A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LAVRATURA DOS TERMOS CIRCUNSTANCIADOS DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA MILITAR

UMA ANÁLISE LA LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO PELA PM

17/11/2020 às 03:27
Leia nesta página:

O presente trabalho tem por finalidade elucidar uma importante controvérsia no tocante à lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar.

1INTRODUÇÃO

O Brasil possui inúmeras singularidades no que tange ao seu sistema de persecução penal, raríssimos países no mundo adotam um sistema de segurança pública que possua duas polícias realizando a mesma etapa investigativa, até encontramos diversos exemplos de países que possuem mais de uma instituição policial, algo muito natural, o que não encontramos são duas polícias que realizam a mesma investigação tal qual o fazem a nossa Polícia Civil e a Polícia Militar.

A lei 9099/95, Lei que institui os Juizados Especiais Cíveis e criminais (JECRIM), trouxe em seu artigo 69 a seguinte redação:

"A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários."

Aqui começam os questionamentos, pois a definição de autoridade policial era ainda muito vazia junto à legislação e a doutrina até então existentes, entretanto no ano de 2013 tivemos a edição da Lei 12.830 que trouxe em seu artigo 2°,§ 1º, a definição de autoridade policial como sinônimo de Delegado de Polícia como visualizaremos na redação do artigo em comento.

                         § 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

 

Esse fato por si só já bastaria para encontrarmos diversas controvérsias e críticas a esse sistema, mas como se não bastasse essa peculiaridade, ocorre que no ano de 1996 a Brigada Militar, a qual é a Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, passou a lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, como projeto piloto apenas em algumas cidades do Estado, sendo que já no ano de 2001 ocorreu à implementação da confecção em todo o Estado.

A Portaria SJS Nº 172/2000 autorizou a Brigada Militar a lavrar o chamado Termo Circunstanciado de Ocorrência ou simplesmente Termo Circunstanciado como é denominado em alguns Estados, fato este que já gera uma primeira contenda entre as polícias, pois tendo em vista o Direito Administrativo, uma Portaria não poderia inovar no ordenamento jurídico, apenas regulamentar a legislação posta, como nos ensina MATHES CARVALHO: Pág. 124 manual de direito administrativo

“Regulamentos executivos: são aqueles editados para fiel execução da lei. Este regulmento não pode inovar o ordenamento jurídico, mas sempre pode complementar a lei. Caso inove o orrdeamento jurídico haverá violação ao Pricípio da legalidade. Trata-se, portanto, de atos normativos que complemantam os dispositivos legais, não trazendo inovação na ordem jurídica, com a criação de direitos e obrigações.nA submissão à lei é inerente a esses atos, inclusive com respeito ao disposto no art. 5°, II da Carta Magna que proíbe a qualquer ato normativo, que não é lei, a inovação jurídica com a criação e extinçao de direitos."

Por outro viés precisamos entender o que seria um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) para então passarmos a analisar a (in) possibilidade de sua lavratura pela Polícia Miliar.

Segundo Marcos Paulo Bastos da Silva: Pág.37(Prática Operacional Policial Militar)

                                   “O termo circunstanciado é um registro de um fato tipificado como infração de menor potencial ofensivo, ou seja, um crime de menor relevância, que tenha pena máxima de até dois anos de cerceamento de liberdade ou multa. O Termo funciona como um boletim de ocorrência com algumas informações adicionais, servindo de peça informativa para o Juizado Especial Criminal. Contém a qualificação dos envolvidos- dados como nome, naturalidade, profissão e local de residência- e o relato do fato que motivou a lavratura do documento.”

Como verificamos através das lições de Marcos Paulo, o termo circunstanciado não se confunde com o boletim de ocorrência lavrado pelo escrivão de polícia em uma Delegacia e de forma alguma se equipara a um inquérito policial, muito embora possuam alguma semelhança, como o fato de ambos serem encaminhados ao crivo judicial. O TCO é de baixa complexidade e não passa por um controle prévio. A diferença gritante entre ambos os institutos se dá pelo fato de o Delegado de Polícia ter o dever de encaminhar o inquérito para análise do juiz e este relato nem sequer vir a se tornar uma ação, diferentemente do termo circunstanciado que já nasce fadado à judicialização, muito embora a ação nos crimes de menor potencial ofensivo tenha como característica a existência dos institutos despenalizadores que lhe são característicos.

