1. O HC 82.424/RS E O CRIME DE RACISMO
Na ementa do HC n. 82.424/RS, Relator Min. MOREIRA ALVES, Relator p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, julgado em 17/9/2003, DJ 19/3/2004, lê-se
[...] 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.[...]
Assim, seguindo essa linha, raça é um grupo de pessoas que comunga de ideias comuns e se agrupa para defendê-los, mas não pode torná-lo evidente por caracteres físicos, como ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 19ª edição, 2019, pág. 855).
O crime de racismo está previsto em lei especial, de 7.716/1989, já o crime de injúria racial, tem sua previsão no próprio Código Penal, no parágrafo 3º do artigo 140.
A principal diferença reside no fato de que o crime de racismo repousa na ofensa a toda uma coletividade indeterminada, sendo considerado inafiançável e imprescritível.
Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça.
Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Um exemplo recente de injúria racial ocorreu no episódio em que torcedores do time do Grêmio, de Porto Alegre, insultaram um goleiro de raça negra chamando-o de “macaco” durante o jogo. No caso, o Ministério Público entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que aceitou a denúncia por injúria racial, aplicando, na ocasião, medidas cautelares como o impedimento dos acusados de frequentar estádios. Após um acordo no Foro Central de Porto Alegre, a ação por injúria foi suspensa.
Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros. De acordo com o promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Thiago André Pierobom de Ávila, são mais comuns no país os casos enquadrados no artigo 20 da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Lembro o julgamento do Habeas Corpus 82.424, julgado em 2003 no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a corte manteve a condenação de um livro publicado com ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, considerando, por exemplo, que o holocausto não teria existido. A denúncia contra o livro foi feita em 1986 por movimentos populares de combate ao racismo e o STF manteve a condenação por considerar o crime de racismo imprescritível.
Várias são as formas da prática do crime de racismo e a lei é exaustiva em estabelecê-las, conforme determina a Constituição Federal.
A punição para a conduta de racismo foi prevista pela primeira vez na Constituição Federal de 1967, que previa: “[…] O preconceito de raça será punido pela lei”. Além disso, a Emenda Constitucional de 1969, de igual modo, estabeleceu que: “[…] Será punido pela lei o preconceito de raça”. Nesse sentido, é no conteúdo desses dois textos que, pela primeira vez, o Brasil tenta dispor de mecanismos que acabem com esse tipo de atitude.
Apesar disso, a conduta não era prevista constitucionalmente como crime.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira, dentre as Constituições brasileiras a estabelecer a obrigação do legislador de prever o crime de racismo.
Fonte: https://www.politize.com.br/
Destaco crime de racismo previstos na legislação penal, Lei 7.716/89:
Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.
Pena: reclusão de dois a cinco anos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.
Pena: reclusão de dois a cinco anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
§ 2o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
Pena: reclusão de três a cinco anos.
Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).
Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
Pena: reclusão de três a cinco anos.
Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.
Pena: reclusão de um a três anos.
Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.
2. O RACISMO ESTRUTURAL
Há no Brasil uma forma de racismo estrutural.
Racismo estrutural é a formalização de um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais dentro de uma sociedade que frequentemente coloca um grupo social ou étnico em uma posição melhor para ter sucesso e ao mesmo tempo prejudica outros grupos de modo consistente e constante causando disparidades que se desenvolvem entre os grupos ao longo de um período de tempo. O racismo social também foi chamado de racismo estrutural, porque, segundo Carl E. James, a sociedade é estruturada de maneira a excluir um número substancial de minorias da participação em instituições sociais.
Silvio Luiz de Almeida, em seu livro O que é racismo estrutural? (2018) afirma que o racismo não é um ato ou um conjunto de atos e tampouco se resume a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é, sobretudo, um processo histórico e político em que as condições de subalternidade ou de privilégio de sujeitos racializados é estruturalmente reproduzida e que considerar o racismo como parte da estrutura não exime a responsabilidade das pessoas em combater o racismo:
[...] pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsável pelo combate ao racismo e aos racistas.
Silvio Luiz de Almeida em O que é racismo estrutural?
Para Almeida, há três concepções do racismo, o racismo individual, que trata o racismo como uma atitude do indivíduo que pode ter um problema psicológico, comportamental etc, o racismo institucional, que considera o racismo apenas o resultado de um mau funcionamento das instituições; e por fim o racismo estrutural que tem o racismo como normalidade, funcionando tanto como uma ideologia quanto como uma prática de naturalização da desigualdade
No crime de racismo, a ação penal é pública incondicionada, cabendo sua iniciativa, exclusivamente, ao Ministério Público, isto porque nesse crime o que se tem, é a ofensa, não a uma pessoa determinada, mas a toda uma coletividade, discriminando-a.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013 mostram que 22% da população branca têm ensino médio completo, mais que o dobro do percentual entre os negros, que é de 10%. A mesma desigualdade se observa nos salários. Brancos ganham em média R$ 1.600,00, quase 700 reais a mais que o salário médio dos negros, que é de R$ 921. Para a técnica de planejamento e pesquisa do Ipea Tatiana Dias Silva essa diferença salarial é resultado de uma condição histórica: a falta de acesso aos mesmos direitos que os brancos têm:
"A discriminação, ela é um acúmulo de circunstâncias que levam os indivíduos que eventualmente conseguem chegar ao mesmo patamar de escolaridade e a ter trajetórias totalmente diferentes".
