O Princípio da Insignificância e sua aplicação nos crimes de furto qualificado

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Este artigo visa, ainda, a pesquisa aos requisitos para a configuração da bagatela, bem como posições doutrinarias e jurisprudenciais, sobre a sua aplicação ao furto qualificado, o qual embora este seja mais reprovável, não afasta tal aplicação.

INTRODUÇÃO

 

Os princípios no Direito Penal são valores fundamentais, que inspiram e manifestam a criação e a aplicação prática do Direito Penal. Os princípios são fontes básicas e elementares do Direito, estão acima da própria lei.

O princípio da insignificância, conhecido, também, como princípio da bagatela ou infração bagatelar própria, tem origem no Direito Romano. O aludido princípio, por intermédio do Direito Civil, surgiu na Europa, após a primeira guerra mundial, como um problema de índole geral.

Trata-se de um princípio muito importante para o Direito Penal Brasileiro, assim, também é tratado pelo doutrinador Fernando Capez, que cita o aludido princípio como sendo um dos mais “importantes princípios penais, derivados da dignidade humana” (Capez, 2011, p.27).

O objeto de estudo versa, a respeito do princípio da insignificância no furto qualificado, tendo em vista que esse princípio no delito de furto simples tem sido acolhido pela jurisprudência, quando o bem furtado tiver valor patrimonial baixo. Por conseguinte, não seria justo aplicar a pena prevista no Código Penal, apenas em face de ter o indivíduo subtraído para si, algo de irrelevante valor patrimonial.

Por certo, este artigo, visa ainda, a pesquisa aos requisitos para a configuração da bagatela, bem como posições doutrinarias e jurisprudenciais, sobre a sua aplicação ao furto qualificado, o qual embora este seja mais reprovável, não afasta tal aplicação.

 

1. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

 

1.1 Origem

O princípio da insignificância tem sua origem no Direito Romano, porém, era limitado ao direito privado. Referido princípio, por intermédio do Direito Civil, surgiu na Europa, após a primeira guerra mundial, como um problema de índole geral.

“Invocava-se o brocardo de minimus non curat praetor, ou seja, os juízes e os tribunais não devem se ocupar de assuntos irrelevantes”. (MASSON, 2016, p. 27). É algo como, o pretor – magistrado à época – cuida de bens importantes e não de coisas sem importância.

Inicialmente, o princípio da insignificância esteve ligado aos crimes patrimoniais.

O idealizador de tal princípio foi Claus Roxin, que no ano de 1964 publicou um artigo, no qual pregou-se o Princípio da Bagatela como sendo causa de excludente de tipicidade. Para o precursor, o princípio permite a exclusão da maioria dos tipos cujo dano seja irrisório, ou seja, abarcando não apenas os patrimoniais.

Segundo Bitencourt (2012), quem primeiro tratou sobre esse princípio no Direito Penal foi Claus Roxin em 1964. Posteriormente, voltou a repeti-lo em sua obra, chamada de Politica Criminal y Sistema Del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino mínima non curat praetor.

O princípio da insignificância traz a ideia de que quando o agente pratica uma conduta insignificante, não haverá crime, uma vez que tanto a conduta, quanto seu resultado não causam efeitos agressivos suficientes a ponto de ser necessária a intervenção do Poder Judiciário.

 

1.2 Previsão legal

O princípio da insignificância ou bagatela, não está previsto, formalmente, em nenhuma legislação ou na própria Constituição Federal Brasileira, apenas pode ser inferido na exata proporção em que se aceita limites para a interpretação e das leis em geral.

Por conseguinte, tem-se sua existência apenas em interpretações doutrinarias e jurisprudenciais, sob o fundamento do princípio constitucional da ofensividade, o qual não há crime sem ofensa relevante a bem jurídico, além de ser um critério para determinar o injusto penal.

 

1.3 Finalidade

Por ser fundamentado em valores de política criminal ou ciência criminal, a qual trabalha as estratégias e os meios de controle social da criminalidade, ela ocupa-se do crime enquanto valor.

Pois bem, o princípio da insignificância irá auxiliar o interprete na análise do tipo penal, além de atuar, como um instrumento de interpretação restritiva da lei penal, que revela a natureza subsidiária e fragmentaria do direito penal. Trata-se de um tipo penal amplo e abrangente.

Desse modo o princípio da bagatela serve para limitar sua incidência prática, nas infrações de pequeno potencial ofensivo, encontrando seus alicerces nos princípios gerais do direito da equidade, bem como na distribuição igualitária da justiça.