 

 

 

2DESENVOLVIMENTO

Em contrapartida aos defensores e apoiadores da expansão das atribuições da Polícia Militar encontraremos posicionamentos totalmente contrários à realização desse tipo de documentação pela corporação militar, o que ocorre tendo em vista a saída relativamente recente do nosso país de um período em que o governo encontrava-se em instituições militares, e a expansão das atribuições dessas instituições nem sempre é vista de maneira salutar pela democracia, como veremos o posicionamento a seguir de Francisco Sanini e Henrique Hoffmann:

 “Não por outra razão a doutrina sublinha que todo policial militar, do mais moderno soldado ao mais veterano coronel, é considerado um agente da Autoridade Polical. De igual maneira ocorre com o patrulheiro e o guarda municipal. Constatação essa que não importa em qualquer demérito para a importante função desempenhada pelos policiais fardados, mas apenas esclarece qual a missão de cada um na persecução penal, colocando cada personagem no seu respectivo lugar.

  Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal tem assentado a incompatibilidade da Polícia Fardada com atarefa investigativa, que deve ser presidida pelo delegado de polícia.

  Nesse campo de ideias, o sucateamento do aparato investigativo estatal é campo fértil para o surgimento de concepções polêmicas e mirabolantes, escoradas num legislador cada vez mais ávido em satisfazer a opinião pública com um Direito de emergência. Algumas propostas, por iniciativa e apoio de parlamentares oriundos da caserna, ignoram a pluralidade de mecanismos de controle social e reduzem o problema da criminalidade à polícia, mais especificamente à investigação criminal. Com essa visão distorcida, propõe-se que policiais fardados possam investigar civis, como se essa aberração representasse o remédio para todos os males.”

Após a análise do comentário acima constatamos que a crítica é valida e encontra embasamento legal e constitucional, entretanto como mencionado acima a sociedade clama por uma persecução penal minimamente aceitável e onde não se deixe de ser solucionados nem mesmo os pequenos delitos, pois combatendo os pequenos delitos o Estado mostra-se preocupado em garantir a ordem pública e hábil para solucionar delitos vultosos.

O grande problema é que na mesma toada do Rio Grande do Sul e diversos outros Estados também passaram a adotar a lavratura de termos circunstanciados como regra, o que vem sendo reiteradamente questionado junto aos Tribunais Superiores como ocorreu no Estado do Amazonas onde o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a lavratura dos TCO's por parte da PM, como verificamos na decisão abaixo:

                               RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI ESTADUAL Nº 3.514/2010. POLÍCIA MILITAR. ELABORAÇÃO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA – POLÍCIA CIVIL. PRECEDENTE. ADI Nº 3.614. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF).2. Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF).3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, ao julgar a ADI nº 3.614, que teve a Ministra Cármen como redatora para o acórdão, pacificou o entendimento segundo o qual a atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar.4. In casu, o acórdão recorrido assentou:ADIN. LEI ESTADUAL . LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL. ATRIBUIÇÃO À POLÍCIA MILITAR. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AOS ARTS. 115 E 116 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTES.- O dispositivo legal que atribui à Polícia Militar competência para confeccionar termos circunstanciado de ocorrência, nos termos do art. 69 da Lei nº 9.099/1995, invade a competência da Polícia Civil, prevista no art. 115 da Constituição do Estado do Amazonas, e se dissocia da competência atribuída à Polícia Militar constante do art. 116 da Carta Estadual, ambos redigidos de acordo com o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal.5. O aresto recorrido não contrariou o entendimento desta Corte.6. Recursos extraordinários a que se nega seguimento. Decisão: Trata-se de recursos extraordinários interpostos pelo GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAZONAS, PELO PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS e pela ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO AMAZONAS, todos com fundamento no disposto no artigo 102, III, a,da Constituição Federal, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, assim do (fl. 158): ADIN. LEI ESTADUAL. LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA POLÍCIA CIVIL. ATRIBUIÇÃO À POLÍCIA MILITAR. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AOS ARTS. 115 E 116 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTES. - O dispositivo legal que atribui à Polícia Militar competência para confeccionar termos circunstanciado de ocorrência, nos termos do art. 69 da Lei nº 9.099/1995, invade a competência da Polícia Civil, prevista no art. 115 da Constituição do Estado do Amazonas, e se dissocia da competência atribuída à Polícia Militar constante do art. 116 da Carta Estadual, ambos redigidos de acordo com o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal. Na origem, o Procurador Geral de Justiça, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto é o inciso VIII, § 3º, da Lei 3.514/2010, do Estado do Amazonas, que prevê a possibilidade da Polícia Militar, no âmbito de sua jurisdição,confeccionar Termo Circunstanciado de Ocorrência. Asseverou que o disposto contido no mencionado inciso viola a Constituição Estadual, pois ao tratar sobre segurança pública, consoante determinação da Carta Magna, disciplinou e organizou as Polícias Civil e Militar, exatamente como balizada na Constituição. Sustentou que “ao atribuir à Polícia Militar a elaboração de Termo Circunstanciado, invadiu a esfera de competência da Polícia Civil” (fl. 05). O pedido foi julgado procedente alegando-se a usurpação de competência, consoante ementa supra mencionada. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Na sequência houve interposição de recursos extraordinários. Nas razões recursais do Governador do Estado do Amazonas, bem como do Procurador-Geral do Estado do Amazonas, sustenta-se a violação ao artigo 144, §§ 4º, 5º e 7º, da Constituição Federal, sob o fundamento de que a elaboração de Termo Circunstanciado pela Polícia Militar não é trabalho investigativo, mas sim simples registro de fatos. A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, nas razões do apelo extremo, aponta violação ao artigo 144, §§ 4º, 5º e 7º, sustentando, em síntese que “cabe às Polícias Militares a preservação da ordem pública, competência ampla e que engloba,inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais” (fl. 273). É o relatório. DECIDO. Ab initio, a repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, quando a ofensa for reflexa ou mesmo quando a violação for constitucional, mas necessária a análise de fatos e provas, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da CF). O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 3.614, que teve como redatora para o acórdão a Ministra Cármen Lúcia, pacificou o entendimento segundo o qual a atribuição de polícia judiciária compete à Polícia Civil, devendo o Termo Circunstanciado ser por ela lavrado, sob pena de usurpação de função pela Polícia Militar. Na oportunidade o acórdão restou assim ementado: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DECRETO N. 1.557/2003 DO ESTADO DO PARANÁ, QUE ATRIBUI A SUBTENENTES OU SARGENTOS COMBATENTES O ATENDIMENTO NAS DELEGACIAS DE POLÍCIA, NOS MUNICÍPIOS QUE NÃO DISPÕEM DE SERVIDOR DE CARREIRA PARA O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AO ART. 144, CAPUT, INC. IV E V E §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. Especificamente sobre o tema, colhem-se trechos dos votos dos ministros: O problema grave é que, antes da lavratura do termo circunstanciado, o policial militar tem de fazer um juízo jurídico de avaliação dos fatos que lhe são expostos. É isso o mais importante do caso, não a atividade material de lavratura. (Ministro Cezar Peluso). A meu sentir, o Decreto, como está posto, viola claramente o § 4º do artigo 144 da Constituição Federal, porque nós estamos autorizando que, por via regulamentar, se institua um substituto para exercer a função de polícia judiciária, mesmo que se transfira a responsabilidade final para o delegado da Comarca mais próxima. Isso , pelo contrário, a meu ver, de exceção gravíssima na própria disciplina constitucional. (Ministro Menezes Direito). Parece-me que ele está atribuindo a função de polícia judiciária aos policiais militares de forma absolutamente vedada pelos artigos 144, §§ 4º e 5º da Constituição. (Ministro Ricardo Lewandowski). Observe-se que o aresto recorrido não divergiu do entendimento desta Corte. Ex positis, NEGO SEGUIMENTO aos recursos extraordinários, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Brasília, 28 de agosto de 2012.

