Análise da tipificação do feminicídio no Direito Penal Brasileiro sob a perspectiva do Direito Penal Simbólico

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O objetivo do presente trabalho é analisar ineficácia da qualificadora de feminicídio implementada pela Lei n° 13.104/15. Tendo sido utilizados como métodos de pesquisa científica a análise doutrinária, dialética, documental e bibliográfica.

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar ineficácia da qualificadora de feminicídio implementada pela Lei n° 13.104/15. Tendo sido utilizados como métodos de pesquisa científica a análise doutrinária, dialética, documental e bibliográfica. Para tanto foram abordados temas relativos aos aspectos históricos da violência de gênero, Lei do feminicídio e sobre o Direito Penal Simbólico. Por fim, conclui-se que a tipificação do feminicídio pelo Direito Penal é ineficaz, em razão dos números em alta de mortalidade de mulheres em razão do gênero, e fica cristalino que a tipificação ocorreu para que a população tivesse uma resposta imediata do Estado sobre a violência contra as mulheres.

 

Palavras-chaves: Feminicídio. Direito Penal. Violência. Ineficácia. Direito Penal Simbólico.

 

Abstract

The aim of this paper is to analyze the typification of feminicide and the ineffectiveness of Criminal Law from the perspective of Symbolic Criminal Law. Having been used as methods of scientific research the doctrinal, documental and bibliographic analysis. To this end, topics related to violence against women in Brazil, the institute of feminicide and Symbolic Criminal Law were addressed. Finally, it is concluded that criminal law was ineffective in classifying femicide as a way of reducing violence against women, being certain that the type that occurred is linked to Symbolic Criminal Law, as a response to the population about the countless deaths of women in Brazilian territory.

 

Key-words: Femicide. Criminal Law. Violence. Ineffectiveness. Symbolic Criminal Law.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A violência contra as mulheres no Brasil. 2.1 Conceito de violência. 2.2 A relação entre o machismo e o patriarcado com a violência contra a mulher.  3 A tipificação do feminicídio no Direito Penal Brasileiro; 3.1 Conceito de feminicídio. 3.2 Sujeitos da Lei de feminicídio. 4 A tipificação do feminicídio como sendo objeto do Direito Penal Simbólico. 4.1 Breve síntese do Direito Penal Simbólico. 4.2 O aumento do feminicídio no Brasil. 4.3 Análise reflexiva do feminicídio sob a ótica do Direito Penal Simbólico. 5 Conclusão. Referências Bibliográficas.

1 Introdução

A condição de submissão da mulher sempre foi algo visto em uma sociedade machista em que o homem sempre foi colocado como sendo aquele que detém o poder, já a mulher sempre foi colocada como aquela que recebem as ordens.

E em razão dessa submissão da mulher e do machismo imperando na sociedade é que as mulheres sempre sofreram e ainda sofrem violência – vale ressaltar que a violência aqui é compreendida em todas as suas acepções, e não exclusivamente a violência física.

Várias foram às tentativas do Direito Penal em tentar combater a violência contra as mulheres, mas conforme os dados apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça de nada têm adiantado as medidas transformadas em lei. Dentre as medidas tomadas, uma delas foi à tipificação do feminicídio como qualificadora do delito de homicídio.

Diante o exposto, o objetivo central do presente artigo é analisar a tipificação do feminicídio e a ineficácia do Direito Penal sob a perspectiva do Direito Penal Simbólico.

Para tanto, foram traçados também objetivos específicos para facilitar o desenvolvimento da presente pesquisa, buscando uma melhor clareza sobre o tema em estudo. Dessa forma serão analisados os dados históricos sobre a violência contra as mulheres no Brasil, como ocorreu a tipificação no feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro e um estudo sobre o Direito Penal simbólico.

Para que pudesse ser feito o presente estudo foram utilizados como métodos de pesquisa científica a análise doutrinária, documental e bibliográfica.

