A conduta dos profissionais no caso Mari Ferrer

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Não é preciso ser operador do Direito para saber que naquela ocasião o advogado de Aranha atuou fora dos limites legais, extrapolando o permitido ao profissional no exercício de suas funções.

 

No início do mês de novembro do corrente ano o nome de Mariana Ferrer voltou aos holofotes após o jornal eletrônico The Intercept Brasil divulgar trechos do processo judicial onde Mari acusa André Camargo de Aranha de ter a estuprado [1].

Relembrando o caso: Mariana Ferrer acusa André Camargo de Aranha pelo crime de estupro que teria ocorrido em dezembro/2019 em um beach club na cidade de Florianópolis, onde Mariana, no momento do crime, estaria dopada e sem condições de apresentar resistência. O acusado apresentou inúmeras versões, desde dizer não conhecer Mari e não ter qualquer contato com ela no dia do ocorrido, até que, por fim, sustentou a tese de que praticou o ato, contudo sem saber que a vítima estava dopada. Aranha foi inocentado pela justiça em setembro deste ano.

O The Intercept Brasil divulgou trechos das filmagens da audiência de instrução e julgamento, bem como utilizou do termo “estupro culposo” para informar que Aranha havia sido inocentado sob o argumento de que o estupro aconteceu sem intenção. Por óbvio, após a reportagem o caso voltou à tona, causando na população grande revolta e sentimento de impunidade, gerando grande comoção e levando ao topo das redes sociais a hastag #nãoexisteestuproculposo.

Muito se foi falado a respeito da possibilidade de estupro na modalidade culposa no ordenamento jurídico brasileiro e, tendo em vista o tema já ter sido abordado de forma bastante exaustiva, hoje observaremos outra perspectiva sobre o mesmo caso e que pouco foi falada: a conduta dos profissionais que estavam presentes na referida audiência.

Inicialmente, é importante esclarecer que na sentença proferida nos autos do processo criminal envolvendo André Camargo de Aranha e Mariana Ferrer não há qualquer menção a expressão “estupro culposo” e, portanto, não existe absolvição do acusado por tal crime, mesmo porque o estupro na modalidade culposa inexiste na legislação penal brasileira, sendo juridicamente impossível que um indivíduo acusado seja inocentado ou não por tal prática.

Em verdade, no caso Mariana Ferrer, Aranha foi inocentado sob o argumento de outro tipo penal, este existente no ordenamento jurídico brasileiro, o erro de tipo. Segundo o julgador, Aranha desconhecia a vulnerabilidade de Mariana, ou seja, ao praticar o ato não tinha conhecimento de que Ferrer estivesse dopada e, por isso, impossibilitada de oferecer resistência o que afastou o dolo – elemento necessário para caracterizar o crime de estupro, levando-o a ser absolvido das acusações [2].

Como dito, o material divulgado pelo The Intercept causou indignação e revolta da população, gerando intenso debate nas redes sociais. Isso porque, além do termo “estupro culposo”, o trecho da audiência de instrução e julgamento publicado no site mostrou a conduta dos profissionais envolvidos naquela assentada, membro do Ministério Público, advogado de defesa e juiz.

André Aranha contratou para sua defesa o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, profissional renomado e conceituado no estado de Santa Catarina.

Pelas imagens divulgadas é possível ver e ouvir o tratamento do causídico para com Mariana. Palavras agressivas, atitude desrespeitosa, tentativa de desestabilizar e culpar a vítima, insinuações a respeito do seu comportamento, dentre outras atitudes definiram a conduta de Gastão da Rosa. Ao assistir o vídeo a impressão que se dava era a de que, em verdade, o que estava em julgamento era o caráter, a idoneidade e a vida pessoal de Mariana.

Em determinado momento da audiência é possível observar que o advogado mostra fotos publicadas por Mariana em suas redes sociais (antes do caso e que nada têm a ver com o processo) sob insinuações de que as imagens eram erotizadas e sexualizadas. Ainda é possível ouvir Gastão da Rosa humilhar e atacar Mariana com afirmações de que ela “dava show” na rede social Instagram para ganhar seguidores.

Não bastasse esse show de horror e antiprofissionalismo, o advogado de Aranha ainda ataca Mariana trazendo considerações sobre o seu passado, questionando a respeito de sua virgindade, além de xingá-la e demonstrar clara irritação com o fato de Ferrer chorar, o que o faz questionar as lágrimas da vítima.

