RESUMO
No presente trabalho, pretende-se abordar as principais características das relações abusivas, principalmente, nas relações afetivas conjugais, bem como suas implicações jurídicas dentro do ordenamento jurídico penal.
Serão abordados as atitudes e comportamentos diversos do abusador diante sua vítima, analisando o crescimento dos homicídios, principalmente, os tipificados enquanto feminicídio como resultado da relação abusiva, bem como meios jurídicos instituídos para a coerção do abuso praticado além do agravamento das penas constante no ordenamento.
Palavras chave: Relações abusivas; Mulheres; Feminicídio; Implicação Jurídica
ABSTRACT
The monograph presented, the goal is to address the main characteristics of abusive relationships, mainly in marital affective relationships, as well as their legal implications within the criminal legal system.
It’ll be addressing the variety of abusive behaviors displayed by the abuser towards his victim, analyzing the growth of homicides, especially those typified as feminicide as a result of the abusive relationship, as well as the legal means instituted for the coercion of the abuse practiced in addition to the aggravation of the penalties constant in the ordering
Keywords: Abusive relationships; Women; Femicide; Legal Implication
{C}1. INTRODUÇÃO
Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (2017), homens e mulheres sofrem violência de forma diferenciada, ao passo que homens tendem a ser vítimas nos espaços públicos, as mulheres são atingidas cotidianamente dentro de seus próprios lares, geralmente, por seus companheiros ou conhecidos. A violência contra a mulher, vem tendo crescente ascensão na contemporaneidade, dados preocupantes, haja vista a condição de vulnerabilidade psicossocial em que as mulheres se submetem, ainda que inconsciente.
Somente entre o período compreendido de janeiro a dezembro de 2016, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2018, 503 mulheres a cada hora, foram vítimas de agressão. Dentre esses números, 22% das mulheres sofreram ofensas verbais; 10% ameaça de violência física; 8% sofreram ofensa sexual; 3% espancamento ou estrangulamento. Infelizmente, o mais preocupante é a origem desses abusos, 61% dos agressores são de pessoas conhecidas; 19% por seus próprios companheiros e 16% por seus ex companheiros. Dados extremamente alarmantes, conforme explanado nos seguintes gráficos:
FONTE: INSTITUTO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA – PUBLICADO EM 2018.
FONTE: INSTITUTO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA – PUBLICADO EM 2018.
Muitas mulheres, cerca de 52%, ainda não conseguem se posicionar sobre esses abusos e se calam, seja por medo do agressor, seja por impotência estrutural dentro do relacionamento. Embora, haja grandes mobilizações no sentido de coibir o abuso, principalmente com políticas psicossociais e jurídicas, muitas mulheres ainda encontram barreiras internas para denunciar e até mesmo livrar-se dessa situação.
Vale ressaltar que a violência proveniente da relação abusiva alcança mulheres em diferentes classes sociais, origens, regiões, estados civis, escolaridades, raças, orientações sexuais e idades. No entanto, estudos revelam que no Brasil, a violência contra a mulher, se apresenta com prevalência nas relações conjugais (FBSP). Em mesma pesquisa, revelou-se que 66% dos Brasileiros presenciaram uma mulher sendo agredida verbal ou fisicamente e 73% acreditam que a violência contra a mulher aumentou nos últimos 10 anos.
A violência contra as mulheres provoca danos físicos, depressão e comportamentos suicidas (BALONE, ORTOLANI IV, 2003). É importante atentar-se para a necessidade de apoio adequado às vítimas de relacionamento abusivo, tanto de profissionais quanto da própria família. De acordo com Marques (2005) normalmente, diante de uma ameaça, a reação de um indivíduo deveria ser o distanciamento, contudo, no contexto conjugal observa-se a repetição cíclica de ocorrências de violência contra a mulher ensejando, na maioria das vezes, em estado mais gravoso como o do feminicídio.
As análises demonstraram que, se por um lado o feminicídio é o resultado de uma série de violências, muitas vezes denunciadas nas delegacias e expostas em redes de telecomunicações, por outro, o Estado ainda não conseguiu uma visão macro de modo a pensar em como prevenir o feminicídio.