 

Podemos observar que esse julgado se torna um marco, pois revela o posicionamento da mais alta corte do país a respeito de um tema ainda bastante controverso. Não obstante essa decisão, percebemos que os Estados da Federação continuam não apenas a lavrar o Termo Circunstanciado como a expedir regulamentações infra legais a respeito desse tema. Uma das razões pelas quais os Estados ainda legislam arbitrariamente a respeito desse tema é o fato desta decisão acima ter sido exarada apenas com efeito interpartes, ou seja, essa decisão não vincula os demais entes da federação.

Torna-se imprescindível, diante das discussões acaloradas por ambas as partes, não trazermos à baila a questão do ciclo completo de polícia, onde, segundo esse modelo, uma única corporação realizaria toda a investigação referente á determinados delitos, tal qual já ocorre em diversos países do mundo. O que parece ser um descalabro é continuarmos com essa situação onde uma polícia começa a fase investigativa e outra termina e os maiores beneficiados com essa situação escatológica são aqueles que decidiram viver ao arrepio da lei, pois teremos cada vez mais uma investigação criminal improfícua que vai durante o seu desenrolar  perdendo elementos.

Trazemos a visão de Francisco Sanini e Henrique Hoffmann:

                                  “Vale destacar que mudança dessa natureza significaria flagrante violação ao princípio da vedação ao retrocesso. Como temos sustentado a sanha utilitarista não pode servir de pretexto para que policiais fardados passem a lavrar termo circunstanciado no capô da viatura, conduzir civis para destacamentos militares, ou prender pessoas em flagrante, num retrocesso que jogaria por terra garantias que não foram conquistadas do dia para a noite. Ao amparar-se no enganoso discurso de combate à criminalidade, a Polícia Fardada, pretende promover sua hipertrofia à custa de conquistas históricas. Afinal , é um direito fundamental do cidadão ser investigado tão somente pelo delegado natural”

E os autores seguem:

“Parece-nos que a proposta do ciclo completo de polícia nos moldes propostos pela Polícia Militar, representaria, de fato, um enorme retrocesso para o país, que se distanciaria ainda mais de um Estado que zela pelos direitos e garantia individuais, caminhando na direção contrária dos países mais desenvolvidos. Deveras, há muitas falhas na nossa Segurança Pública e a sensação de insegurança na sociedade é cada vez maior. Contudo, para que tenhamos uma mudança nesse cenário, é preciso que o tema seja discutido de maneira séria, sem qualquer tipo de corporativismo. Mais do que isso, é preciso investimento nas instituições policiais, com melhores salários e condições de trabalho.” 

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Como podemos perceber os argumentos tanto fáticos quanto jurídicos são perfeitamente aceitáveis, o que nunca se pode perder de vista é a razão de ser de toda instituição pública, qual seja, a satisfação do interesse público, de forma digna e eficaz. Não há interesse público sendo atingido e nem uma sociedade satisfeita quando as instituições estatais guerreiam por espaço, entretanto esquecem-se de uma prestação de serviços com qualidade.

 

 

A LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

 

Em meio a essa acalorada discussão sobre a usurpação ou não de função da polícia Civil pela Polícia Militar surgem outros elementos que parecem demonstrar que as discussões a respeito desse tema estão longe de chegar ao término pois no dia dezoito de outubro de 2019 o Presidente da República através do seu poder regulamentar editou o Decreto de número 10.073/2019 que permite à Polícia Rodoviária Federal (PRF)  a confecção dos Termo Circunstanciados de Ocorrência quando do cometimento nas rodovias federais de infrações de menor potencial ofensivo, que são os crimes cuja pena não ultrapasse a dois anos e todas as contravenções penais.

“Art. 47. À Polícia Rodoviária Federal cabe exercer as competências estabelecidas no § 2º do art. 144 da Constituição, no art. 20 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, no Decreto nº 1.655, de 3 de outubro de 1995, e, especificamente:

XII - lavrar o termo circunstanciado de que trata o art. 69 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995"

Com essa nova atribuição estaria então a PRF no mesmo patamar das polícias militares que já realizam a confecção de Termos de Circunstanciado Ocorrência. Obviamente que a edição dessa normativa será questionada no momento oportuno junto aos Tribunais Superiores que então exararão o seu ponto de vista.

