Doação entre cônjuges casados em separação obrigatória de bens devido a idade acima de setenta anos e os seus efeitos jurídicos

Leia nesta página:

O presente estudo tem o objetivo de analisar as consequências jurídicas da doação entre cônjuges casados sob o regime de separação obrigatória de bens, quando um deles tem idade acima de setenta anos.

RESUMO

O presente estudo tem o objetivo de analisar as consequências jurídicas da doação entre cônjuges casados sob o regime de separação obrigatória de bens, quando um deles tem idade acima de setenta anos. Para tanto foram realizados análises acerca do instituto do casamento, do regime de bens em especial sobre o regime da separação legal de bens, do contrato de doação e as consequências jurídicas  quando o doador é maior de setenta anos e é casado sob o regime da separação legal de bens. A metodologia utilizada para o presente trabalho foi a pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial.

Palavras-chave: Doação. Idoso. Separação obrigatória de bens. 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Código Civil, em seu art. 1.641, estabelece que em determinados casos o regime de bens de forma obrigatória será o da separação de bens. Dentre os casos, está previsto a imposição do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de setenta anos de idade.

Desse modo, buscando compreender os efeitos de tal determinação no caso de doação entre cônjuges, em que se encontra em tal hipótese, o presente estudo parte da seguinte indagação: a vedação a doação entre cônjuges, em que um deles seja maior de setenta anos de idade é inconstitucional?

Para tanto, foram traçados objetivos específicos que visaram facilitar o desenvolvimento do presente estudo, assim como foram necessários para a análise do objeto central.

O presente estudo foi divido em quatro tópicos, onde no primeiro tópico foi analisado o instituto do regime de bens, buscando compreender os regimes da separação de bens e sua implicações jurídicos.

O segundo tópico, por sua vez buscou analisar o instituto da adoção, trazendo o seu conceito, requisitos de validade e restrições ao direito de doar.

Já no terceiro tópico o intuito foi analisar os princípios constitucionais e o Estatuto do idoso, buscando compreender dessa forma a correlação de tais princípios e regras com o tema central do estudo.

Por fim, no último tópico se buscou analisar a doação entre cônjuges no regime da separação obrigatória de bens, onde se analisou a ocorrência da inconstitucionalidade na vedação da doação neste caso.

Assim, o percurso metodológico adotado no presente estudo foi uma abordagem qualitativa, baseado em pesquisa bibliográfica pautada em doutrinas, jurisprudência, artigos científicos e obras publicadas sobre o tema.

 2. REGIME DE BENS

Podemos considerar o casamento como um negócio jurídico, que produz efeitos pessoais e patrimoniais. Possui o efeito pessoal, pois ao decidirem se casar os nubentes tem a intenção de construir uma família e o efeito patrimonial é devido à implantação de um regime de bens. Importante relatar que quando os nubentes não se posicionam sobre a escolha do regime de bens, o artigo 1.640 do Código Civil dispõe: “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial” (BRASIL, 2002).

O Código Civil de 2002 explicita as seguintes opções aos nubentes de regimes de bens: Comunhão parcial, Comunhão Universal; Participação final dos aquestos; e Separação de bens. Acerca do regime de bens Rodrigues explica que:

A escolha do regime terá validade mediante o pacto antenupcial, trata-se de um contrato solene que deverá ser realizado antes do casamento, em que as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas, sendo que podem optar por um dos regimes assim como podem mesclar regras de um com regra de outro. (RODRIGUES, 2003, p.137)

A liberdade de escolha é um dos princípios basilares do regime de bens, o artigo 1.639 do Código Civil dispõe: “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, os que lhe aprouver” (BRASIL, 2002). Porém, é de suma importância mencionar que em determinadas situações o legislador irá determinar o regime a ser aplicado, o que ocorre no caso dos maiores de setenta anos, não dando a possibilidade de escolha aos nubentes.