Nesse sentido, é pacifico o julgado do Supremo Tribunal Federal (HC 104.787/RJ, Rel. Min. Ayres Britto), ao afirmar, que:

O princípio da insignificância é vetor interpretativo do tipo penal, tendo por escopo restringir a qualificação de condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele (tipo penal) albergado. Tal forma de interpretação insere-se num quadro de válida medida de política criminal, visando, para além da descarcerização, ao descongestionamento da Justiça Penal, que deve ocupar-se apenas das infrações tidas por socialmente mais graves. Numa visão humanitária do Direito Penal, então, é de se prestigiar esse princípio da tolerância, que, se bem aplicado, não chega a estimular a ideia de impunidade. Ao tempo que se verificam patentes a necessidade e a utilidade do princípio da insignificância, é imprescindível que a aplicação se dê de maneira criteriosa, contribuindo sempre tendo em conta a realidade brasileira, para evitar que a atuação estatal vá além dos limites do razoável na proteção do interesse público.

Outrossim, o Direito Penal não deve criminalizar comportamentos que produzam lesões insignificante, as condutas causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens penalmente protegidos são consideradas (materialmente) atípicas. (ESTEFAM e GONÇALVES, 2018).

O princípio da insignificância encontra-se em relação com o princípio da intervenção mínima e com o princípio da legalidade e, por isso, a uma preocupação no sentido de evitar que lesões insignificantes dirigidas a bens tutelados sofram os rigores das sanções penais.

Além do mais, o mencionado princípio tem como suposição o princípio da utilidade pública, em razão de que a punição somente será íntegra, quando a conduta atingir efetivamente a terceiros.

Para Bitencourt (2012, p. 110), “a insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida.”.

Ainda que a insignificância tenha como resultado final o desafogamento do judiciário, ela não pode ser vista desse modo, pois esse não é seu fundamento e nem mesmo a razão de ser. Há fatos que mesmo insignificantes podem receber a atenção do judiciário.

 

1.4 Natureza jurídica

Para a doutrina majoritária, o princípio da bagatela é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material.

Ensina Masson (2016, p. 28) que, “o princípio da insignificância é uma causa de exclusão da tipicidade. Sua presença acarreta na atipicidade do fato.”.

Para o Supremo Tribunal Federal (2012, HC 107082/RS, Rel. Min. Ayres Britto):

A insignificância penal expressa um necessário juízo de razoabilidade e proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-punitivo, substancialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente formal, como exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional.

 

2. DA TIPICIDADE

 

A tipicidade é o enquadramento da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na norma penal, ou seja, em um tipo penal incriminador.

Preleciona Bitencourt (2012, p. 111) que, “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar um injusto típico.” Aduz, ainda, que é necessário que haja proporcionalidade entre a gravidade da conduta e a drasticidade da intervenção estatal.

Caso a ação não seja justificada com fatos e condutas realmente danosas a terceiro, causaria um grave atentado contra a liberdade do indivíduo autor do delito.

Nesse sentido, é pacifico o julgado do STF (RHC 122.464/BA, Rel. Min. Celso De Mello), ao afirmar, que:

O princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material.

Posto isto, expõe, que o princípio da insignificância funciona como causa supralegal de exclusão da tipicidade. À vista disso, torna-se o fato atípico pela ausência da tipicidade material.

 

2.1 Da tipicidade conglobante

A tipicidade conglobante criada por Zaffaroni diz respeito à junção da tipicidade material com a conduta antinormativa do agente (atos não determinados e atos não incentivados por lei).

A tipicidade conglobante tem como proposta harmonizar os diversos ramos do Direito, partindo-se da premissa de unidade do ordenamento jurídico. Desse modo, não basta verificar a subsunção formal e a relevância da lesão ou o perigo de lesão, para se concluir pela tipicidade penal da conduta causadora do resultado, deve ser verificado também se o comportamento é antinormativo, ou seja, não determinado ou incentivado por qualquer ramo do Direito.

Rogério Sanches (2015, p. 71), que “A tendência atual, todavia, é a de conceituar a tipicidade penal pelo seu aspecto formal aliado à tipicidade conglobante.”.

 

2.2 Tipicidade formal

Também conhecida como tipicidade legal.

Trata-se de um juízo de adequação entre o fato praticado pelo agente na vida real e a conduta (crime) descrita na norma penal incriminadora, ou seja, a tipicidade formal vai analisar se o fato praticado pelo agente se amolda, ao descrito na lei penal. (MASSON, 2016).

Segundo Greco (2017, p. 143), “tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal.”.

Alicerçado no teorema, Nullum crime sine injuria, não haverá crime sem que ocorra lesividade ao bem jurídico, se a conduta não atingiu ou ao menos ameaçou o bem jurídico protegido pela norma, de fato, não há crime. O delito embora seja formalmente típico, ele não terá o condão de lesar o patrimônio do terceiro, para este será totalmente insignificante.

 

2. 3 Tipicidade material

Também chamada de tipicidade substancial.

É a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal. (MASSON, 2016).

Afirma o Supremo Tribunal Federal (HC 108946/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia), que:

1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade lega l e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma pena.

Deve-se verificar se a conduta praticada pelo agente está prevista como crime e, se realmente produziu a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico protegido por nosso ordenamento jurídico.

Conforme o exemplo, exposto, por Coêlho (2015, p. 39), “A, com a vontade de ter para si uma caneta “bic”, subtrai de Y sua caneta, não mais a devolvendo e passando a utilizá-la como se fosse sua.”.