Por ocasião do Dia da Consciência Negra, a ser celebrado sexta, o pesquisador Guilherme Hirata, da consultoria IDados, investigou a diferença média no desempenho em matemática entre brancos e negros na Prova Brasil, exame bianual do MEC. No 5º ano do fundamental, a diferença em favor de alunos brancos é de 9,6 pontos. Ela aumenta para 14,1 ao final do ensino médio. Na escala da prova, cada ano letivo equivale a aproximadamente 13 pontos, o que significa que a distância no aprendizado é igual ao que se espera que um aluno aprenda durante um ano.
Hirata fez mais dois exercícios. Primeiro comparou apenas alunos de nível socioeconômico equivalente, e depois incluiu também outras variáveis que comprovadamente têm impacto no desempenho: o acesso ou não à pré-escola, o tipo de rede (pública ou privada), e o fato de o aluno ter ou não já repetido de ano. Os resultados mostram que, quando se analisam alunos de perfil mais semelhante, as distâncias caem significativamente (para 1,5 ponto no 5º ano e 3,8 no ensino médio). Mas não desaparecem por completo. Para o pesquisador, são necessários estudos mais robustos para explicar essas diferenças.
Um desses estudos foi feito nos EUA e publicado em junho deste ano na revista acadêmica Educational Evaluation and Policy Analysis (Avaliação Educacional e Analise de Políticas). O pesquisador David Quinn pediu a 1.549 professores das primeiras séries que dessem uma nota para uma redação, mas os dividiu aleatoriamente em dois grupos. Um primeiro recebeu um texto em que o aluno citava um irmão de nome Connor. O outro analisou exatamente o mesmo conteúdo, com apenas uma diferença: o nome do irmão era Dashawn. O primeiro é fortemente associado nos Estados Unidos à população branca, e o segundo, à população negra.
3. AS AÇÕES AFIRMATIVAS
A questão se regre dentro do que chamamos ações afirmativas.
Sabemos que as ações afirmativas são discriminações lícitas que podem amparar e ainda resgatar fatia considerável da sociedade que se vê tolhida no direito fundamental de participação na vida pública e privada. Permitimos acesso a cargos e empregos públicos e privados, garante-se o acesso à educação, à saúde, como exemplo.
Como observou Charles Taylor (Multiculturalism and the politcs of recognition, New Jersey, 1992, pág. 26) reconhece-se que o problema é absolutamente indispensável para a sua solução. Admitir a discriminação, especialmente, quando ela se faz de modo não consciente, fundada em tradições socioculturais, não é coisa simples. É mover a maioria em favor de ações afirmativas geradoras, de custos socioeconômicos e políticos, é uma tarefa espinhosa e que certamente envolve riscos de erros e desacertos. Contudo, esse risco somente é assumido quando, admitimos sua indispensabilidade na configuração de uma sociedade democrática.
No Brasil, a despeito da situação de exclusão social pelos portadores de deficiência, não há como negar a existência de um número expressivo de normas de existência de um número expressivo de normas de conteúdo afirmativo em seu favor, o que não ocorre com as demais minorias. Todavia, o mais comum é que essas normas não tenham reconhecimento pelo Estado de sua efetividade jurídica, via de regra, por argumentos calcados no princípio da razoabilidade, no princípio da legalidade e pela prévia dotação orçamentária.
4. A INJÚRIA PRECONCEITUOSA
Fala-se no tipo penal de injúria preconceituosa, incluída no artigo 140, § 3º, do Código Penal.
Com a injúria é atingida a honra subjetiva (sentimento que cada pessoa tem a respeito do seu decoro ou da dignidade). Exige-se, como tal, o dolo específico como elemento do tipo.
Se a injúria consiste no emprego de elementos preconceituosos ou discriminatórios relativos à raça, cor, etnia, religião ou origem, há uma injúria com preconceito. A introdução desse parágrafo ao artigo 140 do Código Penal, pela Lei nº 9.459/97 é extremamente louvável, objetivando combater o preconceito racial e religioso em geral, algo que é contrário, inclusive, à índole e tradição brasileiras. A sanção cominada (igual à do homicídio culposo, artigo 121, § 3 do Código Penal) é alta, com reclusão de um a três anos e multa.