Como identificar quando há relação abusiva no meio conjugal ou até mesmo dentro de uma entidade familiar? A estrutura da relação abusiva deve ser observada com mais rigor pelo Estado? Neste caso, deve haver uma tutela mais intervencionista Estatal junto à vítima da relação abusiva?
Para o legislador é possível o cerceamento deste comportamento por meios coercitivos. Não se trata apenas de um breve pensamento oportunista quanto ao suprimento do comportamento abusivo, seja do parceiro ou até mesmo da parceira, mas sim da expectativa inovadora, quando das mudanças legais, à luz da técnica legislativa, aprofundando as discussões acerca do tema e assim unificando os entendimentos e até mesmo o posicionamento jurisdicional de modo que as ações coercitivas, contra o abusador, passam a ter seu papel efetivo e determinante. Temas como esses são de extrema importância. Abarcar de forma ampla e com a seriedade com que o caso requer torna-se essencial nos tempos modernos.
Diante dos fatos ventilados, faz-se necessário um estudo aprofundado sobre o tema, com o propósito de abordar o comportamento psicológico do agressor, a estrutura da relação conjugal, além das principais mudanças no ordenamento jurídico em relação as ações coercitivas dos atos praticados, bem como as dificuldades na aplicabilidade da Lei e penas impostas ao agressor.
2. CARACTERÍSITCAS DE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO
Para Avery Neal (2017), a maioria das relações começa assim, com uma instantânea emoção que nos faz pensar que conhecemos o outro de toda uma vida. Aquela tampa da nossa panela! À medida que o tempo passa, começamos a conhecer os verdadeiros aspectos de um e de outro. As pessoas que se relacionam de forma sadia sentem o declínio da paixão como algo natural. No entanto, para relações adoecidas, o tempo alimenta sentimentos destrutivos e perigosos.
Se por um lado, não conseguimos visualizar quando um relacionamento saudável acaba, por outro, salta aos olhos quando um relacionamento é baseado em temperamentos e atitudes abusivas.
Ainda na visão da autora, o relacionamento abusivo é um tratamento de um ao outro inadequado ou relacionado a maus-tratos. Para ela, as relações agressivas e controladoras são confusas e viver um relacionamento abusivo é traumático.
3. PERFIL PSICOSSOCIAL DO ABUSADOR
De acordo com Avery (2017):
“Grande parte da história de um relacionamento abusivo se encontra entre as explosões manifestas. São pelos padrões sutis clássicos de um abusador que podemos realmente obter a maior visão do relacionamento e a diferenciação de poder entre o autor dos abusos e sua parceira”.
Ainda segundo a autora, não é difícil de se identificar um relacionamento abusivo, basta apenas que se observe as atitudes e comportamento do abusador em face de sua parceira. Geralmente, o autor dos abusos tem uma postura controladora ou degradante. Lado outro, a vítima apresenta comportamento submisso e depressivo.
Para Sandra L. Brown (2018), reconhecida pelo seu trabalho pioneiro em questões femininas relacionadas aos danos causados por relacionamento abusivos, geralmente o autor do abuso tem distúrbios de personalidades (psicopatia), E em seu livro, Mulheres que amam psicopatas, Sandra, expõe histórias reais de mulheres que tiveram relacionamentos abusivos, e todos os abusadores apresentavam perfil de psicopatia.
4. RESULTADOS DO RELACIONAMENTO ABUSIVO
De acordo com a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017), uma mulher a cada duas horas é assassinada no Brasil e de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA - 2017) 71% são mulheres que viviam em relacionamentos abusivos e tiveram suas vidas ceifadas por seus próprios companheiros.
Podemos dizer que embora haja outros tipos de violências contra a mulher, dentro de um relacionamento abusivo, o feminicídio é o resultado de maior dano, tanto para quem teve sua vida destruída, quanto para seus familiares.