Dito isso, Coêlho (2015), preleciona que conforme o Código Penal, a conduta de “A”, é criminosa, existe a tipicidade formal, pois “A” praticou o delito de furto, previsto no artigo 155, do Código Penal, entretanto, por ser a lesão considerada de pequeno valor, não há tipicidade material e, consequentemente exclui-se a tipicidade penal, ou seja, não será considerado delituosa a conduta do agente.

Corroborando ao exemplo, acima exposto, preleciona Estefam e Gonçalves, (2018, p. 129), “se um indivíduo ingressa num estabelecimento empresarial e, aproveitandose da distração do atendente, subtrai uma folha de papel sulfite, realiza uma ação formalmente típica, pois o ato se subsume aos elementos presentes no art. 155, caput, do CP.”.

Estefam e Gonçalves (2018) aduzem, ainda, que neste exemplo, a conduta praticada será materialmente atípica, pois o dano praticado ao patrimônio da pessoa jurídica vitimada é tão insignificante que não há justificativas para impor uma pena criminal ao agente.

Não há motivos para o direito penal atuar frente aos princípios da intervenção mínima, bem como da ultima ratio.

Deve-se verificar se a conduta do agente se enquadra em algum crime descrito na norma legal. Se se enquadrar, posteriormente, analisa se a conduta produziu lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, que a norma penal protege.

Se houve a lesão ou, ainda, o perigo de lesão o fato além de ser formal, será também materialmente típico. Entretanto, se não houver, será, o fato então, materialmente atípico, ou seja, se não causou nenhuma das hipóteses o fato é penalmente insignificante e deverá o acusado ser absolvido por atipicidade material, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

 

3. REQUISITOS ADOTADOS PELA JURISPRUDÊNCIA

 

De acordo com Masson (2018), para que o princípio da insignificância seja reconhecido, depende de requisitos objetivos, relacionados ao fato, e de requisitos subjetivos, vinculados ao agente e à vítima.

Deve ser analisado conforme o caso concreto, e não conforme o plano abstrato.

Corroborando com o exposto Luiz Régis Prado (2014, p. 125), afirma que:

A partir do princípio de insignificância como "máxima de interpretação típica", defende-se um exame de cada caso concreto "mediante uma interpretação restritiva orientada ao bem jurídico protegido", pois "só uma interpretação estritamente referida ao bem jurídico e que atenda ao respectivo tipo (espécie) de injusto deixa claro por que uma parte das ações insignificantes são atípicas e frequentemente já estão excluídas pela própria dicção legal, mas por outro lado, como v.g. os furtos de bagatela, encaixam indubitavelmente no tipo: a propriedade e a posse também se veem vulneradas pelo furto de objetos insignificantes, enquanto em outros casos o bem jurídico só é menoscabado se ocorre certa intensidade da lesão".

 

3.1. Requisitos objetivos

No ano de 2004, o Ministro Celso de Mello, por meio do HC 84.412-0/SP, concedeu uma liminar, impetrada no Supremo Tribunal Federal. Nesta liminar o Ministro idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, e tais requisitos são adotados tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça.

Desse modo, afirma o Supremo Tribunal Federal (HC 84.412-0/SP, rel. Min. Celso De Mello), que:

O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal.

Diante disso, para a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o princípio da insignificância, somente será aplicado se estiverem presentes os requisitos cumulativos.

Corroborando com o exposto, aduz o Supremo Tribunal Federal (RHC 118.972/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, rel. do acórdão Min. Cármen Lúcia), que:

Para a incidência do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.

O Supremo Tribunal Federal não faz distinção entre os requisitos objetivos. A insignificância penal é um fator de política criminal, sendo mais do que um princípio. Desse modo, deve o julgador ter ampla flexibilidade, para negá-lo ou aplicá-lo, levando em conta as peculiaridades do caso concreto (MASSON, 2018).

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Neste sentido, Luiz Régis Prado (2014, p. 126), explica que:

a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificãncia não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores -  v.g., mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada, e, em determinados casos (furto/descaminho etc.), valoração socioeconômica média existente em certa sociedade, tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância.

Em sendo assim, temos que, o princípio da insignificância não tem sua aplicação irrestrita. Pois, os Tribunais Superiores estabelecem quatro requisitos necessários para que se possa alegar a insignificância na conduta praticada.

 

3.2 Requisitos subjetivos

Tais requisitos não se relacionam ao fato, mas sim ao agente e à vítima do fato descrito em lei como crime ou contravenção penal.

Para Masson (2019), são requisitos subjetivos a importância do objeto material para a vítima, bem como as circunstâncias e resultados do crime.

Conforme Masson (2018), as condições pessoais do agente e as condições da vítima, são os dois requisitos subjetivos, para o reconhecimento do princípio da insignificância.

As condições pessoais do agente são analisadas em três situações: reincidente, criminoso habitual e militar (MASSON, 2018).