Vejamos algumas das frases proferidas por Gastão da Rosa [3]:

“Essa foto com dedinho na boquinha.” (...) “Só pra mostrar essa última foto que ela mandou o defensor público juntar, que ela diz que foi manipulada. Essa foto aqui foi extraída do site de um fotógrafo, onde a única foto chupando dedinho é essa aqui. E com posições ginecológicas, é só a dela!” (...) “Graças a Deus que eu não tenho uma filha do teu nível. Graças a Deus! E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você.” (...) “Ela quer plateia, ela não quer esclarecer nada, ela quer curtida no Instagram.” (...) “Essa farsa que ela montou!” (...) “Teu showzinho você vai lá dar no teu Instagram depois, para ganhar mais seguidores. Você vive disso.” (...) “Tu trabalhava no café, perdeu emprego, está com aluguel atrasado sete meses, era uma desconhecida...é seu ganha-pão a desgraça dos outros.” (...) “Olhando pra você eu até começo a supor o que as pessoas são capazes de fazer. Você é um bom exemplo!” (...) “Elas (suas amigas) queriam vender a sua virgindade, Mariana? É por isso que elas lhe drogaram?” (...) “Ela quer debater comigo e depois chora. Aí tu chora, né?” (...) “Essa tua conversa pode impressionar a turma do Instagram. Aqui tu tá falando com juiz promotor, não tem ignorante aqui...e não adianta chorar!”

Ao longo de todo esse tempo em momento nenhum os membros ali presentes se manifestaram de forma efetiva. Nem o Ministério Público, na pessoa do promotor Thiago Carriço de Oliveira, e nem o juiz Rudson Marcos interferiram nas investidas do advogado. Ao contrário, o magistrado tão somente questiona a Mariana se a mesma quer se recompor, contudo não faz menção a conduta do causídico e nem indefere qualquer das suas perguntas e/ou investidas.

E mais! As poucas vezes em que o juiz interfere no julgamento é sempre para informar a Mariana que a sua conduta não está adequada, que não adianta a vítima questionar as perguntas de Gastão da Rosa e sobre as supostas provas que não foram examinadas e/ou juntadas aos autos, se limitando apenas a pedir ao advogado que faça perguntas sem emitir juízo de valor.

Mariana é a única acusada de tumultuar a audiência, enquanto Gastão da Rosa revira os olhos, bate na mesa, ofende, interrompe e questiona, reiteradamente, a integridade do depoimento da vítima. Todos ali presentes assistem silentes a violência sofrida por Mariana que, chorando compulsivamente, se vê obrigada a implorar por respeito diante das investidas do defensor do acusado, no que o magistrado se limita a pedir que o advogado mantenha um bom nível em sua arguição.

Não é preciso ser operador do Direito para saber que naquela ocasião o advogado de Aranha atuou fora dos limites legais, extrapolando o permitido ao profissional no exercício de suas funções.

O advogado, por ser considerado indispensável à administração da Justiça, conforme estabelecido na Constituição Federal, goza de direito e prerrogativas profissionais para desempenhar suas funções jurídicas de forma ampla e plena. Ocorre que, existem limites éticos e profissionais que devem ser observados pelo causídico quando da sua atuação.

Xingar a vítima, falar sobre o seu passado, tecer comentários que emitam juízo de valor e trazer fatos que não tem correlação com o objeto do processo são atitudes que devem ser reprimidas e, em qualquer circunstância, não podem ser endossadas e aceitas pelos outros profissionais que presenciem esse tipo de comportamento. Em verdade, houve verdadeira violência institucional por todos os membros ali presentes!

Uma vez que o promotor se mantém inerte diante das investidas ofensivas e humilhantes proferidas pela defesa do acusado, o mesmo passa a ser conivente com o discurso apresentado pelo advogado Gastão da Rosa, falhando com o seu dever de prezar pelo fiel cumprimento da lei o que se estende, também, a garantir e preservar os direitos da vítima.

Ao magistrado não se pode imputar outra conduta, se não a falha de prezar pelo fiel cumprimento da lei. Isso porque, Rudson Marcos, igualmente Carriço, se mantém inerte e assiste de forma passiva e com ar de normalidade as agressões desferidas à Mariana, validando o comportamento antiético por parte do advogado de Aranha.