Para Brown (2018) o resultado desta violência extrema só é permitida porque a mulher se sente em uma situação de completo abandono, uma vez que não se sente capaz de sair deste relacionamento assim que os sinais começam a aparecer.
Em outros momentos, elas sequer se dão conta de que estão em um relacionamento abusivo, já que na maioria das vezes, estas associam a violência como sendo somente física, sem levar em consideração que há vários tipos de violência, como: mental, verbal, sexual, física, etc.
Marques (2005), destaca a situação da vítima diante de um relacionamento abusivo, quando menciona que esta, na maioria das vezes, sente dificuldade de se distanciar do seu abusador e o resultado acaba sendo sua morte. Para o autor, a vítima convive em um ambiente hostil, manipulador e extremamente repressor, transformando-a em uma prisioneira “anuente”, ou seja, não consegue se libertar daquela situação, pois sua alta estima estará abalada e já não existe mais alto confiança, fazendo com que ela acredite que não consegue seguir sua vida, sem a presença do seu agressor. Nesta relação, a atração psíquica pela relação adoecida pode levar ao resultado mais gravoso, qual seja: o feminicídio.
Segundo o relato de mulheres acompanhadas por Brown (2018), durante seu trabalho de pesquisas, a sensação de perda, de derrota é imensa. Muitas, acreditavam não haver razão para viver mais e até mesmo desejaram o fim de suas vidas. O mais assustador para estas mulheres, é que na maioria das vezes, se sentiam culpadas pelo adoecimento da relação e acreditavam que seus parceiros poderiam mudar seu comportamento e viveriam felizes para sempre.
5. CONSEQUENCIAS JURÍDICAS SOBRE RELACIONAMENTOS ABUSIVO
Em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Maria da Penha, criada com o objetivo de punir com mais rigor os agressores contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.
Este nome foi dado à Lei, em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, que viveu um relacionamento abusivo por 23 anos e sofreu dois atentados de homicídio por seu companheiro, sendo o primeiro por arma de fogo e o segundo por eletrocussão e afogamento. Após isso, ela o denunciou e pode sair de casa.
Entretanto, como não havia uma Lei própria e a existente dava possibilidade a diversos questionamentos pela defesa, por exemplo, a alegação de irregularidades, o processo em curso na época se estendeu por um longo período.
Este fator levou diversos organismos como: Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima, formalizarem uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ocasião em que o país foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para proibir a prática de violência doméstica contra a mulher, sendo acusado de negligência, omissão e tolerância.
Assim, o governo foi obrigado a criar uma legislação mais eficaz para prevenir e coibir a violência doméstica contra a mulher. Neste contexto, nasce a Lei 11.340/06.
Em um artigo publicado sob o título A Lei Maria da Penha e a proteção Legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada, as autoras Alessandra Carneiro e Cristina Fraga (2012), mencionam que Apesar da criação desta Lei, o crescente número de casos de violência contra a mulher em suas relações domésticas e afetivas promove inquietações sobre sua aplicabilidade e eficácia.
Ramos, Santos e Dourado (2010) corroboram com seu entendimento quando ressaltam, em relação à referida lei, que a sociedade tem dado sinais de incompreensão dos alcances de suas garantias, desenvolvendo percepções diversas sobre relacionamentos e responsabilidades dos casais.
Paula Teles, juíza de Direito da 1ª. Vara Civil de Nova Friburgo, aduz que para que o fato seja abrangido pela Lei 11.340/06, é necessário que a violência seja cometida no âmbito doméstico, familiar ou nas relações íntimas de afeto, nos termos do disposto no artigo 5º da referida Lei.
Guilherme de Souza Nucci (2007), ensina que unidade doméstica é “o local onde há o convívio permanente de pessoas, em típico ambiente familiar, vale dizer, como se família fosse, embora não haja necessidade de existência de vínculo familiar, natural ou civil.”
Antes do advento da referida Lei, as ações movidas em face da violência doméstica, ou seja, contra a mulher, o agressor para ser punido dependia do oferecimento da denúncia pela agredida, conhecida como Ação Condicionada. Sendo certo, que a qualquer momento a ofendida podia desistir da ação e por muitas vezes voltava para o ceio familiar onde eram oferecidas as agressões por seu parceiro.