Anteriormente, o Código de 1916 relatava a impossibilidade de alterar o regime de bens, enquanto mantivesse o casamento. Era mantido o desejo das partes no momento de contrair o matrimonio.

Já o novo Código Civil de 2002 possibilitou a mudança do regime, onde os cônjuges solicitam a alteração, em caráter de exceção, onde será analisado a procedência da solicitação e resguardados os direitos de terceiros.  Ressalta-se que o pedido de alteração não será permitido quando se tratar do regime obrigatório de separação de bens (BRASIL, 2002).

O princípio da variedade de regimes se dá conforme já acima mencionado pela lei, que coloca à disposição dos nubentes quatro tipos de regimes que poderão ser utilizado conforme sua vontade, ademais podem combiná-los entre si, mesclando regras de um regime com as de outro desde que não sejam incompatíveis com a lei. (BRASIL, 2002).

Sendo assim, a classificação do regime de bens quanto sua origem pode ser legal ou convencional.

2.1 Separação obrigatória de bens

Ocorrerá por imposição legal o regime de separação obrigatória de bens, cuidará o legislador em algumas hipóteses, que adiante passaremos a estudar, determinar o regime de bens que será adotado para o cumprimento do casamento.

Há uma exceção à regra do art. 1.640 do Código Civil que impõe na falta do  pacto antenupcial, a comunhão parcial, pois nas hipóteses do art. 1.641 do mesmo código, independentemente da estipulação em pacto antenupcial irá pairar sobre os cônjuges o regime da separação obrigatória de bens (BRASIL, 2002).

A primeira hipótese elucidada no art. 1641, em seu inciso I é acerca da não observação  das causas suspensivas, previstas no art. 1523 do Código Civil, in verbis:

Art.1523. Não devem casar: I - O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II- a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, em até dez meses depois da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal. III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada , enquanto não cesar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único: É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I,III, e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex- cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo (BRASIL, 2002).

A novidade do parágrafo único, acima descrito, comprova o intento do legislador em diminuir a regidez que ilucidava o código anterior. Com essa inovação o juiz poderá analisar o caso concreto e observar a ausência  de prejuízo dispensando a causa  suspensiva e  por consequência adeterminação do regime legal.

O doutrinador Rodrigues, (2003 p.149) enaltece a disposição do citado parágrafo, entretanto lamenta não ter sido o legislador mais arrojado, estendendo a flexibilidade da separação obrigatória as demais hipóteses do art. 1.641 invocando a analogia, equidade, jurisprudência para assumir esse posicionamento suprindo a lacuna legislativa para evitar possíveis injustiças. E deixa sua sugestão:

Fica, mediante este parágrafo separado, a nossa sugestão ao legislador e aos Tribunais. Aquele para alterar a norma, e a estes para, enquanto mantido o sistema atual, estenderem o avanço previsto no parágrafo único do art.1523 a todos os casos de separação obrigatória de bens, evitando impor-se situações injustas exatamente para aquele que a lei criou restrição com o objetivo de proteger (RODRIGUES, 2003, p.149).

A outra hipótese informada pelo inciso II do art. 1.641 é o casamento onde um dos cônjuges possui idade superior a setenta anos. (Brasil, 2002)

Independentemente de pacto  antenupcial, os nubentes ficam vulneraveis ao  regime da separação, assim como era previsto no art. 226 do Código Civil de 1916. Segundo Rodrigues (2003, p. 143-146) “a separação é imposta por lei qualquer meio utilizado para invalidar o preceito da norma, como a doação entre os cônjuges, não será admito.”. O intuito do Legislador com essa imposição é resguardar o nubente, evitando a ocorrência de um enlace matrimonial ligado apenas por interesses financeiros.

3. A DOAÇÃO

A doação é um contrato onde uma pessoa, por livre e espontânea vontade, transfere seus patrimônios para outrem, tal contrato é regido pelo código civil a partir de seu artigo 538 até o artigo 564 que apresenta algumas limitações e requisitos para sua validade (BRASIL, 2002).

