Aspectos Conceituais e Jurídicos da Pesquisa Clínica no Brasil
Autores: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo. Advogada Pública com atuação em Direito Administrativo, Civil, Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela PUC Minas. Pós-graduada em Direito Público e Privado. MBA em Licitações e Contratos. (e-mail: [email protected]); Sarita Maria Paim. Advogada Pública. Atuação em Direito Administrativo, Civil, Trabalhista, e na área da saúde. Graduada em Direito pela Universidade de Itaúna. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro de Atualização em Direito (Universidade Gama Filho).(e-mail: sarapaim@yahoo.com.br).
Resumo: O presente artigo tem como principal característica abordar alguns aspectos conceituais e jurídicos da Pesquisa Clínica no Brasil. O método utilizado será o jurídico-compreensivo. Estudos clínicos são pesquisas científicas que envolvem seres humanos e têm como objetivo avaliar a segurança e eficácia de um procedimento ou medicamento em teste por meio da coleta de dados. Na sequência lista-se os marcos regulatórios aplicável à espécie; não só nacional, mas também os internacionais que foram basilares à formalização da pesquisa clínica. Finaliza-se, com a análise de algumas das particularidades do instrumento jurídico (contrato) utilizado para a celebração das parcerias de pesquisa clínica.
Palavras chave: Pesquisa Clínica – Conceitos – Marcos Regulatórios – Instrumento Jurídico - Contrato de pesquisa clínica.
Abstract: The main feature of this article is to address some conceptual and legal aspects of Clinical Research. Clinical studies are scientific research involving human beings and aim to evaluate the safety and efficacy of a test procedure or medication through data collection. Next, the regulatory frameworks applicable to the species are listed; not only national, but also international ones that were fundamental to the formalization of clinical research. It concludes with the analysis of some of the particularities of the legal instrument (contract) used for the conclusion of clinical research partnerships.
Keywords: Clinical Research - Concepts - Regulatory Frameworks - Legal Instrument - Clinical Research Contract.
Sumário: Introdução. 1. Conceitos aplicáveis à pesquisa clínica. 2. Marcos Regulatórios da Pesquisa Clínica. 3. Instrumento Jurídico - Contrato de Pesquisa Clínica. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O presente artigo tem como principal característica abordar alguns aspectos conceituais e jurídicos da Pesquisa Clínica no Brasil.
O método utilizado será o jurídico-compreensivo, que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e da doutrina sobre o tema, com o objetivo de melhor entender o seu significado e alcance no mundo fático e jurídico.
Para tanto, serão tratados alguns conceitos e aspectos da pesquisa clínica, tais como os marcos regulatórios aplicável à espécie; não só nacional, mas também os internacionais que foram basilares à formalização da pesquisa clínica.
Além disso, serão abordadas algumas das particularidades do instrumento jurídico utilizado para a celebração das parcerias de pesquisa clínica.
1.Conceitos Aplicáveis à Pesquisa Clínica
De início, cumpre esclarecer que a pesquisa, entendida como atividade indissociável do ensino e da extensão, tem por escopo a geração e a ampliação do conhecimento. É a pesquisa, portanto, um meio de transformação e evolução social.
O ensaio clínico é um processo de construção do saber que tem como objetivo principal gerar novo conhecimento, através de investigação em seres humanos com o intuito de descobrir ou verificar os efeitos clínicos, farmacológicos e/ou outros efeitos farmacodinâmicos de um produto (medicamento, instrumento ou equipamento).
Pesquisa clínica, ensaio clínico ou estudo clínico é qualquer investigação em seres humanos com o intuito de descobrir ou verificar os efeitos clínicos, farmacológicos e/ou outros efeitos farmacodinâmicos de um produto (medicamento, instrumento ou equipamento), e/ou de identificar qualquer evento adverso a este(s), e ainda estudar a absorção, distribuição, metabolismo e excreção de produtos medicamentosos com o objetivo de averiguar sua segurança e/ou eficácia (ICH-GCP, 1996). Atualmente, este tipo de pesquisa é reconhecidamente o padrão ouro da medicina baseada em evidências.
A pesquisa clínica é o resultado de um longo processo dentro de um laboratório onde os cientistas desenvolvem e testam novas ideias.
É por meio da pesquisa clínica que os cientistas encontram novas e melhores maneiras de prevenir, detectar, diagnosticar, controlar e tratar doenças.
