O instituto da desconsideração da personalidade jurídica teve sua regulamentação de forma mais objetiva no Código Civil, no qual foi trazido em seu artigo 50, cláusulas abertas e gerais para incorporar o instituto na legislação. O mesmo trouxe que este instituto deve ser utilizado quando a pessoa jurídica for utilizada de forma indevida, na forma que seja praticado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, e que seja demonstrado a fraude contra acionistas, sócios, terceiros ou a lei, ou violação à ordem pública que resulte em prejuízo a terceiro. (CHAGAS, 2018)
1 – CRITÉRIOS PARA SE CARACTERIZAR A APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA.
De acordo com o entendimento do Dr. César Fiuza o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, veio para inibir o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial gerada pelo abuso de personificação. (FIUZA, 2007)
A desconsideração da personalidade jurídica abrange duas teorias, sendo a Teoria Maior, a qual é regulamentada pelo artigo 50 do Código Civil, baseada na confusão patrimonial ou desvio de finalidade e a Teoria Menor que é, adotada pelo § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, baseada na insolvabilidade pura e simples e outras hipóteses. (TEPEDINO, 2019)
A teoria Maior é primordialmente caracterizada pelo desvirtuamento de uma função, não sendo suficiente apenas que seja descumprida uma obrigação por parte da pessoa jurídica, nessa linha de pensamento o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, se pronunciou:
[...]Percalços econômicos financeiros da empresa, tão comuns na atualidade, mesmo que decorrentes da incapacidade administrativas de seus gerentes, não se consubstancia por si sós, em comportamento ilícito e desvio de finalidade da entidade jurídica. Do contrário, seria banir completamente o instituto da pessoa jurídica. [...] (TOMAZETTE, 2018)
A mesma se subdivide em subjetiva e objetiva, sendo a subjetiva caracterizada por ter como principal pressuposto o desvio de função da pessoa jurídica, o qual se concretiza através da fraude e do abuso de direito relativo a autonomia patrimonial. Já a teoria maior objetiva surgiu devido ao não entendimento pacífico devido a teoria subjetiva, trazendo que a confusão patrimonial é o principal requisito para se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, demonstrando claramente a existência de uma separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios, partindo desta premissa conclui-se que a fraude e o abuso de direito ligados a autonomia patrimonial são fundamentos suficientes para a aplicação deste instituto. (TOMAZETTE, 2018)
Com relação a teoria menor, a mesma vem regulamentada no artigo 28, do Código de defesa do consumidor, e faz referência a má administração da pessoa jurídica, na qual ocorre a falência da sociedade empresária, a insolvência da fundação ou associação, ou inatividade de qualquer uma delas ou mesmo o encerramento da pessoa jurídica. (COELHO,2012)
Esta não investiga ou considera o possível desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, mas considera a aplicação do instituto quando o consumidor for impossibilitado de ressarcir-se dos prejuízos causados pelo fornecedor. Como crítica a esta teoria, a doutrina traz que para se aplicar a desconsideração é necessário comprovar o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, não bastando apenas que seja criado um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (CHAGAS, 2018)
Com a comprovação da existência dos requisitos para se caracterizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e proposta a lide, o juiz deverá atingir os bens particulares dos sócios para o fim de sanar a fraude ocorrida, conforme traz Sílvio de Salvo Venosa. (VENOSA,2006)
[...]A teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando a desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidos incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou facilitar fraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusos praticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão-só ou principalmente para o mascaramento de atividades dúbias, abusivas, ilícitas e fraudulentas. [...]
Conclui-se que, os critérios para se caracterizar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica se baseiam na comprovação de abuso pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial na teoria Maior, e na teoria Menor bastando comprovar o mero prejuízo para o credor. (TARTUCE, 2017)
1.1 – A dissolução irregular das sociedades
A dissolução irregular das sociedades ocorre quando os sócios deixam de seguir os requisitos legais que são necessários para findar uma sociedade de acordo com as Instruções Normativas nº 98/2003 e 100/2006 do Departamento Nacional de Registro do Comércio, as quais são: a extinção da personalidade jurídica, o ato de dissolução (distrato contratual), a partilha do acervo social restante entre os sócios, e a liquidação do patrimônio. (CRUZ, 2020)
Em se tratando de casos que ocorrem a irregular dissolução, ocorre a indagação sobre a possibilidade de ser aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com o intuito de responsabilizar os sócios sobre este ato irregular e também para que os mesmos assumam as devidas responsabilidades perante aos credores da sociedade. Assim, o STJ decidiu por meio da Súmula 435, “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”, que em casos de débitos na dívida ativa, será sim desconsiderada a pessoa jurídica e os sócios serão responsáveis pelos débitos. (FERREIRA, 2020)
Com relação às dívidas negociais, as turmas que compõem a segunda seção do STJ decidiram que somente a dissolução irregular não é fundamento suficiente para se aplicar o instituto da personalidade jurídica, assim não admitindo a aplicação da Súmula 435 do STJ neste sentido, por exemplo conforme o agravo no AREsp 550.419/RS. (CRUZ, 2020)
É importante salientar o princípio da presunção de inocência, o qual é estabelecido no artigo 5°, inciso LVII da Constituição Federal, trazendo que ninguém poderá ser declarado culpado até o trânsito em julgado da sentença. Sendo assim, o sócio responsável somente será devidamente responsabilizado após o trânsito em julgado do processo, e a partir disto arcar com todas as dívidas. (BIM, 2020)
2 – A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA AO INVERSO
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao inverso, ocorre quando o sócio utiliza a empresa de forma fraudulenta para violar o direito dos seus credores particulares, transferindo os seus bens particulares para a empresa, e neste caso, a justiça poderá retirar o véu da pessoa jurídica com o intuito de liquidar dívidas pessoais dos sócios com o patrimônio da empresa. (PALHARES, 2020)
Felipe Palhares, ao citar Pedro Henrique Torres Bianqui em seu artigo, traz que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao inverso deverá ser a última opção, em casos excepcionais, pois existem várias possibilidades para que os credores das pessoas dos sócios consigam liquidar esta dívida sem atingir o patrimônio da empresa, como é citado pelo mesmo “como a penhora das quotas ou ações do sócio, penhora de seus dividendos, declaração de insolvência civil do sócio etc.” (BIANQUI, 2020)
É importante salientar que a desconsideração da personalidade jurídica ao inverso não possui regulamentação legal específica, apesar de ser necessária e utilizada, no dias atuais a mesma vem regulamentada de forma ampla nos artigos 77 a 79 disponível no site do Senado Federal, e na jurisprudência do STJ, no julgamento do Resp 948.117/MS, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
Desta forma, conclui-se que o instituto da desconsideração jurídica ao inverso, é aplicado quando comprovado que o sócio está se beneficiando da empresa e violando o princípio da autonomia patrimonial com objetivo de fraudar os seus credores particulares.
3 - A INDEVIDA APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA BASEADA EM CASOS PRÁTICOS
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica nem sempre tem sido aplicado de forma correta, acarretando nos casos das sociedades empresárias uma crise com relação ao princípio da autonomia patrimonial. Por várias vezes a má utilização deste instituto é derivada da avaliação precária realizada pelos magistrados, a qual gera por muitas vezes a eliminação do princípio da separação entre pessoa jurídica e seus integrantes. (COELHO, 2012)
Diante da análise do Recurso Especial de n° 1.838.009 - RJ (2018/0066385-), o qual foi ajuizado por EMPRESA BRASILEIRA DE SOLDA ELÉTRICA S.A - EDSE contra o CONSÓRCIO ALUSA - MPRE e a empresa ALUMINI ENGENHARIA S.A, com o intuito de requerer que seja aplicado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, baseado na presunção de fraude derivada da alienação do controle societário pelos sócios da mesma. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
[...]EMPRESA BRASILEIRA DE SOLDA ELÉTRICA S.A. - EBSE (EBSE) ajuizou execução contra o CONSÓRCIO ALUSA - MPE (CONSÓRCIO ALUSA) e a ALUMINI ENGENHARIA S.A. - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL (ALUMINI), objetivando o recebimento de R$ 4.903.052,52 (quatro milhões, novecentos e três mil, cinquenta e dois reais e cinquenta e dois centavos), representados por Instrumento Particular de Confissão de Dívida, firmado aos 7/8/2014, que foi suspensa pelo Juízo a quo, tendo em vista o deferimento do pedido de recuperação judicial desta última. No curso da ação, EBSE requereu a desconsideração da personalidade jurídica da ALUMINI para incluir ALUPAR INVESTIMENTO S.A. (ALUPAR) no polo passivo da demanda, sob alegação de fraude quando da alienação do controle societário pelos sócios daquela. [...]
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao receber o recurso acatou o pedido da empresa EBSE e manteve a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com base na pretensão da ocorrência de uma confusão patrimonial entre ALUSA e ALUPAR. Sendo esta decisão de acordo com o Magistrado de 1° grau, o qual estabeleceu que a empresa ALUPAR deveria entrar no polo passivo sem a devida apreciação das alegações fáticas e o acervo probatório. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
[...]O TJRJ manteve a desconsideração da personalidade jurídica com base nos seguintes fundamentos: Insta salientar que se permite a desconsideração da personalidade jurídica de forma indireta, em que se levanta o véu da empresa controlada, coligada ou subsidiária integral, para atingir o patrimônio da empresa controladora. Portanto, ao atacar o patrimônio da executada, em razão da desconsideração, para adimplir o crédito exequendo, será alcançada qualquer empresa derivada desta, ou pertencente ao mesmo grupo econômico. Verificamos assim que, para tanto, é essencial a presença do elemento subjetivo destinado a proteger uma ilicitude pela autonomia existencial da pessoa jurídica e distinção patrimonial com os bens da empresa coligada, sendo imprescindível o convencimento do magistrado da intenção de fraudar e da consequente atuação obscura sob o manto da proteção corporativa. [...]
Ao contrário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Superior Tribunal de Justiça, em seu voto apresentou que não é cabível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, impedindo desta forma que o patrimônio da empresa ALUPAR seja utilizado para fim de quitação das dívidas da sociedades, destacando que os meros indícios de abuso de personalidade jurídica da sociedades ou confusão patrimonial, não são suficientes para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, conforme disposto no artigo 50 do Código Civil e baseado no artigo de Flávio Tartuce, publicado no Jusbrasil sobre a “Lei da Liberdade Econômica e seus principais impactos para o Direito Civil”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante;
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Conforme exposto do trecho abaixo destacado do artigo de Flávio Tartuce, o mesmo trouxe base para esta decisão no sentido de sempre deverá ser obedecido os critérios para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que são desvio de finalidade e confusão patrimonial, com fulcro no artigo 50 do Código Civil, estabelecendo assim uma segurança jurídica. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
Com relação ao desvio de finalidade, o mesmo tem como requisito essencial a intenção de lesionar o credor, tendo a presença dolo, o qual somente é aplicado pela corte exclusivamente em casos de encerramento irregular das atividades, quando é realizado a alteração de informações diante dos órgãos competentes e no caso de encerramento das atividades sem o cumprimento das obrigações. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
[...]. Os novos parágrafos, que foram incluídos, desde o texto da Medida Provisória, trazem critérios objetivos para a incidência da desconsideração nas relações entre civis, em prol de uma suposta certeza e segurança jurídica. Advirta-se que essa norma não se aplica à desconsideração da personalidade jurídica prevista em outros sistemas, como no Código de Defesa do Consumidor, na legislação ambiental (Lei n. 9.605/1998) e na (Lei n. /2013). Os dois critérios alternativos previstos no caput do art. 50 do CC/2002 – precursores da chamada teoria maior da desconsideração - são o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. A respeito do desvio de finalidade, a norma passaria a estabelecer como requisito fundamental o elemento doloso ou intencional na prática da lesão ao direito de outrem ou de atos ilícitos, para que o instituto fosse aplicado. [...] (TARTUCE, 2019, p.01)
[...]. Como é notório, a Corte tem exigido o dolo apenas para os casos de encerramento irregular das atividades, quando a empresa as encerra sem honrar com as suas obrigações e altera formalmente as informações perante os órgãos competentes (STJ, EREsp 1.306.553/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014). Como defendi em texto anterior, a melhor redação do comando ficaria com a seguinte dicção: “Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”. [...] (TARTUCE, 2019, p.09)
Por fim, se tratando da confusão patrimonial, os requisitos para sua aplicação foram estabelecidos na Medida Provisória n° 881, a qual trouxe que aplica-se o mesmo quando a sociedade cumprir obrigações que são particulares dos sócios ou administradores, transferências de ativos e passivos sem a devida justificativa, e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020)
[...]. Sobre a confusão patrimonial, foram mantidos os parâmetros objetivos que estavam previstos na Medida Provisória n. 881, sem qualquer modificação, a saber: a) o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; b) a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e c) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. [...] (TARTUCE, 2020)