O contrato de doação  só será válido estando presente o animus donandi, que consiste na ação despretensiosa de dar a outrem, sem estar obrigado, parte de seu próprio patrimônio sem um contraprestação. (GONÇALVES, 2017, p. 270-271)

3.1 Requisitos de Validade

Para um contrato de doação ter validade ele precisa de três fatores que são: agente capaz; objeto lícito e possível, determinados ou determináveis; e forma prescrita em lei, tais requisitos estão previstos no artigo 104 do Código Civil. Trata-se dos requisitos gerais dos contratos (BRASIL, 2002).

O primeiro requisito conforme Gonçalves (2017, p. 272) trata-se da capacidade dos contraentes, qualquer pessoa desde que capaz pode ser parte em um contrato, a lei não irá permitir que participem da relação contratual os menores de dezesseis anos; os que por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; e os que mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Conforme Rizzardo (2015, p. 422-423) para realizar a doação a herdeiros, diferentemente do que ocorre em contratos em geral, é desnecessário o consentimento de cônjuges e herdeiros não contemplados, mas presume-se adiantamento de legítima a doação levada ao efeito de ascendente, descendente ou de um cônjuge ao outro.

O segundo requisito ainda nos dizeres do autor é a licitude do objeto, esse é um pressuposto para o contrato de doação ter validade, que seja conforme a moral, a ordem pública e os bons costumes e ainda que o objeto possa ser identificado, localizado, percebido, medido, aferido, é necessário que seja possível sua individualização.

Finalmente exige-se a obediência a forma prevista em lei, que segundo o autor é o conjunto de solenidades a serem observadas para que o contrato alcance a eficácia jurídica. No direito brasileiro, em regra, a forma é livre, as partes podem convencionar por instrumento público ou particular, assim como verbalmente. Em caráter de exceção o art. 107 do Código Civil descreve que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, se não quando a lei expressamente a exigir (BRASIL, 2002).

Em assim sendo podemos observar que no contrato de doação temos uma exceção à regra geral, pois o art. 541 do Código Civil impõe a forma escrita, por instrumento público ou particular admitindo no caso de bens móveis de pequeno valor a forma verbal, acompanhado da tradição. Conforme Gonçalves (2017, p. 272) a lei impõe a forma escrita seja móvel ou imóvel seu objeto, desse modo, estamos diante de um contrato formal.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3.2.  Imposições Legais para realizar a Doação

Vale ressaltar que apesar da doação se caracterizar como um ato de liberalidade, este conforme explica Gonçalves (2017, p. 283-284) poderá sofrer algumas imposições, uma vez que o legislador busca proteger o interesse do próprio doador, de seus herdeiros, da coletividade e de terceiros interessados. Assim, o legislador estabelece as seguintes modalidades de doações, que na verdade se trata de imposições do direito de doar, a saber, a doação inoficiosa e a doação de todos os bens do doador.

Dispõe o artigo 549 do Código Civil que é nula a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade poderia dispor em testamento e o art. 1.789 do mesmo código dispõe que havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança (BRASIL, 2002).

A intenção do legislador ao criar esse dispositivo é resguardar o interesse dos herdeiros necessários. Independentemente da vontade do testamentário sua liberalidade para testar é de cinquenta por cento de seus bens já ficando reservada a outra metade aos herdeiros necessários. A luz de tais considerações esse dispositivo é um desdobramento do art. 1.789 do Código Civil, já que também para realizar o contrato de doação, será necessário que se observe a indisponibilidade da parte legítima. Para se calcular a disponível leva-se em consideração os bens no momento da liberalidade. Entretanto se inexistir a figura do herdeiro necessário observa-se a inaplicabilidade desse dispositivo e consequentemente a total liberdade para doar, desde que a doação não seja de todos os seus bens. (BRASIL, 2002).

Dispõe o art. 548 do Código Civil: “é nula a doação de todos os bens sem a reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador (BRASIL, 2002).

