RESUMO: Existem várias perspectivas teóricas que embasam os direitos humanos e fundamentais, concepções de matizes religiosas, jusnaturalistas, juspositivistas entre outras. O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar a proposta juspositivista crítica do garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli, em especial em relação a limitação do poder e a defesa dos direitos humanos e fundamentais. O trabalho é de natureza bibliográfica, consiste na análise doutrina autorizada e o seu método, portanto, é o dedutivo. Como resultado, verifica-se que a teoria geral do Constitucionalismo Garantista tem três aspectos diversos: normativo, teórico jurídico e filosófico político. Os dois primeiros têm por base o “ponto de vista interno” do ordenamento jurídico e visa proteger e dar efetividade aos direitos fundamentais (positivados). E o terceiro, o aspecto filosófico político, se atém ao “ponto de vista externo” desse ordenamento, e visa proteger os direitos humanos (naturais), vistos como valores axiológicos essenciais a todas as pessoas. Trata-se, portanto, de uma importante teoria juspositivista (crítica) que visa dar suporte as bases jurídicas do Estado constitucional de direito, tendo por principal objetivo, a defesa intransigente dos direitos humanos e fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos e Fundamentais. Constitucionalismo. Garantismo.
ABSTRACT: There are several theoretical perspectives that support human and fundamental rights, there are religious hue of concepts, natural law, positive law among others. The aim of this paper is to present and analyze the proposal juspositivista critical legal guaranteeism Luigi Ferrajoli , especially in relation to limitation of power and the defense of human and fundamental rights. The work is a bibliographic nature, is the authorized doctrine and its analysis method, therefore, is deductive. As a result, it appears that his general theory of Guaranteeism Constitutionalism has three different aspects: legal, legal theorist and political philosophy. The first two is based on the "internal point of view" of the legal system and aims to protect and give effect to fundamental rights (positivized). And the third, the political philosophical aspect, clings to the "external view" of this system, and aims to protect human rights (natural), seen as axiological values essential to all people. It is therefore an important of positive law theory (critical) which aims to support the legal bases of the constitutional right of the state, with the main goal, the intransigent defense of human and fundamental rights.
KEYWORDS: Human and Fundamental Rights. Constitutionalism. Guaranteeism.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Primeiro aspecto: garantismo como modelo normativo de direito. 3 Segundo aspecto: garantismo como teoria e crítica do direito. 4 Terceiro aspecto: garantismo como filosofia do direito e crítica da política. 5 Conclusões. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Existem diversas concepções teóricas que visam estabelecer, explicar e proteger os direitos humanos e fundamentais, estas abordagens podem ser oriundas de doutrinas religiosas, jusnaturalistas, juspositivistas e assim por diante. Alguns autores como GORCZEVSKI e TAUCHEN (2008), entendem os direitos humanos como valores éticos-políticos essenciais para a sociedade, que têm como característica serem inatos, universais, absolutos, inalienáveis etc. Adotando, portanto, uma perspectiva jusnaturalista.
Outros entendem que direitos humanos são os direitos reconhecidos pelo direito internacional, já os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos pela ordem constitucional do Estado. É o caso de Sarlet (2003) que defende uma íntima relação entre direitos fundamentais e o Estado constitucional, não só no seu aspecto formal, mas também no material. E este aspecto material vincula e limita o poder estatal, no que concerne à validade das suas ações. Há, portanto, nessa perspectiva, uma íntima vinculação entre Estado de direito, constituição e direitos fundamentais. Remete os valores éticos-políticos para a esfera de competência da ética (da filosofia), deixando para o direito somente o que foi positivado no âmbito internacional (direitos humanos) ou no âmbito do direito interno (direitos fundamentais).
Para Ferrajoli (2006, 2011a, 2011b, 2011c) os direitos fundamentais são valores morais históricos que têm sido positivados nos ordenamentos jurídicos dos Estados (nas Constituições, em especial), sendo concreções dos valores de liberdade, igualdade e solidariedade, que se resumem no conceito abstrato de dignidade humana. Trata-se da moral legalizada do ordenamento e elucidam as conexões entre o direito e a moral. (ATIENZA, 2013) O Garantismo presenta-se como uma concepção formal, juspositivista crítica, da teoria dos direitos fundamentais.
Muitos, como Atienza (2013), criticam tal concepção de Ferrajoli, por entender que a dimensão material não pode ser separada da formal. Isto porque as questões sobre o conceito e o fundamento do direito, desde sua perspectiva ético filosófica, incidem na configuração jurídica dos direitos e das garantias sobre o ordenamento jurídico dos Estados de direito.
O que se pretende neste trabalho é abordar o pensamento de Luigi Ferrajoli, em especial, da teoria do Garantismo Jurídico. E o papel que essa teria tem na defesa dos direitos humanos e fundamentais. Trata-se de uma teoria do Estado constitucional de direito que, grosso modo, estabelece uma visão normativa, teórico jurídica e jusfilosófica da relação do poder (seja público e privado) com os direitos humanos e fundamentais. De modo a limitar o poder e a justificá-lo somente quando tem por objetivo garantir os direitos humanos e fundamentais. Estes vistos em um amplo espectro, não só no aspecto negativo (liberdades), mas também no positivo (sociais e políticos).
Para tanto, ter-se-á por base a obra “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”, em especial o seu capítulo 13, em que Ferrajoli trata “o que é Garantismo”. Ferrajoli, posteriormente, em sua obra “Principia Iuris” (2011a, 2011b, 2011c), consolida tal teoria.
