Desde que as plataformas digitais foram introduzidas no mercado internacional, as relações de trabalho sofreram uma transfiguração sem precedentes, muito em conta dos meios alternativos em que as transações comerciais passaram a percorrer.
Com inicio da automação industrial ocorrida em meados do século XVIII, a relação de trabalho entre empregado e empregador se diversificou em todas as suas vertentes, percebendo altos e baixos na medida em que novas tecnologias foram sendo colocadas à disposição dos industriários de cada época.
Dado o inicio da terceira revolução industrial pós Segunda Grande Guerra, o mundo passou a acompanhar a vasta incorporação das ferramentas eletrônicas no setor de produção, como por exemplo computadores, circuitos elétrico-eletrônicos, robôs e o mais importante de todas elas, a internet.
Em resumo, a internet teve origem na década de 1960, após a idealização de uma rede de computadores chamada ARPANET, cujo objetivo era a troca de informações secretas do governo norte americano enquanto da disputa ideológica com a União Soviética na Guerra Fria. Esta rede foi financiada pela Advanced Research Projects Agency (ARPA), do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, e era utilizada, até então, com viés estritamente militar.
Com o inicio da coexistência pacífica entre os EUA e a URSS e o fim da Guerra Fria, o governo dos EUA decide por entregar seu sistema de rede à cientistas espalhados por diversos locais no território americano para que fossem desenvolvidos estudos para o aperfeiçoamento do sistema. A partir de então, a ARPANET se expandiu para todo o país, vindo a atingir cerca de 50 milhões de pessoas em menos de 04 anos, transformando-se, por fim, em Internet, mecanismo de troca de informações que viria mudar o rumo da evolução humana.
Desde então, a economia mundial passou a ser subjetivamente virtualizada, com transações eletrônicas, moedas virtuais, lojas cibernéticas, dando origem a um novo modelo macroeconômico, a chamada economia compartilhada.
De acordo com Teodoro (et al, 2017, p. 8),
Economia compartilhada ou colaborativa parte da ideia de consumo colaborativo, intermediado pelos aplicativos e negócios a partir dela criados. Trata-se ainda da instrumentalização de uma nova filosofia de consumo, segundo a qual, não é imprescindível possuir o bem para dele usufruir. Normalmente, a tecnologia vem para viabilizar este intercâmbio no “uso” dos bens ou serviços entre quem o tem e quem o deseja diretamente. Por isso, também é conhecida como economia peer to peer – de pessoa para pessoa.
Conforme se vislumbra da citação da eminente doutrinadora, a Economia de Plataforma consiste em um meio de consumo, efetuado através de aplicativos de smartphones, onde as pessoas realizam trocas, empréstimos e aluguéis de bens ou contratam pontualmente a prestação de serviços, consubstanciando-se em um método totalmente colaborativo.
A título de exemplo de empresas que prestam serviços na atual economia compartilhada, podemos citar as americanas Airbnb e Uber, as brasileiras Ifood, 99Pop, Doghero (aplicativo para contratação de cuidadores de pets) e a colombiana Cabify.
De acordo com estudos realizados pela PWC ( PricewaterhouseCoopers), a economia colaborativa gerará cerca de 335 bilhões de dólares em receita até o ano de 2025, evidenciando que se trata de um meio de consumo que só tende a crescer nos próximos anos.
Lado outro, a economia compartilhada não se move de forma totalmente independente, a mesma necessita de pessoas trabalhando para estas multinacionais a fim de que seja dado sequencia à realização de capitais.
Com a crise da mão de obra autônoma no continente europeu em decorrência da vasta precariedade que atingiu esta categoria de trabalhadores, emerge-se então a figura do do parassubordinado, operários que não compõe a estrutura organizacional da empresa, porém colaboram para o seu funcionamento.
Ao discorrer sobre a parassubordinação, Alves (2018, p. 9) salienta:
Para a maioria dos autores, a parassubordinação representa uma zona gris (ou zona grise - cinzenta) entre a subordinação e a autonomia. O termo é aplicado pela doutrina e pela jurisprudência por conta da dificuldade em se caracterizar, com certeza, como sendo um contrato de trabalho subordinado ou de trabalho autônomo, já que o requisito da subordinação não se encontra claro e visível. O fenômeno resulta das novas formas de organização empresarial, surgidas após a década de 70, com o modelo toyotismo ou pós-fordismo.
Na economia de plataforma, ausenta-se a figura do empregado, o qual, de acordo com o artigo 3º da CLT, será a pessoa física que presta serviços mediante os seguintes requisitos: I - Alteridade; II - Subordinação; III - Pessoalidade; IV - Onerosidade; V - Não eventualidade.
O parassubordinado se diferencia do empregado comum justamente por não desempenhar suas funções mediante o cumprimento integral do requisito da subordinação. Apesar dele, por vezes, atender todos os requisitos remanescentes para se configurar a relação de emprego, o parassubordinado não está totalmente vinculado a uma empresa e por isso, não recebe ordens diretas de um empregador.
Um caso muito comum de trabalhador parassubordinado é o motorista de Uber, que apesar de trabalhar de forma autônoma, podendo decidir sobre sua jornada de trabalho, ainda assim recebe ordenações do aplicativo quanto a rota, meios de segurança, higiene, requisitos básicos do veículo, dentre outros.
Entretanto, por mais que os motoristas de aplicativo possuam a liberdade de escolher o melhor horário de trabalho, os mesmos estão sujeitos à inúmeras adversidades, tais como violência física, violência psicológica, degradação remuneratória, jornadas excessivamente longas, o risco de ser excluído da plataforma por permanecer por um tempo razoável sem efetuar o transporte de passageiros, dentre tantos outros.
Assim, verifica-se que o trabalho parassubordinado em tempos de economia de economia compartilhada, por mais que traga benefícios à grande maioria dos consumidores, necessita de uma atenção expressiva por parte do Poder Legislativo, a fim de regulamentar esta categoria e fornecer-lhes os direitos básicos inerentes aos trabalhadores brasileiros, tais como salário mínimo, horas extras, adicional de periculosidade, dentre outros.
Referências:
TEODORO, Maria C. Máximo; D’AFONSECA, Thais Cláudia; ANTONIETA, Maria. Disrupção, economia compartilhada e o fenômeno Uber. Revista Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 20, n. 39, 2017.
ALVES, Eliete Tavelli. Parassubordinação e Uberização do Trabalho: algumas reflexões. 2018. Tese de Doutorado. Universidade de Coimbra.