Conforme Gonçalves (2017, p. 285) essa imposição tem o intuito de proteger o doador evitando que a ampla liberdade seguido de sua imprevidência seja capaz de reduzi-lo a miséria. Ademais essa proteção de forma indireta recai sobre toda a sociedade, evitando que o Estado tenha de amparar mais um abandonado. Assim não haverá restrição se o doador tiver alguma fonte de renda ou reservar para si o usufruto de bens que sejam suficientes para a sua manutenção. Na ocorrência de doações sucessivas em épocas diferentes, as que não impossibilitaram a subsistência do doador são irrevogáveis, entretanto aquelas que houverem reduzido os meios para manter a sua sobrevivência serão nulas. Caso elas sejam simultâneas, todas elas serão nulas.

4. PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS E O ESTATUTO DO IDOSO

Toda e qualquer normas ao ser criada deve ter como parâmetro os princípios constitucionais, pois serão eles que irão informar os meios que serão utilizados para alcançar os objetivos do Estado.

Conforme Bastos (1999, p.184) os princípios constitucionais não podem regular situações especificas, mas servirão de parâmetro para todo o ordenamento jurídico. Por este motivo, o que o princípio perde de carga normativa, ganha como força valorativa.

Na constituição de 1988, os princípios estão dispostos nos vários incisos do art. 5º, no entanto, é possível encontrá-los também por todo o texto constitucional, nesse entendimento Bastos (1999, p.184) afirma que os princípios jurídicos sistematizam a Constituição tornando-a congruente além de servir para a interpretação das normas, constitucionais ou infraconstitucionais:

O reflexo mais imediato disto é o caráter de sistema que os princípios impõem a Constituição. Sem eles a constituição se pareceria mais um aglomerado de normas que só teria em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, do que com um todo sistemático e congruente. Dessa forma, por mais que certas normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve ser minimizada pela força catalisadora dos princípios. Outra função muito importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais , seja ao legislador ordinário, no momento da criação das normas infraconstitucionais,seja aos juízes, no momento da aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização dos seus direito (BASTOS, 1999, p. 184-185).

Importante observarmos na citação acima que as normas infraconstitucionais deverão observar o texto constitucional, e sobre tudo os seus princípios. Ademais cabe também ao judiciário evocar os princípios na hora de fazer a aplicação do direito ao caso concreto. Ater-nos-emos aqui a fazer análises dos princípios atinentes ao direito de família que é nosso foco de estudo, estando diretamente ligado ao direito constitucional.

4.1 Dignidade da pessoa humana

Existe uma discussão doutrinária acerca da dignidade da pessoa humana, se estamos diante de um fundamento ou de um princípio, não entraremos nesse mérito, uma vez que independente de sua natureza, ela está inserido na Constituição Federal de 1988 no inciso III de seu primeiro artigo. E ainda tamanha sua importância está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos que assim dispõe:

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito a segurança social e a realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recurso de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis a sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade (Brasil, 2003).

Conforme Tavares (2017, p. 406) respeitar a dignidade da pessoa humana significa garantir que o indivíduo não será alvo de ofensas, humilhações, e ainda que o Estado irá buscar os meios necessários para garantir o pleno desenvolvimento da personalidade, garantindo a autonomia do homem sem interferências ou impedimento externos.

Dessa forma todas as ações do Estado devem ser voltadas para o indivíduo, nunca se deve usar o ser humano para se chegar a um fim, todos os esforços devem ser feitos em prol do ser humano, noutras palavras o ser humano nunca deverá ser o meio de se alcançar algo, mas sim o fim que se justifica as atitudes meio, nessa linha de raciocínio Moraes assim descreve:

A dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado ou Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deva assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2018, p.46)

Importante esse entendimento que nos leva a observar que para se resguardar a dignidade da pessoa humana se faz necessária a observância de outros princípios, como o da igualdade, o da autodeterminação, a liberdade, entre outros. Ta aí a explicação de sua tamanha importância. O conteúdo é amplo, não é possível de antemão dizer em que circunstâncias se aplica.

