Holding familiar: forma de planejamento sucessório patrimonial e seus reflexos

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25/11/2020 às 20:38
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4. UM BREVE PANORAMA SOBRE O PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

Nas palavras da professora Maria Berenice Dias (Manual das Sucessões, 6ª Edição, p.533): Transferir o acervo patrimonial para pessoas jurídicas é a forma mais usual de se fazer planejamento sucessório.

Evita a pulverização societária e os atritos que geralmente surgem entre os sócios remanescentes e os herdeiros e os sucessores do sócio falecido.

Isso tudo tem mais um atrativo: a redução da carga tributária, além de afastar o pagamento do imposto causa mortis.

Trata-se de atividade estritamente preventiva com o objetivo de adotar procedimentos, ainda em vida do titular da herança, com relação ao destino de seus bens após a sua morte.

Com isso evitam-se eventuais conflitos, cujo reflexo negativo podem recair sobre o patrimônio deixado.

E este planejamento pode ser realizado de diversas formas, por exemplo, por meio de testamento, doações, seguros de vida e constituições de empresas como uma holding familiar com o objetivo de assegurar a transferência do patrimônio de acordo com a vontade do seu titular, conforme visto no presente trabalho.

4.1. DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO

A constituição de holding familiar prevê, ainda de maneira alternativa ao planejamento sucessório, a doação de cotas da sociedade empresária com reserva de usufruto vitalício ao doador.

Ou seja, visa a conservação dos direitos do doador até a sua morte.

No entanto, para Silva Filho (2019), a grande problemática de tal situação é quando há ausência de previsão do direito de voto, o que poderá se tornar motivo de dúvida ou complicações futuras.

Para a Junta Comercial do Estado de São Paulo (“JUCESP”), se não houver estipulação entre doador e donatário, poderá esse último exercer o direito de voto, enquanto que o artigo 114 da Lei das Sociedades Anônimas (nº 6.404/1976), obriga o prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário para ser exercido o direito de voto, sob pena de impedimento do exercício do direito de voto nas deliberações sociais (SILVA FILHO, 2019).

Nesse sentido, a Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP entende que “a instituição do usufruto sobre quotas não retira do sócio seu direito de votar nas deliberações sociais, salvo acordo entre o nu proprietário e o usufrutuário, que constará do instrumento de alteração contratual a ser arquivado na Junta Comercial (art. 114 da Lei 6.404/76 e item 2.2.2.4 da IN/DNRC n. 98/2003).

Artigo 114, da Lei nº 6.404/76 - “O direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.

Para Campos, Figueirêdo e Pereira (2019), a constituição de um grupo empresarial em bases sólidas e sua perpetuação após a morte é um desejo que pode ser transmitido por esta técnica, pois permite que o detentor dos bens decida como seu patrimônio irá prosseguir após a sua morte, inclusive administrativamente, sem perder o usufruto durante seus anos de vida.

A doação de cotas em empresas familiares tem como objetivo evitar a divisão dos bens apenas no momento do óbito e seus inconvenientes de cunho sucessório.

As cotas podem ser gravadas com cláusulas de reversão, impenhorabilidade, inalienabilidade, incomunicabilidade e usufruto vitalício ao proprietário, sócio ou fundador da empresa.

A doação de cotas com reserva de usufruto vitalício possibilita a antecipação da administração e gestão do bem deixado além de ensinamentos aos próprios sucessores sobre o negócio que será deixado, com a orientação e apoio do de cujus em vida (CAMPOS; FIGUEIRÊDO; PEREIRA, 2019).

De acordo com Guena (2018), no Brasil, 90% das empresas se originam a partir de algum parentesco.

No entanto, 70% dessas empresas encerram suas atividades com a morte do fundador e, dos 30% restantes, apenas uma minoria consegue chegar até a terceira geração.

Nessa perspectiva é afirmativa de John Davis, que expõe que a “Crise na sucessão é um dos principais fatores que contribui para a mortalidade ou não continuidade das empresas” (apud CAMPOS;FIGUEIRÊDO; PEREIRA, 2019).

Podemos então concluir que, a maior parte das empresas brasileiras são familiares e de origem sucessória, portanto, faz-se necessário um planejamento sucessório no âmbito administrativo para sua continuidade.

4.2. INGRESSOS OU NÃO DE HERDEIROS NA HOLDING

As holdings familiares permitem que o proprietário, sócio ou fundador da empresa, face à ausência de condições dos herdeiros no exercício empresarial, permite a atribuição para tais funções profissionais qualificados para o desempenho da administração e gestão da empresa, sem que obrigatoriamente sejam os herdeiros ou cônjuge.

As empresas holding podem facilitar o planejamento, a organização, o controle, bem como o processo diretivo de suas empresas afiliadas; e também proporcionam, ao executivo, a possibilidade de melhor distribuir em vida seu patrimônio, sem ficar privado de um efetivo e amplo processo administrativo.

Nesse contexto a holding tem elevada influência na qualidade do processo sucessório nas empresas, principalmente as familiares (GUENA 2018; apud CAMPOS;FIGUEIRÊDO; PEREIRA, 2019).