No capítulo 13 de “Direito e Razão”, Ferrajoli assenta as bases para uma “Teoria Geral do Garantismo”, que se sustenta em três aspectos principais: a vinculação do poder no Estado de direito; a divergência entre validade e vigor e o grau irredutível de ilegitimidade jurídica das atividades normativas de nível inferior; a distinção entre o ponto de vista externo (da justiça ou ético-político) e ponto de vista interno (validade ou jurídico). Estes três aspectos serão analisados nos próximos capítulos.
2 PRIMEIRO ASPECTO: GARANTISMO COMO MODELO NORMATIVO DE DIREITO
Ferrajoli (2006), nos moldes da tradição juspositivista, propõe um modelo normativo de direito de “estrita legalidade”, que atua em três planos distintos: no epistemológico, como um modelo cognitivo ou de poder mínimo; no político, como técnica que pretende minimizar a violência e a maximizar a liberdade; e no jurídico, a vincular à função punitiva do Estado em homenagem à garantia dos direitos dos cidadãos.
Mas, se afasta e supera o juspositivismo tradicional, pois entende que o Estado de direito não é simplesmente um “Estado legal”, ou seja, regulado por leis (até porque um Estado autoritário ou totalitário pode ser – e, geralmente é – regido por leis), mas caracteriza-se por ser um Estado em que, no plano formal, zela pelo princípio da legalidade e, no plano substancial, requer a “funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes.” (FERRAJOLI, 2006, p. 790)
Estas duas fontes de legitimação representam dois modelos de legalidade, um formal, de mera legalidade, que se limita a exigir que o exercício do poder tenha como fonte a lei; e outro substancial, de estrita legalidade, que exige a observância de determinados conteúdos substanciais da lei. (FERRAJOLI, 2006) A lei “não constitui a completa institucionalização do paradigma ideal do Estado de direito, no qual o ordenamento jurídico impõe aos poderes públicos o escopo de salvaguardar os direitos subjetivos”. (IPPOLITO, 2011, p. 39)
A distinção entre estas duas fontes de legitimação, segundo Ferrajoli, estão no cerne do modelo de um Estado democrático de direito. Visto que, as condições formais, que tratam sobre as “regras sobre quem pode e sobre como se deve decidir” (FERRAJOLI, 2006, p. 791), estabelecem o caráter democrático do Estado; já as condições substanciais de validade, que tratam das “regras sobre o que se deve ou não se deve decidir” (FERRAJOLI, 2006, p. 791), são as que garantem os direitos fundamentais dos cidadãos, pois criam vedações e obrigações aos poderes do Estado e, assim, estabelecem o caráter de direito do sistema jurídico.
Para tanto, Ferrajoli adota a classificação de Hebert Hart (1986) de normas primárias e normas secundárias. Para Hart são normas primárias: “acções que os indivíduos devem ou não fazer”. (HART, 1986, p. 104) Já, normas secundárias são relativas às normas primárias, respeitam os seus comandos e incluem noções de “legislação, jurisdição, validade e, em geral de poderes jurídico públicos e privados.” (HART, 1986, p. 108) Ferrajoli (2006) entende que normas secundárias são as normas de direito público que disciplinam a atividade do Estado e todas as demais são normas primárias.
Entre as normas primárias estão as garantias próprias da tradição liberal, garantias liberais ou negativas, pois consistem em deveres públicos negativos de não fazer. Ao lado destes tradicionais direitos de liberdade (negativos), as Constituições têm reconhecido outros direitos fundamentais, como o direito à subsistência, à alimentação, ao trabalho, à saúde, à instrução, à habitação, à informação, entre outros. São direitos “sociais” ou “materiais”, que correspondem a obrigações (ou deveres de fazer). Propõe Ferrajoli que a noção de ‘Estado de direito’ deva ser alargada para incluir no ordenamento constitucional, além de vedações, ou seja prestações negativas para garantia dos direitos de liberdade, também “obrigações, que requerem prestações positivas para garantia dos direitos sociais”. (FERRAJOLI, 2006, p. 795)
Isso permite definir um novo conceito de soberania popular, garantindo a todos os direitos fundamentais: tanto as garantias negativas (liberais), como as garantias positivas (sociais, de mútua solidariedade). (SEGUÍ, 2012) Como Salienta Portinaro (2008), o Garantismo de Ferrajoli tenta compatibilizar uma sociedade liberal com uma visão de uma solidariedade republicana, com ênfase ao multiculturalismo, com fim de acomodar a diversidade sociocultural.