O Anteprojeto do Código Penal previu a injúria preconceituosa ou injúria qualificada, num conceito mais amplo do que o atual (artigo 138,§ 2º do Anteprojeto) se a injúria consiste em referência à raça, cor, etnia, sexo, identidade ou opção sexual, idade, deficiência, condição física ou social, religião ou origem. Aqui, o ideal, é a que a previsão legal seja, pelo menos, de ação penal pública condicionada, como se vê da Lei 12.033/09, em que as ações penais nos crimes de injúria qualificada por discriminação passaram a ser de natureza pública condicionada (à representação da vítima). Pela gravidade da conduta, a pena sobe de prisão de um a três anos.
A modalidade básica do crime é a ação livre, dolosa, sendo absolutamente irrelevante a circunstância de se tratar, como na espécie, de ofensa proferida no limitado âmbito de comunicação direta e imediata entre o agressor e a vítima.
O crime de injúria por preconceito consiste, já se tem decidido, em ultraje à outrem, por qualquer meio, em especial por palavras racistas e pejorativas, deixando-se patenteada a pretensão de, em razão da cor da pele, se sobrepor à pessoa de raça diferente (RT 752/504).
Para além de criar uma qualificadora do crime de injúria devido ao preconceito embutido na ofensa, aumentando a reprovabilidade da conduta mediante a previsão de uma pena mais rigorosa, operou o legislador um sistema mais severo para o xingamento preconceituoso, afastando-se o reconhecimento para essa conduta de infração de menor potencial ofensivo, de modo a trazer óbices à concessão de benefícios aos autores do fato que são oferecidos no Juizado Especial Criminal. Assim inviabiliza-se a transação penal, permite-se a prisão em flagrante e não mera lavratura de Termo Circunstanciado. Por certo, cabe fiança, como forma de contracautela à prisão cautelar que for realizada, nos termos da Lei.
A partir da Lei nº 12.033/09, basta a simples representação para que a Autoridade Policial possa atuar na fase investigatória e o Ministério Público seja legitimado para ajuizar ação penal pública sem qualquer ônus para o ofendido.
No AREsp 686.965/DF, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a injúria racial deve ser considerada imprescritível, o que tem gerado diversas críticas por parte da doutrina.
O fundamento foi o de que “a questão da imprescritibilidade do delito de injúria racial foi reconhecida [pelo tribunal] ao entendimento de que esse crime, por também traduzir preconceito de cor, atitude que conspira no sentido da segregação, veio a somar-se àqueles outros, definidos na Lei 7.716/89, cujo rol não é taxativo”, forte na lição de Celso Lafer, para quem “a base do crime da prática do racismo são os preconceitos e sua propagação, que discriminam grupos e pessoas (...) Promove a desigualdade, a intolerância em relação ao 'outro', e pode levar à segregação”.
Guilherme Nucci (Quem nunca sofreu racismo acha injúria) defendeu a decisão, explicando que não se trata de “interpretação extensiva” (embora relate que a jurisprudência aceita tal interpretação para fins incriminadores), mas de consequência lógica do conceito de racismo afirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do célebre caso Ellwanger (HC 82.424/RS).
A conclusão de Nucci é especialmente no sentido de a decisão não acarretar interpretação extensiva incriminadora. O autor foi citado pelo STJ, quando leciona que “o artigo 5º, XLII, da Constituição Federal preceitua que a ‘prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei’.
O racismo é uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em ‘raças’, em face de suas características somáticas, bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação, apregoa a superioridade de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória.
Guilherme de Souza Nucci Código Penal Comentado (Editora Forense, 15ª edição), defende que “com o advento da Lei 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão”.
Em seu site, Guilherme de Souza Nucci contesta a tese de que se utilizou de forma inapropriada a analogia. Disse ele:
“Quanto à analogia (in malam partem), com a devida vênia, ingressa-se na esfera do abuso de crítica. Abuso porque – se e somente se – antes de criticar, caso alguns lessem o que escrevo, saberiam que sou contrário à referida integração da norma pela via maléfica, ou seja, contra os interesses do réu. Portanto, os que dizem que utilizei a analogia in malam partem o fizeram gratuitamente, sem conhecimento de causa.
Sob outro aspecto, alguns juristas, para justificar a sua crítica ignorante (no sentido literal do termo: falta de conhecimento) chega a interpretar o seguinte: se a injúria racial não está na Lei 7.716/89, que define crimes de racismo, então, jamais pode ser racismo, pois o rol dessa lei é taxativo. Fico estupefato com o uso da interpretação literal e bastante positivista. Um desmedido apego à legislação, sem nenhum avanço na avaliação sistemática do ordenamento jurídico-penal. Ademais, fôssemos aplicar, sempre, interpretações literais às várias normas confusas editadas pelo Legislativo, mal conseguiríamos julgar um caso concreto nos juízos e tribunais.
De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal deve se debruçar sobre o tema.
A matéria é pano de fundo do habeas corpus apresentado pela defesa de uma idosa condenada, em 2013, a um ano de reclusão por injúria qualificada pelo preconceito. No recurso, os advogados argumentam que já se passaram anos sem que houvesse o trânsito em julgado da condenação, o que justificaria a prescrição da pretensão punitiva, e contestam a decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que entendeu o crime como imprescritível.