Além disso, na visão de Prado (2016, apud CAMPOS;FIGUEIRÊDO; PEREIRA, 2019), uma holding pode centralizar a administração e centralização de decisões de várias empresas de um grupo empresarial.

Neste sentido, uma empresa que tenha sua propriedade dividida em várias partes, o sucesso só será possível se seus detentores possuam interesses em comum.

Tal instituto, portanto, é um excelente recurso para centralizar escolhas e gestão, colocando em um mesmo caminho os objetivos e atividades da sociedade empresária.

De acordo com Freitas (2012), as Sociedades Anônimas e as firmas individuais, com o falecimento são mais fáceis de visualização da partilha e sucessão do patrimônio.

Nas Sociedades Anônimas, em regra, por serem titularizadas e endossáveis são transmissíveis, e nas formas individuais pela confusão patrimonial também são facilmente transmissíveis.

No entanto, nas sociedades limitadas, pela existência de terceiros e/ou sócios fica um pouco mais complexo o ingresso de herdeiros ou cônjuges, uma vez que dependem de previsão do contrato social.

Desta feita, se estivermos diante de uma sociedade limitada, no caso de herdeiros, o contrato social pode permitir sua inclusão na sociedade e o herdeiro irá decidir em aceitar a sua inclusão como sócio ou sua indenização de cota.

Em regra, se o contrato social não fizer tal previsão haverá indenização da cota, salvo se os demais sócios aceitarem seu ingresso como sócio (FREITAS, 2012).

Porém se estivermos diante do cônjuge/companheiro sobrevivo, primeiramente devemos levar em conta o regime de bens, para visualizar a existência de meação.

E caso o contrato social não faça tal previsão de ingresso, necessariamente ocorrerá a indenização de cotas ou compensação em outros bens particulares.

Até que haja tal liquidação haverá com a sociedade uma relação de subsociedade, pela existência de direitos alimentar e de participação nos lucros sociais (FREITAS, 2012).

O valor indenizável ao cônjuge/companheiro sobrevivente será o valor real (não ficto; valor declarado ou contabilizado) da data do óbito, que será auferido por atos de investigação sobre o patrimônio da empresa, sem sigilo, conforme previsto no artigo 1.031 do Código Civil, uma vez que a sociedade deve informações ao espólio.

Em regra este valor deverá ser pago em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação diversa em contrato (FREITAS, 2012).

4.3. SITUAÇÃO DA HOLDING PERANTE SÓCIOS, TERCEIROS E EMPREGADOS

A constituição de uma sociedade holding vem sendo utilizada com a finalidade de antecipar a sucessão, com o menor risco possível para a continuidade das atividades empresarias, com a perduração da empresa através das gerações, buscando minorar os conflitos e perdas decorrentes dessa passagem, bem como para realizar elisões fiscais, economias tributárias legais, pela sua substituição em relação à pessoa física e também proteger o patrimônio dos sócios do risco da atividade, como muito bem coloca o professor Alexandre Dangui no seu artigo: Holding Company. Planejamento Sucessório, Tributário e Patrimonial.

Desta forma, a proteção do patrimônio de uma pessoa jurídica ou física ou, ainda, de uma família, sem haver qualquer ilegalidade na ação, é um dos propósitos desse modelo de negócios, e, por isso, boa parte da doutrina diz que há uma blindagem patrimonial lícita.

Contudo, esta blindagem do patrimônio deve se dar através de mecanismos jurídicos lícitos de proteção patrimonial, bem como não pode ser considerada como blindagem total ou irreversível, haja vista que não existem mecanismos jurídicos capazes de blindar completamente o patrimônio de todos os riscos que o empresário tem na sua atividade, especialmente como os atos são ilícitos, mas somente conseguimos uma proteção relativa, desde que planejada com antecedência, sem o intuito de fraude, mas com a finalidade de precaução contra eventuais problemas que possam ocorrer, como bem descrevem Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede na sua obra Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico (2013, p.43/44).

Portanto, um dos principais objetivos no planejamento sucessório por meio de uma holding familiar é evitar ou minimizar o conflito entre os sócios, bem como os direitos e obrigações destes perante terceiros, decorrentes da atividade societária.

Neste caso, um dos primeiros passos é também um dos de maior importância no planejamento patrimonial, qual seja, a escolha do tipo de ente societário a ser constituído, já que este poderá limitar a responsabilidade dos sócios perante terceiros.

Ressalta-se que são tipos societários que trazem uma maior segurança quanto à responsabilidade dos sócios em relação às obrigações com terceiros: sociedade simples limitada, sociedade empresarial limitada, EIRELI, sociedade anônima de capital aberto ou fechado.

Outro ponto primordial no âmbito de uma holding é a existência de um acordo de sócios ou acordo de acionistas que estipule a solução para eventuais divergências entre os sócios, a fim dar uma solução célere e tratar a questão de modo preventivo, para evitar eventuais litígios.