Sustenta o professor, ainda que (2018), em relação ao reincidente, existem duas posições sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, a primeira, veda a incidência de tal princípio, asseverando que não há interesse da sociedade no deferimento do benefício ao condenado definitivo.

Assim, já foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (HC 123.108/MG):

No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. Nesse caso, o Colegiado, por decisão majoritária, denegou a ordem, mas concedeu “habeas corpus” de ofício para fixar o regime aberto para cumprimento de pena.

Já a segunda posição é que se admite o princípio da insignificância em favor do reincidente, assim, exclui-se a tipicidade do fato, e a reincidência é utilizada somente na dosimetria da pena.

Desse modo, há pronunciamento do Supremo Tribunal de Federal (HC 114.723/MG), aduzindo que:

1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado “princípio da insignificância” e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social.

2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que “a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa” (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal.

O Superior Tribunal Federal entende que a decisão ou não do princípio da insignificância deve ser feita caso a caso.

 

4. DO CRIME DE FURTO

 

Trata-se da subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel.

O crime de furto está previsto no artigo 155, do Código Penal Brasileiro, o qual narra:

Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa Alheia móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto Qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I – com destruição ou rompimento do obstáculo à subtração da coisa;

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III – com emprego de chave falsa;

IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 4º - A – A pena é de reclusão de quatro a dez anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado e para o exterior.

§ 6º - A pena é de reclusão de 2 a 5 anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.

§ 7º - A pena é de reclusão de quatro a dez anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

De acordo com Rogério Greco (2016), o delito de furto é a subtração patrimonial não violenta.

A lei penal tutela a propriedade e a posse legítima, reforçando a proteção conferida pelo Direito Civil ao patrimônio das pessoas (MASSON, 2019, p. 306).

Segundo Fernando Capez (2016, p. 422), “tutela-se o patrimônio, não apenas a propriedade, mas também a posse. Em regra, estas se confundem em um mesmo titular, entretanto nada obsta que estejam dissociadas”.

Conforme Luiz Régis Prado (2014, p. 872):

A doutrina brasileira diverge quanto à objetividade jurídica no delito de furto, identificando-se quatro correntes: para alguns, é bem jurídico suscetível de tutela somente o direito de propriedade; para outra corrente, somente a posse é protegida; para uma terceira, o âmbito protetivo da norma engloba a posse e a propriedade e, finalmente, há posicionamento no sentido de que se tutelam a propriedade, a posse e a detenção.

Perfilha-se o último entendimento, figurando como objeto de proteção tanto a propriedade como a posse e a detenção, pois mostra-se evidente quanto aos dois últimos casos a existência de interesse na coisa furtada. Assim, representa um bem para o possuidor poder usá-la, e, por consequência, a privação desse uso implica necessariamente um dano de natureza patrimonial.

Em sentido contrário entende Masson (2019), a detenção, isoladamente, não é protegida pelo art. 155 do Código Penal, pois não produz qualquer efeito jurídico, bem como não integra o patrimônio das pessoas.

Rogério Greco (2016), embora a lei penal proteja o patrimônio (aqui se entendendo também a posse), nem todo e qualquer patrimônio interessa ao Direito Penal.

Sustenta o autor (2016, p. 541), ainda, que:

O patrimônio, passível de subtração, não deve ser tão somente aquele apreciável economicamente, razão pela qual parte da doutrina subentende na palavra valor dois significados extremamente importantes. De um lado, temos o chamado valor de troca, economicamente apreciável. Assim, mediante o valor de troca podemos atribuir um valor à cadeira, ao telefone celular, ao automóvel etc. Contudo, além dos bens que possuem esse chamado valor de troca, outros existem que trazem em si um valor de uso, de natureza sentimental, não economicamente apreciável, a exemplo daquele que guarda os dentes de leite de seus filhos ou, ainda, um pedaço de papel com o autógrafo de uma pessoa famosa.

Essa distinção é importante pelo fato de que, em regra, pode-se aplicar o princípio da insignificância quando os bens tiverem valor de troca (GRECO, 2016).

Nas palavras de Luiz Régis Prado (2014, p. 874), que:

Discute-se se a coisa há de ter um valor economicamente apreciável ou não. Alguns subordinam a existência de delito patrimonial à lesão de um interesse jurídico com conteúdo econômico, enquanto outros, apesar de reconhecerem a predominância do caráter econômico no elemento patrimonial, advertem que, se um bem moral é constituído por uma coisa, deve ser considerado coisa no sentido jurídico, porque a matéria assume um significado ideal que tem valor patrimonial para o indivíduo, desde que lhe seja útil.

Em relação à aplicação do princípio da insignificância, ensina Masson (2019, p. 311), “para o reconhecimento do princípio da insignificância, é preciso destacar, não basta unicamente o ínfimo valor da coisa subtraída.” Ou seja, são necessários os requisitos impostos pelo Supremo Tribunal Federal.

 

4.1 Furto Simples

Previsto no caput, do artigo 155, do Código Penal Brasileiro.

