ÉTICA NA ADMINISTRAÇAO PÚBLICA

03/12/2020 às 18:58

Resumo:


  • A ética é uma reflexão sobre a moral e busca fundamentar os valores que regem as condutas humanas, influenciando na tomada de decisões e na distinção entre o que é considerado certo ou errado, justo ou injusto.

  • Existe uma diferença entre ética e moral, onde a ética está relacionada aos princípios e valores que norteiam escolhas, enquanto a moral diz respeito à prática desses valores; adicionalmente, a lei é o conjunto de regras formais que regem a sociedade, podendo ou não estar alinhada com a ética.

  • Na administração pública, a ética é de suma importância, pois os agentes públicos são responsáveis pela gestão dos recursos da sociedade; há princípios constitucionais, legislações específicas como a Lei de Improbidade Administrativa e códigos de ética que orientam a conduta ética dos servidores públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Trata-se de breve discussão acerca de questões em torno da Ética. Elucidação da possível tricotomia entre ética, moral e lei. Bem como, ressaltar a importância e aplicabilidade da Ética no âmbito da Administração Pública. Tema atual e relevante a todos!

1 INTRODUÇÃO:

No cotidiano, as pessoas se deparam com diversas situações em que há necessidade de se fazer escolhas, as quais muitas das vezes são antagônicas, ou seja, escolhas não convergentes não só entre o certo e o errado, legal e o ilegal, justo e o injusto, mas, sobretudo, em relação ao que seria mais adequado, oportuno, conveniente e honesto diante de cada contexto. Ou seja, nem tudo que é legal é necessariamente honesto, adequado e conveniente.

Para uma vida bem sucedida depende de escolhas adequadas de princípios e valores que você vai seguir. Assim, falar de ética justamente nesse contexto torna-se extremamente premente principalmente quando se tratada da gestão/aplicação dos recursos públicos (no ambiente da Administração Pública) em que a responsabilidade dos profissionais (agentes públicos) é mais acentuada.

Não obstante, diante dos diversos escândalos de irregularidades e corrupção envolvendo Agentes Públicos e Privados, atualmente, a sociedade e os órgãos de controle estão cada vez mais atentos em relação à conduta dos servidores na execução dos serviços e recursos públicos, sendo a ética um fator cada vez mais relevante a ser observado.

Nesse prisma, o objetivo deste trabalho será apresentar e discutir de forma breve e dinâmica à luz da legislação, estudos acadêmicos e doutrina algumas questões acerca do conceito, origem e história da ética. Elucidar a possível dicotomia entre ética e moral ou tricotomia entre ética, moral e lei. Bem como, ressaltar importância e aplicabilidade da ética no âmbito da Administração Pública, suas peculiaridades e relevância social.

 

2 CONCEITO, ORIGEM E HISTÓRIA DA ÉTICA:

A ética está presente em todos os campos das ciências e em todas as culturas como valor norteador da vida social. No contexto filosófico, a ética, por sua vez, está associada à fundamentação dos valores morais que regem o comportamento dos seres humanos em sociedade. Ética tenta explicar as regras morais de forma racional, ou seja, é uma reflexão sobre a moral. Em sentido amplo, ajuda o indivíduo a formar bases sólidas que determinam o caráter, as virtudes, e a sua forma de ser e agir em sociedade.

Mas o que seria ética? E como ela é fundamental na tomada de decisões?

O conceito de ética de hoje é fruto de muito estudo e esforço intelectual de vários estudiosos. É um conhecimento acumulado ao longo da história com o objetivo de identificar a melhor maneira de viver e conviver em sociedade.

Existem inúmeros conceitos para Ética, de acordo com abordagens mais ou menos acadêmicas.

Conceito de ética, de acordo com o Dicionário Houaiss (2020):

1 parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social;

1.1 fil em doutrinas racionalistas e metafísicas, estudo das finalidades últimas, ideais e, em alguns casos, transcendentes, que orientam a ação humana para o máximo de harmonia, universalidade, excelência ou perfectibilidade, o que implica a superação de paixões e desejos irrefletidos;

1.2 fil no empirismo, materialismo ou positivismo, estudo dos fatores concretos (afetivos, sociais etc.) que determinam a conduta humana em geral, estando tal investigação voltada para a consecução de objetivos pragmáticos e utilitários, no interesse do indivíduo e da sociedade;

2 p.ext. conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.