Segundo Vitória de Macedo Buzzi e Marina Amaral de Lima houve total abandono do Ministério Público ao longo da oitiva de Mariana, uma vez que a vítima não se encaixava no comportamento adequado a uma mulher, o que foi reforçado pelo magistrado [4]:

“É inegável, ante o comportamento do promotor Thiago Carriço, que Mariana Ferrer foi verdadeiramente abandonada pelo Ministério Público durante a audiência — por não se enquadrar na moral sexual esperada da mulher, a vítima foi sumariamente excluída do âmbito de proteção penal.

(...)

O juiz, da mesma forma, ao assistir passivamente ao desenrolar de eventos na audiência, validou o comportamento inescusável da defesa perante a vítima, reforçando a lógica patriarcal que julga e condena a mulher que não se conforma à moral sexual dominante.”

A prática de deslegitimar a vítima tem sido cada vez mais comum nos tribunais brasileiros, sobretudo em julgamentos de crimes sexuais ou crimes contra a mulher, onde quase sempre tem-se a ideia de que a vítima fez algo que levasse o agressor a praticar a ilicitude. É quase como uma ação e reação, onde a roupa inapropriada, o excesso de bebida, o sair à rua a noite é a ação, e portanto a justificativa, que desencadeia a reação do criminoso – o crime.

É uma estratégia antiga e constantemente utilizada como tática de defesa pelos advogados de agressores de crimes sexuais que, ao invés de se ater aos fatos e à legislação, se baseiam no comportamento das vítimas e em alegações sexistas para questionar sua índole e moral, justificando os crimes cometidos por seus clientes, cultuando a ideia de que a vítima é merecedora e culpada pelo sofrimento vivido, o que pode ser observado nas considerações das advogadas Luciana Terra e Luanda Pires e da antropóloga Beatriz Acciolly que trazem à tona a violência institucional que essas vítimas sofrem [5]:

“Violência institucional é a violência praticada por instituições públicas que, por meio de seus agentes, fazem a manutenção de afrontas a direitos das mulheres. O caso de Mariana Ferrer é um exemplo desse tipo de prática. É evidente a conduta antiética dos envolvidos, que deixam de julgar o agressor para julgar a vítima e a sua conduta. O Judiciário deve ser um ambiente de acolhimento e escuta das vítimas, e não de humilhações e desestímulo a denúncias.”

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E essa foi a estratégia utilizada por Gastão da Rosa e, ao que parece, “comprada” pelo promotor e juiz presentes, a de que Mariana Ferrer teria sido a verdadeira responsável pelo crime do qual é vítima, porque levou Aranha a violentá-la ao expressar sua sexualidade em fotos postadas, por suas vestimentas e comportamentos inadequados, de modo que não deveria ser levada a sério pelo Tribunal.

É a revitimização, que significa dizer sofrimento prolongado e posterior à vítima. Veja que em um primeiro momento Mari sofre o crime praticado (estupro) e, posteriormente, tem esse sofrimento postergado e perpetrado pelo judiciário (tentativa de imputar a ela a responsabilidade pelo ocorrido pelos motivos informados pelo advogado de defesa). O que fica claro através do tratamento dispensado ao acusado.

No vídeo da audiência é possível observar que o juiz trata Aranha de forma totalmente oposta ao tratamento de Mariana. É paciente, explica todos os direitos do acusado, relembra os fatos do processo e esclarece a importância de sua oitiva. É notório a diferença em que vítima e acusado são tratados pelos profissionais que participam daquela assentada.

Ao longo da oitiva, o réu dá a sua versão do caso trazendo detalhes que nada se relacionam ao objeto da ação, informando o sofrimento que sua família vem passando desde o início das acusações, que seus pais são idosos e doentes, da sua impossibilidade de trabalhar, sempre culpando Ferrer pelo cenário atual em que se encontra. Ainda, Aranha tenta inverter a situação imputando a Mariana os adjetivos de “mentirosa”, “gângster” e “maluca”, e que a motivação da vítima é, em verdade, dar um golpe financeiro. Diferentemente de Ferrer, André Aranha não foi interrompido durante seu discurso final.

Deveras, o comportamento do magistrado foi, indiscutivelmente, diferente para as partes. Enquanto Mariana foi diversas vezes interrompida e tachada de tumultuar a audiência, André discursou sem ser interrompido, falou sobre inúmeros assuntos, contou sobre a sua vida e teve a atenção de todos.