 

 

A QUESTÃO DA COVENCIONALIDDADE DA LAVRATURA DO TCO PELA PM E A USURPAÇÃO DA FUNÇÃO INVESTIGATIVA

 

Quando analisamos o viés puramente legal e constitucional da atuação policial militar não nos resta dúvida de que o constituinte originário delegou à Polícia Militar um papel preventivo muito forte, uma atuação lastreada majoritariamente na ostensividade e na primeira repressão à criminalidade.

De fato, com o passar do tempo e com toda a evolução social e tecnológica, que são de conhecimento público, não é de se estranhar que a PM busque galgar voos mais altos. É seguindo esse raciocínio que conseguimos vislumbrar o anseio que a Polícia Militar e seus integrantes possuem de realizar atividades cada vez mais complexas e que lá nos idos de 1988 o constituinte não pensou ser o policial militar, da época, capaz de realizar. Hoje em dia temos inúmeras Polícias Militares do país, se não quase todas, com o requisito de ingressar o agente já com nível Superior de ensino, o que demonstra a evolução dessa instituição fundamental para a garantia de direitos.

Por outro lado, encontramos a Polícia Civil que vislumbra uma possível perda de espaço e pleiteia reiteradamente o reconhecimento de usurpação de função, algo muito compreensível tendo em vista a nossa atual legislação que se bem interpretada não permite que a PM ou a PRF realize atividades investigativas, além daquelas previstas na seara militar, aí sim previstas legalmente.

A grande questão é que a confecção do TCO por parte da PM enfrenta problemas de toda monta, quais sejam a própria dificuldade de realização por parte do policial operacional da rua, não há uma estrutura física para a realização dessa documentação, pois o PM realiza o trabalho manualmente, ou  posteriormente à lavratura, por não possuir a Polícia Militar uma estrutura própria voltada para essa documentação uma vez que as polícias militares, de regra, não possuem cartórios, tal qual o possuem as delegacias de polícia. Outro problema sério gerado pela falta de diploma legal a respeito desse tema é a questão de diligências complementares, ficariam a cargo de qual órgão, uma vez que não raras vezes são necessários esclarecimentos a respeito do fato. Essas diligências seriam realizadas pela PM ou pela Polícia Civil? Resta a dúvida. Por outro viés, convencionou-se a realização desta documentação de forma tão natural que no Rio Grande do Sul nem mesmo a Polícia Civil, que seria a principal lesada por essa situação, não ingressou com ação que impediria a lavratura deste termo pela Brigada Militar.

Inegável é o fato de que a segurança pública não se resume a essas duas instituições, mas sim a um sistema global, integrado e interdependente o que faz com que constantemente seus agentes devam buscar meios de melhorar a prestação do serviço público, não importando se será ele prestado pela PM ou pela Polícia Civil, o fato é que a Instituição que prestar esse serviço deverá fazê-lo de forma excelente.

Talvez a melhor solução para toda essa questão que foi aqui debatida seja a convalidação da possibilidade de lavratura dos TCO's pelas PM's através de um novo diploma legal tal qual vem sendo sugerido em projeto de lei 1004/2019 de autoria do Deputado Federal Capitão Augusto, sendo que esse projeto autoriza não apenas a lavratura de flagrantes de menor potencial ofensivo, mas também flagrantes em algumas situações pontuais pela própria Polícia Militar, deixando a cargo da Polícia Civil aquelas investigações complexas e demoradas que demandam grandes recursos de tempo e pessoal.

 

 

 

 

 

A POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DE TERMO CIRCUSNTANCIADO DE OCORRÊNCIA PELO JUIZ

 

Entramos agora naquilo que por muito tempo foi uma celeuma jurídica e permaneceu de maneira obscura devido à inércia judicial em estabelecer um precedente seguro. Trata-se da possibilidade de lavratura de termo circunstanciado por outros órgãos que não a Polícia Civil, que até então discutia e defendia a tese de que possuía a exclusividade na confecção de peça, sob pena de aqueles que desempenhassem essa atividade estivessem usurpando a função investigativa da instituição de polícia judiciária.

