O conceito de ordem pública na fundamentação da prisão preventiva

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Ordem pública utilizada para a fundamentação da prisão preventiva não tem uma semântica delimitada. Com isso qual o conceito de ordem pública como fundamento? Com o método dedutivo demonstraremos os diferentes conceitos e o que vem prevalecendo.


 

  1. INTRODUÇÃO


 

O termo “ordem pública” está presenta em vários diplomas legislativos do nosso ordenamento jurídico, e representa um significado diferente na maioria dos casos. Descrito no art. 312 do CPP como requisito para a decretação da prisão preventiva, representa uma modalidade de periculum libertatis (que é o perigo que a liberdade do agente representa para o bom andamento do processo).

Frente a sua maleabilidade semântica, sobretudo no processo penal, especificamente como fundamento para a prisão preventiva, deparamos com a seguinte problemática: qual o conceito de ordem pública como fundamento para prisão preventiva, e quando pode ser usado?

Embora vários doutrinadores escrevem sobre o tema com foco em identificar o real significado sobre o termo, é unanime entre eles que o termo é maleável e possui vários significados, e representa verdadeira insegurança jurídica. Pois em um processo penal, ondo se lida com os bens mais preciosos do indivíduo, e a forma representa garantia, não pode haver espaço para termos imprecisos.

O presente trabalho tem como objetivo geral demonstrar os conceitos apontados pela doutrina, e o que prevalece na jurisprudência. Para isso especificaremos a prisão preventiva no ordenamento jurídico e conceituaremos com base na doutrina o termo ordem pública.


 

  1. PRISÃO PREVENTIVA


 

A prisão preventiva, dentre as medidas cautelares que têm como papel acautelar o bom andamento do processo penal, é a única que pode, substancialmente, priva a liberdade do investigado, ou indiciado, ou acusado, a depender do momento de sua decretação. Dizemos substancialmente, pois, diferentemente da prisão temporária que tem fins devidamente identificados pela legislação e prazo de duração, a prisão preventiva não goza de grandes detalhes para sua aplicação ao caso concreto.

Importante destacar o caráter residual que a prisão preventiva tem no sistema cautelar. Como explica Renato brasileiro, o art. 282, § 6º, determina que só será cabível a prisão preventiva quando não for possível sua substituição por outra medida cautelar, e se as medidas diversas se revelarem insuficientes1.

A lei 13.964/2019 trouxe grandes mudanças na legislação penal, e parte dessa mudança refletiu-se na prisão preventiva. Nota-se pela redação anterior e a redação posterior à vigência da lei do art. 311:

Anterior a lei 13.964/2019:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Posterior a lei 13.964/2019:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.


 

Com a mera exposição dos dois textos legais pode se verificar a substancial mudança pela qual o dispositivo passou, pois não se admite mais a decretação de ofício pelo juiz, mesmo que na fase do processo. Conduta essa que era defendida como ilegítima para grande parte da doutrina, visto que a redação anterior representava grande afronta contra os ditames da imparcialidade e do sistema acusatório2, apesar de implícito àquela época.

Sendo assim, a prisão preventiva somente pode ser decretada a partir de prévio pedido do Ministério Público ou por representação da autoridade policial, e ainda por prévio pedido do querelante ou do assistente3. Portanto, fica evidente a evolução do dispositivo, contribuindo ainda mais pelo fortalecimento da imparcialidade e da autonomia das partes no processo.

    1. FUMUS COMMISSI DELICTI: PROVA DE EXISTÊNCIA DE CIME E INDICIOS DE AUTORIA

Como a prisão preventiva é decretada no meio, ou até mesmo no instrumento pré-processual (inquérito policial), não há ainda a comprovação concreta da autoria, nem a certeza sólida de quem é realmente o autor do crime. Contudo, para que se decrete uma prisão preventiva deve haver pelo menos um mínimo de pressupostos fáticos de autoria e materialidade, que é denominado pela doutrina como a fumaça do bom direito, pois não podemos falar em certeza nesta fase.

Aponta Renato Brasileiro, que nesta fase o juiz, ao estar diante de uma representação para decretação de uma prisão preventiva, deve analisar a materialidade, ou seja, um mínimo probatório de que o fato criminoso realmente ocorreu, e que estamos diante de fato típico, ilícito e culpável; e um indício de autoria que deve se ter, como escreve o autor, um mínimo de prova que comprove ser o alvo da prisão preventiva o autor do fato4, ou seja, “começo de prova ou prova incompleta”5.

Neste mesmo sentido, Nestor Távora descreve esses elementos como “justa causa”, sendo a prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria. O referido Autor, tem um posicionamento interessante quanto aos indícios de autoria, para ele basta indícios mínimos que foi mesmo o autor quem praticou o ato, em suas palavras: “A lei se conforma com o lastro superficial mínimo vinculando o agente ao delito”.

Aury Lopes Junior, fazendo uma conceituação sistemática e de acordo com a Constituição, diz que é necessário um juízo de probabilidade para que se decrete uma prisão preventiva, o autor distingue possibilidade de probabilidade, sendo aquela como mais fraca com um mínimo de provas, sendo esta uma prova mais robusta, demonstrando um mínimo de tipicidade, um mínimo de não ilicitude e um mínimo de não culpabilidade6.

(...) a existência de uma fumaça densa, a verossimilhança (semelhante ao vero, verdadeiro) de todos os requisitos positivos e, por consequência, da inexistência de verossimilhança dos requisitos negativos do delito7.

Destarte, ao interpretar essa última parte, podemos concluir que estando presente mínimos indícios de que o fato foi praticado munido pelas excludentes de ilicitude, descritas no art. 25 e demais do Código Penal, não estaremos diante de uma fumaça densa, e, portanto, não poderá se decretar a prisão preventiva8.

Com todo o exposto, conclui-se, que representações de prisão preventivas com meras citações dos dispositivos legais não devem ser acolhidas pelos magistrados. Tendo que estar presente um mínimo de prova da autoria, alertamos, novamente, que se diz mínimo pois nessa fase não há certeza de autoria e materialidade (justa causa).

    1. PERICULUM LIBERTATIS

Esse fundamento abarca a primeira parte do art. 312 do CPP, e diz respeito a garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal. São quatro situações que o legislador consagrou no texto legal de situações que a liberdade do indivíduo gera um perigo para a investigação ou para o processo, como aponta Renato Brasileiro9.

Nesse sentido Aury Lopes Junior aponta que são situações fáticas cuja proteção se faz necessária para garantir o bom andamento do processo e das investigações. E, apesar de serem quatro situações, salienta o autor, que não é necessário o cumprimento de todas, basta o enquadramento em apenas uma, pois são requisitos alternativos e não cumulativos10.

A Ordem econômica consiste em um fundamento para evitar a prática reiterada de crimes contra o sistema financeiro. Seria aplicado aos crimes que causasse perdas financeiras de grande porte e que colocasse a credibilidade do sistema financeiro em pauta, como aponta Aury Lopes Junior11.

Conveniência da instrução criminal tem como objetivo resguardar a produção probatória como aponta Renato Brasileiro; conforme adverte o autor, resguardar a produção probatória não quer dizer obrigar o réu a produzir provas contra si, até porque no processo penal o réu tem o direito de não produzir provas contra si12.

Assegurar a aplicação da lei penal, na visão de Nestor Távora, busca evitar que o réu fuja para evitar o bom andamento do processo. O autor adverte que não pode haver ilações a partir da condição econômica do réu de que ele irá fugir, deve haver provas concretas da fuga e seu prejuízo para o bom andamento do processo13.

Nos abstemos, nesse primeiro momento, de descrever o significado de ordem pública, pois o faremos posteriormente com mais detalhes.

O § 2º, do artigo 312 do CPP, esse sim representa verdadeira inovação ao sistema da prisão preventiva, que discorre sobre a necessidade de fundamentação da decisão que a decreta e de estar de acordo com o princípio da contemporaneidade, diz o §2 do art. 312: “A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Representa nova concepção das fundamentações dos pedidos de prisão preventiva, como explica Aury Lopes Junior:

É imprescindível um juízo, desapaixonado e, acima de tudo, calcado na prova existente nos autos. A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade ao caráter cautelar. Deve o juiz demonstrar, com base na prova trazida aos autos, a probabilidade e “atualidade” do periculum libertatis. Se não existe atualidade do risco, não existe periculum libertati e a prisão preventiva é despida de fundamentos14.

Portanto, não basta invocar o periculum libertatis ou um de seus requisitos, e fundamentar que há perigo para o processo se o réu permanecer em liberdade. Deve haver um fato atual e contemporâneo que se atrele as disposições do texto legal. Essas regras devem ser respeitadas tanto nos requerimentos quanto nas decisões que decreta a prisão preventiva.

Outra inovação traga pela lei 13.964/2019 foi o artigo 315, que diz respeito a necessidade de fundamentação da decisão da decretação da prisão preventiva, e traz ainda hipóteses em que se configura a não fundamentação sedo assim ilegal a prisão.