Ensina Luiz Régis Prado (2014, p. 873), “a ação incriminada consiste em subtrair, que corresponde a deduzir, diminuir, retirar, tirar às escondidas a coisa da vítima, vale dizer, o agente tira a coisa de alguém, subordinando-a ao seu poder de disposição (tipo básico/simples/anormal/incongruente)”.

Para Masson (2018, p. 30):

A redação do art. 155, caput, do Código Penal, abarca qualquer objeto material, independentemente do seu valor e da importância para seu titular. Mas, é evidente, o Direito Penal não presta a tutelar a subtração de um grampo de cabelo ou de uma folha de papel. Não há que se falar em crime de furto em tais situações.

O princípio da insignificância poderá ser aplicado em tais casos, visto que ele se destina a diminuir a intervenção do Direito Penal.

O princípio da insignificância pode ser aplicado em qualquer crime, desde que seja compatível e que estejam presentes seus requisitos. Entretanto sua maior incidência de aplicação é nos delitos de furto.

Ensina Luiz Régis Prado (2014, p. 879), “constantemente tem sido reconhecido o princípio da insignificância em matéria de furto, isso quando a ofensa é tão pequena que materialmente não se constata lesão ao bem jurídico tutelado.”.

Os Tribunais Superiores têm aplicado o princípio da insignificância em delitos do furto simples, quando o valor do bem subtraído não seja superior a 10% do salário mínimo vigente na época (CAVALCANTE, 2019).

Conforme julgado pelo Supremo Tribunal Federal (HC 108872/RS, rel. Min. Gilmar Mendes), “Tentativa de furto. Bem de pequeno valor R$ (100,00). Mínimo grau da lesividade da conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. 5. Ordem concedida”.

O princípio da insignificância poderá ser acolhido, mas ao invés de ser o autor do delito absolvido, poderá ser-lhe concedida a pena restritiva de direitos.

Em um caso concreto, o STF reconheceu a insignificância do bem subtraído, mas, como o réu era reincidente em crime patrimonial, em vez de absolve-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (CAVALCANTE, 2019).

Desse modo foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (HC 137217/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes):

4. Não se mostra possível acatar a tese de atipicidade material da conduta, pois não há como afastar o elevado nível de reprovabilidade assentado pelas instâncias antecedentes, ainda mais considerando os registros do Tribunal local dando conta de que o réu possui diversos registros criminais, ostentando, inclusive, uma condenação com trânsito em julgado por delito de natureza patrimonial, o que desautoriza a aplicação do princípio da insignificância, na linha da jurisprudência desta CORTE. 5. Quanto ao modo de cumprimento da reprimenda penal, há quadro de constrangimento ilegal a ser corrigido de ofício. A imposição do regime inicial semiaberto, com arrimo na reincidência, parece colidir com a proporcionalidade na escolha do regime que melhor se coadune com as circunstâncias da conduta de furto de bem pertencente a estabelecimento comercial, avaliado em R$ 31,20 (trinta e um reais e vinte centavos). Acrescente-se que as circunstâncias judiciais são favoráveis, razão por que a pena-base fora estabelecida no mínimo legal (cf. HC 123.533, Tribunal Pleno, Rel. Min. ROBERTO BARROSO), de modo que a conversão da reprimenda corporal por restritivas de direito melhor se amolda à espécie.

O princípio da insignificância opera com a finalidade de descriminalizar a conduta, a qual pela irrelevância, bem como pela falta de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma, não pode ser alvo do direito penal.

 

4.2 Furto Qualificado

As modalidades qualificadoras estão previstas nos parágrafos 4º ao 7º, do art. 155, do Código Penal.

Embora, tratam-se as qualificadoras de condutas mais graves, deve ser sim, aplicado o princípio da insignificância, pois se não houver lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, não existirá crime, e a não aplicação do princípio faz-se constituir a criminalização de uma conduta com base em um juízo de valor sobre as circunstâncias qualificadoras de um delito. No mais as circunstâncias qualificadoras não possuem a capacidade de, por si só, criminalizar uma conduta.

Segundo Masson (2019, p. 327), “as qualificadoras previstas no § 4.º do art. 155 do Código Penal dizem respeito ao meio de execução empregado pelo agente na prática do crime.”.

Vamos à análise de cada uma das qualificadoras do artigo 155, do Código Penal Brasileiro:

 

  1. Destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa (inciso I):

Preleciona Capez (2016, p. 444), “trata-se de violência empregada contra obstáculo que dificulte a subtração da coisa. Destruir significa desfazer. Romper significa abrir. O emprego de violência contra a pessoa configura crime de roubo.”.

Sustenta Masson (2019, p. 328):

Destruição é o comportamento que faz desaparecer alguma coisa. Destruir é subverter ou desfazer totalmente algo. Exemplo: explosão de um cofre. Rompimento, por sua vez, é a atividade consistente em deteriorar algum objeto, abrir brecha, arrombar, arrebentar, cortar, serrar, perfurar, forçar de qualquer modo um objeto para superar sua resistência e possibilitar ou prática do furto. Exemplo: abrir o cofre com uma barra de ferro, forçando sua porta.