 E de fato este era o caminho pelo qual a nossa corte suprema demonstrava que iria trilhar, ocorre que recentemente em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3807 DF veio o STF a decidir que as peças produzidas em sede de Termo Circunstanciado configuram meramente peças de informação e não caracterizam atividade investigativa, que podem, portanto ser realizadas pela autoridade judicial. Se ampliarmos o entendimento chegaremos à conclusão de que a referida peça de informação poderá ser redigida pela Polícia Militar já que não é uma atividade exclusiva da autoridade policial.

 

3CONCLUSÃO

Observa-se, diuturnamente, em sede de segurança pública uma grande disputa de vaidades entre agentes e instituições onde a finalidade precípua desses órgãos, qual seja, a proteção da sociedade vem sendo colocada de lado em prol de discussões infrutíferas acerca de quem é o agente ou instituição responsável pela lavratura de determinada peça. Parece-nos que o cidadão, destinatário final de toda prestação estatal, não está nem um pouco interessado em quem vai atendê-lo, bastando que alguém o faça. Observamos na discussão que ora é travada um impasse que se estende desde o ano de 2006 e a discussão perdeu efeito quando na prática já possuímos um sistema que funciona relativamente bem com órgãos de polícia administrativa lavrando a peça de informação desses pequenos delitos que ocorrem com grande incidência e não devem ser alvo de apreço em delegacias onde o volume de investigações já é demasiadamente exacerbado. Por hora, parece-nos que a discussão deveria girar em torno da despenalização desses pequenos delitos, como bem defende FÁBIO ROQUE em seu livro Direito Penal Didático- Parte Geral.

Defendemos, portanto, a atribuição a outros ramos do direito a responsabilidade de perquiri-los e não ao direito penal, aquele que se preocupa com a proteção dos bens jurídicos mais relevantes, tal qual vem ocorrendo com diversas matérias em sede de direito constitucional.

A nossa Carta Magna de 1988 foi taxativa ao estabelecer um sistema de persecução que deveria ser eficaz, composto por uma polícia preventiva, administrativa, com intuito de coibir ilícitos e uma outra polícia a serviço do judiciário, muito embora alocada no Poder Executivo,  com o fito de promover investigações criminais e promover um filtro para persecuções penais temerárias que afrontassem o sistema jurídico penal pátrio.

Notadamente o maior problema não está, sem dúvidas, nas instituições ou agentes que realizam a atividade de persecução penal e segurança pública, mas sim na maneira que essas instituições vêm trabalhando: de forma totalmente desarmônica. Recentemente foi promulgada a Lei 13.675/2018 a qual cria o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), mecanismo salutar que, entre outras medidas, visa uma maior integração entre os órgãos de Segurança Pública, esperemos que a sociedade, razão de ser de todo Estado democrático, venha ser beneficiada com essa medida.

 

 

 

4REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

 

JECRIM. Legislação (1995). Lei dos Juizados Especiais Cíveis e criminais.

 

LEI 12.830.(2013) Esta lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

 

Decreto de número 10.073/2019. Disponível em: <https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-10.073-de-18-de-outubro-de-2019-222642150

 

JUSBRASIL. Página de busca de conteúdo jurídico. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22325157/recurso-extraordinario-re-702617-am-stf- Acesso em 22 de outubro de 2020.

 

Fontes, Eduardo e Hoffmann, Henrique (Org.). Temas avançados de Polícia Judiciária.2°ed.- Salvador. Ed. Juspodvm,2018

 

Silveira, Marcos Paulo Bastos. POPM: Prática Operacional Policial Militar- 2° ed. Porto Alegre: LISEG, 2012.

 

Carvalho, Matheus. Manual de Direito Administrativo- 5 ed. rev. ampl. e atual.-Salvador:Juspodvm,2018.

 

 

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

 

ADI- AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDADE

 

JECRIM- JUIZADOS ESPECIAS CÍVEIS E CRIMINAIS

 

BM- BRIGADA MILITAR

 

PM- POLÍCIA MILITAR

 

PRF- POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

 

STF- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

SUSP- SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA

 

TCO- TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA

 

 

 

 

Sobre o autor
Wilian Ferreira de Freitas

Bacharel em Direito pela Faculdade Anhanguera de Passo Fundo. Concluí a graduação em dezembro de 2018. Atuo profissionalmente como Policial Militar no Município de Ibirubá/RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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