Entretanto, mesmo com a aprovação da Lei Complementar 11.340/2006, a punição só seria possível ser aplicada se houvesse a denúncia da ofendida e consequentemente o oferecimento da denúncia. Ou seja, muitas mulheres acabavam desistindo pela continuidade da denúncia e acabavam voltando para seus agressores, tornando a situação um ciclo vicioso e consequentemente, na maioria das vezes, o resultado era o homicídio destas por seus parceiros.
6. O ENDURECIMENTO DA LEI CONTRA O ABUSADOR
Ainda que tenha sido um importante passo a criação da Lei 11.340/06, para alguns especialistas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017), o índice de homicídios contra mulher não teve uma diminuição relevante, pois não havia ali uma penalização em face do abusador que fosse adequada e equivalente ao crime cometido.
Havia ainda um grupo de defensores de que a Lei Complementar, em seu artigo 16, defendia a mantença da Ação Condicionada, uma vez que abria a possibilidade de retratação sobre os efeitos das agressões consideradas leves.
Uma ampla discussão se iniciou a respeito do tema, já que uma ala defendia a manutenção da Ação Condicionada e outra defendia a mudança para Ação Incondicionada, sob a justificativa, que tal mudança tutelaria a vítima e traria uma segurança a elas, incentivando-as a fazer a denúncia.
Neste liame, o Superior Tribunal Federal discutiu sobre o tema e a Sexta Turma decidiu, por maioria (3 votos a 2) que violência doméstica contra a mulher constitui delito de ação penal pública incondicionada. Ou seja, O Ministério Público passa a ser legitimado a oferecer denúncia contra o agressor, sem que haja o consentimento da vítima.
Outra grande mudança no nosso ordenamento jurídico, cuja finalidade foi o endurecimento das penas em face do agressor, na violência doméstica em que o resultado foi a morte da vítima, foi a criação da Lei 13.104/15 (Lei do Feminicídio), que alterou o artigo 121 do Código Penal Brasileiro, passando a prever o feminicídio como circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio e, no mesmo norte, foi inserido no rol de crimes hediondos. Senão vejamos:
in verbis:
Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
[...] Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
[...] Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: [...]
§ 2º.-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
[...]
Aumento de pena
[...]
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Na busca de melhorar o texto legal, o legislador editou a lei 13.771/18, que entrou em vigor em 19 de dezembro de 2018. Determina que a pena deverá ser aumentada em 1/3, caso o crime seja praticado contra:
“Pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Nesse caso a pena deve ser aumentada”
Diante do exposto, podemos vislumbrar que até 2015 não havia uma legislação efetiva que aplicasse uma penalidade mais rígida para o homicídio praticados contra a mulher, ou seja, não existia uma pena maior para esse tipo de delito.
Para Carmem Lúcia, Ministra do STF, embora tenha havido um considerável aumento nos crimes relacionados ao feminicídio após a criação da Lei, houve uma contrapartida, onde o Judiciário teve uma efetiva atuação nas ações em que tramitavam durante o ano de criação da Lei e o ano de 2017.
De acordo com Agência Brasil, Carmen Lúcia reiterou que os casos de violência contra a mulher são graves e não ocorrem por dependência afetiva ou excesso de amor. “Isto é relação de poder, só isso. Estamos discutindo situações que são graves e um péssimo exemplo para infância e juventude que cada vez mais a gente quer que viva em paz e sossego”
7. CONCLUSÃO
Diante do conteúdo pesquisado e ventilado através deste trabalho, não é difícil compreender porque este é um assunto tão complexo e passível de diversos entendimentos.
É possível extrair da leitura das obras citadas, que a permanência da vítima de abuso, dentro de um relacionamento afetivo, enquadra-se dentro de um padrão de comportamento adoecido. Por vezes, movido pelo sentimento de esperança de que tudo irá mudar. É nítido que não se trata apenas de comportamento físico, e sim, de uma desestrutura psíquica que deve ser profundamente analisada e estudada pelos órgãos estatais.