Assim, alarga-se o próprio conceito de democracia em um Estado democrático de direito, ao incluir-se sentido substancial e social a este conceito: mais do que a vontade da maioria, é essencial garantir “o interesse e necessidades vitais de todos”. (FERRAJOLI, 2006, p. 797) A democracia formal ou política, baseado no princípio da maioria, deve estar em consonância com a democracia substancial, que são as efetivas garantias, sejam liberais ou sociais. Desta forma, no Estado democrático de direito há uma incorporação dos valores fundamentais que se adere no conceito de democracia substancial, onde
Nenhuma maioria, se tem dito, pode decidir a condenação de um inocente ou a privação ou a privação dos direitos fundamentais de um sujeito ou de um grupo minoritário; nem mesmo pode não decidir pelas medidas necessárias para que um cidadão sejam asseguradas a subsistência e a sobrevivência. O princípio da democracia política, relativo a quem decide, é, em suma, subordinado aos princípios da democracia social relativos ao que não é lícito decidir e ao que não é lícito não decidir.” (FERRAJOLI, 2006, p. 798)
Ferrajoli, tanto no “Direito e Razão” (2006), como no “Principia Iuris” (2011a, 2011b, 2011c), defende uma “esfera de indecidibilidade” como categoria estrutural do sistema constitucional: no sentido negativo (sobre o que a maioria não pode decidir) e no sentido positivo (o que é obrigatório decidir e resolver), que afeta os poderes públicos, privados e o mercado. (Atienza, 2013) Como assevera Gómez (2012), a complexidade estrutural que o garantismo propõe ao Estado Constitucional determina não só quem e como se manda, mas também o que pode se mandar, isto visto a incorporação nas Constituições rígidas de normas substanciais (direitos fundamentais), que condicionam o conteúdo da criação legislativa.
Propõe assim, um modelo garantista de Estado em que, ao mesmo tempo em que é um Estado liberal mínimo na esfera penal, ou seja, na máxima efetividade das garantias ou vedações negativas (direitos de 1º geração, liberais), é, também, Estado social máximo visto à maximização dos direitos substanciais do cidadão e das obrigações públicas de satisfazê-los (direitos de 2º geração, sociais). (FERRAJOLI, 2006) Diante dessa estrutura, tanto formal como substancial do Estado democrático de direito, Ferrajoli chama a atenção para sua estrutural ilegitimidade jurídica, frente às promessas formuladas nos seus níveis normativos superiores, que não são mantidas em seus níveis inferiores. Os direitos e interesses “não são nunca realizados e garantidos inteiramente. É uma aporia insuprimível do Estado de direito, desconhecida do Estado absoluto, onde não há promessas ou deveres que vinculam juridicamente os poderes públicos, e onde validade e vigor coincidem.” (FERRAJOLI, 2006, pp. 799 e 800)
Diante da não efetividade e da ilegitimidade do Estado democrático de direito, é necessário uma constante vigilância para se manter a coerência das normas de nível superior com as de nível inferior. Trata-se de outro aspecto do garantismo, como teoria e crítica jurídica, refere-se a distinção entre a vigência ou validade, ou, como preferir, entre a validade formal e material da norma.
3 SEGUNDO ASPECTO: GARANTISMO COMO TEORIA E CRÍTICA DO DIREITO
A positivação e a estatização do direito (em especial, dos primeiros direitos fundamentais) ocorreu com a formação dos Estados nacionais e com a codificação a partir do século XVIII. Isso representou um enorme progresso, visto que o direito vigente era incerto e arbitrário, ligado ao direito natural e ao critério de justiça jurisprudencial. Com esta positivação ocorreu a separação do direito positivo da moral e da política. (FERRAJOLI, 2006)
Como ensina Mônia Leal (2007), a Constituição como documento jurídico de organização do Estado nasceu com fundamento no pensamento iluminista, para consolidar e estruturar o Estado Liberal. Foi com a Revolução Francesa que surgiu o constitucionalismo moderno, pois com a queda do ancien régime, o poder político absoluto do rei, que era justificado pela origem divina, foi substituído por um pacto de homens livres e iguais (contrato social).
Nasce então o princípio da legalidade como “um postulado jurídico do juspositivismo no qual se baseia a função garantista do direito conta o arbítrio”. (FERRAJOLI, 2006, p. 802) Nesse diapasão, segundo SARLET(2003), surgem os direitos fundamentais de primeira dimensão, de inspiração jusnaturalista, como os de liberdade e igualdade formal (perante a lei). Esta ideia de legalidade como fonte exclusiva e exaustiva do direito positivo, segundo Ferrajoli (2006), nasce como uma instância jusnaturalista de racionalidade e de justiça. A legalidade, nesse contexto histórico pós-Revolução Francesa, foi influenciado pela Escola do Empirismo Exegético que se baseia no culto da palavra da lei. O juiz estava proibido de interpretar a lei, somente lhe cabia a função de aplicar a lei (geral) ao caso concreto (subsunção): juiz “boca da lei”. (LEAL, 2007)
Ferrajoli reformula e estende o conceito de legalidade, pois entende que este princípio tem dois sentidos: um de (mera) legalidade, “como fonte formal de vigor das normas jurídicas, é uma garantia de certeza e também de liberdade contra os poderes de outro modo desregulados”; (FERRAJOLI, 2006, p. 802) e outro de (estrita) legalidade, “como fonte (substancial) da validade das mesmas normas, representa uma técnica de positivação e de estabilização dos direitos fundamentais dos cidadãos, idônea a tornar funcional a sua tutela e a satisfazer o ‘artifício’ estatal de outro modo ‘absoluto’.” (FERRAJOLI, 2006, p. 802)
