando, cada dia mais, por meio de atos concretos, a promoção de ambientes de trabalhos saudáveis, evitando a judicialização do caso e também preservando a saúde mental dos seus empregados.

É somente por meio da ação inicial dos empregadores, visando, acima de tudo, assegurar e promover um bom ambiente de trabalho, combatendo a figura do assédio de moral dentro do ambiente laboral, que esta violência tende a ser extirpada da realidade laboral brasileira, daí porque a importância da conscientização do empresariado e daqueles que porventura exercem cargos de liderança nas empresas.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Entendido o assédio moral como situações reiteradas de extrapolação e/ou abuso dos poderes conferidos aos empregadores e/ou de seus prepostos, na qual o trabalhador passa a sofrer, durante o pacto contratual, situações constrangedoras e humilhantes, que, ao seu termo, ferem a sua dignidade e os seus direitos de personalidade e, ainda, considerando as nefastas consequências desta situação, o presente artigo teve como objetivo avaliar a questão do assédio moral no âmbito laboral, propondo-se a apresentar medidas que podem/devem ser adotadas pelo empregador para mitigação deste tipo de ocorrência no âmbito laboral.

Para tanto, inicialmente, discorreu-se a respeito dos poderes do empregador dentro da relação trabalhista, visando entender a dimensão e a limitação destes poderes pela lei.

Estabelecidas estas bases, avaliou-se o assédio moral propriamente dito e suas consequências para empregado e empregador, passando ainda pela conclusão de ser o empregador responsável objetivamente pela reparação dos danos causados em decorrência dessa situação e pelas possíveis e disponíveis medidas para se combater o assédio moral.

Neste sentido, constatou-se, por exemplo, a inexistência de lei especifica que trate de figura propriamente do assédio moral, seja ela no âmbito penal, trabalhista e ou mesmo civil, o que, de toda forma, não inibe a repressão a este tipo de violência ocorrida dentro do âmbito laboral, ainda que por meio da interpretação do ordenamento jurídico brasileiro, o qual incontestavelmente protege a dignidade da pessoa humana e resguarda os direitos da personalidade.

A responsabilidade objetiva atribuída aos empregadores em decorrência desta situação é estabelecida com base na lei civil e atribui ao empresariado um dever especial de zelar por um ambiente de trabalho digno, que atendam aos padrões éticos e morais estabelecidos, garantindo a preservação da dignidade do trabalhador e todos os demais direitos inerentes à personalidade humana.

Neste sentido, tem-se que a prevenção e a repressão se mostram como medidas disponíveis e essenciais para que os empregadores mitiguem a ocorrência desta violência atentatória à dignidade dos trabalhadores.

 Houve, neste rumo, a constatação da importância dos cargos de liderança nas empresas no combate ao assédio moral, eis que diante do processo de hierarquia, inerentes aos ambientes corporativos, esses líderes são exemplos para os demais trabalhadores, bem como, por vezes, a própria personificação da figura do empregador na realidade laboral.

Apresentaram-se como medidas concretas que podem/devem ser adotadas pelo empregador para mitigação desta violência no âmbito laboral o desenvolvimento e implantação de programas preventivos específicos no combate ao assédio moral e até mesmo voltado para saúde dos trabalhadores, incentivando o autocuidado e cuidado com colega de trabalho; à capacitação dos gestores e cargos de liderança de modo a melhorarem a gestão de pessoas; a abertura de canais de comunicação e denúncia para que todos os trabalhadores tenham oportunidade de indicar/noticiar ao empregador possíveis situações não conformes, abrindo espaço para apuração.

Por tanto, partindo destes pontos e com objetivo de diminuir a ocorrência das mencionadas situações, foi possível concluir a importância da conscientização dos empregadores e seus prepostos quanto ao necessário e salutar combate ao assédio moral para que estes repliquem em toda cadeia laboral a intolerância para com estes comportamentos que denigrem não só a dignidade humana, mas também podem impactar na própria imagem do empregador.

A par disso, como visto, se mostrou também relevante o estabelecimento de políticas internas rígidas e efetivas pelos setores de recursos humanos das empregadoras, voltadas para promoção de ambientes de trabalho saudáveis.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Alice Monteiro de. Assédio Moral. In: FERREIRA, Januário Justino (coord. geral); PENIDO, Laís de Oliveira (coord. científica). Saúde Mental no Trabalho: coletânea do Fórum de Saúde e Segurança no Trabalho do Estado de Goiás. Goiânia: Cir. Gráfica, 2013. p. 333-354.

 

BARROS, Renato da Costa Lino de Goes. Assédio moral: dos efeitos e aspectos probatórios do psicoterror no ambiente de trabalho empresarial. Publica Direito. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/renato_da_costa_lino_de_goes_barros.pdf>. Acesso em: 29 de set. de 2020

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: palácio do Planalto, 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17 de jun. 2020.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: palácio do Planalto, 2002. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 17 de jun. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.  Brasília, DF: palácio do Planalto, 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm#art2>: 29 de set. de 2020.

 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Danos Morais, PJe: 0010205-34.2018.5.03.0104 (RO). Reclamante: Francis Leonardo Bruno. Reclamada: Localiza Serviços Prime S/A. Disponibilização: 28/06/2019, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1454; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Ana Maria Amorim Reboucas.

 

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Danos Morais; PJe: 0001257-36.2013.5.03.0086 (RO). Reclamante: Luiz Carlos de Faria. Reclamada: Viacao Santa Cruz Ltda.  Disponibilização: 01/08/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1408; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Ricardo Antonio Mohallem.

 

BOBROFF, Maria Cristina Cescatto; MARTINS, Júlia Trevisan. Assédio moral, ética e sofrimento no trabalho. Revista Bioética. Londrina/PR, p. 251 a 258, 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n2/a08v21n2.pdf >. Acesso em: 21 de maio de 2020.

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: LTr, 2011, 1403 p.

 

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 65.

 

TEIXEIRA, Paulo Juliano Roso. Os limites do Poder Diretivo do Empregador. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 19 jun 2020. Disponivel em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54278/os-limites-do-poder-diretivo-do-empregador>. Acesso em: 19 jun 2020.

 

SENA, Gabriela de Campos. O assédio moral na relação de trabalho. Jus Navigandi. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26324/o-assedio-moral-na-relacao-de-trabalho/3>. Acessso: Acesso em: 29 set 2020.

 

XAVIER, Daniele Jucá Silveira. Compliance trabalhista e o assédio moral: proposta de prevenção de conflitos organizacionais. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Fortaleza Ceara, 2019. Disponível em: <https://uol.unifor.br/oul/conteudosite/F10663420190516163908933804/Dissertacao.pdf>. Acesso em: 21 de maio de 2020.

 

 

 

Sobre os autores
Rayane Inácia da Silva

Graduanda em Direito na Faculdade Una Contagem.

Lucas Marcello Rodrigues Brito

Graduando em Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Pretende-se, por meio do presente artigo, analisar a questão do assédio moral no âmbito laboral, decorrente de situações de abuso de poder por parte das empresas e suas lideranças e as suas possíveis consequências no âmbito jurídico, ponderando ainda quanto à necessidade de uma postura ativa dos empregadores, a fim de evitar, por meio de politicas rígidas e efetivas, a ocorrência destas situações, aptas a gerar relevantes passivos trabalhistas.

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