Teoria da Perda de Tempo Útil: A possibilidade de indenização por cobranças indevidas e/ou abusivas

14/11/2020 às 09:42
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O presente artigo tem como intuito adentrar a explanação sobre a Teoria Da Perda de Tempo Útil nas relações de consumo frente a cobranças indevidas e/ou abusivas.

Teoria da Perda de Tempo Útil: A possibilidade de indenização por cobranças indevidas e/ou abusivas

 

A conhecida frase “tempo é dinheiro” se torna cada vez mais preponderante em uma sociedade de cunho capitalista, isto pois na medida em que as pessoas assumem compromissos pessoais ou profissionais surge a necessidade de adequar da melhor forma a distribuição de tempo para torná-lo o mais produtivo possível.

Essa ideia de organização e planejamento, consiste na necessidade de adequar e administrar o tempo de forma produtiva, já que independentemente do número de circunstâncias e obrigações o dia continuará sendo composto por 24 horas.

Ainda, a ideia de tempo é tão importante que as ações judiciais ou qualquer discussão econômica sempre terá previsão de juros de mora, atualização monetária e lucros cessantes, de forma a “compensar” algum tempo perdido.

Nesse diapasão, o consumidor que fica horas na fila de um banco tentando solucionar uma cobrança indevida, bem como o consumidor que recebe dezenas de ligações por dia e até em finais de semana com cobranças insistentes, são exemplos de situações que o consumidor precisa de forma desgastante disponibilizar seu tempo, que poderia estar sendo utilizado de forma produtiva, para tentar solucionar o conflito administrativamente.

Ora, o tempo é insubstituível e inalienável, uma vez perdido nunca mais será possível recuperá-lo. Logo, não é justo desperdiçá-lo com uma tentativa de solucionar uma cobrança indevida ou abusiva decorrente de uma falha de prestação causada pelo próprio fornecedor.

Destarte, por muito anos a ideia de tempo não foi muito valorizada pela doutrina e jurisprudência, mas recentemente essa visão tem mudado, aparecendo cada vez mais decisões tratando o tempo como bem jurídico relevante.

Desta forma, seguindo o tema do presente artigo, aqui será analisada a ideia de tempo e sua valorização na visão da relação de consumo.

Assim, antes de adentrar a explanação sobre a Teoria Da Perda de Tempo Útil do consumidor, antes é importante trazer à baila a definição de relação de consumo, bem como a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados ao consumidor.

Pois bem, a definição de consumidor encontra-se presente no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, bem como a definição de fornecedor de serviços, encontra-se no art. 3º do mesmo diploma. Veja-se:

 

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

 

Desta feita, conforme artigos 12 e 14 Código de Defesa do Consumidor, caracterizada a relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor de serviço passa a ser objetiva, ou seja, não é necessária a comprovação de existência de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) para que o mesmo responda pelos danos causados ao consumidor, bem como os defeitos relativos à prestação dos serviços ou do produto. Veja-se:

 

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

Nesta senda, a responsabilidade objetiva se configura independentemente da culpa, como leciona Carlos Roberto Gonçalves, em Responsabilidade Civil, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21/22:

 

"Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura).”

 

Assim, a realização de cobranças indevidas ou a realização de cobranças de forma abusiva causa enormes danos ao consumidor, que tem todo um desgaste na tentativa de solucionar o conflito frente ao fornecedor.

Isso vai muito além de meros aborrecimento ou simples transtornos, tendo em vista que a tentativa infrutífera de solucionar o problema administrativamente causa enorme estresse e incômodo ao consumidor.

Neste sentindo, como já é sabido, nos termos do art. 186 do Código Civil, aquele que por ação voluntária violar direitos e causar dano a outrem, comete ato ilícito. Veja-se:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Ademais, a cobrança indevida faz presumir a má-fé, já que o fornecedor está cobrando por um valor que não lhe pertence, e isso acaba violando o princípio da boa-fé objetiva e subjetiva, que tem previsão expressa nos artigos 113 e 422 do Código Civil, que assim dispõe:

 

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Desta forma, de acordo com o art. 927 do mesmo Código, aquele que causar algum dano a outrem devido ao ato ilícito praticado, fica obrigado a repará-lo:

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Noutro giro, a reparação por danos morais causados pelo fornecedor é um direito básico do consumidor, previsto no art. 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor:

 

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

 

Nesse mesmo sentindo, sobre a indenização por danos morais, Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Direito Civil Brasileiro, Vol. IV, Responsabilidade Civil esclarece que:

 

“Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem”. (Gonçalves, Carlos Roberto, in Direito Civil Brasileiro, Vol. IV, Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 2007, p. 375)

 

Assim, em caso de danos causados pelo fornecedor ao consumidor, este tem o direito a ser indenizado pelos prejuízos suportados. Não resta dúvida, então, quanto ao cabimento de indenização por danos morais ao consumidor em razão da sua perda de tempo livre.

Portanto, quanto à perda do tempo útil em razão de cobranças indevidas, o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é pacífico, no sentido de que acarreta em danos morais passíveis de indenização, conforme pode ser visto adiante:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - COBRANÇAS INDEVIDAS - APLICAÇÃO DO CDC - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - PERDA DO TEMPO ÚTIL DO CONSUMIDOR. - A perda do tempo útil do consumidor, nos âmbitos administrativo e judicial, para fazer cessar cobranças indevidas decorrentes da contratação de internet e outros serviços não solicitados, acarretam sentimentos de frustração, ansiedade e indignação que extrapolam o mero dissabor cotidiano.

(TJ-MG - AC: 10261160098743001 MG, Relator: Aparecida Grossi, Data de Julgamento: 14/03/2019, Data de Publicação: 02/04/2019)

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - AQUISIÇÃO DE BENS MÓVEIS - VÍCIOS NOS PRODUTOS - ATRASO NA ENTREGA - PERDA DO TEMPO ÚTIL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO - DEVER DE INDENIZAR - VALOR - FIXAÇÃO. - Cuidando a espécie de relação de consumo, a obrigação de reparar o dano baseia-se na responsabilidade civil objetiva, configurando o dever de indenizar quando efetivamente demonstrados o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre eles – (...) - Aquele que causa dano a outrem, ainda que de natureza exclusivamente moral, comete ato ilícito, estando sujeito à reparação civil, consoante os artigos 186 e 927 do CC/2002 - A perda de tempo útil da parte autora, na busca para solucionar, administrativa e judicialmente, o problema, constitui situação de evidente desrespeito àquele, na qualidade de consumidor, sendo passível de reparação - O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional às circunstâncias do caso e com razoabilidade.

(TJ-MG - AC: 10145150127515001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 17/05/2018, Data de Publicação: 29/05/2018)

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - NOME NO SPC E SERASA - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - PERDA DE TEMPO DO CONSUMIDOR - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO. Cabe condenar ao pagamento de indenização, por danos morais, a empresa que procede a cobranças evidentemente indevidas, obrigando o consumidor, a mais de uma vez, com evidente perda de tempo útil, a tentar resolver a questão na esfera administrativa e a, depois, ajuizar ação para ver resguardado seu direito, FRONTALMENTE AGREDIDO PELA MÁ-FÉ GERENCIAL.

(TJMG -  Apelação Cível  1.0000.19.029749-9/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 27/06/0019, publicação da súmula em 28/06/2019)

 

Ora, é possível observar que diante da recorrência de cobranças indevidas e abusivas, gerando ao consumidor a perda de seu tempo útil, tem levado a jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar os dissabores experimentados por milhares de consumidores, passando a admitir a reparação civil pela perda do tempo útil.

Nesse sentindo, o renomado Pablo Stolze, ao citar a doutrina de Marcos Dessaune, revela diversas situações ensejadoras de abusos praticados pelo fornecedor, dentre elas a disponibilização de tempo para cessar cobranças que estão sendo realizadas indevidamente:

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"Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (lei 8,078/90) preconize que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo devam ter padrões adequados de qualidade, de segurança, de durabilidade e de desempenho - para que sejam úteis e não causem riscos ou danos ao consumidor - e também proíba, por outro lado, quaisquer práticas abusivas, ainda são 'normais' em nosso País situações nocivas como:

(...)

- Telefonar insistentemente para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo pra pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso renitente, mas repetidamente negligenciado;

 

Nesse mesmo sentindo, o professor Leonardo De Medeiros Garcia em sua obra Direito do Consumidor (2016), leciona que:

 

“Teoria da indenização pela perda do tempo livre: a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para solucionar problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas de fornecedores. Tais situações fogem do que usualmente se aceita como "normal", em se tratando de espera por parte do consumidor. São aqueles famosos casos de cal/ center em que se espera durante 30 minutos ou mais, sendo transferido de um atendente para outro.” (GARCIA, Leonardo de Medeiros, pág. 88, 2016)

 

Geralmente, é comum a indenização por danos morais em razão de negativação indevida. Contudo, a ideia da perda de tempo útil é compensar o consumidor pelo estresse causado ante a tentativa de solucionar administrativamente uma cobrança que não deu causa, mesmo que está ainda não tenha sido negativada.

Até mesmo porque, se for esperar a negativação da cobrança para que assim o consumidor busque o judiciário para ser indenizado, este vai sofrer ainda mais danos, tendo em vista que a negativação vai muito além que restrição de crédito, ela também faz com que o consumidor seja mal visto na sociedade, abaixa a sua pontuação do Score, enfim, o consumidor será ainda mais prejudicado.

Portanto, não há dúvidas de que o transtorno sofrido pelo consumidor em decorrência de uma clara falha na prestação de serviço por parte do fornecedor de serviço que realiza cobranças indevidas e de forma abusiva, caracteriza o direito de indenização ao consumidor pela perda do seu tempo útil.

 

Bibliografia

 

DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor - O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011, págs. 47-48, in: STOLZE, Pablo. Responsabilidade civil pela perda do tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3540, 11 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23925/responsabilidade-civil-pela-perda-do-tempo. Acesso em: 27 de setembro de 2020.

 

Gonçalves, Carlos Roberto, in Direito Civil Brasileiro, Vol. IV, Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 2007, p. 375

 

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor 10. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 88.

 

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Institui o Código de Proteção do Consumidor. Diário Oficial da União. Brasília, 11 set. 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.  Acesso em: 27 de setembro de 2020.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 11 jan. 2002a. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 27 de setembro de 2020

 

 

Sobre a autora
Rayanne da Silva Ribeiro

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA - 10º período Atualmente, estagiária no escritório Moreira do Patrocínio e Avelino Lana Advogados Experiências: Estagiária - TRE (Tribunal Regional Eleitoral) Estagiária - Escritório Décio Freire Advogados Estagiária - Prefeitura Municipal de Contagem

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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