Para melhor entender estes conceitos é importante esclarecer que, segundo dogma do positivismo, existe uma separação entre validade (vista como vigência, o ser do Direito), justiça (vista como valor, o dever ser do Direito) e eficácia. (BOBBIO, 2008). Isso a exemplo “teoria pura do direito” de Kelsen (2006) que, para ser puro, se retira todo o aspecto valorativo do direito. Entendem que o direito e a ciência jurídica tem um caráter avalorativo e, assim, é impossível a crítica do sistema jurídico do ponto de vista interno, ou seja, do interior do sistema jurídico. Ferrajoli concorda que não pode haver uma confusão entre os juízos de validade e de justiça (direito e moral), visto que os juízos de justiça são juízos ético-políticos que são procedentes somente para uma crítica do “ponto de vista externo” e não “do ponto de vista interno” do ordenamento jurídico. Mas entende que o jurista tem a tarefa, não só política, mas científica, de “valorar a validade ou invalidade das normas sob a base dos parâmetros de validade, tanto formais quanto substanciais, ditadas pelas normas jurídicas a elas superiores.” (FERRAJOLI, 2006, p. 806)
E, assim, se contrapõe aos dois dogmas do paliojuspositivismo (expressão cunhada por Ferrajoli), que são: a obrigação do juiz aplicar a lei acriticamente e a impossibilidade da valoração da ciência jurídica. Entende que existe uma ilegitimidade intrínseca dos poderes que se configura na “crítica do direito positivo vigente, não meramente externa, ou política, ou de iure condendo, mas interna, ou jurídica, ou de iure condito, porque voltada aos seus delineamentos de não efetividade e de invalidade” (FERRAJOLI, 2006, p. 805). Ferrajoli denomina de juspositivismo dogmático a “orientação teórica que ignora o conceito de vigor das normas como categoria independente da validade e da efetividade”. (FERRAJOLI, 2006, p. 803)
Por mais que o garantismo adote o princípio do normativismo jurídico no sentido de condicionar a validade das normas aos conteúdos incorporados na Constituição, trata-se de um “juspositivismo crítico” ou “neopositivismo”, visto que se atém a critérios substanciais de validade que foram trazidos da experiência pós-segunda guerra, que são garantidos pela rigidez constitucional e pela tutela judicial. Isso porque, como já dissemos, os Estados constitucionais incorporaram ao sistema jurídico (positivaram) parte dos conteúdos de justiça elaborados pela tradição jusnaturalista racionalista. Assim, a análise deste conteúdo valorativo (que se trata de direitos fundamentais) não se trata mais de uma questão de justiça (de dever ser), mas sim de uma questão de direito (de ser). Então, a validade das normas não está somente condicionada com a sua conformidade em relação ao procedimento legislativo, mas também com a sua coerência com os princípios fundamentais. (SIFUENTES, 2012)
Assim, quanto ao primeiro dogma, entende Ferrajoli que nos Estados de direito dotados de Constituição rígida os “juízes têm o poder de interpretar as leis e de suspender-lhes a aplicação se as consideram inválidas por contraste com a Constituição”. (FERRAJOLI, 2006, p. 805) E, pode uma lei ter sido sempre aplicada, ou seja, ser efetiva, mas também ser inválida, visto que a validade e invalidade são qualificações jurídicas independentes do fato da sua aplicação (efetividade). A validade de uma lei deve ser reconhecida e declarada por uma autoridade diversa da do juiz chamado a aplicá-la, por exemplo, a Corte Constitucional. Quando não há esta declaração, existe uma presunção de validade “relativa, e basta, para superá-la, a valoração crítica do juiz, que em vez de aplicá-la objeta a sua validez.” (FERRAJOLI, 2006, p. 805)
Portanto, estes dois dogmas do paliopositivismo não podem subsistir porque existem dois juízos sobre a validade das normas: um formal e o outro material. Para fins de validade formal, ou seja, para que uma norma exista ou esteja em vigor, é necessário que tenha obedecido o procedimento legislativo, bem como observado a competência do órgão emanador. Já, para que uma norma seja válida materialmente é necessário que haja observância das condições substanciais de validade, em especial as de validade constitucional, que “consistem habitualmente no respeito aos valores – como a igualdade, a liberdade, as garantias dos direitos dos cidadãos - cujas lesões produzem uma antinomia, isto é, um conflito entre normas de conteúdo ou significado incompatível.” (FERRAJOLI, 2006, p. 806)
Em Principia Iuris, Ferrajoli aprimora a sua teoria, entende que o juízo formal de validade (vigência) se dá com a análise das condições do ato normativo, se ele é perfeito ou não, ou seja, se seguiu pelo menos alguns dos atos jurídicos, normas de procedimento e de competência, necessários para sua criação; enquanto os juízos de validade material (ou simplesmente, validade), consistem na total regularidade tanto com as normas formais de produção legislativa, como com valores substanciais (princípios fundamentais), previstos pelas normas que são a elas superiores (em especial a Constituição). A ausência desta regularidade produz antinomia, ou seja, um conflito que torna as normas inferiores incompatíveis, nulas. (FERRAJOLI, 2011a, 2011b, 2011c)
Então, o garantismo no Estado constitucional de direito trata-se de um novo paradigma jurídico e normativo, pois condiciona a criação legislativa no aspecto formal (próprias do positivismo jurídico) e no aspecto substancial, que se atém ao significado dos valores substanciais que foram positivados na forma de princípios fundamentais, o que caracteriza o seu constitucionalismo. (GÓMEZ, 2012)
A validade jurídica vista nesse duplo sentido, formal e material, se apresenta como uma correção do positivismo normativista. Ferrajoli adota as teses de Kelsen (2006) da construção hierárquica (piramidal) do sistema jurídico, que também é defendida por Hart (1986) e Bobbio (2008), mas critica a sua simplificação somente nos conceitos de existência (vigência), pois entende que além deste conceito deve ser observado a sua validade material. (FERRAJOLI 2006, 2011a, 2011b, 2011c; GÓMEZ, 2012)