Ensina Luiz Régis Prado (2014, p. 879), que:

O obstáculo é todo objeto empregado pela pessoa para proteger a coisa sobre a qual pode recair a ação delitiva (v.g., cerca, grade, portão, fios de alarme etc.), não sendo obstáculo aquilo que existe para o regular uso da coisa (v.g., porta no interior da casa, vidros laterais do carro, no caso de furto do próprio veículo).

Ensina Masson (2019, p. 328), que:

O reconhecimento da qualificadora exige a destruição ou rompimento do obstáculo. Destarte, sua mera remoção não caracteriza a qualificadora, a exemplo do que se dá na retirada de telhas, no desparafusar de uma janela ou no desligamento de um alarme.

Mas a violência deve ser sempre direcionada à coisa. Se atingir uma pessoa, estará delineado crime mais grave: roubo (CP, art. 157).

Por deixarem vestígios, a destruição e o rompimento de obstáculo são indispensáveis à elaboração de exame de corpo de delito, direto ou indireto.

 

             2. Com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza (inciso II):

Ensina Luiz Régis Prado (2014, p. 880), que:

Inicialmente, define-se como confiança aquela decorrente da natureza da relação que mormente é estabelecida entre os sujeitos ativo e passivo. Assim, valendo-se dela e violando-a, o agente subtrai a coisa que foi deixada ao seu alcance ou ostensivamente exposta. Essa confiança pode já existir anteriormente ou ser captada com o objetivo de furtar (não se trata daquela captada ardilosamente, hipótese na qual há furto mediante fraude). Caso típico de tal modalidade delitiva é o furto praticado pelo empregado doméstico, que, abusando da confiança estabelecida pelo seu empregador e do livre acesso que tem às dependências da residência deste, subtrai, para si, bens ali existentes.

Para Rogério Greco (2016, p. 557):

Relação de confiança pressupõe liberdade, lealdade, credibilidade, presunção de honestidade entre as pessoas. Abusa o agente da confiança que nele fora depositada quando se aproveita dessa relação de fidelidade existente anteriormente para praticar a subtração. Dessa forma, também para que se caracterize a qualificadora em questão, será preciso comprovar que, anteriormente à prática da subtração, havia, realmente essa relação sincera de fidelidade, que trazia uma sensação de segurança à vítima. No entanto, se o agente, ardilosamente construir essa relação de confiança para o fim de praticar a subtração, fazendo com que a vítima incorra em erro no que diz respeito a essa fidelidade recíproca, o furto será qualificado pela fraude, e não pelo abuso de confiança.

Mediante fraude: é o ardil, artificio, meio enganoso empregado pelo agente para diminuir, iludir a vigilância da vítima e realizar a subtração (CAPEZ, 2016).

Segundo Masson (2019, p. 332), “fraude é o artifício ou ardil, isto é, o meio enganoso utilizado pelo agente para diminuir a vigilância da vítima ou de terceiro (exemplo: segurança de um supermercado) sobre um bem móvel, permitindo ou facilitando sua subtração.”.

Mediante escalada: é o acesso a um lugar, residência etc., por via anormal. Há aqui o uso de instrumentos para adentrar no local, como, por exemplo, escada, corda, ou então o agente é obrigado a empregar um esforço incomum (CAPEZ, 2016).

É comum o equívoco no sentido de que, em razão do vocábulo escalada utilizado pelo legislador, identifique-se a exigência de certo esforço ou atividade corporal do autor de passar por cima de um obstáculo. Entretanto, também satisfazem as exigências da escalada quando para penetrar em um lugar se vencem os obstáculos que estão ao nível ou abaixo do solo, como quando é feito por via subterrânea. Entende-se que, para caracterizar a escalada, é preciso que as precauções empregadas pelo proprietário e inutilizadas pela perversidade do criminoso tenham em si mesmas certo grau de eficácia presumida. Leciona-se que não se aplica a qualificadora em análise se o agente, por exemplo, utiliza escada deixada no local, pois aqui desaparece a dificuldade de transposição do obstáculo.

Destreza: é a especial habilidade física ou manual que permite ao agente retirar bens em poder direto da vítima sem que ela perceba a subtração (MASSON, 2019).

A qualificadora da destreza não incide quando o ladrão é surpreendido pela vítima, desde que isso ocorra por inabilidade sua, por atuar de modo desastrado. Contudo, persiste a qualificadora se a descoberta é casual, sem nenhum vínculo com a ação praticada pelo agente, como acontece quando o punguista é preso logo em seguida tão somente porque dele se suspeitara.

 

             3. Emprego de chave falsa (inciso III):

Chave falsa é qualquer instrumento, com ou sem forma de chave, de que se vale o agente para fazer funcionar, no lugar da chave verdadeira (utilizada por quem de direito), o mecanismo de uma fechadura ou dispositivo semelhante, permitido ou facilitando a subtração do bem (MASSON, 2019).