4.2. Igualdade

Conforme o artigo 5º da Constituição Federal todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo garantida a inviolabilidade do direito a igualdade. (Brasil, 1988)

              Moraes relata (2018, p.35) que todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, sendo vedadas as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, já que o tratamento desigual na medida de sua desigualdade é a busca pela justiça e será admitido. Assim toda situação de desigualdade persistente a entrada de vigor da norma constitucional deve ser considerada como não recepcionada, a não ser que demonstre compatibilidade com os valores que a Constituição, proclama.

Podemos observar que estamos diante de um princípio que guarda total correspondência com o tema em estudo, e sem dúvida alguma é ensejador da discordância quanto a aplicabilidade da proibição da doação entre cônjuges casados no regime de separação obrigatória de bens já que o argumento utilizado para a manutenção da tutela reducionista do Estado na vida do idoso acaba sendo pautada como discriminatória e sem nenhum fundamento que a sustente.

Vejamos a lição de Moraes sobre essa situação:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceito, cuja exigência deve aplicar-se em relação a finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos(MORAES, 2018, p.47).

Temos aí a distinção entre a discriminação lícita e ilícita de modo que para se aceitar uma norma infraconstitucional com tratamento desigual se faz indispensável um fim razoável, critério esse bem subjetivo que envolve juízos de valores que podem variar de acordo com a sociedade, cultura e momento histórico. Moraes ainda nos ensina que o princípio da igualdade deverá ser observado em três momentos: a) criação da norma b) aplicação ao caso concreto c) relação entre particulares.

O legislador no processo legislativo deverá observar o tratamento igualitário a todos, e na ocorrência de necessariamente realizar um tratamento desigual, deve certificar que não está criando diferenciações abusivas, arbitrárias, sem fundamento razoável, sob pena de incompatibilidade com a Constituição Federal (MORAES, 2018, p. 36).

O judiciário no momento de aplicar a lei ao caso concreto, ele deverá se nortear pelo princípio da igualdade, de forma, a diminuir a desigualdade entre as partes, nesse entendimento Moraes nos ensina que no exercício da função jurisdicional de dizer o direito, o judiciário deverá utilizar os mecanismos constitucionais com a finalidade de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas, podendo utilizar do Recurso Extraordinário e do Recurso especial para uniformizar as interpretações. (MORAES, 2018, p.36)

Tamanha a importância desse princípio que até mesmo na relação privada, preocupou-se o legislador em pautá-la sobre o crivo do princípio da igualdade, dessa forma, o particular não poderá ter condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de punição na área cível e criminal (MORAES, 2018, p.36)

4.3. Liberdade

O princípio da liberdade deve ser entendido de forma mais ampla possível, e como o enfoque de nosso trabalho se relaciona com os idosos, vejamos a disposição expressa do art. 10 do Estatuto do Idoso:

Art.10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1o O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes e de diversões; V – participação na vida familiar e comunitária; VI – participação na vida política, na forma da lei; VII - faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.(BRASIL, 2003)

Podemos observar que o Estatuto do Idoso abarca no princípio da liberdade a autonomia da vontade, já que ele está prevendo a participação dessas pessoas nas decisões familiares, na vida social e política. A clareza do art. 4º do Estatuto do Idoso evidencia bem a situação ao determinar que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo discriminação e opressão. (Brasil, 2003)

A luz de tais considerações observa-se que ao idoso é garantido o direito de tomar decisões acerca de sua vida. Ele não pode ser alvo de uma sociedade cruel, ou de um poder Estatal que interfira em sua liberdade fundada exclusivamente em preceitos discriminatórios. É vedada com veemência a opressão aos idosos, ou seja, para obedecer a isonomia, as mesmas escolhas que são dadas ao jovem também deverá ser oferecidas aos idosos, e cumpre tanto ao Estado, como a família e toda a sociedade fazer com que isso seja possível.

