O abandono dos pais afeta cruelmente a criança abandonada, mas o abandono inverso, que se caracteriza pelo abandono dos pais idosos pelos seus filhos, é tão prejudicial quanto, sendo passivo de reparação civil.
É, de fato, muito comum a discussão, no âmbito jurídico, acerca do abandono afetivo sofrido pelas crianças e adolescentes, no entanto muito pouco se discute sobre o abandono inverso, principalmente nas idades mais avançadas.
Lamentavelmente, muitos idosos acabam sendo abandonados por seus filhos, ao final da vida, em casas de repouso ou sozinhos em suas residências, sem a companhia dos filhos ou de nenhum outro familiar, configurando um enorme e verdadeiro problema social que afeta milhares de pessoas.
É necessário ressaltar que os filhos maiores e capazes possuem o dever legal de prestar assistência material e emocional aos seus pais idosos, quando for necessário qualquer tipo de suporte. Esta obrigação tem respaldo no Estatuto do Idoso, e na Constituição Federal, e o descumprimento de suas obrigações como filhos acarreta sanções jurídicas.
Esta forma de abandono se caracteriza pela ausência da prestação de cuidados por parte dos filhos em relação aos seus pais idosos, de modo a violar o dever de cuidado dos filhos para com seus pais idosos, de valor jurídico imaterial, que abarca desde a solidariedade familiar até a segurança afetiva. A falta deste tipo de cuidado, aos olhos da Lei, se denomina “abandono afetivo inverso”, por se caracterizar, exatamente, no sentido o inverso do abandono de pai para filho.
Faz-se mister ressaltar que o dever de cuidado dos filhos para com os seus pais é garantido constitucionalmente. Conforme aduz o Artigo 229 da Constituição Federal, “os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência e enfermidade”.
Por sua vez, o Estatuto do Idoso, em seu Artigo 3º, amplia o dever de cuidados dos filhos a seus pais, ao determinar que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”
Ainda, temos na legislação civil, o dever da prestação alimentícia, entre ascendentes e descendentes, como obrigação natural de apoio e solidariedade familiar.
Faz-se necessária uma reflexão sobre o envelhecimento como uma consequência natural da vida. Assim, é de extrema importância a conscientização da necessidade do afeto, respeito, da consideração e dos cuidados que os idosos merecem receber daqueles face aos quais dedicaram o seu amor e cuidado, quando era necessário, ao criar seus filhos, tornando-os os cidadãos responsáveis que devem ser.
É a família o principal núcleo de proteção e acolhimento do idoso, assegurando a este uma vida digna, repleta de respeito e afeto.
Cumpre ressaltar que o abandono afetivo inverso, assim como o abandono afetivo dos filhos, é relacionado a um dano material, que afeta o patrimônio da vítima, sendo assim, passível de mensurar sua extensão. Mas não se pode deixar de observar o caráter moral, pelos danos psicológicos e emocionais causados ao idoso, muito difícil de ser quantificado monetariamente, cabendo ao magistrado a análise de cada caso concreto em especial.
Entende-se que a indenização pelo dano moral não buscar impor o amor, que não tem como ser obrigado ou forçado. Ademais, nenhuma recompensa financeira é capaz de compensar a falta do afeto. Contudo, a indenização tem por fim evitar ou pelo menos amenizar os danos que possam ter sido causados pelo abandono, quer seja na esfera física, social e principalmente psicológica. De fato, a indenização possui o objetivo primordial de inibir o ato ilícito do abandono, o qual, desgraçadamente, cresce a cada dia em nossa sociedade moderna.
Vale sempre ressaltar que “amar é uma faculdade, cuidar é dever”, como bem observou a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi.
A discussão deste tema é de extrema importância para toda a sociedade, por conta de suas graves consequências de fundo social, inclusive com impactos no sistema de saúde e a imposição ao Poder Público, de criar meios de amparo aos idosos abandonados. Além disso, cabe a realização de projetos de informação e conscientização dos idosos, quanto aos seus direitos, inclusive explicando-lhes sobre a possibilidade de fazer valê-los pelas vias judiciais.
Urge desmistificar-se a ideia de que somente os pais possuem obrigação em relação aos seus filhos; o inverso é verdadeiro e carece de ser cumprido e efetivamente promovido, em nome da estabilidade e qualidade de vida dos idosos, na manutenção de sua existência digna, garantindo-se lhes, uma prazerosa expectativa de vida.
Ainda, faz-se extremamente necessário implementar campanhas de conscientização aos filhos sobre as obrigações que possuem em favor de seus pais, seja pelo seu aspecto legal, inclusive a depender do caso, configurar-se na prática da conduta típica do abandono de incapaz, seja pelo seu aspecto moral, na forma de retribuição a tudo o que foi feito em prol de seu desenvolvimento pessoal.
Educar, conscientizar e chamar as pessoas à razão e ao dever da boa convivência familiar! Estes pontos devem ser reforçados, seja no seio da família, na escola ou em campanhas e projetos específicos, de ordem governamental ou desenvolvidos pela sociedade civil, para que possamos recobrar a dignidade, o olhar o outro com afeto e, principalmente, gravar na consciência de todos, que o amor não precisa ser obrigado por Lei, para ser sentido e cultivado.