A ética é uma parte da filosofia que lida com a compreensão dos princípios e valores que sustentam as bases da moralidade social e da vida individual.

Para o professor Clóvis de Barros Filho (2016), livre-docente da Universidade de São Paulo e consultor em ética da Unesco, ética “é a atividade de escolher o melhor caminho entre todos os possíveis”. Lembrando que o “melhor caminho” nem sempre é o mais fácil, mais cômodo ou menos complexo.

Segundo o Filósofo Mario Sérgio Cortella (2020), ética “é o conjunto de valores e princípios que usamos para responder a três grandes questões da vida: Quero? Devo? Posso? Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero”. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo o que você pode e o que você deve.

Para o filósofo francês Luc Ferry, devido ao fato de os seres humanos não viverem sós e sequer subsistirem sem a ajuda de outros, a grande questão ética é: “como viver com o outro, que regras adotar, como nos comportar de modo ‘vivível’, útil, digno, de maneira ‘justa’ em nossas relações com os outros?” (FERRY, 2012, p. 19)

Percebe-se que Ferry apresenta a ideia de que um comportamento ético envolve também a postura do servir, de ser útil, digno e justo.

Isso significa que ser ético implica em importar-se com o outro, primar pelo bem-estar da comunidade, escolher o que é melhor para a coletividade, abrir mão de interesses individuais com vistas ao bem comum.

É mister trazer à baila a definição de ética sob a ótica de um cientista político renomado, para Norberto Bobbio, ética é “a atribuição [subjetiva] de valor ou importância a pessoas, condições e comportamentos e, sob tal dimensão, é estabelecida uma noção específica de Bem a ser alcançado em determinadas realidades concretas, sejam as institucionais ou sejam as históricas”. (PASOLD, 2008, p. 26)

Mas toda essa reflexão sobre atitudes e comportamentos teve uma origem! E onde tudo começou?

Os princípios e os valores éticos fazem parte da sociedade há mais de 2.500 anos! A ética nasceu na Grécia, por volta do século V a.C., na Antiguidade Clássica, notadamente com a trinca Sócrates, Platão e Aristóteles (os primeiros grandes filósofos). Naquela época, havia bastante preocupação com a vida política. Hoje, a preocupação continua. (ILB, 2020)

Entretanto, há indicações na mesma referência de que antes dos gregos, havia culturas milenares, do médio e extremo orientes portadoras de grande sabedoria, que já consideravam as questões éticas em seu relacionamento social, como por exemplo, nas civilizações egípcia, hindu, chinesa e judaica.

Ainda na mesma referência, porém, pondera-se que foi atribuído a Sócrates, Platão e Aristóteles o surgimento da ética (fundadores da ética). Considerá-los como legítimos “pais fundadores” da Ética é justificado, principalmente, porque, pela abordagem das questões humanas sob uma forma radicalmente mais racional do que a de seus antecessores, eles foram determinantes para a separação entre Religião e Filosofia. Assim, abordada já sob o ponto de vista filosófico, a ética descola-se das amarras religiosas, ditadas pelos deuses de então, e é vista como decorrente da racionalidade do ser humano.

Sócrates foi o primeiro dos três a aplicar a razão para chegar às questões éticas, tais como: existe algo que pode ser considerado Bem e o seu contrário, chamado de Mal? Podemos discernir no mundo e nas atitudes aquilo que é Justiça daquilo que é Injustiça? Podemos chamar de Belo aquilo cuja essência ética e equilíbrio nos encanta, comove e ilumina, e considerar Feio o inverso? E o principal: somos capazes de, efetivamente, agir dentro dos princípios de Verdade, Beleza e Justiça?

A aplicação da ética na vida foi talvez a maior contribuição daquele filósofo. Tanto que, injustamente julgado e condenado à morte, os amigos e discípulos ofereceram-se para subornar os guardas e garantir-lhe a liberdade em outras terras, mas Sócrates, então, declara que não aceita, visto que contrariaria a Verdade.