5. (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DA DOAÇÃO ENTRE CONJUGES NO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA 

No presente estudo, se pode identificar que a doação entre cônjuges no regime de separação obrigatória de bens, não é conflitante com os requisitos da validade da doação nem mesmo quando se trata das doações inoficiosas ou no caso do doador ter doado todos os bens. Contudo, a nulidade poderia ocorrer quando feita uma interpretação do art. 1.641, inciso, do código Civil, que estabelece o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de setenta anos de idade. Desse modo sendo permitida a doação entre cônjuges na presente situação, estaria sendo contraria ao que pretendia o legislador.

A obrigatoriedade do regime de separação obrigatória de bens esteve presente de forma expressa no Código Civil de 1916, por meio de seu art. 226. Entretanto, quando sancionado o Código Civil de 2002, tal proibição não havia sido mantida, só veio a ser inserida no ordenamento jurídico, em 2011, por meio da Lei nº 12.334.  Segundo ensina Monteiro (2012, p.298), ao se alterar o inciso II, do art. 1.641, o legislador buscou proteger os idosos, mantendo-os distantes de pessoas que pudessem querer casar somente em razão do interesse patrimonial.  

A restrição é eminentemente de caráter protetivo. Objetiva obstar à realização de casamento exclusivamente por interesse econômico. O Código Civil de 1916 impunha o regime da separação somente ao homem com mais de 60 anos. Para a mulher, o limite de idade era 50 anos. O diploma de 2002 (inciso II do art. 1.641) estabelece a idade de 70 anos para todas as pessoas, sem distinção de sexo, observando a isonomia constitucional. Basta que apenas um dos cônjuges supere essa idade, ainda que o outro ainda não a tenha atingido na data da celebração do casamento. (GONÇALVES, 2017, p. 610)

Para alguns doutrinadores a obrigatoriedade do regime de separação obrigatória de bens imposta aos maiores de setenta anos, seria uma violação ao direito à liberdade, e que tal regramento não poderia ser estendido a doação feita entre cônjuges, ainda mais no citado regime.

Para Pontes de Miranda (2001, p.219) a pessoa idosa tem o direito de usufruir e dispor de seus bens, mas desde que seja observado as regras inerentes ao contrato de doação  os limites impostos pela lei, assim como deve de fato ser vedado a doação entre cônjuges sob o regime de separação obrigatória de bens. Em razão de tal entendimento, Pontes de Miranda (2001, p. 219) sinaliza que o disposto no art. 1.641, do código Civil, deve ser aplicado a doação entre cônjuges sob o regime de separação obrigatória de bens.

[...] para evitar explorações, consistentes em levar ao casamento, para fins de comunhão de bens, mulheres em idade vulnerável, ou homens em fase de crise afetiva, a lei cortou cerce a possibilidade das estipulações convencionais de ordem matrimonial e excluiu o regime comum. É cogente o da separação de bens. (MIRANDA, 2001, p.219)

                           

 Apesar de encontrarmos entendimentos a favor da restrição da usufruição e disposição dos bens pela pessoa idosa, a entendimentos contrários que estabelecem que a idade avançada, não é capaz de diminuir a capacidade da pessoa idosa em dispor ou usufruir de seus bens. Dentre doutrinadores, temo o jurista Coelho (2003, p. 178) que entende que ainda que a pessoa tenha a idade avançada, está teria capacidade para gerir o seu negócio e seus bens, basta que a pessoa idosa esteja em pleno gozo da sua capacidade.

Para Dias (2016, p. 246) quando o legislador restringe o direito da pessoa idosa em escolher o regime de bens contrair núpcias, este estaria impedindo de certo modo o casamento da pessoa idosa.

Dias (2016, p. 246) ainda explica que “a limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma precaução (norma protetiva), se constituiu em verdadeira sanção.”