Dessa maneira, o presente estudo foi dividido em 5 tópicos, de forma a possibilitar o desenvolvimento didático e coerente do objeto da pesquisa. No primeiro tópico o condão foi analisar a violência contra as mulheres no Brasil, fazendo uma contextualização histórica e levantamento de dados.

No segundo tópico o objetivo foi desvendar a Lei de feminicídio, com vistas a estudar o conceito, os sujeitos do feminicídio e a diferença entre feminicídio e femicídio.

O terceiro tópico por sua vez, trouxe uma breve síntese do Direito Penal Simbólico, para que no quarto tópico fosse analisado a ineficácia do Direito Penal no combate à violência contra as mulheres, e o porque a tipificação do feminicídio seria objeto do Direito Penal Simbólico.

Por fim, no último tópico concluiu-se que o direito penal foi ineficaz ao tipificar o feminicídio como forma de diminuição da violência contra as mulheres, sendo certo que a tipificação ocorrida está atrelada ao Direito Penal Simbólico, como sendo uma resposta a população sobre as inúmeras mortes de mulheres no território brasileiro.

 

2 A violência contra as mulheres no Brasil

Para que se possa entender a violência contra as mulheres no Brasil, é necessário que se entenda de antemão o conceito de violência e a influência do patriarcado e do machismo para o alto índice de violência contra as mulheres.

 

2.1 Conceito de violência

 

O conceito de violência pode variar de sociedade para sociedade, de uma classe social para outra, e nesse sentido aqui utilizamos o conceito de violência dado por Pinheiro e Almeida (2003, p. 14):

 

Violência provém do latim violentia, que significa “veemência”, “impetuosidade”, e deriva da raiz latina vis, “força”. Certamente, deve ter havido alguma interação entre “violência” e “violação”, a quebra de algum costume ou dignidade. Isso é parte da complexidade do termo.

 

Desse modo, podemos conceituar a violência, com sendo o uso da força de forma intencional, que provoca dano a alguém, e que não precisa ser somente o dano físico. Pois como previsto na Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher, por exemplo, pode ser moral, física, psicológica, sexual ou patrimonial, senão vejamos:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e àautodeterminação;

III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais ereprodutivos;

IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suasnecessidades;

V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.(BRASIL,2006)

 

A Lei Maria da Penha foi um marco para o conceito de violência, pois passamos a entender as formas em que a violência pode se dar, pois anterior à promulgação da citada lei tinha a falsa ideia de que para que pudesse ser configurada violência, necessariamente tinha que ser a física, e as demais eram consideradas o mero dissabor das relações interpessoais.

Outro aspecto importante a ser analisado dentro do contexto do conceito de violência é falar sobre a violência contra as mulheres, e por consequência falar sobre a violência de gênero.

Segundo Lira e Barros (2015, p. 278) o termo violência contra as mulheres “é uma expressão criada pelo movimento social feminista, e faz referência, de modo geral, a sofrimentos e agressões que estão tradicional e profundamente enraizados na vida social”

No que concerne ao conceito de violência de gênero, Safiotti explica que:

 

é o conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou pelo menos tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. (SAFIOTTI, 2002,p. 197)

 

Com base nisso, podemos dizer que a violência contra as mulheres e a violência de gênero, tem fortes traços da cultura machista e da concepção de sociedade patriarcal, visto que está muito ligada a posição inferior em que a mulher é colocada em detrimento da superposição ocupada pelo homem.

