Antes de adentrarmos na discussão acerca das duas teorias da desconsideração da personalidade jurídica, faz-se necessária uma análise sobre o surgimento e importância dessas teorias. Conforme leciona Coelho (2016, p. 251) os integrantes da pessoa jurídica são sujeitos distintos, autônomos e inconfundíveis. Existe uma autonomia da pessoa jurídica em relação a seus sujeitos (sócios e administradores, por exemplo), na qual os seus componentes somente serão responsabilizados por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo seus patrimônios individuais (TARTUCE; Flávio, 2020, p. 159).
Dada essa característica supramencionada, a pessoa jurídica pode, por vezes, servir de instrumento para fraudes e abusos, ocorrendo uma deturpação nas finalidades da pessoa jurídica (BRAGA NETTO; Felipe Peixoto, 2015, p. 273). Em face desse cenário que surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de evitar a manipulação fraudulenta da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas (COELHO; Fábio Ulhoa, 2016, p. 252).
Com base no que preceitua nosso Código Civil, em seu art. 50, a desconsideração da personalidade jurídica serve para alcançar pessoas e seus respectivos patrimônios, e se justifica quando necessária para assegurar o ressarcimento de terceiros que foram lesados pela má-fé dos que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos e/ou abusivos (BRASIL, 2002).
É válido mencionar, ainda, que a desconsideração apenas suspende a eficácia episódica dos atos constitutivos da pessoa jurídica, de modo que o princípio da autonomia patrimonial continua válido; isto é, não há uma invalidação, desconstituição ou comprometimento da eficácia geral dos atos da pessoa jurídica (COELHO; Fábio Ulhoa, 2016, p. 252).
De acordo com Braga Netto (2015, p. 274) a desconsideração poderá ser requerida pelo Ministério Público e pela parte interessada, sem que haja qualquer menção na legislação ou na jurisprudência acerca da possibilidade de o juiz agir de ofício.
A Teoria da desconsideração da personalidade jurídica subdivide-se em duas: as chamadas Teoria Maior e Teoria Menor. No que se refere à Teoria Maior, são considerados os seguintes critérios para a sua adoção: o desvio da finalidade e a confusão patrimonial (TARTUCE; Flávio, 2020, p. 162). Aquele refere-se à Teoria Maior Subjetiva, no qual é necessário que se prove o uso abusivo ou fraudulento da personalidade jurídica, o que caracteriza um desvio de funcionalidade; e este, diz respeito à Teoria Maior Objetiva, na qual inexiste uma separação de patrimônio da pessoa jurídica e da pessoa física. (BRAGA NETTO; Felipe Peixoto, 2015, p. 275).
A Teoria Menor, por sua vez, não exige a prova de fraude ou de prática abusiva, muito menos requer a prova de confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física, basta apenas uma mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações (BRAGA NETTO; Felipe Peixoto, 2015, p. 276). Tal teoria foi adotada pela Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) (TARTUCE; Flávio, 2020, p.164).
Referências:
BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. Editora Juspodivm. 10. ed. Salvador, 2015.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 23 nov. 2020.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. Editora Revista dos Tribunais. v. 1. São Paulo, 2016.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. Editora Método. 10. ed. São Paulo, 2020.