Sobre a os acordos societários, comporta trazer a definição de Sillas Battastini Neves, o qual assim leciona: O acordo de acionistas é um negócio jurídico de direito privado, com natureza contratual, que não se confunde com o estatuto social, abrigando apenas os acionistas que dele são parte.

Os acordos de acionistas são muito utilizados em companhias, sejam elas companhias abertas ou companhias fechadas, de modo a compor os interesses de diferentes acionistas no que resguarda, basicamente, a compra e venda de ações, a preferência para adquiri-las, o exercício do direito a voto ou o poder de controle, ainda que outros temas possam ser também dele objeto.

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Assim, o acordo de sócios ou acionistas poderá delimitar a forma e solução de vários pontos que podem ser causa de divergência entre os sócios, fazendo com que os sócios cheguem a um consenso antes mesmo da sua ocorrência, como: 1) A administração da sociedade e a sua sucessão; 2) Exclusão e retirada dos sócios; 3) Política de distribuição de lucros; 4) Alienação das quotas/ações a terceiros; 5) Declaração de Affectio Societatis.

Assim, por ser mais flexível o planejamento sucessório por meio da holding, a criação dessa empresa, possibilita uma adequada definição das regras e procedimentos que serão realizados após a transmissão do patrimônio, com base no interesse do sócio sucedido, haja vista que terá a possibilidade de preestabelecer as normas de administração do seu patrimônio no âmbito dessa empresa, que deverão ser respeitados pelos sucessores, regulando, desta forma, a relação entre os sócios.

Sobre planejamento sucessório por meio da holding, é interessante transcrever a lição de Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira (1999, p. 32):

A empresa Holding familiar é quase sempre a solução para esse problema [cisões em virtude da sucessão e dissolução conjugal], permitindo ao fundador determinar a priori quem vai sucedê-lo na direção dos negócios, resguardando a continuidade do empreendimento e, até mesmo, a sobrevivência dos demais membros componentes da família, sem prejudicar econômica ou financeiramente quaisquer outros herdeiros.

Não obstante o respeito a autonomia da vontade revelado no planejamento sucessório por meio da constituição de uma holding, lembramos que devem ser respeitados os limites legais, não podendo a proteção do patrimônio familiar prejudicar direitos de terceiros ou funcionários, havendo remédios legais que podem ser invocados para proteção de direitos de terceiros caso seja constado fraude ou confusão patrimonial, como a desconsideração da personalidade jurídica, desconsideração inversa da personalidade jurídica e desconsideração por grupo econômico.

Na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa deve ficar configurado o desvio de finalidade e confusão patrimonial com intuito de fraudar interesses de seus credores, que ocorre quando o sócio esvazia o patrimônio da sociedade e o integraliza no patrimônio pessoal, podendo ocorrer a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica inversa quando o esvaziamento e ocultação ocorre de forma inversa, ou seja, com a saída do patrimônio do sócio para o patrimônio da sociedade.

Quanto a configuração de grupo econômico o fundamental é a existência de interesse comum que integre as atividades das empresas e faça com que atuem de forma concertada.

Desta forma, temos que a finalidade da desconsideração da personalidade jurídica inversa é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, cuja adoção é recomendada apenas quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no artigo 50 do Código Civil, assim transcrito: Art. 50 - Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Já a caracterização de grupo econômico entre empresas, tem previsão legal no parágrafo 2º, do art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (“CLT”), onde estabelece que: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Ademais, a desconsideração da personalidade jurídica de grupo econômico, quando verificada a confusão patrimonial, é bem recebida na jurisprudência, conforme abaixo transcrito:

RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO. REVISÃO DOS FATOS AUTORIZADORES. SÚMULA Nº 7/STJ. NULIDADE POR FALTA DE CITAÇÃO AFASTADA. EFETIVO PREJUÍZO PARA A DEFESA NÃO VERIFICADO. OFENSA À COISA JULGADA INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA Nº 98/STJ.

1. Reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada. Rever a conclusão no caso dos autos é inviável por incidir a Súmula nº 7/STJ.”

(STJ, REsp nº 1.253.383 - MT, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, v.u., julg. 12/06/2012). (g.n.)

Diante da desconsideração da personalidade jurídica será relativizado o princípio da entidade, o qual dispõe que o patrimônio da empresa não se confunde com o patrimônio dos sócios, a fim de evitar abusos realizados pelos sócios através da pessoa jurídica.

Assim, nesses casos será desconsiderada a personalidade jurídica, para evitar que as empresas sejam utilizadas com o fito de fraudar terceiros.

Diante disso, podemos concluir, em apertada síntese, que a finalidade do planejamento sucessório está focada em prevenir e minimizar os problemas pessoais e familiares, como dissensos entre os sócios, os herdeiros, sucessores e terceiros, elidir impostos e custos, protegendo o patrimônio familiar de forma lícita, já que deve se respeitar os ditames legais e não pode atingir direitos de terceiros, não podendo servir a interesses escusos, como burlar a partilha de bens quando do fim do casamento ou excluir algum filho do direito à parte legítima.

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