Vale ressaltar que violência de gênero e patriarcado não são sinônimos, e acerca disso explica Diniz (2015, p.225-239):

 

Se patriarcado e gênero são conceitos que movimentam a nomeação do feminicídio como matança de mulheres, a tensão conceitual anima resistências ou mesmo diferenças entre compreensões analíticas. A principal crítica é que patriarcado seria um conceito estático e pouco sensível às diferenças entre as culturas, portanto, pouco produtivo como marco analítico para compreender as razões da matança de mulheres. Essa nos parece uma crítica sensível à diversidade, mas que reduziria o patriarcado a um de seus regimes políticos, o gênero. Patriarcado e gênero não são sinônimos, apesar de se confundirem. O patriarcado é um marco de poder, com diferentes regimes de governo pela subalternização, pela vigilância e pelo castigo. O gênero é só um deles; a colonialidade, a classe ou a cor são outros. Esse cruzamento entre regimes recebeu o título de interseccionalidade, uma multiplicidade de classificações e controles dos corpos que problematizam tentativas genealógicas e absolutizantes das formas de opressão. Neste ensaio, reconhecemos a existência de múltiplas configurações que atualizam e particularizam o patriarcado como poder, e o gênero, como regime político de governo da vida.

 

A partir do conceito de violência, no próximo tópico será analisada a influência do machismo e do patriarcardo na violência contra as mulheres, buscando para tanto abordar a posição da mulher na socieade patriarcarl.

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2.2 A relação entre o machismo e o patriarcado com a violência contra a mulher

 

Antes que se faça uma análise sobre a influência do machismo e do patriarcado na violência contra a mulher, é válido deixar registrado duas passagens de livros da autora Chimamanda, uma escritora feminista que escreve sobre o feminismo e adverte sobre a subordinação na qual a mulher está inserida em nossa sociedade, senão vejamos:

Nós ensinamos às garotas a se encolherem, a se fazerem menores. Nós dizemos às garotas - você pode ter ambição, mas não muita. Você deve ter o objetivo de ser bem sucedida, mas não muito, porque se não ameaçará os homens.

Por ser uma mulher, as pessoas esperam que eu queira casar. Esperam que eu tome as decisões de minha vida levando sempre em conta que o casamento é o mais importante. Um casamento pode sim ser fonte de alegria, amor e apoio mútuo. Mas por quê ensinamos as garotas a querer casar e não fazemos o mesmo com os garotos?

Criamos as garotas para competirem não por empregos ou feitos, o que acho que pode ser uma boa coisa, mas pela atenção dos homens. Ensinamos às garotas que elas não podem ser seres sexuais da mesma forma que os garotos são.(ADICHIE, 2015, apud KURTZ; PEDRAZZA, 2016, p. 9-10)

 

E continua, explicando que:

 

Perdemos muito tempo ensinando as meninas a se preocupar com o que os meninos pensam delas. Mas o oposto não acontece. Não ensinamos os meninos a se preocupar em ser “benquistos”. Se, por um lado, perdemos muito tempo dizendo às meninas que elas não podem sentir raiva ou ser agressivas ou duras, por outro, elogiamos ou perdoamos os meninos pelas mesmas razões. Em todos os lugares do mundo, existem milhares de artigos e livros ensinando o que as mulheres devem fazer, como devem ou não devem ser para atrair e agradar os homens. Livros sobre como os homens devem agradar as mulheres são poucos. (ADICHIE, 2015, p. 28-29)

 

Conforme os excertos do livro da autora Chimamanda, podemos perceber que as mulheres tem uma posição inferiorizada perante o homem, e que a ela são destinados determinados papeis ou comportamentos, que ao homem não são dados. E como veremos isso é uma influência do patriarcalismo e do machismo.

Uma sociedade patriarcal cria o estereótipo de que a mulher é um ser frágil, que necessita ser protegida, e deve ser subordinada ao homem. Nesse sentido, Gerhard aponta que:

Repassaram para a mulher a concepção de que ela é delicada e precisa ser protegida, sendo transmitida ao homem a função de protetor. Assim, não precisa muito para o homem passar do sentimento de superioridade e proteção para a agressão. Assim, estes preceitos de comportamento estabelecidos, de maneira muito consagrada, são consciente ou inconscientemente, considerados códigos de honra. A sociedade reitera ao homem o papel paternalista, impondo à mulher total dependência e jugo. (GERHARD, 2014, p. 65).