Trata-se de uma aporia do exercício de poder no Estado democrático de direito, que não existe em um Estado absoluto ou autoritário, que é a dissociação dos juízos de vigor (vigência) e de validade das normas. Em um Estado democrático de direito as constituições ditam as condições formais de vigência, “mas estabelecem ainda o que ao príncipe não deve desagradar (ou agradar), isto é, os direitos invioláveis dos cidadãos cuja garantia é condição de validade substancial das normas por ele produzidas.” (FERRAJOLI, 2006, p. 807)
O princípio da estrita legalidade das motivações judiciais exige que o juiz faça uma verificação jurídica das condições de validade formal da lei (vigência) e de validade material, ou seja, uma valoração da norma frente as normas superiores do ordenamento jurídico. Não pode, em um Estado democrático de direito, os juízes e os juristas se conformarem com uma análise acrítica e avalorativa das normas como se fossem dogmas indiscutíveis. A fidelidade ou sujeição à lei deve ser observada quanto “às leis constitucionais, sobre cuja base o juiz tem o dever jurídico, e o jurista tem a tarefa científica, de valorar – e eventualmente de censurar - as leis ordinárias vigentes.” (FERRAJOLI, 2006, p. 808)
O Garantismo permite assim superar duas falácias: a normativista, que não permite o reconhecimento de normas inválidas no ordenamento jurídico; e a realista, que impede o reconhecimento de normas válidas, mas não efetivas e/ou de normas inválidas, mas efetivas. (GÓMEZ, 2012; BAGGENSTOSS, 2014)
Não se deve olvidar que o juízo de validade substancial das leis é um juízo de valor, ou seja, sujeito a valoração operativa do juiz, e esta valoração que pode investir contra o princípio de estrita legalidade. Mas esta inclusão de valores se dá “sob a forma de limites ou deveres, nos níveis mais altos do ordenamento” (FERRAJOLI, 2006, p. 809), como é o caso da Constituição brasileira, e há exclusão de valores nos níveis mais baixos. Isso permite ao juiz, com base nestes valores, invalidar as leis que se coloquem em conflito.
Salienta Ferrajoli que por ser o sistema jurídico um mundo artificial, criado pelo homem, ele comporta, naturalmente, vícios e aporias. Além disso, os modernos Estados de direitos trazem um ranço de poder ilegítimo, consistentes em normas indevidamente vigentes e de lacunas, que podem ser “reduzidos com a ativação e ampliação dos mecanismos de autocorreção do ordenamento dirigidos a assegurar a efetividade dos princípios garantistas. Mas isso requer a crítica, sem prejuízo das leis, não apenas do exterior, mas antes ainda do interior.” (FERRAJOLI, 2006, p. 810)
Nesse sentido, a crítica ao direito é a principal tarefa da jurisprudência e da ciência jurídica, pois a coerência e completude do sistema jurídico, postulados do juspositivismo dogmático, no Estado democrático de direito são “ideais limites de direito válido, que não refletem o ‘ser’ efetivo mas o ‘dever ser’ das normas superiores.” (FERRAJOLI, 2006, p. 810) O que não pode acontecer é uma postura dogmaticamente acrítica e avalorativa da lei de modo a ocultar as suas as lacunas e a legitimar as leis apenas devido a sua vigência, sem considerar a sua (in)validade material frente as normas superiores (mormente às constitucionais). (FERRAJOLI, 2006)
Neste aspecto, o positivismo crítico da teoria garantista ressalta a importância dos direitos fundamentais como fonte de legitimidade material de todo ato produzido pelo Estado. Não se satisfaz com a mera existência (vigência) da norma, ou seja, não confunde vigência com validade. É necessário que toda norma esteja de acordo com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico para que seja válida. Até então, foi visto questões referente ao aspecto normativo e teórico jurídico do Garantismo e de que modo esta teoria está ligada a defesa dos direitos fundamentais. Agora, no próximo capítulo, será abordado o seu aspecto como filosofia do direito e, desse modo, a análise do “ponto de vista externo”, ético-político, da justiça.
4 TERCEIRO ASPECTO: GARANTISMO COMO FILOSOFIA DO DIREITO E CRÍTICA DA POLÍTICA
O terceiro aspecto do Garantismo de Ferrajoli trata-se de uma perspectiva filosófico política que exige do direito e do Estado uma constante justificação externa dos bens e dos interesses dos quais tutela. Nos dois primeiros aspectos, como modelo normativo e como teoria jurídica, Ferrajoli propõe uma crítica do “ponto de vista interno” do ordenamento jurídico. Agora, este terceiro aspecto do Garantismo consiste em uma doutrina laica de separação do direito e moral, da validade e justiça, “da legitimação e de perda da legitimação ético-política do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo.” (FERRAJOLI, 2006, p. 787) Observa Trindade que Ferrajoli mantém hígida em “Principia Iuris” a sua posição da separação entre direito e moral. Ferrajoli entende que “a circunstância de que as leis e as Constituições incorporam valores não significa que exista uma conexão conceitual entre direito e moral”. (TRINDADE, 2011, p. 119)
Ferrajoli parte do raciocínio que os valores fundadores, que são os interesses e necessidades naturais - individuais e coletivas - são a justificação ou a razão de ser do direito e do Estado, pois estes são coisas artificiais, criados pelo homem. Com base no respeito a estes interesses e necessidades que se faz a crítica relativa ao “ponto de vista externo” do direito. Ressalta Ferrajoli (2006) que, historicamente, sempre houve duas orientações opostas: uma que defende “a ideia de autojustificação do direito penal como valor em si ou como imediata atuação de valores ontológicos e metajurídicos, e aquela de sua heterojustificação como instrumento oneroso de tutela de interesses concretos e vitais dos cidadãos.” (FERRAJOLI, 2006, p. 812) As primeiras orientações entendem que o direito e o Estado são bens e valores intrínsecos; e as segundas defendem que estas instituições políticas e jurídicas são males necessários para a satisfação dos direitos e interesses básicos das pessoas.
Ferrajoli, parafraseando Niklas Luhman, em expressão utilizada na sua teoria sistêmica2, denomina de doutrinas autopoiéticas as que entendem que o Estado é o fim em si mesmo. As segundas, a contrário senso, são denominadas por Ferrajoli de doutrinas heteropoiéticas, pois entendem o Estado como um meio (e não um fim em si mesmo), legitimado “unicamente pelo fim de garantir os direitos fundamentais do cidadão, e politicamente ilegítimo se não os garante, ou pior, se ele mesmo os viola”. (FERRAJOLI, 2006, p. 812)
Para as doutrinas autopoiéticas as leis não têm somente validade e vigor, mas possuem um valor a priori. São doutrinas que confundem o direito com a moral, o ser com o dever ser. Tiveram enorme e nefasta influência na história da cultura política, em especial “as doutrinas idealistas, nas múltiplas versões do juspositivismo ético-liberal-nacionalista, fascista e stalinista – de várias formas resultantes da doutrina hegeliana de ‘estado ético’.” (FERRAJOLI, 2006, p. 813) Para estas doutrinas, o direito e o Estado são bens por si só, o que faz com que se perca a justificação ético-político externa e que o poder do Estado se torne ilimitado.
Ao contrário, heteropoiéticas são as teorias segundo as quais a legitimação política do direito e do Estado provém “da sociedade, entendida como soma heterogênea de pessoas, de forças e de classes sociais”. (FERRAJOLI, 2006, p. 813) Para estas doutrinas o direito “é concebido como um ‘artifício’ criado pelo homem e para o homem, como seu instrumento. O que para este é natural não é, com rigor, o Estado ou o poder, mas as pessoas e as suas necessidades vitais”. (FERRAJOLI, 2006, pp. 813 e 814)
Nesse aspecto do garantismo, Ferrajoli (2006) entende os direitos fundamentais como princípios axiológicos (extrajurídicos) e não como entidades ontológica, normativas (positivadas). Assevera que este foi o vício ideológico do jusnaturalismo, de conceber os direitos naturais como entidades ontológicas. Assim, na sua concepção os direitos naturais não são realidades objetivas, mas são princípios axiológicos essenciais (fundamentais) para as pessoas. Nessa concepção de justificação externa, o Estado não é um valor, nem um fim em si mesmo, mas uma instituição humana que serve aos interesses do homem para a proteção direitos humanos propriamente ditos, vistos como valores essenciais ao Ser Humano.
Diferente de toda a forma de totalitarismo, que prima por uma visão finalista e otimista do poder como bom, o garantismo tem como pressuposto uma visão pessimista do poder, pois o poder, na ausência de limites e garantias, degenera em arbítrio. Desta forma, o Estado democrático de direito é caracterizado como “modelo de ordenamento justificado ou fundado por escopos inteiramente externos, declarados habitualmente de forma normativa, mas sempre incompletamente, nas suas constituições ou normas ou cartas fundamentais.” (FERRAJOLI, 2006, p. 817) Por isso, rejeita todo positivismo ético, visto que entende que o dever ser político permanece como ponto de vista externo, o que legitima a crítica do funcionamento de fato e dos modelos de direito das instituições estatais (FERRAJOLI, 2006)
Este esquema de justificação externa se traduz em uma aporia, no sentido de que a legitimação política do Estado democrático de direito não é nunca perfeita, visto que os escopos e valores justificativos nunca são plenamente realizados. No garantismo e na democracia os modelos normativos não são perfeitamente realizados e servem “como parâmetros de perda da legitimação política.” (FERRAJOLI, 2006, p. 818)
Ressalta Trindade (2011) que Ferrajoli reafirma a ideia de que o que marca as Constituições democráticas sempre foi a luta contra o poder. Essa concepção pessimista do poder é a base da teoria da democracia constitucional. Assim, “não há razão para se preocupar com a excessiva redução do poder e com o aumento dos vínculos substanciais ético-políticos impostos pela Constituição precisamente em face da separação entre direito e moral”. (TRINDADE, 2011, p. 128) Ao contrário, a face ética do direito e do Estado originou todas as modernas perversões autoritárias, que emergem em tempos de crise, desde o fascismo ao stalinismo.
A reabilitação do ponto de vista externo representa
o pressuposto de qualquer doutrina democrática do direito e do Estado. Comporta, no plano metodológico, o caráter normativo e não descritivo da doutrina política ou jurídica de fundação ancorada nos direitos e nos interesses vitais das pessoas (justificação externa); possibilitando a análise e a crítica política e jurídica dos “concretos desvios ou afastamentos de todo o sistema relativamente às suas fontes de legitimação, sejam internas ou externas. (FERRAJOLI, 2006, p. 822)
Segundo Ferrajoli (2006) essas fontes de legitimação permitem apenas justificações a posteriori (conotações empíricas), parciais (relativas a normas singulares), imperfeitas (grau mais ou menos alto de legitimidade, mas jamais de legitimidade absoluta), contingentes (ligadas a aspectos do passado ou do presente do sistema, nunca referente a seus aspectos futuros) e condicionadas (dependentes da força e da maturidade democrática dos sujeitos sociais e de sua capacidade de controle sobre os poderes).
5 CONCLUSÕES
Sanchís (2003, p. 104) ressalta que, em sua opinião, o Garantismo é uma das mais estimulantes
orientaciones del actual pensamiento jurídico y heredero legítimo de la filosofía ilustrada que alento la formación del primer Estado de Derecho. Ferrajoli ha insistido en que el paradigma garantista “es uno y mismo que el de actual estado constitucional”, o en que representa “la otra cara del constitucionalismo”, concretamente aquella que se encarga de “formular las técnicas de garantía idôneas para assegurar em máximo grado de efectividade a los derechos reconocidos constitucionalmente.
Como disse Bobbio no prefácio à 1ª edição italiana de “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”: “Pode-se consentir ou dissentir. Mas não se deve nunca ficar angustiado por entender aquilo que o autor quis dizer.” (FERRAJOLI, 2006, p. 7) O Constitucionalismo Garantista trata-se de uma teoria normativa, teórico jurídica e filosófico–política do direito, em especial do direito constitucional.
Certo que, desde o lançamento de “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal” no final da década de 80 do século passado e da sua repercussão mundial, o Garantismo Jurídico foi alvo de muitas críticas e elogios. O que permitiu que Ferrajoli desenvolvesse e consolidasse a sua teoria, que se deu com a publicação de “Principia Iuris: Teoria del Diritto e della Democrazia”. Referente a esta obra, salienta Trindade (2011, p. 113) que “é possível afirmar, seguramente, que Principia Iuris: Teoria del Diritto e della Democrazia, de Luigi Ferrajoli, é uma das obras mais importantes no direito desde a publicação de Reine Rechtslehre, de Hans Kelsen.”
Ferrajoli classifica o Constitucionalismo Garantista como uma teoria juspositivista crítica, não puramente juspositivista (ou positivista dogmática), pois inova no sentido de propor uma crítica com base nos valores que estão no cume da escala normativa do ordenamento jurídica, em especial na Constituição, pois, segundo ele “em cada caso, os valores não são exorcizáveis: expulsos pela porta, entram novamente pela janela. E, no fundo, é bom que assim seja”. (FERRAJOLI, 2006, p. 806) Afasta, de forma veemente, o legalismo ético, por isso a sua teoria tem como base a separação do direito e da moral em todos os seus aspectos (normativo, teórico jurídico e filosófico-político) e tem no liberalismo uma filosofia de limite e controle do poder, tanto público (estatal), como privado.
Neste mote, como foi visto neste estudo, Ferrajoli estruturou a teoria geral do Constitucionalismo Garantista em três aspectos diversos: os dois primeiros têm por base o “ponto de vista interno” do ordenamento jurídico, já o terceiro, o “ponto de vista externo” desse ordenamento. Na perspectiva normativa e teórico jurídica, o garantismo visa proteger e dar efetividade aos direitos fundamentais, sendo estes visto como valores essenciais (morais) que foram positivados no ordenamento jurídico. Já, na perspectiva filosófico-política, o garantismo visa proteger os direitos humanos (naturais), vistos como valores axiológicos essenciais a todas as pessoas.
No primeiro aspecto, “normativo”, propõe uma teoria própria do Estado democrático de direito que sobressaia a estrita legalidade, ao estabelecer parâmetros de racionalidade, de justiça e de legitimidade para a intervenção estatal. Assim, no plano formal, o Estado democrático de direito é marcado pelo princípio da legalidade e, no plano substancial, pela garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
No aspecto teórico jurídico, trata-se de uma teoria jurídica da validade e da efetividade, em que a validade se traduz na legitimação das normas jurídicas frente aos princípios e garantias estabelecidas pela Constituição. São legítimas, consequentemente, válidas, as normas que estão de acordo com os princípios e garantias constitucionais e, por sua vez, inválidas e ilegítimas, as que vão de encontro a estes princípios e garantias. Já, no plano fático, pugna pela plena efetividade de modelos normativos que garantem os direitos fundamentais.
Nesse ponto, o Garantismo Jurídico supera o positivismo (dogmático), reconhecendo que pode haver normas vigentes que não são válidas, se forem de encontro aos princípios e garantias constitucionais. Bem como, normas não efetivas, mas que são válidas e vigentes. Portanto, tenta superar as falácias normativista e realista.
E, por fim, como “filosofia do direito”, o garantismo imputa o ônus de justificação do poder ao Estado e ao próprio direito. Nessa perspectiva, tanto o direito, como o Estado são “coisas artificiais”, que servem de meios para a satisfação dos interesses e necessidades do homem. Por isso, necessitam de constante justificação externa quanto aos bens que ficaram responsáveis por tutelar. Logo, há uma inversão de princípios quando o Estado e/ou o direito se constituem em fins em si mesmos, perdendo, pois, o ônus da justificação externa. A ação do Estado só detém legitimidade quando visa garantir ou proteger os direitos humanos, vistos estes como valores axiológicos essenciais.
Fica claro, que no aspecto normativo e teórico-jurídico Ferrajoli propõe uma teoria formal que visa garantir os direitos fundamentais, ou seja, direitos que estão positivados no ápice do ordenamento jurídico e que influenciam toda a produção normativa do Estado. Tais Direitos Fundamentais são concreções dos valores de liberdade, igualdade e solidariedade, que se resume no conceito abstrato de dignidade humana (ATIENZA, 2013), todos vistos de um “ponto de vista interno” do ordenamento jurídico. Mas, também, quanto ao “ponto de vista externo”, ou seja, do ponto de vista axiológico (da justiça), o garantismo jurídico visa proteger os direitos naturais do homem, na perspectiva de valores essenciais para vida humana. Agora, não se trata de direito positivado, mas sim de direitos humanos que se traduzem em valores fundamentais.
Portanto, o garantismo jurídico trata-se de uma importante teoria juspositivista (crítica) que visa dar suporte as bases jurídicas do Estado constitucional de direito, tendo por principal objetivo a defesa intransigente dos direitos humanos e fundamentais.
REFERÊNCIAS
ATIENZA, Cristina Monereo, Teoría formal y material de lós derechos fundamentales. Reflexiones em torno a la teoria de lós derechos fundamentales de Luigi Ferrajoli. In: Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, Valência, nº 27, p. 121-154, 2013.
BAGEENSTOSS, Grazielly Alessandra. A contemporaneidade das teorias reducionistas a partir da teoria jurídica bobbiana. In: RECHTD. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, São Leopoldo, vol. 6, nº 2, p.167 -175, 2014.
BARRETTO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2008.
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; GRUBBA, Leilane Serratine. Direitos humanos e direitos fundamentais: convergências entre Joaquín Herrera e Luigi Ferrajoli. In: Espaço Jurídico: Journal of Law. [s.l.], vol.13, nº 1 p. 157 -178, 2012.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
______________. Por uma carta de bens fundamentais. In: Sequência: Estudos Juridicos e Politicos. [s.l.], Vol.3, p.27-73, 2010.
_______________. Principia iuris I: teoría del derecho. Tradução para o espalhol de P. Andrés Ibáñez, J. C. Bayón, M. Gascón, L. Prieto Sanchís, A. Ruiz Miguel. Madrid: Trotta, 2011a.
_______________. Principia iuris II: teoría de la democracia. Tradução para o espalhol de P. Andrés Ibáñez, J. C. Bayón, M. Gascón, L. Prieto Sanchís, A. Ruiz Miguel. Madrid: Trotta, 2011b.
_______________. Principia iuris III: La sintaxis del derecho. Tradução para o espalhol de P. Andrés Ibáñez, J. C. Bayón, M. Gascón, L. Prieto Sanchís, A. Ruiz Miguel. Madrid: Trotta, 2011c.
GÓMEZ, Patricia Cuenca. La compleja teoría de la validez jurídica de Principia Iuris. Una revisión crítica. In: Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, Valência, nº 26, p. 57- 81, 2012.
GORCZEVSKI, Clovis; TAUCHEN, Gionara. Educação em Direitos Humanos: para uma cultura da paz. In: Educação, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 66-74, jan./abr. 2008. Disponível em http://www.dhnet.org.br/educar/textos/gorczevski_edh_cultura_paz.pdf, acesso em 21-06-16.
HART, L. A. Herbert. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
IPPOLITO, Dario. O garantismo de Luigi Ferrajoli. In: Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), São Leopoldo, Vol.3, p. 34-41, 2011.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional aberta. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
MAYERLE, Daniel; STEFFEN, Pablo Franciano. A questão da legitimidade das normas jurídicas: um estudo a luz das doutrinas de Luigi Ferrajoli e Konrad Hesse. In: Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, nº 26, p. 30-36, maio/ago. 2015. Disponível em http://blog.newtonpaiva.br/direito/wp-content/uploads/2016/02/DIR-26-03.pdf, acesso em 12-04-16.
PORTINARO, Pier Paolo; “Autocracia de la razón, liberalismo de lós derechos, democracia de los garantes. El programa normativo de Luigi Ferrajoli”. In: Doxa: Cuadernos de Filosofía del Derecho, nº 31, 2008, pp.299-313
SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
SEGUÍ, Joan Alfred Martínez i. Democracia constitucional cosmopolita, federalismo y esfera pública em el iuspositivismo constitucionalista de Luigi Ferrajoli. In: Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, Valência, nº 26, p. 168-190, 2012.
SIFUENTES, Francisco M. Mora. El garantismo como constitucionalismo de reglas. (Apuntes sobre las normas en Principia Iuris). In: Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, Valência, nº 26, p. 191- 206, 2012.
SÁNCHEZ-SECO, Fernando Centera. La crisis de la ley en Luigi Ferrajoli: algunas consideraciones desde la teoría de la legislación. In: Cuadernos electrónicos de filosofía del derecho, Valência, nº 26, p. 283- 309, 2012.
SANCHÍS, Luis Prieto. Justicia constitucional y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2003
TRINDADE, André Karam. A teoria do direito e da democracia de Luigi Ferrajoli: um breve balanço do “Seminário de Bréscia” e da discussão sobre Principia Iuris. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 103, pp. 111-137, jul./dez. 2011. Disponível em “http://www.pos.direito.ufmg.br/rbepdocs/103111138.pdf”, acesso 27-04- 2016.
2 Niklas Luhmam, com a sua teoria dos sistemas, adotou a perspectiva autopoiética do Direito. (BARRETTO, 2009, p. 550) O termo “autopoiético” baseia-se nas definições dos biológicos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. (FERRAJOLI, 2006)