Existem diferentes tipos de estudos na pesquisa clínica, como: estudos de prevenção; estudos de detecção e diagnóstico; estudos de controle e tratamento do câncer; estudos sobre o Impacto psicológico causado pela doença; estudos sobre aumento de sobrevida dos pacientes; estudos de avaliação de qualidade de vida dos pacientes.
O objetivo da pesquisa clínica é descobrir ou confirmar os efeitos, identificar as reações adversas, estudar a farmacocinética dos ingredientes ativos, de forma a determinar sua eficácia e segurança, além de evidências não clínicas e dados sobre qualidade para aprovar tanto seu registro perante autoridade regulatória, comercialização, ou uma nova indicação (BOLIVAR, 2017).
O estudo clínico contribui para o aumento da expectativa de vida e a redução dos índices de mortalidade, fazendo com que a prevenção, cura e controle de várias enfermidades tornem-se realidade. E a pesquisa clínica tem como pilar o respeito à dignidade, a liberdade e a autonomia do ser humano, além de ser uma ferramenta ao progresso da ciência e da tecnologia e bem-estar humano.
As figuras do ensaio clínico são, em regra, o pesquisador (investigador principal, médico), o patrocinador (ex: indústria farmacêutica), a instituição (centro de pesquisa, instituições hospitalares), e o interveniente financeiro.
A pesquisa clínica é conduzida por médicos especializados – o investigador principal – em instituições: hospitais, clínicas, consultórios, dependendo do desenho do protocolo (BOLIVAR, 2017).
O termo “protocolo”, em apertada síntese, assumiu a função de designar o conjunto de documentos que organizam e orientam o desenvolvimento da pesquisa e nele são formalizados os compromissos dos envolvidos para com os sujeitos participantes.
Nos termos do que prevê a Resolução CNS/MS nº. 466, de 12 de dezembro de 2016, protocolo de pesquisa é o conjunto de documentos contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais e as informações relativas ao participante da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e a todas as instâncias responsáveis.
A execução de uma pesquisa clínica está baseada no rígido cumprimento das regras contidas no Protocolo de Pesquisa que deve conter a descrição completa da pesquisa, com exposição clara de seus objetivos. Como alcançar tais objetivos, a quais procedimentos o sujeito da pesquisa será submetido e como os dados objetivos serão analisados. Outra informação importante é o perfil do sujeito da pesquisa (ele deverá ser portador de alguma doença, por exemplo, ou em qual estágio dessa doença será estudado, a faixa etária, dentre outros). Também devem constar do Protocolo as qualificações dos Centros de Pesquisa envolvidos no estudo, assim como as qualificações dos investigadores responsáveis em cada Centro.
Outrossim, os protocolos precisam ser submetidos à revisão de um comitê de ética em pesquisa (CEP) e, em determinados casos, à análise da própria Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Apenas após a emissão de parecer aprovando o protocolo de pesquisa é que o ensaio clínico começa.
O patrocinador das pesquisas, como, por exemplo, a indústria farmacêutica, remunera, em regra, os médicos investigadores e a sua equipe pelo trabalho pelo tempo despendido com os atendimentos e procedimentos das pesquisas clínicas. Geralmente esse pagamento é feito ao hospital ou instituição, porém pode ser realizado a uma entidade jurídica alheia que é denominado “interveniente administrativo”, como uma fundação, no caso de hospitais públicos, desde que estritamente comprovada a relação jurídica, e desde que essa entidade seja incluída como parte do contrato, assumindo obrigações também de confidencialidade.
Destaca-se ainda que uma boa parte dos ensaios clínicos conduzidos no Brasil são projetados e gerenciados pelas indústrias farmacêuticas multinacionais. Cerca de 70% deles objetivam testar novos medicamentos e são financiados pela indústria que o desenvolvem. Com isso, esses patrocinadores atuam desde etapas mais complexas, como a elaboração do protocolo clínico, até a seleção de investigadores e centros para as pesquisas, recrutamento dos participantes, monitoramento e gerenciamento dos dados da pesquisa (GOMES et al., 2012).
Os ensaios de medicamentos, por exemplo, são divididos, em regra, em fases I, II, III e IV, de acordo com a quantidade de participantes e os objetivos específicos de cada etapa.
A Fase I: refere-se ao uso do medicamento pela primeira vez em um ser humano, geralmente um indivíduo saudável e que não tem a doença para a qual o medicamento está sendo estudado. Nesta fase serão avaliadas diferentes vias de administração e diferentes doses, realizando-se testes iniciais de segurança e de interação com outras drogas ou álcool. Cerca de 20 a 100 indivíduos participam dessa fase.
Na Fase II: cerca de 100 a 300 indivíduos que têm a doença ou condição para a qual o procedimento está sendo estudado participam desta fase, que tem como objetivo obter mais dados de segurança e começar a avaliar a eficácia do novo medicamento ou procedimento. Os testes de fase II, geralmente diferentes dosagens assim como diferentes indicações do novo medicamento também são avaliadas nesta fase.
Fase III: depois de concluído o estudo piloto, grandes estudos multicêntricos acompanham milhares de pacientes, 5 a 10 mil, em geral, dependendo da patologia em questão com a doença em questão, por um período maior de tempo, geralmente sendo comparados a outros tratamentos existentes e recomendados para o mesmo problema. Durante esta fase se espera obter maiores informações sobre segurança, eficácia e interação de drogas. Ao participar de uma pesquisa em fase III, o voluntário poderá receber ou o novo tratamento ou o tratamento habitual (ou placebo). Recebendo o tratamento habitual, o paciente será tratado com a qual os especialistas avaliam como o melhor tratamento da atualidade. Se o paciente receber o novo tratamento, será tratado com uma alternativa de tratamento que os especialistas esperam obter vantagens significativas sobre o habitual. O objetivo desta fase de estudo é comparar ambos os tratamentos e estabelecer a superioridade de um sobre o outro. Os testes de fase III devem fornecer todas as informações necessárias para a elaboração do rótulo e da bula do medicamento. A análise dos dados obtidos na fase III pode levar ao registro e aprovação para uso comercial do novo medicamento ou procedimento, pelas autoridades sanitárias.
Fase IV: após um medicamento ou procedimento diagnóstico ou terapêutico ser aprovado e levado ao mercado, testes de acompanhamento de seu uso são elaborados e implementados em milhares de pessoas, possibilitando o conhecimento de detalhes adicionais sobre a segurança e a eficácia do produto. Um dos objetivos importantes dos estudos fase IV é detectar e definir efeitos colaterais previamente desconhecidos ou incompletamente qualificados, assim como os fatores de risco relacionados. Esta fase é conhecida como Farmacovigilância.
Certo é que os benefícios advindos da pesquisa clínica para os serviços de saúde pública do Brasil, como para os profissionais da área de saúde, quanto para os pacientes são inúmeros.
No que tange aos benefícios dos estudos clínicos no Brasil para os serviços de saúde pública podemos citar: novas fontes financiadoras; estímulo para a modernização; atualização em métodos e padrões de qualidade; melhor eficiência nas operações (custos); rótulo internacional de “excelência”.
Já para os profissionais da saúde temos, por exemplo, a oportunidade de trabalho (especialistas em estudos clínicos) e de treinamento (ciência / metodologia); a exposição a padrões de qualidade internacionais; o desenvolvimento pessoal / profissional.
E para os pacientes destaca-se: um diagnóstico mais acurado; o melhor tratamento possível (“state of the art”); atenção e seguimento médico mais rigoroso; acesso a pacientes não tratados/não diagnosticados.
É evidente, portanto, a importância da atividade de pesquisa, inovação e desenvolvimento institucional prestados no âmbito das instituições hospitalares públicas e privadas, em especial para os seres humanos tendo como pilar o respeito à dignidade, a liberdade e a autonomia do ser humano, além de ser uma ferramenta ao progresso da ciência e da tecnologia e bem-estar humano.
No que tange à execução de um estudo clínico, importante esclarecer que este deve sempre ser baseada no rígido cumprimento das normas contidas no protocolo de pesquisas e estar alinhada com as diretrizes e regulamentações nacionais e internacionais vigentes, estando sempre fundamentada para o desenvolvimento humano.
Por fim, insta destacar que a realização de ensaios clínicos no Brasil depende, basicamente, de duas etapas regulatórias e de uma etapa jurídico-administrativa: o processo de revisão ética do protocolo de pesquisa, o processo de obtenção de comunicado especial único (CE) da Anvisa e a assinatura do contrato de ensaios clínicos (CEC) ou clinical trial agrément (CTA), (BATAGELLO, 2012), que será objeto de análise em tópico próprio.
2.Marcos Regulatórios da Pesquisa Clínica
A pesquisa clínica existe há muitos anos, porém, não era realizada de forma legal, pois não existia nenhuma regulamentação acerca da matéria. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, médicos alemães realizaram testes desumanos em prisioneiros em campos de concentração nazistas, onde muitos morreram ou tiveram danos irreparáveis na sua saúde.
Com o passar dos anos os marcos regulatórios da Pesquisa Clínica foram sendo criados no mundo e, também, no Brasil.
No mundo, um dos principais marcos históricos no desenvolvimento da atual concepção e regulamentação da Ética em pesquisa foi o Código de Nuremberg (1947). Resultado da indignação mundial diante das atrocidades cometidas na experimentação em seres humanos nos campos de concentração nazistas.
O código, entre outras coisas, introduziu o Consentimento por parte dos voluntários nos projetos de pesquisa. É da Declaração de Helsinque que vem a obrigatoriedade de todo projeto ser aprovado previamente por um Comitê de Ética.
No Brasil, em 1988, o Conselho Nacional de Saúde estabeleceu algumas normas e finalmente, em 10 de outubro de 1996, aprovou as diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa com seres humanos, com a criação da lei 196/96. Esta lei estabeleceu os princípios básicos para apreciação ética dos protocolos de pesquisa, criou os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Certo é que atualmente a pesquisa clínica deve obedecer às Boas Práticas Clínicas (BPC) e reger-se, precipuamente, pelos princípios éticos e bioéticos do Código de Nuremberg (1947); da Declaração de Helsinki, adotada em 1964 e suas versões de 1975, 1983, 1989, 1996 e 2000.
Outrossim, na condução dos ensaios clínicos devem ser observados os seguintes instrumentos:
- Normas de GCP (Good Clinical Practices – Boas Práticas Clínicas), e ICH (Internacional Conference of Harmonization – Conferência Internacional de Harmonização);
- Boas Práticas Clínicas (Resolução 129/96) - Grupo Mercado Comum (MERCOSUL) –
- Boas Práticas de Pesquisa de Farmacologia Clínica; e Documento das Américas – OPAS, 2005;
- o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966;
- o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966;
- a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997;
- a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, de 2003;
- e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2004.
Ademais, os estudos clínicos devem se orientar pelas normas das entidades locais e regulatórias, em especial aquelas previstas pelo Conselho Nacional de Saúde – CNS, e pela ANVISA.
Registra-se que os órgãos que regulamentam a pesquisa clínica no Brasil são:
- Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) que é o grande protetor do paciente e, também, pode esclarecer as suas dúvidas em relação aos estudos clínicos. Compostos por membros de várias áreas, como médico, advogado, psicóloga, representante da sociedade e paciente, que têm como objetivo defender os direitos e o bem-estar dos pacientes. O CEP é a primeira instância que aprova (ou não) os estudos, sempre utilizando os parâmetros éticos (respeito pelos direitos e pela vida dos participantes devem ser garantidos e protegidos), definidos e aprovados pela CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa). O CEP também continua analisando o estudo durante todo seu andamento, por exemplo, cada vez que for acrescido novas informações no protocolo, este deve ser submetido a nova aprovação no Comitê de Ética.
- Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP): é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ministério da Saúde (MS), que regulamenta a Pesquisa com Seres Humanos no Brasil. Composto por membros e suplentes de diferentes áreas de formação, que trabalham voluntariamente para o MS. Eles aprovarão (ou não) o estudo, sempre respeitando as normas e regulamentações vigentes para sua proteção. Nenhum estudo é realizado sem o consentimento destes órgãos.
- A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é um órgão nacional que tem como uma de suas funções aprovar que os novos medicamentos sejam utilizados. O Comitê tem o poder de alterar ou interromper o estudo sempre que achar necessário. O Comitê de Ética em Pesquisa precisa existir nas instituições que realizam a pesquisa clínica, ou próximos a elas.
Ocorre que o Brasil ainda necessita de um marco legal que regulamente a pesquisa clínica em todos os ângulos, o que temos, até o momento, são alguns marcos regulatórios. Como exemplo, podemos citar a Res. 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, revogada pela Res. CNS/MS n. 466, de 12.12.2012, que aprova diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.
Para mais, dentre os marcos regulatórios existentes no que tange à pesquisa clínica também podemos citar os seguintes:
- Resolução da Anvisa/MS nº. 39, de 05 de junho de 2008; Resolução RDC nº 09/2015 (Anvisa) que substituiu a RDC n° 39/2008;
- Resolução CNS/MS nº. 466, de 12 de dezembro de 2016;
- Resolução CNS/MS nº. 441, de 12 de maio de 2011;
- Resolução CNS nº 340, de 8 de julho de 2004; RDC Anvisa nº. 38/2013;
- RDC n° 09, de 20 de fevereiro de 2015;
- RDC n° 10, de 20 de fevereiro de 2015;
- Instrução Normativa nº 20, de 02 de outubro de 2017;
- Instrução Normativa nº 2, de 3 de maio de 2012;
- Instrução Normativa nº 3, de 3 de maio de 2012.
E no âmbito da administração pública existem alguns parâmetros para as pesquisas clínicas nos seguintes instrumentos:
- Lei nº 8.958/94, modificada pela Lei nº 12.863/2013;
- Decreto n° 7.423, de 31 de dezembro de 2010, que regulamenta a Lei n. 8.958, de 20 de dezembro de 1994;
- Lei nº 13.243, de 13 de janeiro de 2016;
- Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005;
- Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, que regulamenta a Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004;
- Lei nº 10.973/2004, alterada pela Lei nº 13.243/16;
- Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005.
3.Instrumento Jurídico - Contrato de Pesquisa Clínica
A etapa jurídico-administrativa do ensaio de pesquisa clínica é justamente a que envolve a assinatura do contrato, no qual são definidas as condições para a realização do estudo, as responsabilidades das partes e os acordos de patrocínio e de propriedade intelectual.
Entende-se que o instrumento jurídico adequado para a celebração das parcerias referentes à pesquisa clínica é de fato o contrato, que, em apertada síntese é um vínculo jurídico entre dois ou mais sujeitos de direito (patrocinador, investigador principal, centro de pesquisa), correspondido pela vontade, da responsabilidade do ato firmado, resguardado pela segurança jurídica em seu equilíbrio social. Trata-se, portanto, de um acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas, no caso específico, com o fim de realizar o ensaio clínico.
Entretanto, importante ressaltar que o contrato de pesquisa clínica, ou acordo de estudo clínico, ou acordo de ensaio clínico é, em verdade, um contrato puramente atípico.
Para tanto, insta esclarecer algumas diferenças entre o contrato típico e atípico para melhor compreensão do tema.
Contrato Típico é aquele que se encontra regulado em texto de lei, com sua regulamentação própria, com conteúdo de obrigações e direitos previsto na norma, ou seja, a regra vem estabelecida mais ou menos ampla em uma determinada lei, seja o próprio Código Civil, seja na legislação extravagante (GAGLIANO, 2015, p. 205).
A título de exemplo podemos citar: contrato de compra e venda, de doação, de locação, de mandato, de prestação de serviço, de comodato, de mútuo, de agência.
Os Contratos Atípicos são aqueles que não possuem forma geral em lei escrita, estando à margem das perspectivas da liberdade contratual dos contratantes, e que assumem variadas formas estruturais e finais. São aqueles que não correspondente aos tipos definidos e qualificados em sede legislativa (chamados também de inominados). É importante ressaltar que não se trata de excluir normas cogentes, mas, sim criar dentro da perspectiva dispositiva dos contratos regras novas e modelos novos para regulamentar as transações econômicas.
Neste sentido, o art. 425 do CC/2002 dispõe que é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais nele fixadas. Veja-se:
“Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Para o ilustre doutrinador Verçosa (VERÇOSA, 2020, p. 31-36), o contrato atípico é formado pela utilização de elementos originais (puros) e pela combinação de elementos próprios de outros tipos legais (mistos).
A vantagem da atipicidade repousa no poder criativo dos contratantes, normalmente, quando as partes, que, em tese podem construir um novo modelo contratual modelado às expectativas dos contratantes, ou seja, à satisfação de seus interesses, desde que respeitados os pressupostos mínimos de validade, que proíbem a estipulação de cláusulas ilícitas ou abusivas (art. 425 do CC).
Posta a questão em termos tais, pode-se definir o contrato de pesquisa clínica como sendo atípico porque não é expressamente previsto, definido ou disciplinado pelo legislador. É que como já dito no tópico anterior no Brasil não há uma lei escrita que regulamente e oriente a dinâmica da operação econômica “pesquisa clínica”.
No Brasil a pesquisa clínica é regida por princípios, práticas e declarações internacionais, regulamentos “alienígenas” como requisitos estabelecidos pela Agência Sanitária dos Estados Unidos (“FDA”), para justificar o registro da medicação nesse órgão pelo patrocinador americano, bem como por regulamentações éticas, sanitárias e resoluções do Conselho Nacional de Saúde, como a Res. 466 de 12.12.2012, código civil, como, por exemplo, a responsabilidade civil, por eventual dano causado ao participante da pesquisa resultante de um evento adverso, e as possibilidades de extinção do contrato.
De toda forma, cumpre esclarecer que a aplicação de práticas e declarações internacionais é possível no âmbito do ensaio clínico realizado no Brasil desde que não contrarie o direito brasileiro, o código de conduta, e a política anticorrupção.
É por essa complexidade de assuntos que abrange o contrato de pesquisa clínica que seria muito complicado “tipificá-lo”, considerando-o um contrato atípico puro, porque não se identificam elementos específicos próprios de diversos tipos legais (atípico misto) não sendo possível, assim, uma combinação entre tipos contratuais para a verificação de um tipo prevalente ou correspondente, que facilite a sua interpretação. Portanto, deve ser entendido, interpretado, negociado considerando as suas características, e a própria operação econômica que regula e sua complexidade.
O contrato de pesquisa clínica regulamenta e define as obrigações e responsabilidades das partes: patrocinador, ou a Contract Research Organization (CRO/ ORPC) que é uma empresa que fornece suporte para as indústrias farmacêutica, de biotecnologia e de dispositivos médicos na forma de serviços de pesquisa terceirizados por contrato representando o patrocinador; investigador principal e instituição de pesquisa, geralmente um hospital ou uma clínica equipada.
E o contrato, além de definir os direitos e obrigações, também define os valores que o patrocinador paga pela pesquisa.
Além disso, sem qualquer intenção de aprofundar nas principais cláusulas que devem conter o contrato de pesquisa clínica listamos na oportunidade algumas:
- qualificação, considerações iniciais;
- obrigações do investigador principal; das instituições de pesquisas; e do patrocinador;
- eventos adversos causados ao participante da pesquisa e a responsabilidade do centro de pesquisa e do patrocinador – a questão do seguro de responsabilidade profissional;
- vigência do contrato e cláusula resolutiva;
- informações confidenciais e propriedade intelectual;
- Lei aplicável e solução de controvérsias e idioma prevalecente;
- anexo financeiro.
Ao final insta registar que, no contexto da formação do direito da pesquisa clínica como ramo sui generis do ordenamento jurídico brasileiro, a compreensão dos elementos de internacionalidade dos contratos dessa especialidade se revela de particular importância.
O instituto de direito internacional privado das normas de aplicação imediata, ou public policy rules, além de servir como ferramenta para a negociação do contrato internacional de pesquisa clínico válido e eficaz no Brasil, é instrumento de proteção e garantia de direitos fundamentais do participante da pesquisa, um indivíduo geralmente doente, que se submete aos testes clínicos de novo medicamento ainda sem registro pela autoridade regulatória brasileira.
E, como já dito, mesmo não existindo tratado específico sobre pesquisa clínica, documentos internacionais a princípio desprovidos de obrigatoriedade orientam a prática globalmente, de forma a consubstanciar um costume internacional, sendo, inclusive, implementados no Brasil por meio de atos infralegais de caráter vinculante.
Considerações Finais
Este artigo abordou alguns conceitos, importância, marcos regulatórios e legislações relacionadas à Pesquisa Clínica, que, conforme estabelecido no direito, é a pesquisa conduzida em seres humanos, via de regra, com o objetivo de descobrir ou confirmar os efeitos clínicos e/ou farmacológicos e/ou qualquer outro efeito farmacodinâmico do medicamento experimental ou identificar qualquer reação adversa ao medicamento experimental ou estudar a absorção, distribuição, metabolismo e excreção do medicamento experimental para verificar sua segurança e eficácia, e que tem por escopo a geração e a ampliação do conhecimento, e um meio de transformação e evolução social.
Ademais, falou-se também que no Brasil a pesquisa clínica é regida por princípios, práticas e declarações internacionais, regulamentos “alienígenas”, e, também, por regulamentações éticas, sanitárias e resoluções brasileiras como as do Conselho Nacional de Saúde (Res. 466 de 12.12.2012), da Anvisa, e, ainda, disposições contidas no Código Civil Brasileiro.
Outrossim, restou evidenciado que a aplicação de práticas e declarações internacionais é possível no âmbito do ensaio clínico realizado no Brasil desde que não contrarie o direito brasileiro, o código de conduta, e a política anticorrupção.
Por fim, passou-se à análise do instrumento jurídico para a formalização da pesquisa clínica, que é o contrato atípico (não expressamente previsto, definido ou disciplinado pelo legislador), vez que no Brasil não há uma lei escrita que regulamente e oriente a dinâmica desta operação econômica “pesquisa clínica”. Por fim, abordou-se, também, algumas cláusulas necessárias ao contrato.
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