 

Ensina Luiz Régis Prado (2014, p. 883), “qualifica-se também o delito de furto quando o agente se utiliza de instrumento falso, com ou sem a forma de chave, para fazer funcionar o mecanismo de uma fechadura ou dispositivo análogo, possibilitando ou facilitando a execução do furto”.

 

             4. Mediante concurso de duas ou mais pessoas (inciso IV):

 

Ensina Rogério Greco (2016, p. 563), “para que se considere a mencionada qualificadora basta, tão somente, que um dos agentes seja imputável, não importando se os demais participantes possuam ou não esse status.”.

Segundo Masson (2019, p. 338):

A doutrina diverge acerca da necessidade da presença de duas ou mais pessoas no local do crime, executando o furto. Em outras palavras, discute-se se a expressão “concurso de duas ou mais pessoas” abrange coautores (quem realiza o núcleo do tipo, praticando atos de execução) e partícipes (quem de qualquer modo concorre para o crime, mediante induzimento, instigação ou auxílio, sem executá-lo) ou exclusivamente coautores.

Emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum é uma qualificadora prevista no § 4º - A.

Segundo Masson (2019, p. 341), “trata-se de qualificadora de natureza objetiva, pois diz respeito ao meio de execução utilizado na prática do furto.”.

Subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior é uma qualificadora prevista no § 5º.

Cuida-se de qualificadora que, ao contrário das anteriores, não se relacionam ao meio de execução do furto. Trata-se ao resultado posterior à subtração, consistente no transporte do veículo automotor para outro Estado federativo ou para outo país. Nesse caso há maior dificuldade de recuperação do bem pela vítima quando ocorre a transposição de fronteiras (MASSON, 2019).

Semovente domesticável de produção, qualificadora prevista no § 6º.

Ensina Masson (2019, p. 347), “cuida-se de qualificadora de natureza objetiva, relacionada ao objeto material do furto.”.

O furto de semoventes, conhecido como abigeato, sempre foi tutelado pelo art. 155 do Código Penal, e normalmente na sua forma qualificada, pois esse delito em regra é cometido em concurso de pessoas, como por exemplo em que dois homens subtraem um boi de uma fazenda e o colocam em um caminhão para leva-lo a outro local (CP, art. 155, § 4.º, inc. IV), ou então mediante destruição ou rompimento de obstáculo, como na situação emq eu um sujeito quebra o cadeado de uma porteira para subtrair o cavalo que estava no pasto (CP, art. 155, § 4.º, inc. I).

Subtração de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego, qualificadora prevista no § 7º.

Preleciona Masson (2019, p. 351), “o § 7º do art. 155 do Código Penal contempla uma qualificadora de natureza objetiva, relacionada ao objeto material do furto.”

 

4.3   Aplicação

Não há nenhum fundamento jurídico que impeça a aplicação do princípio da insignificância nos delitos de furto qualificado. Tanto no furto simples, quanto no furto qualificado à lesão que a vítima sofre é a mesma, altera-se, apenas, a forma que age para praticar o delito.

Conforme Masson (2019, p. 35), “o princípio da insignificância é aplicável a qualquer delito que seja com ele compatível.”.

Ensina Masson (2019, p. 350), que:

Imaginemos a situação em que uma pessoa primária subtraia um semovente de valor irrisório e de pouca (ou nenhuma) importância para a vítima. Uma galinha, por exemplo. O afastamento do princípio da insignificância consagraria a punição do “ladrão de galinha”, pelo simples fato de o objeto material ser um semovente domesticável de produção. De outro lado, tal postulado incidiria na subtração de bens diversos, inclusive mais valioso (uma peça de roupa, um aparelho eletrônico etc.), representando nítida ofensa aos princípios da isonomia e da intervenção mínima e retirando a credibilidade e a coerência do Direito Penal.

Nesse sentido, é pacifico o julgado do Supremo Tribunal Federal (HC 141440 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli), ao afirmar, que:

Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Furto qualificado (CP, art. 155, § 4º, inciso IV). Pretendido reconhecimento do princípio da insignificância. Possibilidade excepcional, à luz das circunstâncias do caso concreto. Agravo provido. 1. À luz dos elementos dos autos, o caso é de incidência excepcional do princípio da insignificância, na linha de precedentes da Corte. 2. As circunstâncias e o contexto que se apresentam permitem concluir pela ausência de lesão significativa que justifique a intervenção do direito penal, mormente se considerarmos a inexpressividade dos bens subtraídos (avaliados em R$ 116,50) e o fato de o ora agravante não ser, tecnicamente, reincidente específico, já que a única ação penal à qual responde não transitou em julgado. 3. Há de se ponderar, ainda, a condição de hipossuficiência do agente, além do fato de que a sua conduta foi praticada sem violência física ou moral a quem quer que seja, sendo certo, ademais, que os bens furtados foram restituídos à vítima, afastando-se, portanto, o prejuízo efetivo. 4. Agravo regimental ao qual se dá provimento.

Conforme Márcio André Lopes Cavalcante (2019, p. 853), “o princípio da insignificância pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória.”.

Para Masson (2018, p. 35), “é importante destacar que, no âmbito dos crimes contra o patrimônio, não há um valor máximo (teto) a limitar a incidência do princípio da insignificância.”.

A análise levará em conta o contexto em que se deu a prática da conduta, especialmente a importância do objeto material, a condição econômica da vítima, as circunstâncias do fato e o resultado produzido, bem como as características pessoais do agente (MASSON, 2018).

 

5. CONCLUSÃO

Conforme dito, o princípio da insignificância é fundamentado em valores de política criminal ou ciência criminal, a qual trabalha as estratégias e os meios de controle social da criminalidade, ela ocupa-se do crime enquanto valor.

Pois bem, o princípio da insignificância irá auxiliar o interprete na análise do tipo penal, além de atuar, como um instrumento de interpretação restritiva da lei penal, que revela a natureza subsidiária e fragmentaria do direito penal.

Invocava-se o brocardo de minimus non curat praetor, algo como, o pretor – magistrado à época – cuida de bens importantes e não de coisas sem importância.

O Direito Penal não deve criminalizar condutas que produzem lesões insignificantes, é primordial uma análise a perspectiva da lesividade e da intervenção mínima, ambas fazem análise quantitativa do bem jurídico, caso seja provado que não houve lesão ou que a lesão foi mínima, não se justifica o uso do direito penal. Desse modo, a aplicação do princípio da insignificância é medida que se impõe.

De acordo com a doutrina majoritária, o princípio da bagatela atua como causa supralegal de exclusão da tipicidade material. A tipicidade penal é a união da tipicidade formal com a tipicidade material, uma trata do juízo de adequação e a outra da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

Há doutrinadores que conceituam tipicidade penal como sendo a junção da tipicidade formal com a tipicidade conglobante. Esta criada pelo penalista Eugenio Zaffaroni, e acolhida pelos Tribunais Superiores, sustenta que é a junção da tipicidade material com a conduta antinormativa do agente, ou seja, o caso concreto, comprovará que o delito praticado pelo agente é contrário à norma penal, não imposto ou mesmo fomentado por ela.

Não existindo a tipicidade material, não existirá tipicidade conglobante, por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico, assim sendo não existirá crime.

A aplicação do princípio da insignificância deve ser analisado de acordo com o caso concreto, dependendo de requisitos objetivos e requisitos subjetivos.

O Ministro Celso de Mello idealizou quatro requisitos objetivos, os quais são adotados tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. São eles: mínima ofensividade da conduta; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Para a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o princípio da bagatela, somente será aplicado se estiverem presentes os requisitos cumulativos.

Os requisitos subjetivos relacionam-se as condições pessoais do agente como reincidência, criminoso habitual e crime militar, e ainda as condições da vítima do fato descrito na norma penal, trata-se da importância do objeto para vítima, as circunstâncias e o resultado que se deram do crime.

O STF, já reconheceu a insignificância em um caso concreto, mas, como o réu era reincidente em crime patrimonial, em vez de absolvê-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Conclui-se, portanto, que o aludido princípio pode ser aplicado em qualquer crime, desde que seja compatível e que estejam presentes seus requisitos. Entretanto sua maior incidência de aplicação é nos delitos de furto.

O princípio da insignificância no delito de furto simples tem sido acolhido pela jurisprudência, quando o bem furtado tiver valor patrimonial baixo. Por conseguinte, no furto qualificado por se tratar de condutas mais graves, deve ser sim aplicado o princípio da insignificância, pois se não houver lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, não existirá crime, e a não aplicação do princípio faz-se constituir a criminalização de uma conduta com base em um juízo de valor sobre as circunstâncias qualificadoras de um delito.

Não há nenhum fundamento jurídico que impeça a aplicação do princípio da insignificância nos delitos de furto qualificado, visto que é aplicável a qualquer crime que seja com ele compatível. Além disso, as circunstâncias qualificadoras não possuem a capacidade de, por si só, criminalizar uma conduta.

 

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Karen Larissa Klem Pinheiro

Bacharela em Direito pela Universidade do Oeste Paulista - UNOESTE Pós - graduanda em Direito Previdenciário - Faculdade Legale

Emerson Almeida Nogueira

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente (2009); Tem experiência na área de Direito. Advogado atuante com ênfase em Direito, desde 15.01.2010; Inscrito até 2018, junto ao Serviço Público Federal - MJSP - Polícia Federal, como Instrutor do Curso de Formação de Vigilantes; Pós Graduado em Direito Penal, Processo Penal e Legislação Especial no Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente; Membro suplente, representante da OAB/SP, junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP - Campus de Presidente Prudente - SP; Especializando em Direito Público e Gestão Pública, pelo Instituto Damásio de Direito / Ibmec.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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