 

Para além, desse estereótipo em que a mulher foi colocada, o patriarcalismo juntamente com a cultura machista, impõe que a mulher seja subordinada, e que a ela não cabe, por exemplo, papéis de destaque como são dado aos homens.

Nesse ponto Moraes (2008, p. 495), afirma que há uma segregação entre homens e mulheres, e no que concerne a desigualdade, essa atinge em sua maioria as mulheres “que são mais pobres que os homens, ganham menores salários e assumem maiores responsabilidades”. E como se não bastasse essa desigualdade em razão do machismo, faz com que as mulheres se tornem vítimas da violência brutal da sociedade, que em grande maioria, senão em todas as vezes o homem e o agressor. (MORAES, 2008, p. 495)

 

3 A tipificação do feminicídio no Direito Penal Brasileiro

Tendo sido feitas as devidas considerações acerca da violência de gênero, este tópico visa analisar a Lei nº 13.1 04/2015, por meio do qual serão analisados  o conceito de feminicídio, a diferença entre femicídio e feminicídio, sujeitos do delito de feminicídio, a possibilidade de travestis e transexuais figurarem no polo passivo do feminicídio e questões jurídicas atinentes a dosimetria da pena.

 

3.1 Conceito de feminicídio

Por feminicídio, segundo Santos (2018, p. 14) entende-se que é a morte de mulheres, que a única razão é o seu gênero. Corroborando o conceito de feminicídio ora apresentado, destaca Ruana Brovenda Bif:

Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem menos direitos do que as do sexo masculino. (BIF, 2018 apud ORTEGA 2016, p.1)

Ainda complementa BIF (2018 apud BARROS, 2015, p. 1):

O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher.

Assim, para que seja caracterizado o  feminicídio, conforme estabelece o art. 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, a morte da mulher tem que ser em razão da condição do sexo feminino. Desse modo, não se pode confundir o feminicídio com o feminicídio, tendo em vista, que o femicídio segundo Estefam (2018, p. 113) é uma "terminologia empregada para indicar o assassinato de mulheres em sentido amplo."

[...] o femicídio é o genus, compreendendo qualquer homicídio que tenha uma mulher como vítima, ainda que motivado por questões absolutamente alheias ao seu gênero, e o feminicídio, specie, designativo da supressão da vida de mulheres decorrente de questões de gênero ou, na expressão adotada pelo nosso Código, por razões da condição de sexo feminino. (ESTEFAM, 2018, p. 134)

 

Para que se pudesse fazer uma diferenciação entre o femicídio e o feminicídio, a Lei de feminicídio acrescentou o §2 º-A no código Penal para explicar o que é considerado a razão da condição de sexo feminino, para que o feminicídio esteja configurado, in verbis:

 

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (BRASIL, 2015)

 

No inciso I, do § 2º, do art. 121, do Código Penal, se refere sobre a violência doméstica e familiar, que se encontra conceituado no art. 5º, da Lei Maria da Penha, in verbis:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.(BRASIL, 2006)

 

Já o inciso II, por sua vez se refere ao menosprezo ou discriminação à condição de mulher, a respeito do tema Masson (2018, p. 75) explica que:

 

Aqui não se exige a violência doméstica ou familiar. As “razões de condição do sexo feminino” se contentam com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A pessoa que mata a mulher nela enxerga um ser inferior, com menos direitos. Exemplo: o aluno de uma prestigiada universidade mata a colega de sala que está prestes a concluir o curso com as melhores notas da turma, por não aceitar ser superado por uma mulher.

 

3.2 Sujeitos da Lei de feminicídio

É pacífico na doutrina ao tratar sobre o sujeito ativo do delito de feminicídio, que este possa ser homem ou mulher, tendo em vista que estamos diante de um crime comum. (ESTEFAM, 2018, p. 137)

Lado outro ao se referir ao sujeito passivo, temos que somente as mulheres podem figurar no polo passivo do presente delito. Contudo, conforme estabelece Estefam (2018, p. 137) o homem poderá sim ser vítima de feminicídio, quando estivermos diante de aberractio ictus, ou seja, em se tratando de erro de execução.