Sócrates foi mestre de Platão, e este, professor de Aristóteles. Daí por que as preocupações éticas foram sendo progressivamente estudadas. Platão defendia que o homem alcançava a excelência, quando permanentemente buscava o belo, o nobre, o justo. As implicações éticas são, portanto, bastante claras. Em contrapartida, Aristóteles representa a visão mais focada no mundo físico e no humano. Ele é considerado o fundador da disciplina ética como um dos ramos da Filosofia.

Verdade, justiça, bondade e honestidade foram temas recorrentes e aprofundados pelos gregos clássicos. Portanto, embora não sejam os primeiros a tratar de ética, seguramente os três filósofos contribuíram para seu estudo, importância e aplicação à vida individual e em sociedade.

Etimologicamente, a palavra ética é de origem grega, derivada de “ethos”, que significa: comportamento, disposição, costume, hábito, caráter, modo de ser e índole.

Como visto, os conceitos e estudos acerca da ética são bem antigos, havendo também diversas referências atuais. Em síntese e simplificando, pode-se dizer que ética é o estudo da conduta humana, ou a busca da conduta humana voltada para o bem, para o justo e para o correto. E, mais que o estudo simplesmente, a incorporação dos valores éticos decorrentes desse estudo, que deverão passar a integrar a conduta do indivíduo e, por extensão, das sociedades.

As relações sociais éticas (como regramentos universais), portanto, são extremamente importantes para uma atuação/conduta reta e responsável dos diversos atores da Gestão/Administração Pública (políticos e agentes públicos), bem como, dos cidadãos comuns (seja no uso dos serviços públicos ou na fiscalização/controle social).

 

3 ÉTICA E MORAL:

Muito se discute sobre o que difere ética e moral, ou seja, havendo uma possível dicotomia entre essas palavras. De certa forma, a palavra ética tem sido usada com frequência em lugar (sinônimo ou confundida) de Moral, uma vez que esta última adquiriu para muitos um sentido pejorativo, ligado a “moralidade” e “moralismo”.

Ética é, na filosofia, o estudo do conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo. Etimologicamente, a palavra ética vem do grego “ethos” e significa caráter, disposição, costume, hábito. Já a palavra "moral" vem do latim “mos, mores” (que serviu de tradução para o termo grego mais antigo, significando também costume, hábito).

Embora não haja um consenso entre os filósofos, aqui será utilizada, entre as concepções, a de Imannuel Kant, filósofo alemão do século XVIII. (KANT)

Ética e Moral são diferentes, porém são complementares. A ética diz respeito aos princípios e valores que irão nortear suas escolhas; e a moral, à prática (ato) destes valores e princípios.

Respeitadas as opiniões divergentes, numa síntese razoável e simples, pode-se estabelecer as principais diferenças: Ética está relacionada à princípios, adquirida pela reflexão, imutável (ou mais resistentes à mudança), valores, imposta pelo indivíduo a si mesmo, mais abrangente que moral, ciência, estudo da moral, objetiva, universal, interesses da coletividade; Moral está relacionada a costumes, adquirida no meio em que se vive, mutável (ou mais suscetível a mudanças, práticas, imposta pela sociedade (como normas aprendidas no processo de socialização), decorrente da ética, cultural, temporal, objeto de estudo da ética, subjetiva.

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O exposto acima demonstra que existem diferenças entre ambas, mas que também há interdependência. Pode-se colocar a ética em prática pela via da moral. Como por exemplo, pode-se citar toda uma legislação para prevenir e punir crimes contra a vida – ou seja, a legislação (de ordem moral) está reforçando e colocando em prática um princípio ético (a vida é o maior valor humano).

A ética é intrinsecamente relacionada à definição da moralidade, ao questionamento e julgamento sobre quais são os bons e maus valores no relacionamento humano (axiologia), pois seu campo de estudo é esclarecer o que pode ou deve ser uma normatividade de conduta, se há alguma possível de se definir. Apesar da conotação negativa de moral como vinculada à obediência a costumes e hábitos recebidos, sua definição essencial é a mesma de ética e, ao contrário, busca fundamentar as ações morais de forma racional. (DELEUZE, p. 23-35, 2002)

A ética também não deve ser confundida com a lei, embora com certa frequência a lei tenha como base princípios éticos. Ao contrário do que ocorre com a lei, nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir as normas éticas, nem sofrer qualquer sanção pela desobediência a estas; por outro lado, a lei pode ser omissa quanto a questões abrangidas no escopo da ética. Lei é, geralmente, preceito de ordem moral e, portanto, costuma se modificar bastante de acordo com o povo que a cria e para a qual ela é orientada. Assim, é da natureza das leis que procurem refletir a ética, mas elas não são a "ética em si".

Acerca dessa tricotomia (ética x moral x lei): Ética, portando, é ciência, estudo, universal, abstrata e princípio. Moral é a prática (atitudes), concreta. E a Lei é o regramento formal das normas impostas pelo Estado para compelir o cidadão a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. E para garantir (ou buscar garantir) o fiel cumprimento da Lei, há diversos organismos de controle e fiscalização estatal, como as Polícias, Órgãos de Controle e o Judiciário.

Em complemento aos estudos, importante ressaltar que uma pessoa pode ter consciência de princípios éticos, mas agir de forma imoral. Exatamente, isso significa que comportamentos éticos e antiéticos vão muito além da questão racional, cognitiva. Além do conhecimento das normas e leis, há fatores subjetivos relacionados a emoções, afetividade, expectativas diante da vida, que influenciam as escolhas éticas. Do contrário, não haveria crimes e corrupção cometidos por pessoas notoriamente conhecedoras de normas e leis.

No livro Ética e Vergonha na Cara, Clóvis de Barros insere elementos bastante interessantes para essa reflexão:

A ética tem de ser tratada por um prisma de paixões, de emoções e de sensações. Tenho a nítida impressão de que, toda vez que estamos diante de dilemas existenciais, é muito importante observarmos o duelo entre esperança e temor.

Quer dizer, muitas vezes, temos a esperança de auferir bons resultados e até de minimizar custos e esforços com isso.

Então, de um lado, a esperança é um ganho de potência a partir de uma situação imaginada que é vantajosa, prazerosa, que é boa, enfim.

De outro lado, temos o temor, que é justamente o contrário, ou seja, o indivíduo se apequena diante de uma situação imaginada, diante de uma consequência nefasta que possa lhe acontecer. (Barros Filho; Cortella, 2018)

A citação apresenta um verdadeiro “duelo de afetos” (esperança x temor), nas palavras do professor. Nesse duelo entre a esperança e o temor, parece que os mecanismos de controle exercem um papel significativo sobre a conduta. Quando as pessoas sabem que estão sendo observadas, se há um acompanhamento efetivo, quando há consequências sore seus atos, as pessoas tendem a cometer menos infrações (ou seja, o temor ganha da esperança).

Assim, o quanto as instituições são fortes e organizadas para deter ou não a expectativa de impunidade é fato especial e determinante nesse duelo. E essas “instituições” podem ser a família, a escola, o setor de trabalho ou a própria organização. Podem também ser o executivo, o legislativo e o judiciário, em relação ao país.

É certo que, por mais precisas que sejam as leis, sozinhas não são capazes de coibir condutas antiéticas. Por isso, é necessária que a formação do ser humano esteja baseada em princípios e valores sólidos de honestidade, respeito, honradez, dignidade, lealdade: a isso chama-se integridade.

As pessoas fazem suas escolhas de acordo com um somatório de fatores: consciência moral, temor de ser descoberto e o quanto as instituições são suficientemente fortes para fazer cumprir normas e leis.

Não obstante, ser ético é escolher fazer sempre o certo, por princípio moral, independente de haver ou não o controle das instituições e/ou punições determinadas em lei.

 

4 ÉTICA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

Conforme já exarado, ética diz respeito a princípios, valores e critérios que irão nortear suas escolhas. Todos devem agir com ética, tanto os cidadãos quanto os políticos e agentes públicos que atuam no Estado, na condução responsável dos recursos públicos.

No entanto, falar em ética torna ainda mais relevante no ambiente da Administração Pública, pois seus atores são responsáveis por gerir os recursos públicos em prol de toda a sociedade.

Administração Pública caracteriza-se pelas funções próprias do Estado e a prática necessária para o cumprimento dessas funções. Assim, essa é responsável pela execução das atividades visando ao bem comum. Cabendo à prática de atos administrativos próprios do Estado, daí por que seus agentes devem primar pela Ética, pois estão agindo em nome de todos em prol da coletividade.

Por isso é também importante conceituar "serviço público", nas palavras do mestre Hely Lopes Meirelles: “Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob as normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado”. (MEIRELLES, 1997, p. 289)

Nesse contexto, ética deve ser (é) uma condição para que o Estado ofereça um serviço publico com qualidade e excelência à sociedade e execute uma gestão pública de forma responsável e sustentável, sob as normas e controles, e também em defesa do patrimônio e direitos públicos.

De acordo com o FNQ (Fundação Nacional da Qualidade):

“A importância da ética na administração de organizações, ou ética empresarial, ficou mais evidente depois que uma série de escândalos revelaram procedimentos imorais em relação à administração dos negócios, envolvendo organizações de grande porte, com alta rentabilidade, e órgãos públicos. Esses casos chamaram a atenção da sociedade civil e trouxeram à tona a necessidade de novas formas de proceder no ambiente corporativo”. (FNQ, 2017, p.3)

Ou seja, mais que nunca, a ética precisa fazer parte do dia a dias das organizações públicas, estando a opinião pública atenta e exigente aos atos praticados pelos diversos atores públicos (políticos, gestores, servidores e delegados).

Administração Pública se rege por princípios, normas e controle, os agentes públicos são os responsáveis por colocá-los em prática. Do mesmo modo que um trabalhador na iniciativa privada deve prestar contas de suas atividades, produção e atitudes ao seu empregador, também o servidor público (que tem normas para atuação) deve fazê-lo, à luz dessas normas, deveres e direitos.

Assim, em primeiro lugar, cabe destacar os princípios básicos explícitos e determinados na Constituição Federal (CRFB, 1988): “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]”.

Tais princípios refletem um conjunto de padrões de condutas para os atuantes direta ou indiretamente no âmbito público.  De forma resumida, os citados princípios podem ser conceituados (ILB, 2020) da seguinte forma:

Legalidade: Este princípio assegura que a Administração Pública só pode agir em nome da lei e respaldada por ela. Caso esse princípio não seja obedecido, a atividade pública será ilícita e, por tanto, deverá ser punida.

Impessoalidade: Aqui se assegura que os atos administrativos são de responsabilidade da Administração Pública e não de um servidor público específico. Por outro lado, é também este princípio que proíbe a promoção pessoal de ocupantes de cargos públicos. Exemplo clássico era o de se batizarem viadutos e pontes com o nome do governador ou do prefeito. Atualmente, isso só pode ocorrer em homenagem a pessoas ilustres já falecidas, evitando justamente a autopromoção por meio da Administração Pública e seus recursos.

Moralidade: Este princípio, em síntese, alerta que “nem tudo que é legal é honesto”. Há casos em que, apesar da permissão da lei, em certas circunstâncias, uma ou outra ação administrativa pode caracterizar-se como não moral ou não ética. Veja o que diz o inciso LXXIII do art. 5° de nossa Constituição: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. Em outros termos, é o seguinte: Imaginemos que um cidadão presencie a utilização de carros oficiais (portanto, pertencentes à Administração Pública) para fins particulares. Ele poderá coletar provas e propor ação na Justiça para cessar o ato e reparar o dano. Como está agindo em nome da cidadania (se o fizer de boa fé), não precisará custear nada na Justiça, nem mesmo se vier a perder a causa. A conclusão é de que era um cidadão interessado em preservar a moralidade da Administração Pública.

Publicidade: Este princípio, também mandamento constitucional, é hoje mais popularmente conhecido como transparência, termo que veio à tona, na história recente, com a derrocada ad URSS, em que se exigia a glasnost (=transparência). Em suma, significa que atos administrativos, pelo seu caráter público, deve ser dada ampla divulgação, de modo que o cidadãos possam acompanhar e avaliar tais atividades. Há outro sentido para o termo, muito bem explicitado pela Constituição Federal, quando, em seu art. 5°, inciso XXXIII, afirma que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Eficiência: De todos os princípios que devem ser seguidos pela Administração Pública, este é o mais recente e já observa a modernidade exigida por qualquer instituição, pública ou privada. Ele estipula que não basta os atos públicos serem legais, impessoais, de acordo com a moral e amplamente divulgados: eles devem também buscar a eficiência, o atendimento real dos objetivos a que se propõem, sempre em nome da sociedade, da população, que os financia.

Em segundo lugar, deve-se observar o Regime Geral dos Servidores Públicos (RGU), que no âmbito Federal é disciplinado pela Lei nº 8.112/1990, a qual dispõe dentre outras questões acerca dos Direitos e Vantagens (Título III), Deveres (Título IV, Capítulo I, art. 116) e Proibições (Título IV, Capítulo II, art. 117).  Importante salientar que os deveres e proibições caso sejam violados, o servidor público estará sujeito à Responsabilidade Administrativa (Capítulo IV, art. 121) e Penalidades Disciplinares (Capítulo V, art. 127).

Os servidores públicos não estão isentos, portanto, de punições, podendo responder civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. Na esfera administrativa/funcional, as Penalidades Disciplinares podem ser Advertência, Suspensão, Demissão, Cassação de Aposentadoria ou Disponibilidade, Destituição de Cargo em Comissão e Destituição de Função Comissionada.

Em terceiro lugar, deve-se observar a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – Lei nº 8.429/1992 – que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de atos que importam Enriquecimento Ilícito, que causam Prejuízo ao Erário ou que atentam contra os Princípios da Administração Pública no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.

Conforme previsto no art. 12 da LIA, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações (penalidades), que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Em quarto lugar, devem-se observar os Códigos de Ética que são documentos criados por instituições ou categorias profissionais específicas, para regular a atuação desses agentes. No âmbito dos servidores públicos federais, há o Decreto Federal nº 1.171/1994 (Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal), o qual também serve de parâmetro para os demais Poderes e Esferas (Estadual, Distrital e Municipal).

Esse Código disciplina diversas Regras Deontológicas, Principais Deveres do Servidor Público, Vedações, Comissões de Ética e Punição, à luz da Ética, Moral e Princípios Constitucionais.

As Regras Deontológicas são disciplinas da ética e trazem um conjunto de princípios e regras de conduta, dentre as quais se destacam: I - A dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público, seja no exercício do cargo ou função, ou fora dele, já que refletirá o exercício da vocação do próprio poder estatal. Seus atos, comportamentos e atitudes serão direcionados para a preservação da honra e da tradição dos serviços públicos; II - O servidor público não poderá jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput, e § 4°, da Constituição Federal; III - A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo; IV- A remuneração do servidor público é custeada pelos tributos pagos direta ou indiretamente por todos, até por ele próprio, e por isso se exige, como contrapartida, que a moralidade administrativa se integre no Direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade, erigindo-se, como consequência, em fator de legalidade.

É previsto que em todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, indireta autárquica e fundacional, ou em qualquer órgão ou entidade que exerça atribuições delegadas pelo poder público, deverá ser criada uma Comissão de Ética, encarregada de orientar e aconselhar sobre a ética profissional do servidor, no tratamento com as pessoas e com o patrimônio público, competindo-lhe conhecer concretamente de imputação ou de procedimento susceptível de censura (pena de censura). Os registros sobre a conduta ética dos servidores serão considerados para o efeito de instruir e fundamentar promoções na carreira e para todos os demais procedimentos próprios da carreira do servidor público.

Há, portanto, Normas, Leis e Princípios Constitucionais relacionados à ética, servindo de verdadeiros guias/nortes (não só deveres) para os Agentes/Servidores e Gestores Públicos na execução dos serviços públicos à sociedade (financiadora do erário, recebedora dos serviços e responsável pela fiscalização/controle social). Ou seja, ética na Administração Pública é assunto premente de interesse não só dos atores públicos (os quais têm o Dever-Poder de sempre agir com ética) como também de toda sociedade.