Em estudo sobre o tema, pode-se perceber que o principal vilão, embora, de difícil compreensão, não está na pratica do ato lesivo contra a vítima, tampouco sobre o comportamento desta diante da situação vivenciada, e sim, da forma como estes atos são tratados e questionados.
O trabalho apresentado não teve o intuito de mitigar penalidades mais gravosas ao autor do delito, tampouco, questionar a conivência da vítima com a situação, mas, sim, buscar melhores formas de erradicar esse problema proporcionando maior segurança às vítimas e tratamento adequado tanto a esta, quanto ao autor do abuso.
Sobre as características do relacionamento abusivo, pode-se notar que existe uma submissão da vítima para seu agressor, e este, por sua vez, detém todo o controle sobre a relação e sua vítima. Por vezes, inclusive, a vítima acredita incondicionalmente ser culpada pelo adoecimento da relação, e, esta culpa a mantém presa a este relacionamento.
Não é difícil chegar à conclusão de que o apodrecimento do relacionamento resultará em serias consequências emocionais, tanto para a vítima como para seus familiares, mas também não podemos ignorar que o autor do abuso, também sofre, pois, este comportamento decorre de sua desestrutura psíquica.
Ainda que tenha havido um amadurecimento, no que diz respeito ao senso comum trazido dos primórdios da história, cujo poder sobre a mulher era atribuído ao homem, ainda é possível notar que a herança do machismo continua latente na contemporaneidade.
Embora, o centro da discussão esteja na mulher, no seu bem-estar e sua segurança física e psíquica, não se pode ignorar a necessidade de avaliar as deficiências do autor do ato lesivo, bem como as medidas cabíveis para que este possa se relacionar de forma saudável.
Quando falamos de agir, logo pensamos em aplicar penalidades coercitivas e punitivas e deixamos de ter um olhar mais humanizado para o outrem. Esquecemos que o autor dos abusos também pode ser uma vítima de sua própria personalidade.
Os estudos atuais apresentam casos alarmantes e um aumento descomunal de atos praticados contra mulheres, por homens que acreditam estar no comando e terem domínio sobre elas, de tal modo, que basta acompanhar as notícias cotidianas para compreender que mesmo com as penalidades coercitivas, existentes, mais agravadas, a média morte por vítimas de relacionamentos abusivos tem aumentado cada vez mais.
Assim, pode se destacar a grande relevância na criação das Leis 11.340/06, 13.771/18 e 13.104/15, como mecanismo coibidor dessas agressões. Entretanto, se a origem do comportamento negativo não for observada e tratada corretamente, a simples punição não resolverá o problema e estará apenas trazendo uma falsa impressão de segurança e justiça para a vítima.
Devemos abrir os olhos para o leque de possibilidades destrutivas que a mulher está exposta. A agressão não é somente física e, as demais podem ser tão agressivas quanto esta. O abuso psicológico, verbal, sexual, etc.... possui o mesmo efeito que a agressão física e, por vezes, até mais prejudicial, pois pode levar a mulher ao suicídio.
É cediço que o Brasil avançou muito no que diz respeito as ações propostas e impostas pelo poder público. Entretanto, se faz necessário maior discussão acerca da estrutura dos relacionamentos abusivos, suas consequências, meios alternativos de tratamento, e as ações mais humanizadas para que o problema não chegue ao resultado extremo.
É salutar que haja um consenso entre a psicologia forense e os órgãos punitivos, para que o problema seja tratado na sua raiz e não apenas aplicações de penalidades pós ato. A consumação do ato lesivo é consequência extrema do problema, é preciso prevenir e não remediar.
Por fim, este tema deveria ser abordado já na infância, através da base escolar, para que o ser humano, desde cedo possa compreender a importância do respeito pela igualdade de gêneros, propiciando a solidificação dos alicerces psíquicos e quiçá oportunizar aos cidadãos a possibilidade de se relacionarem tornando-se cumplices e não adversários.
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