 

Nesse instituto, o agente visa atingir determinada pessoa (no caso, pretende matar uma mulher em situação configuradora de feminicídio), mas, por erro na execução ou desvio no golpe, atinge uma pessoa diversa da pretendida (um homem). Nossa legislação determina que o sujeito responda pelo fato como se houvesse atingido quem pretendesse, de tal maneira que mesmo tendo matado uma pessoa do sexo masculino (resultado efetivamente produzido), seráo responsabilizado criminalmente por feminicídio (resultado pretendido/visado pelo agente).(ESTEFAM, 2018, p. 137)

 

A grande problemática sobre o sujeito passivo do delito de feminicídio é acerca da possibilidade de travestis e transexuais poderem ser consideradas vítimas. Antes que se possa adentrar, ao presente questionamento, vale ressaltar que “a transexualidade não se confunde com a homossexualidade, é dizer, a atração sexual por pessoa do mesmo sexo.” (MASSON, 2018, p. 75)

 

A transexualidade, por seu turno, é classificada pela Organização Mundial de Saúde como uma espécie de transtorno de identidade de gênero, na qual o indivíduo tem o desejo de viver e de ser aceito como do sexo oposto ao do seu nascimento. Nos dias atuais, é comum a transgenitalização, ou seja, a cirurgia de redesignção sexual. (MASSON, 2018, p. 75)

 

Segundo a corrente conservadora, que tem como um dos percussores o jurista Cleber Masson, ainda que a travesti ou a transexual tenha feito a cirurgia de redesignação sexual, está não poderá ser considerada vítima de feminicídio, iainda que tenha ocorrido a retificação de nome no registro civil. Pois conforme destaca Masson (2018, p. 75) "a vítima biologicamente não ostenta o sexo feminino, tanto que jamais poderá reproduzir-se, pela ausência dos órgão internos." O citado autor, ainda destaca, que sendo possível que travestis e transexuais figurem no polo passivo do delito de feminicídio, seria prejudicial ao agente que cometeu o delito, "constituindo-se em inquestionável analogia in malam partem, repudiada pelo moderno Direito Penal.

"(MASSON, 2018, p. 76)

A corrente moderna, que tem como defensor o jurista Rogério Greco, entende que ainda que não se tenha feito a cirurgia de redesignação sexual, mas a travesti ou a transexual que tenha feito a retificação de nome, poderá ser considerada vítima do delito de feminicídio, não sendo desta forma considerado uma analogia in mala partem.(GRECO, 2017, p. 81) Lado outro Greco (2017, p. 81) que nenhuma outra corrente deve ser adotada, tendo em vista que a norma em analise é incriminadora, e deve ser interpretada de forma restrita.

Feita as devidas considerações, temos que a corrente moderna seria mais acertada, tendo em vista, não se faz necessário que haja a cirurgia de redesignação sexual, para que a travesti ou a transexual, ostente o seu gênero feminino, e se esbarrando a corrente defendida por Greco, o fato de ter havido a retificação de nome é o bastante. Assim, as vítimas do feminicídio poderão ser mulheres cisgêneros, mulheres tansgêneros e travestis.

 

4 A tipificação do feminicídio como sendo objeto do Direito Penal Simbólico

4.1 Breve síntese do Direito Penal Simbólico

A criminalidade a cada dia que passa tem crescido cada vez mais, fazendo com que haja a violação de mais bens jurídicos, e por consequência passa exigir que o Direito Penal tivesse uma atuação mais ativa no combate da criminalidade. Isto porque a sociedade acredita que o Direito Penal seja o seu guardião, pronto a protegê-la de todo e qualquer tormento que venha a acontecer.

