A PROBLEMÁTICA NO USO DE PRINT’S DE CONVERSAS TRAVADAS VIA APLICATIVO WHATSAPP SEM A AUTORIZAÇÃO DE UM DOS INTERLOCUTORES OU DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

28/11/2020 às 21:09
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A possível inadequação da utilização de print’s de conversas travadas via aplicativo WhatsApp sem a autorização de um dos interlocutores ou de prévia autorização judicial como elemento de prova em uma investigação criminal.

O WhatsApp consiste em um aplicativo que permite a troca de mensagens pelo aparelho de telefone celular, possibilita que os usuários enviem e recebam mensagens de texto, imagens, vídeos, áudios, localização e contatos; além disso, deixa que os usuários efetuem ligações, valendo-se da internet, e criem grupos privados, em que os integrantes compartilham discussões, debates e informações[1].

As mensagens trocadas imediatamente entre os usuários não são acessíveis ao público, diferente, portanto, das redes sociais (por exemplo, Facebook, Instagram e Twitter).

Em virtude disso, fácil perceber que as comunicações por meio do WhatsApp são, em regra, de natureza particular, pois quando feitas prontamente, são restritas aos interlocutores ou a um grupo de pessoas determinadas.

Isso mostra que, geralmente, a comunicação via WhatsApp será alcançada imediatamente por terceiros apenas quando os interlocutores assim o permitir.

Sendo assim, inexistindo consentimento por parte de um dos interlocutores, mostra-se que o acesso às comunicações (captação do fluxo instantâneo ou dados estáticos que estão armazenados no aplicativo) seja subordinado, para utilização na persecução penal (ou no âmbito administrativo-disciplinar), à reserva de jurisdição, porquanto infere-se que as legislações infraconstitucionais[2] salvaguardam o direito fundamental à privacidade e a intimidade das pessoas, bem ainda tutelam a liberdade e o sigilo das comunicações de dados telefônicos, prestigiando, dessa forma, as garantias insculpidas na Constituição Federal[3].

Perante as Turmas do Superior Tribunal Federal prevalece que, na falta de autorização expressa ou tácita do interlocutor ou detentor do direito, a atuação jurisdicional constitui condição indispensável para legitimar o acesso pelos órgãos de investigação aos dados telemáticos armazenados no celular (ou outro equipamento equivalente), pois a ingerência nas conversas tidas pelo aplicativo WhatsApp sem a permissão judicial violaria direitos fundamentais e o texto de leis especiais, consoante seguem abaixo alguns julgados inerentes à matéria:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (RHC 51.531/RO - Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 19/04/2016, DJe 09/05/2016).

PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO "LAVA-JATO". MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96. OFENSA AO ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI 9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO. I - A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96. II - O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5º, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos. III - Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie. IV - Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.V - Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova. Recurso desprovido. (RHC 75.800/PR - Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2016, DJe 26/09/2016).

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. DADOS ARMAZENADOS NO APARELHO CELULAR. INAPLICABILIDADE DO ART. 5°, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEI N. 9.296/96. PROTEÇÃO DAS COMUNICAÇÕES EM FLUXO. DADOS ARMAZENADOS. INFORMAÇÕES RELACIONADAS À VIDA PRIVADA E À INTIMIDADE. INVIOLABILIDADE. ART. 5°, X, DA CARTA MAGNA. ACESSO E UTILIZAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 3° DA LEI N. 9.472/97 E DO ART. 7° DA LEI N. 12.965/14. TELEFONE CELULAR APREENDIDO EM CUMPRIMENTO A ORDEM JUDICIAL DE BUSCA E APREENSÃO. DESNECESSIDADE DE NOVA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ANÁLISE E UTILIZAÇÃO DOS DADOS NELES ARMAZENADOS. RECURSO NÃO PROVIDO. I - O sigilo a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição da República é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos. Desta forma, a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei n. 9.296/96. II - Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens (dentre eles o "WhatsApp"), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no termos do art. 5°, X, da Constituição Federal. Assim, somente podem ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, nos termos do art. 3° da Lei n. 9.472/97 e do art. 7° da Lei n. 12.965/14. III - A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ("WhatsApp"), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel. IV - No presente caso, contudo, o aparelho celular foi apreendido em cumprimento à ordem judicial que autorizou a busca e apreensão nos endereços ligados aos corréus, tendo a recorrente sido presa em flagrante na ocasião, na posse de uma mochila contendo tabletes de maconha. V - Se ocorreu a busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular, não há óbice para se adentrar ao seu conteúdo já armazenado, porquanto necessário ao deslinde do feito, sendo prescindível nova autorização judicial para análise e utilização dos dados neles armazenados. Recurso ordinário não provido. (RHC 77.232/SC - Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017).

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. FURTO E QUADRILHA. APARELHO TELEFÔNICO APREENDIDO. VISTORIA REALIZADA PELA POLÍCIA MILITAR SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU DO PRÓPRIO INVESTIGADO. VERIFICAÇÃO DE MENSAGENS ARQUIVADAS. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE. PROVA ILÍCITA. ART. 157 DO CPP. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Embora a situação retratada nos autos não esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, houve sim violação dos dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de texto arquivadas – WhatsApp). 2. No caso, deveria a autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente constitucional, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos dados telefônicos constante dos aparelhos dos investigados, sem sua prévia autorização ou de prévia autorização judicial devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do art. 157 do CPP. Precedentes do STJ. 3. Recurso em habeas corpus provido, para reconhecer a ilicitude da colheita de dados do aparelho telefônico dos investigados, sem autorização judicial, devendo mencionadas provas, bem como as derivadas, serem desentranhadas dos autos. (RHC 89.981/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017).

Ademais, nos casos em que o próprio detentor do direito em tese violado franqueia acesso aos dados (exemplo, esposa de vítima de homicídio cujo celular seja objeto de corpo de delito), não há que se falar em necessidade de autorização judicial.

Nesse sentido:

Com efeito, quanto à alegada "nulidade da ilícita quebra de sigilo de conversas whatsapp e dados telefônicos do aparelho de celular apreendido da vítima", o voto do relator faz referência a precedentes em que a situação é distinta, porque dizem respeito à interceptação de celular do acusado, cujo conteúdo vem a ser devassado – as comunicações, fotografias, dados bancários – sem autorização judicial. Nesse sentido, de fato, este Órgão Colegiado vem entendendo que a prova seria ilícita, tratando-se, pois, da liberdade pública de que é titular o sujeito passivo da persecução penal. Neste caso, todavia, a situação é oposta, visto que houve um homicídio em que esse telefone – de propriedade da vítima – teria sido, inclusive, um veículo para a prática do crime, porque o acusado, por meio de ligação telefônica para o aparelho celular da vítima, a teria mantido por cerca de uma hora na frente da residência onde ela se encontrava, até que ali chegasse o executor do homicídio que teria sido praticado a mando dos dois acusados. A vítima foi morta, o celular ficou com a sua esposa, e ela o entregou à Polícia. Portanto, o detentor de eventual direito ao sigilo estava morto, não havia mais sigilo algum a proteger do titular daquele direito, e a sua esposa, totalmente interessada no esclarecimento dos fatos, entregou o celular à Polícia, que o examinou, talvez realmente antes da ordem judicial. Neste caso, não vejo nem necessidade de uma ordem judicial porque, repito, no processo penal, o que se protege são os interesses do acusado. A mim, soa como impróprio proteger-se a intimidade de quem foi vítima do homicídio, sendo que o objeto da apreensão e da investigação é esclarecer o homicídio e punir aquele que, teoricamente, foi o responsável pela morte. (RHC 86.076/MT - Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA, julgado em 19/10/2017, DJe 12/12/2017).

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Pelo divulgado, depreende-se que o WhatsApp caracteriza-se por uma dupla natureza jurídica: enquanto encarado como plataforma de armazenamento de dados em um aparelho celular (diálogos pretéritos), ostenta status de um documento privado; de outro lado, encarado como meio de comunicação instantâneo e dinâmico, equipara-se àquela realizada com o uso da informática e telecomunicação, ou seja, comunicação telemática[4].

Inobstante esse “status de documento privado”, a Polícia Judiciária, incumbida constitucionalmente pela investigação criminal, não pode fechar os olhos para a evolução tecnológica e para os meios telemáticos de comunicação dos quais têm se valido os autores de delitos, sob pena de se criar um ambiente isento ao controle estatal, onde crimes graves multiplicar-se-ão sem qualquer coibição, contudo os atos investigatórios devem sempre pautar-se aos ditames legais para se evitar alegações de abusos às garantias constitucionais e aos direitos dos investigados e, assim, não causar prejuízos à persecução penal, seja na sua fase inquisitorial ou acusatória.

Atualmente o acesso aos dados e conversas realizadas por intermédio do WhatsApp tornou-se um instrumento investigatório de vantajosos e elevados resultados para a elucidação de infrações penais, impactando positivamente na segurança pública, entretanto, por carecer de regulamentação legal, vem sendo suscitada argumentações de violações, mormente pelos órgãos de investigação criminal, e, em virtude disso, coube ao Judiciário, como acima exposto, equacionar soluções em que se constatava, ao que parece, a colisão de dois grupos de direitos basilares: a inviolabilidade da(o) intimidade e vida privada/sigilo das comunicações com a da segurança pública/adequada investigação criminal.

Assim, diante do princípio da legalidade[5], postulado que ganha maior relevância nas searas penal e administrativa, parece não ser adequado como elemento de prova e o respectivo uso em uma investigação criminal a utilização de print’s de conversas travadas via aplicativo WhatsApp sem a autorização de um dos interlocutores (detentores do direito)[6] ou de prévia autorização judicial

De ressaltar que a Constituição Federal inadmite, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos[7], ao passo que o Código de Processo Penal, seguindo a mesma linha, estabelece que são inadmissíveis as provas ilícitas, devendo ser desentranhadas do processo, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais (art. 157).

Por fim, sobre as provas derivadas das ilícitas, o citado código também proíbe essa espécie/meio de prova, excetuando apenas quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente (§1º do art. 157), ou seja, que por si só, seguindo os trâmites comuns, próprios da investigação ou instrução criminal, viabilizaria se chegar ao fato objeto da prova (§2º do art.157).


[1] Disponível em https://www.whatsapp.com/about. Acessado aos 27/11/2020;

[2] A Lei n. 9.472/97 - Lei das Telecomunicações - prescreveu que o usuário de serviços de telecomunicações tem direito a inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas (art.3º, inciso V); Já a Lei n.12.965/14 - Marco Civil da Internet - assegurou aos usuários de internet o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada; inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet; inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial (art.7º, incisos I, II, III);

[3] Art. 5º, incisos X e XII;

[4] A Lei nº 9.296/96 foi categórica ao ampliar a possibilidade de interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (parágrafo único do artigo 1º), estas derivadas do gênero comunicação telefônica;

[5] Art. 5º, incisos II e XXXIX, e art. 37, caput, todos CF;

[6] Autor ou a vítima de um crime praticado e ou exposto via troca de correspondências eletrônicas via Whatsaap;

[7] Art. 5º, inciso LVI.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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