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: 

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; 

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

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V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Na visão de Aury Lopes Jr. trata-se de grande avanço, e representa a necessidade de fundamentações concretas sem citações meramente legais e de termos indeterminados. Bem como uma aproximação do fato com os pressupostos da medida cautelar. Exige, em mais alto rigor, uma decisão com o mais alto grau de fundamentação, caso contrarie algum dispositivo acima a medida se torna ilegal e, portanto, cabível de ser relaxada15.

Portanto, para que a prisão preventiva seja decretada deve-se respeitar os requisitos e os pressupostos de admissibilidade. E também, uma necessária e coerente fundamentação da decisão que a decreta.

  1. O PROBLEMA DA CONCEITUAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA

Descrito no art. 312 do CPP como requisito para a decretação da prisão preventiva, representa uma modalidade de periculum libertatis, que é o perigo da liberdade do agente, como já explanado em momentos anteriores desse trabalho.

Contudo, o grande problema é: qual o conceito de ordem pública? Na visão de grande parte da doutrina se trata de um conceito vago e impreciso, como aponta Aury Lopes Jr.: “por ser um conceito vago, indeterminado, presta-se a qualquer senhor, diante de uma maleabilidade conceitual apavorante (...)”16.

Na atualidade, na tentativa de achar um conceito universal, muitos vêm se utilizando da expressão credibilidade das instituições para delimitar o perigo de liberdade, ou seja, a permanência em liberdade poderia levar a descredito do judiciário, ou de outras instituições como a própria segurança pública17, como explica Prado.

Conforme aponta Renato Brasileiro, existe três grandes correntes de conceituação de garantia da ordem pública18.

A primeira corrente defende que a decretação da prisão preventiva, fazendo uma interpretação de acordo com a Constituição, expressa-se pela inconstitucionalidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública.

Fazendo a defesa desse primeiro conceito, podemos citar Aury Lopes Jr. que delimita bem em sua obra os motivos da inconstitucionalidade:

Obviamente que a prisão preventiva para garantia da ordem pública não é cautelar, pois não tutela o processo, sendo, portanto, flagrantemente inconstitucional, até porque, nessa matéria, é imprescindível a estrita observação ao princípio da legalidade e da taxatividade. Considerando a natureza dos direitos limitados (liberdade e presunção de inocência), é absolutamente inadmissível uma interpretação extensiva (in malan partem) que amplie o conceito de cautelar até o ponto de transformá-la em medida de segurança pública19.

Gabriel Bertin, nessa mesma linha, defende que esse requisito deve ser retirado do CPP, pois em um Estado Democrático de Direito o ordenamento jurídico deve ser coerente, não podendo haver ambiguidades tampouco contradições. Portanto, a atribuição de tal termo representa verdadeira insegurança jurídica, prejudicando até mesmo a ordem pública20.

Para uma segunda corrente ordem pública significa que o acusado se solto poderia vir a repetir a mesma conduta criminosa ou outras condutas. É salutar que a reincidência no Brasil é um dos grandes problemas do sistema penal como um todo. Com isso, para essa corrente, se analisa a periculosidade do autor e seu passado criminoso. Citamos como adeptos dessa corrente Renato Brasileiro:

(...) entende-se garantia da ordem pública como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa propensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros do crime. Acertadamente, essa corrente, que é a majoritária, sustenta que a prisão preventiva poderá ser decretada com o objetivo de resguardar a sociedade da reiteração de crimes em virtude da periculosidade do agente21.

Com essa mesma visão podemos citar Nestor Tavora. E também Tourinho Filho, que diz que idônea quando verificado que o agente está prestes a praticar ou já praticou novas infrações penais ou está contribuindo para que se possa realizar ou ainda faz apologia ao crime; nesses casos estaria em risco a paz social sendo flagrante a necessidade da segregação provisória22.

Nestor Távora acrescenta que deve se tomar cuidados ao usar tal conceituação para ordem pública, pois não basta meras ilações de que a liberdade gera um risco de reincidência, é preciso se basear em dados concretos que comprove a periculosidade do indivíduo e não basta se pautar somente nos antecedentes criminais, pois esses deveram ser complementados com outros meios de provas que demonstre a periculosidade e a potencial comprovação de que o agente volte a delinquir se solto23.

Na jurisprudência predomina esse entendimento, a título de exemplo citamos precedente do STJ no HC 302.744/2014 da relatoria do Ministro Rogerio Shietti Cruz. Ao analisar o caso o ministro constatou a presença do fumus boni iuris, e após fundamentou o periculum libertatis na garantia da ordem pública, a conceituando nesse sentido:

A garantia da ordem pública, entendida como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do autuado caso permaneça solto, pois em liberdade, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito noticiado. Para a decretação da prisão preventiva fulcrada na 'garantia da ordem pública' entende-se por necessário analisar a periculosidade do conduzido demonstrada no caso em concreto, consistente nas circunstâncias do delito (modus operandi ) conjugada com a personalidade criminosa evidenciada dos fatos. É legítima a decretação da prisão preventiva não em virtude da eventual hediondez ou gravidade do crime noticiado in abstrato, mas pela gravidade da conduta em si. É o entendimento remansoso dos Tribunais Superiores: STF, HC n.º 94.947/SP, 1ª Turma, rel. Min. Menezes Direito, DJ em 6.3.2009, HC n.º 86.002/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 3.2.2006 e STJ, 6ª Turma, HC n.º 85.922/SP, rel. Min. Paulo Gadotti, Informativo n.º 354 do STJ. O Supremo Tribunal Federal destacou que a garantia da ordem pública tem como principais as seguintes circunstâncias: '1) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros; 2) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos de maneira fundamentada no decreto de custódia cautelar; 3) associada aos elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do Poder Judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal e desde que diretamente relacionadas com a base empírica concreta que tenha ensejado a custódia cautelar.' (HC n.º 89.090/GO, STF, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ em 5.10.2007)24.

Por conseuinte, para quem adere a essa conceituação de ordem pública tem como periculum libertatis a reincidência. A análise é feita a partir da conduta e da periculosidade do agente. Com isso a decretação da preventiva é pautada por elementos pretéritos ao crime, não se analisa somente as circunstâncias do crime que levou a prisão preventiva, faz-se uma análise de toda a vida criminosa do agente, e se constatado que o agente, se solto, voltará a delinquir temos motivos para a fundamentação de uma prisão provisória como garantia da ordem pública.

Para a terceira corrente ordem pública significa não só a prevenção de novas práticas delituosas, mas também para garantir a credibilidade da justiça e das instituições democráticas, pois a demora na prestação jurisdicional gera um descredito pela população frente as instituições que prestam a justiça25.

Quem adere a essa corrente se filia-se ao voto do Ministro Gilmar Mendes no HC 89.090/GO STF de sua relatoria:

Com relação ao tema garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Naquela assentada, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais: 1) a necessidade de resguardar a integridade física do paciente; 2) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastrado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e 3) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas e eficazes desde que devidamente fundamentadas, com indicação de elementos concretos, quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas de persecução criminal26.

Esse descredito é gerado, como dito antes, pela demora do judiciário. Desta maneira, essas são as três correntes que vai em busca da tentativa de conceituar ordem pública, ou duas, pois a primeira prega pela inconstitucionalidade, e destrói as duas seguintes partindo dos seguintes argumento a seguir.

A conceituação de ordem pública para a garantia da credibilidade das instituições sofre grande crítica da doutrina. Aury Lopes Jr diz que esse argumento não prospera, pois às instituições não são fracas ao ponto de ter que prender alguém para gerar sua credibilidade, o autor fala, ainda, que nesse caso não há compatibilidade com os princípios das prisões cautelares e seu sistema, tendo verdadeiros contornos de pena antecipada27.

Nesse mesmo sentido Nestor Távora acrescenta que os sentimentos da população não podem pautar a atuação do judiciário, e o autor não pode ser mantido preso em nome da boa visão da justiça. Para o autor não passa de política de boa vizinhança, e demonstrando verdadeira afronta ao princípio da presunção de inocência e dos demais princípios constitucionais do indivíduo28. Aury Lopes Junior, acrescenta:

(...) É preocupante – sob o ponto das conquistas democráticas obtidas – que a crença nas instituições jurídicas dependa da prisão de pessoas. Quando os poderes públicos precisam lançar mão da prisão para legitimar-se, a doença é grave, e anuncia um grave retrocesso para o estado policiaçesco e autoritário, incompatível com o nível de civilidade alcançado29.

Por conseguinte, fazendo uma interpretação de acordo com a Constituição e os objetivos da prisão preventiva, essa fundamentação não prospera, pois teria verdadeiros fins de pena, somente a pena é que retribui a sociedade e tem papel de intimidar. As prisões cautelares estão para o processo e não para a sociedade.

Quanto ao segundo argumento da conceituação de ordem pública, sendo o meio de evitar a reiteração criminosa, se percebe que esse é o conceito aceito por maioria da doutrina como: Renato Brasileiro, Nestor Távora e outros, e que também prevalece nos Tribunais Superiores.