Com essa idealização por parte da sociedade, e tamanha confiança que é destinada ao Direito Penal, este passa ter um valor simbólico e expande a atuação deste ramo do direito.

Esse movimento de expansão do Direito Penal é favorecido, entre outros fatores, pela necessidade que o legislador possui em conseguir votos. Ao procurar os meios mais eficientes, vislumbrou no discurso incriminador um grande potencial para conseguir se eleger ou se reeleger. A população, alarmada pelo sentimento de insegurança, vê nos discursos incriminadores a solução fácil e rápida para o combate ao crime (ANDRADE, 2014, p. 100 apud GASPAROTO; ACOSTA, 2018, p. 122).

 

Segundo Gasparoto e Acosta (2018, p. 122) com a expansão do Direito Penal “surge, deste modo, o que se convencionou chamar de Direito Penal Simbólico.” Segundo Anjos (2007) “a função simbólica é aquela pela qual não se objetiva, através do instrumental punitivo do Estado, a resolução efetiva de conflitos de interesses sociais.”

O objetivo da pena e do Direito Penal para a visão simbólica é apenas a produção na opinião pública de uma impressão de tranquilidade gerada por um legislador diligente e supostamente consciente dos problemas gerados pela criminalidade. (ANJOS, 2007)

 

A respeito da função simbólica Juarez Cirino dos Santos, explica que:

 

A legitimação do direito penal é simbólica, mas também instrumental: é simbólica porque problemas sociais recebem soluções penais, com satisfação meramente retórica à opinião pública; é instrumental porque revigora o direito penal como programa desigual de controle social seletivo, dirigido contra favelas e bairros pobres das periferias urbanas, especialmente contra a força de trabalho marginalizada do mercado, sem função na reprodução do capital e já punida pelas condições de vida. (SANTOS, 2002 apud MONTEIRO, 2015)

 

4.2 O aumento do feminicídio no Brasil

Como demonstrado no decorrer do estudo a Lei de feminicídio sancionada em 2015, teve como objeto a inserção da qualificadora no delito de homicídio, cujo objetivo era coibir a violência contras as mulheres.

Mas conforme recente pesquisada realizada pelo Conselho Nacional de Justiça no ano de 2019, o ano seguinte ao sancionamento da Lei de Feminicído, o Brasil registrava cerca de 3.339 processos de feminicídio, e em 2017 já contava com 4.209 processos e em 2018 por sua vez 4.461.

Se levarmos em consideração os dados apresentados na tabela anterior sobre o número de processos em tramitação nos tribunais e os apresentados por pesquisa feita em 2020, acerca das sentenças proferidas acerca de feminicídio, temos que muitos dos processos que tramitavam, não tiveram solução, ou ao menos não foi dada um decisão de primeiro grau.

Em 2016, como apresentado anteriormente estavam tramitando cerca de 3.339 processos, sendo que desses processos apenas cerca de 1.735 processos foram sentenciados.

No ano de 2017, os números foram mais assustadores, tedno em vista que estavam tramitando cerca de 4.209 processos, e só foram sentenciados cerca de 951 processos.

Diante das pesquisadas realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça, podemos perceber que mesmo após o sancionamento da Lei de Feminicídio, os números vêm aumentando cada vez.

 

4.3 Análise reflexiva do feminicídio sob a ótica do Direito Penal Simbólico

O projeto de Lei nº  292 de 2013, que antecedeu a Lei de Feminicídio, destacou em sua justificação que tipificar o feminicídio é importante, pois visa "reconhecer, na forma lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade."(BRASIL, 2013)

[...] e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido "crime passional". Envia, outrossim, mensagem positiva a sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas.(BRASIL, 2013)

 

Não podemos de modo algum, não reconhecer a importância da qualificadora de feminicídio, mas será que de fato a Lei de Feminicídio é eficaz e atinge os seus objetivos. Pois se pararmos para pensar, os dados ora analisados da pesquisa do Conselho Nacional de Justiça, demonstra que a Lei de Feminicídio, não conseguiu atingir tais objetivos. Acerca da servidão da Lei de Feminicídio, Cabette explica que:

 

A grande questão que se impõe é: para que serve então o alardeado “Feminicídio”? E a resposta clara e evidente é: para nada! Após o advento do “Feminicídio” o que  melhorará na vida das mulheres em risco de sofrerem violência ou mesmo serem assassinadas por seus algozes? Rigorosamente nada! O que era um crime qualificado continua sendo, a pena continua a mesma. Afora o fato já mais do que repetido pelos estudiosos do Direito de que a seara criminal não é  a  panaceia para todos os males, a criação de um novo  tipo penal ou pior, a mudança do nome de uma conduta já prevista como crime, da mesma forma e com a mesma pena, não é e nunca será a solução para qualquer problema social ou conflitivo. Essa é base do Direito Penal Simbólico: fingir que não se sabe dessas constatações há tempos disseminadas pela melhor doutrina, pela ciência criminal. Fingir que  não sabe o que na verdade sabe e seguir produzindo leis inúteis, mas que rendem para certas pessoas e perante determinados grupos dividendos políticos. (CABETTE, 2015, [online])

 

5 Conclusão

Por meio de uma breve análise histórica sobre a violência de gênero no Brasil, percebemos que está tem uma grande ligação com a condição de submissão que é dada a mulher, em detrimento do patriarcado e do machismo. vimos que, com isso as mulheres são vítima de violência brutal, em que muita das vezes o homem é o agressor.

Em decorrência de tanta violência sofrida pelas mulheres, das quais muita das vezes se compreendia somente a violência física, a Lei Maria deve um grande importância para conceituar quais as modalidades de violência sofridas pelas mulheres, que poderia ser passíveis de punição. Assim, em seu artigo 7º, a Lei Maria Penha dispôs que a violência contra as mulheres poderia ser: moral, física, psicológica, sexual ou patrimonial.

Como se não bastasse as violências descritas pela Lei Maria da Penha, as mulheres começaram a ser vítimas de homicídio, em que muita das vezes estava relacionada com o âmbito familiar e a seu gênero. Com a crescente morte de mulheres, no ano de 2015, o legislador resolveu então criar uma qualificadora específica no delito de homicídio para punir aqueles que matavam mulheres, somente pelo fato de serem mulheres. Assim, foi inserido o o inciso VI, no §2º do art. 121 do Código Penal.

Não podemos deixar de destacar a importância da implementação da qualificadora de feminicídio, já que este foi um grande avanço no combate a violência contra as mulheres, já que até então as mortes de mulheres em razão de seu gênero eram tidas como femicídios, sendo que na verdade se tratava de feminicídio. Contudo, como foi demonstrado a tipificação do feminicídio, foi na verdade a função simbólica do Direito Penal sendo colocada em pratica, visto que mesmo após o sancionamento da Lei de Feminicídio, de acordo com os dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça, a cada ano que passa o número de feminicídios tem aumentado cada vez mais.

Desse modo, a criação desse novo tipo penal, não foi eficaz ao combate da violência contra as mulheres. Assim, não basta que o Estado por meio do Direito Penal atue na criação de tipos penais para o combate de crimes, quando na verdade o certo era o Direito Penal, atuar quando outro meio não fosse viável.

 

Referências Bibliográficas

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Trad. Christina Baum. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

 

ANDRADE, André Lozano. Os problemas do direito penal simbólico em face dos princípios da intervenção mínima e da lesividade. Revista Liberdades, n. 17, p. 99-117, set./dez.2014. Disponível em:http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasedicoes/outrasedicoesexibir.php?rcon_id=214. Acesso em: 08 set. 2020.

 

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Sobre os autores
GLAUBER DA SILVA CORLAITE

Estudante de Direito, Faculdade UNA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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