Tal restrição se mostra atentatória da liberdade individual. A tutela excessiva do Estado sobre pessoa maior e capaz decerto e descabida e injustificável. Aliás, talvez se possa dizer que uma das vantagens da fortuna consiste em aumentar os atrativos matrimoniais de quem a detém. (RODRIGUES, 2003, p 142)

A proibição contida no art. 1.641, inciso II, não se deve prosperar na medida em que o casamento em razão de interesse, não ocorre somente quando um dos nubentes é idoso, pode ocorrer com nubentes de qualquer faixa etária. Desse modo, caberá ao magistrado analisar a peculiaridade de cada caso, para verificar se o nubente septuagésimo está em pleno gozo de sua capacidade.

Outrossim, devemos levar em consideração que casamento apesar do direito conceitua-lo como contrato, ele também se relaciona ao amor que existe entre duas pessoas, independente da idade e nem sempre como dito está relacionada a forma de uma pessoa extorquir a outra. Assim como pode acontecer em um relacionamento entre uma pessoa com idade avançada, poderá ocorrer com uma pessoa mais jovem. Dessa forma, deve prevalecer a vontade do idoso em contrair suas núpcias podendo escolher o seu regime de bens, e se caso esse desejar fazer uma doação, seja antes ou após contrair as núpcias, não seja tirado dele esse direito.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feita análise acerca do disposto no art. 1.641, inciso II do Código Civil, pode se perceber que o legislador restringe a pessoa com idade superior a setenta anos, o direito de escolha de seu regime de bens. Ao contrário impõe aos maiores de setenta anos de idade o regime de separação obrigatória de bens.

Nesse sentido, o presente trabalho buscou compreender a vedação da doação entre cônjuges, em que um dos nubentes seja maior de setenta anos de idade, isto porque de acordo com alguns doutrinadores tal vedação seria inconstitucional.

Assim, partiu-se da análise do que era disposto no Código Civil de 1916, que estabelecia que seria vedada a doação entre cônjuges cujo o regime de bens fosse o da separação obrigatória de bens. Contudo, como verificado o Código Civil vigente, nada dispôs acerca dessa vedação e caso seja feita uma análise com base no art. 1.641, inciso II do Código Civil de 2002, poderá ser considerado inconstitucional.

A ocorrência da inconstitucionalidade seria no sentido de que ao estabelecer tal vedação por força da interpretação de tal dispositivo do Código Civil, o magistrado violaria princípios e regras constitucionais, e principalmente o princípio da autonomia privada. Ao idoso, conforme prevê o Estatuto do Idoso é garantido o direito à autonomia de suas escolhas.

Nesse paradigma, a doação entre cônjuges, ainda mais em se tratando daqueles que estão sob a égide do regime da separação obrigatória de bens, não pode ser vedada ainda mais quando um dos nubentes for maior de setenta anos.

Assim, além dos requisitos previstos para a validade da doação, estando o idoso em pleno gozo de sua capacidade civil, este poderia doar bens para o seu cônjuge, ainda que o regime de bens fosse o da separação obrigatória.

7.  REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do brasil, 1988. Brasília,            1998.  Disponível     em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 ago. 2020.

BRASIL. Lei nº 3071, de 1º de janeiro de 1916. Código civil de 1916. Disponível em: htpp://www.planalto.gov.br.ccivil_03/leis/13071.htm. Acesso em 04  nov.  2020.

BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código civil de 2002, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 04  nov.  2020.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITO HUMANOS. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 30 ago. 2020.

GONÇALVES, Carlos Alberto. Direito civil brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais, 14. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito de família: Direito Matrimonial. V.2 Campinas: Bookseller, 2001.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 37ª.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Editora Atlas. 2018.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito de Família. 2. ed. São Paulo: Saraiva 2003.

TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva,2017.

Sobre as autoras
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Ciências Sociais e Humanas do Curso de Direito da Cidade Universitária Una como requisito para obtenção de Título de Bacharel em Direito.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos