Introdução
Na semana passada a 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-SC) não reconheceu o vínculo de emprego entre um motoboy e uma empresária que preparava e vendia marmitas de sua própria casa, em Florianópolis.
Em seu depoimento, o entregador relatou que trabalhou por dez meses para a empresária, a qual contratava o serviço de outros motoboys. Ele conta que atuava de segunda a sábado e por dia fazia cerca de 15 deslocamentos, por isso recebia um valor fixo de R$ 70 por dia e uma parcela variável de R$ 3,50 por entrega.
No final do ano passado, as entregas pararam quando a empresária decidiu acabar com a atividade.
No julgamento de primeiro grau, a 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis acabou por reconhecer o vínculo destacando que o entregador não só recebia ordens diretas da empresária como também tinha sua atividade regulada pela própria dinâmica do negócio, o que se chama de subordinação estrutural. No entendimento do juízo, esse fenômeno exige uma reinterpretação das normas da CLT, a qual foi originalmente concebida para regular o trabalho nas fábricas.
Teve pedido de recurso, e a 4ª Câmara do TRT-SC resolveu reformar a decisão de primeiro grau, dessa forma concluiu pela ausência do vínculo de emprego. No entendimento do colegiado, o fato do entregador poder escolher os dias em que iria trabalhar e ser substituído por outros motoboys, afasta a presunção de subordinação e pessoalidade na prestação do serviço.
O desembargador e relator do recurso, Gracio Petrone, ressaltou que "o autor afirmou que optou por não trabalhar aos sábados quando caiu o movimento, demonstrando a sua autonomia".
Ainda no entendimento do relator, não existiria qualquer irregularidade na terceirização das entregas, tendo em vista que a mudança legislativa de 2017 reconheceu a possibilidade de terceirização na atividade-fim das empresas.
Trabalhador autônomo – Lei Federal n.º 13.467/2017
A figura do trabalhador autônomo está prevista no art. 442-B da CLT, in verbis:
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
O trabalhador autônomo é aquele que dirige a sua própria atividade, não se subordinando ao tomador dos seus serviços. Ou seja, tem a liberdade para escolher onde, para quem e de que forma trabalhar.
Portanto, o trabalhador autônomo “seria o patrão de si mesmo”, sendo o “o senhor de sua própria atividade”, assumindo os riscos da atividade que desempenha.
É de se ver ainda que, no trabalho autônomo, é o próprio trabalhador quem fixa o preço de seu serviço, inexistindo uma jornada pré-determinada de trabalho, bem como ao fato de o trabalhador não estar inserido na dinâmica produtiva empresarial do tomador de serviços.
Nunca é demais lembrar que a finalidade da Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467/2017) foi a de facilitar a contratação do trabalho autônomo e dificultar a configuração do vínculo de emprego.
Apesar disso, é de se notar que o novo texto do art. 442 – B, CLT não tem o condão de excluir a aplicação dos artigos 2º e 3º da CLT quando – no caso concreto – houver a comprovação de subordinação e pessoalidade do obreiro, haja vista o princípio da primazia da realidade e a cláusula geral antifraude trabalhista (art.9º da CLT).
Além do mais, o Direito Laboral deve ter como filtro hermenêutico os princípios fundamentais da República previstos no art. 1º, III e IV da Constituição que asseguram como valores importantes a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, sem olvidar, é claro, aos demais direitos sociais dos trabalhadores previstos no arts. 6º e 7º de nossa Carta Magna.
A Teoria da subordinação integrativa
A Teoria da subordinação integrativa está inspirada nos direitos espanhol e alemão, através da qual o ponto central para a análise da existência de uma relação de emprego está na distribuição dos riscos do negócio (princípio da alteridade – art. 2º, CLT).
Noutras palavras, o foco para identificar uma relação de emprego não está em analisar apenas existência de “ordens diretas” dadas pelo patrão ao seu empregado, mas sim verificar a inserção estrutural do trabalhador na dinâmica produtiva do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) ordens diretas, desde que inseridos, estruturalmente, na dinâmica de organização e produção do empregador.
Assim, a subordinação integrativa se faz presente quando a prestação de trabalho integra as atividades do empregador e o obreiro não assume verdadeiramente os riscos de perdas ou de ganhos, ou seja, o trabalhador não é proprietário dos frutos de seu trabalho que pertencem à organização produtiva alheia para a qual presta a sua atividade.
Conclusão
Com o atual cenário de evolução tecnológica, muitos postos de trabalho serão extintos e outros serão criados. De fato, será um desafio enquadrar qual o regime jurídico de alguns trabalhadores como verdadeiramente autônomos ou empregados - que, apesar da aparente “independência”, encontram-se inseridos estruturalmente na dinâmica e na cadeia produtiva do empregador.