Analisando o Agravo no Recurso especial de n° 1.498.568 - SP (2014/0299571-2), o qual foi interposto por Ana Paula Ruggieri Baiochi e Outros contra W E S TEXTIL LTDA, tratando sobre “Deserção. Recolhimento em guia diversa da especificada na resolução do STJ. GRU Simples. GRU cobrança. Princípio da instrumentalidade das formas. Aplicação. Deserção afastada. Precedente da corte especial. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisitos do art. 50 do CC”. A Corte de origem constatou que era possível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em face da empresa W W S TEXTIL LTDA, pelo simples fato da empresa ter sido encerrada sem a devida reserva dos bens para responder pelas suas dívidas, revelando assim o abuso de sua personalidade jurídica. Ao contrato da Corte de Origem o Superior Tribunal de Justiça decidiu que com relação ao instituto desconsideração da personalidade jurídica, é demonstrado que o simples encerramento das atividades ou dissolução da sociedade, apesar de ser o encerramento irregular, não é o bastante para a aplicação do referido instituto, conforme o artigo 50 do Código Civil. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2020
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. REQUISITOS. ENCERRAMENTO IRREGULAR DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional e está subordinada à comprovação do abuso da personalidade
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INOVAÇÃO EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CC/2002. TEORIA MAIOR. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. INSUFICIÊNCIA E INEXISTÊNCIA DE PROVA. AFERIÇÃO DA PRESENÇA DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA TEORIA DA DISREGARD DOCTRINE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
[...] 2. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity doctrine) incorporada ao nosso ordenamento jurídico tem por escopo alcançar o patrimônio dos sócios-administradores que se utilizam da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins ilícitos, abusivos ou fraudulentos, nos termos do que dispõe o art. 50 do CC: comprovação do abuso da personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, em detrimento do interesse da própria sociedade e/ou com prejuízos a terceiros. Precedentes.
3. A mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes. [...]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica no início também se chamava de teoria do levantamento do véu ou teoria da penetração na pessoa física, a qual tem como finalidade de regulamentar e limitar o poder dos sócios perante as sociedades e impedir que os sócios/administradores realizem desvio de seus princípios e fins, como por exemplo a realização de fraudes. O mesmo se iniciou no final do século XIX na Inglaterra através do caso da empresa Aron Salomom Ltda, logo após entre 1915 e 1916 ocorreu o caso das entre as empresas Daimler Co. Ltda. v. Continental Tyre & Rubber Co, após a ocorrência destes casos, em 1953, Rolf Serick apresentou sua tese com o tema “Estatuto jurídico das pessoas jurídica e a realidade”, a qual foi fundamental para que este instituto fosse melhor regulamentado para sua possível aplicação. E desde então o instituto vem sendo aperfeiçoado, e conquistou maior apoio legal para sua aplicação, em 1975, de forma ainda não específica foi criado o artigo 59 no Projeto do Código Civil e no mesmo ano foi escrito o artigo de Rubens Requião “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, e posteriormente em 1990 foi regulamentado de forma decisiva no Código de Defesa do Consumidor, sobre as relações de consumo, e em 2002 no Código Civil em seu artigo 50, o qual tratou das relações entre sócios e empresa.
Os critérios primordiais para caracterizar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica são o abuso de personalidade, o qual é caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. A simples dissolução irregular das sociedades não pode servir como fundamento para a aplicação deste instituto, sendo a que a mesma ocorre quando os sócios não seguem os requisitos legais para findas uma sociedade conforme as Instruções Normativas n° 98/2003 e 100/2006 do Departamento Nacional de Registro e Comércio.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ao inverso, trata da situação em que o sócio utiliza a empresa de forma errônea para conseguir violar o direito dos seus credores particulares, realizando assim a transferência os seus bens particulares para a empresa, desta forma o poder judiciário deverá desconsiderar a personalidade jurídica da empresa para que os credores particulares dos sócios conseguem liquidar suas dívidas com os patrimônios pertencentes a empresa.
De exposto conclui-se que, foi realizada a análise em casos práticos com relação a indevida aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, nos quais foram identificados como fundamentos para justificar que a aplicação foi indevida o fato de que a simples alegação de encerramento de atividades sem a dissolução ou liquidação com os credores, sem a mínima presunção de que houve fraude, má-fé, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não é suficiente para se realizar a aplicação do instituto conforme o artigo 50 do Código Civil.
REFERÊNCIAS
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FERREIRA, Rafael Belitzck. A dissolução irregular da sociedade empresária e a paralisação da empresa: controvérsias jurídicas. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-116/a-dissolucao-irregular-da-sociedade-empresaria-e-a-paralisacao-da-empresa-controversias-juridicas/>. Acesso em: 10 de Abril de 2020.
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 1674162 MG 2017/0121651-1 - Inteiro Teor. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/643013800/recurso-especial-resp-1674162-mg-2017-0121651-1/inteiro-teor-643013808>. Acesso em: 05 de Junho de 2020.