Todavia, Aury Lopes Junior faz duras críticas a esse posicionamento. Salienta o autor que esse conceito se empresta as questões de segurança pública e não se ampara ao sistema cautelar, pautado pela necessidade e proporcionalidade. Para o autor é inconstitucional prender alguém baseado no que ele pode fazer e pautado em seu passado, mais grave ainda é prender alguém por crime já pago, pois caracteriza verdadeiro bis in idem30. Acrescenta o autor ainda:

A prisão preventiva para garantia da ordem pública sob o argumento de “perigo de reiteração” bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a acontecer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível) (...)31.

Entretanto o autor, após as críticas, salienta que em casos excepcionais a prisão preventiva fundamentada na ordem pública sob o fundamento do perigo de reiteração criminosa pode ser utilizada. Todavia, ela deve se adequar ao sistema das cautelares e, sobretudo ao caso concreto e os fatos, que evidencie que a reiteração é concreta e contemporânea; o autor é adepto, ainda, a alteração por parte do legislador de ordem pública por perigo de reiteração criminosa e cita vários outros ordenamentos que adere a esse conceito32.

  1. CONCLUSÃO

Ante o exposto, concluímos que o termo ordem pública divide diversas opiniões doutrinarias acerta de sua conceituação. Havendo autores que defendem até pela inconstitucionalidade do termo, tendo em vista os princípios basilares das prisões cautelares e a presunção de inocência.

Contudo, a jurisprudência segue a linha da periculosidade do réu e seu nível de reincidência. E entende que a reincidência, aliado com a periculosidade do agente coloca em risco a ordem pública. Sendo essa a corrente adotada pelos tribunais.

Portanto, é salutar que o emprego da prisão preventiva para evitar a prática reiterada de crimes pode ser um bom combatente a criminalidade e corroborar as políticas de segurança pública. Contudo, deve haver um periculum libertatis bem delimitado para tal, para evitar interpretações diversas sobre um determinado termo, o que não acontece com a ordem pública.

REFERÊNCIAS

1LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 989.

2LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 339.

3Ibid, p. 685.

4LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 989 e 990.

5Ibid, p. 990.

6LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 687.

7LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 688.

8Ibid, 688, 689.

9LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 990 e 991.

10LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 689 e 690.

11Ibid, p. 690 e 691.

12Ibid, p. 1000 e 1001.

13TÁVORA,Nestor, ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 934.

14Ibid, p. 692 e 693.

15LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 700.

16Ibid, p. 690.

17PRADO, Luis Regis, SANTOS, Diego Prezzi. O fator “credibilidade” na prisão preventiva: a pessoa humana como meio. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 1011, p. 185 – 202, Jan, 2020 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 25/05/2020.

18LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 1008.

19LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 705.

20ALMEIDA, Gabriel Bertin. Afinal, quando é possível a decretação de prisão preventiva para a garantia da ordem pública?. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 44, p. 71 – 85, Jul - Set, 2003 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 25/05/2020.

21LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 991.

22TOURINHO FILHO, Fernando. Da prisão e da liberdade provisória. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 2, p. 1107 – 1131, Jun, 2012 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 27/05/2020.

23TÁVORA,Nestor, ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 932.

24BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC Nº 302.744/SC. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz. DJe: 27/05/2020.

25LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 995.

26BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89.090/GO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJe: 27/05/2020.

27LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 706 e 707.

28TÁVORA,Nestor, ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 933.

29LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 707.

30Ibid, p. 707 e 708.

31Ibid, p. 707 e 708.

32Ibid, p. 708 e 709.

LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2019.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2016.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2020.

TÁVORA,Nestor, ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. Salvador: JusPodivm, 2017.

PRADO, Luis Regis, SANTOS, Diego Prezzi. O fator “credibilidade” na prisão preventiva: a pessoa humana como meio. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 1011, p. 185 – 202, Jan, 2020 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 25/05/2020.

ALMEIDA, Gabriel Bertin. Afinal, quando é possível a decretação de prisão preventiva para a garantia da ordem pública?. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 44, p. 71 – 85, Jul - Set, 2003 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 25/05/2020.

TOURINHO FILHO, Fernando. Da prisão e da liberdade provisória. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 2, p. 1107 – 1131, Jun, 2012 [recurso eletrônico]. Disponível em: www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 27/05/2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC Nº 302.744/SC. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz. DJe: 27/05/2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 89.090/GO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJe: 27/05/2020.

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