Durante uma audiência o juiz que a preside exerce poder de polícia, podendo delimitar aquilo que será discutido e a forma em que o processo vai ser conduzido. No caso Mari Ferrer, caberia ao magistrado reprimir e advertir o advogado de defesa, diante das colocações e do comportamento adotado por ele quando lhe foi dada a palavra para interrogar Mariana.

Já quanto ao promotor, que age como fiscal da lei, havendo inércia do magistrado, caberia a ele interferir nas perguntas proferidas por Gastão da Rosa e pedir ao juiz que tomasse providências quanto ao comportamento, filtrasse as perguntas e a forma de direcioná-las, além de requerer que o magistrado advertisse o causídico para se ater aos fatos e ao objeto do processo sem que, para isso, fosse utilizado juízo de valor e abordagens a respeito de fotos, comportamento e vida da vítima. O que, como já dito, não ocorreu.

Sobre o caso, inúmeros juristas e especialistas se manifestaram a respeito das posturas do advogado de defesa, promotor e juiz.

A BBC News Brasil ouviu a Doutora em Direitos Humanos Maíra Zapater, cuja opinião é a de que a atitude de Gastão da Rosa extrapolou todos os limites permitidos em uma audiência. A jurista esclarece que

“Infelizmente, existe essa tese que as defesas levantam que a culpa é da vítima. Mas nesse caso foram extrapolado todos os limites. (Se você humilha a pessoa dessa forma), a atitude do advogado deixa de ser defesa e passa a ser crime de injúria e difamação” [7].

Já Gilmar Mendes, ministro do Superior Tribunal Federal, em sua página na rede social Twitter, afirma que

“as cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive aqueles que se omitiram” [6].

Diante do ocorrido e a pedido do conselheiro Henrique Dávila, a Corregedoria Nacional de Justiça instaurou apuração sobre a condução do juiz Rudson Marcos na audiência que afirmou que

“as chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual (...) o que assistimos foi algo repugnante. É preciso que o órgão correcional apure os fatos” [7].

O Ministério Público de Santa Catarina solicitou que fosse divulgado na íntegra o vídeo da audiência, a fim de comprovar que o promotor Thiago Carriço e o juiz Rudson Marcos atuaram nos limites da lei e protegeram Mariana ao longo da assentada. Com a divulgação das imagens e a evidente conduta omissiva e negligente de Carriço e Rudson, o MP sofreu inúmeras críticas da sociedade diante da passividade em que os membros atuaram no caso, o que levou o órgão a encaminhar ao Presidente da República uma proposta de alteração do Código de Processo Penal e do Código Penal para “evitar a revitimização da vítima, garantir que o processo judicial não seja mais um instrumento de exposição de sua vida privada e assegurar que os fatos alheios ao processo decorrentes de sua vida privada não sejam expostos buscando sua desqualificação moral” [8].

A proposta sugere a inclusão do § 6º no artigo 157 do CPP que trata das provas ilícitas, para inadmitir provas que dizem respeito à experiência sexual anterior ou subsequente da vítima, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se, bem como a inclusão do artigo 201-A que veda o emprego de expressões ofensivas à dignidade do ofendido para desqualificar sua honra ou a veracidade de suas declarações com base em seu comportamento sexual ou reputação social, além de atribuir ao juiz o papel de garantir o respeito à integridade e dignidade da vítima durante a audiência de instrução.

O MP ainda sugere que seja incluído o § 2º no artigo 142 do CP cuja finalidade é a de afastar a atipicidade da conduta de se praticar ofensa em juízo, na discussão da causa, quando esta for promovida no curso da instrução de crimes contra a dignidade sexual, sendo punida a título de injúria e difamação a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.

Otrossim, importante chamar atenção para o fato de que há um porquê para a conduta antiética do advogado. Não existe controvérsia na acusação de estupro feita por Mariana Ferrer, uma vez que há provas para comprovar o ato que ela diz que aconteceu e o laudo pericial mostra que houve penetração, ejaculação e rompimento do hímen. A dúvida, na verdade, diz respeito a existência ou não de consentimento para o ato, o que caracterizaria ou descaracterizaria o crime. Nesse sentido, Zapater, em sua entrevista ao BBC News, faz novamente uma análise acertiva [7]:

“Porque tudo isso é relevante para entender a conduta do advogado? Porque o que ele fez na audiência não tem nada a ver com o processo? (...) “O fato de ela tirar fotos e colocar no Instagram, o fato de ela ser virgem ou não ser virgem, o fato de ela ter qualquer conduta antes do caso não é relevante para essa produção de prova (em relação a ela ter consentido ou não). Aquilo não deveria ter sido permitido porque o advogado estava extrapolando o que dizia respeito aos autos, não tinha nada a ver com o processo”.

Importante salientar que as estatísticas de agressão e violência sexual vêm crescendo. O 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em setembro/2019, registrou recorde da violência sexual. Foram 66 mil vítimas de estupro no Brasil em 2018, maior índice desde que o estudo começou a ser feito no ano de 2007 [9].

E porque o Caso Mariana Ferrer, e mais precisamente o seu desfecho, é tão preocupante?

Em um país que mantém índices altos de agressão e violência sexual, uma tese como a que inocentou André de Camargo Aranha, agressor de Mariana, abre um precedente perigosíssimo, dado que crimes de cunho sexual ocorrem em ambientes privados e as provas são, quase sempre, a palavra da vítima.

Segundo Zapater, há uma tentativa de julgamento da vítima a partir de características que nada tem a ver com o processo, isso porque

“em geral, o Brasil é tão punitivista, tão acusatório, é um país que prende muito, mas quando se fala de crimes quando a mulher é vítima, toda essa preocupação com a inocência do acusado aparece. Principalmente quando o que se tem como prova é a palavra da vítima” [6].

As vítimas são mulheres interesseiras, mentirosas. A defesa de Aranha explorou a exaustão as supostas falhas de caráter de Ferrer, que figurou como uma mulher interesseira, ardilosa e que tenta manchar a honra de um bom e inocente rapaz.

O desfecho do caso mostrou o quanto o judiciário brasileiro é parcial e falho. Condutas lastimáveis de operadores da lei endossadas e assistidas pacificamente por aqueles que deveriam fiscalizar a legislação e promover a justiça, assistir o fortalecimento de um sistema revitimizador, onde comumente vítimas, ao buscar proteção jurídica, são subjugadas, humilhadas e constrangidas, cria um sentimento de revolta e impotência e a ideia de que os direitos garantidos estão sendo, em verdade, suprimidos, rasgados e abandonados, cujo processo judicial serve, tão somente, para maquiar e dar a falsa ideia de proteção.

 

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REFERÊNCIAS:

[1] Defesa humilha influencer Mariana Ferrer em julgamento que terminou com sentença de estupro culposo. Disponível em: https://theintercept.com/2020/11/03/influencer-mariana-ferrer-estupro-culposo/. Acesso em 16/11/2020.

[2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/palavra-mariana-ferrer-nao-basta.pdf. Acesso em 16/11/2020.

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=P0s9cEAPysY. Acesso em 16/11/2020.

[4] BUZZI, Vitória de Macedo; LIMA, Marina Amaral de. O que os casos Mari Ferrer e Ângela Diniz dizem sobre Justiça e violência de gênero. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-09/buzzi-lima-casos-mariana-ferrer-angela-diniz. Acesso em 16/11/2020.

[5] ACCIOLY, Beatriz; TERRA, Luciana; PIRES, Luanda. Caso Mariana Ferrer: violência institucional e revitimização. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/caso-mariana-ferrer-violencia-institucional-revitimizacao/. Acesso em 16/11/2020.

[6] Disponível em: https://twitter.com/gilmarmendes/status/1323685697342087169. Acesso em 16/11/2020.

[7] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54803352. Acesso em 16/11/2020.

 [8] CONJUR. MP-SC apresenta proposta para mudanças no CP e CPP em casos de violência sexual. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/proposta-mp-sc.pdf Acesso em: 09/11/2020. Acesso em 16/11/2020.

[9] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-09/estupro-bate-recorde-e-maioria-das-vitimas-sao-meninas-de-ate-13-anos. Acesso em 16/11/2020.

[10] Disponível em: https://www.gedaf.com.br/pesquisa-gedaf-avalia-assedio-moral-no-trabalho/. Acesso em 01/11/2020.

Sobre a autora
Adrielle de Oliveira Barbosa Ferreira

Advogada atuante nas áreas Trabalhista, Cível e Consumerista. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Católica doSalvador - UCSal. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Sócia no Ricardo Xavier Sociedade de Advogados. Professora de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIMAM -Centro Universitário Maria Milza. Mentora para a 1 fase do Exame de Ordem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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