Desta forma, está claro que ética é para todos, assim como, a lei é para todos e que a sociedade, cada vez mais atenta e exigente, não suporta (tolera) mais condutas contrárias à ética e/ou ilícitas, sobretudo, em relação aos desvios de recursos públicos.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Consoante exposto, os conceitos e estudos acerca da ética são bem antigos, havendo também diversas referências atuais. Em síntese e simplificando, pode-se dizer que ética é o estudo da conduta humana, ou a busca da conduta humana voltada para o bem, para o justo e para o correto. E, mais que o estudo simplesmente, a incorporação dos valores éticos decorrentes desse estudo, que deverão passar a integrar a conduta do indivíduo e, por extensão, das sociedades.

Acerca da dicotomia ética x moral ou da tricotomia ética x moral x lei, pode-se afirmar que Ética é ciência, estudo, universal, abstrata e princípio. Moral é a prática/conduta (atitudes), concreta. E a Lei é o regramento formal das normas impostas pelo Estado para compelir o cidadão a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. E para garantir (ou buscar garantir) o fiel cumprimento da Lei, há diversos organismos de controle e fiscalização estatal, como as Polícias, Órgãos de Controle e o Judiciário.

É certo que, por mais precisas que sejam as leis, sozinhas não são capazes de coibir condutas antiéticas. Por isso, é necessária que a formação do ser humano esteja baseada em princípios e valores sólidos de honestidade, respeito, honradez, dignidade, lealdade: a isso chama-se integridade.

Todos devem agir com ética, tanto os cidadãos quanto os políticos e agentes públicos que atuam no Estado, na condução responsável dos recursos públicos. Entretanto, falar em ética torna ainda mais relevante no ambiente da Administração Pública, pois seus atores são responsáveis por gerir os recursos públicos em prol de toda a sociedade.

Nesse contexto, ética deve ser (é) uma condição para que o Estado ofereça um serviço publico com qualidade e excelência à sociedade e execute uma gestão pública de forma responsável e sustentável, sob as normas e controles, e também em defesa do patrimônio e direitos públicos.

Administração Pública se rege por princípios, normas e controle, os agentes públicos são os responsáveis por colocá-los em prática. Foram destacados os Princípios Básicos Constitucionais (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência), Regime Geral dos Servidores Púbicos, Lei de Improbidade Administrativa e o Código de Ética, disciplinando diversas regras, direitos, deveres, proibições e punições aos Agentes Públicos.

Ou seja, ética na Administração Pública é assunto premente de interesse não só dos atores públicos (os quais têm o Dever-Poder de sempre agir com ética) como também de toda sociedade. Desta forma, está claro que ética é para todos, assim como, a lei é para todos e que a sociedade, cada vez mais atenta e exigente, não suporta (tolera) mais condutas contrárias à ética e/ou ilícitas, sobretudo, em relação aos desvios de recursos públicos.

Conclui-se, portanto, ética na Administração Pública tem correlação com integridade dos servidores, os quais não poderão jamais desprezar o elemento ético de suas condutas, seja dentro ou fora da função. A moralidade não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum (de todos que custeiam, por intermédio de pagamento de tributos, a remuneração dos servidores e o erário), por isso se exige, como contrapartida, que a moralidade administrativa se integre no direito, como elemento indissociável de sua aplicação e de sua finalidade.

Por fim, cabe ressaltar que uma Gestão Pública de excelência não pode estar desvinculada da ética e dos princípios morais, os quais são primados maiores que devem nortear a execução dos serviços públicos.

Outrossim, o cidadão também deve agir dentro dos princípios morais e éticos, em todos os momentos, abstendo-se, por exemplo, de oferecer ou receber vantagens indevidas para benefício pessoal ou alheio, em prejuízo dos recursos públicos. Ética é, portanto, para todos!

 

4 REFERÊNCIAS:

Barros Filho, Clóvis de; Cortella, Mario Sergio. Ética e Vergonha na Cara! São Paulo: Papirus 7 Mares, 2018.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Regime Geral dos Servidores Públicos (RGU). Lei nº 8.112/1990. Brasília: 1990.

BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa (LIA). Lei nº 8.429/1992. Brasília: 1992.

BRASIL. Códigos de Ética. Decreto Federal nº 1.171/1994. Brasília: 1994.

Cortella, Mario Sérgio. Disponível em: <https://www.pensador.com/frase/MTI0ODIxMA/>. Acesso em: 18 de Jul 2020

Cortella, Mário Sérgio; Barros Filho, Clóvis de. Café Filosófico, TV Cultura. Ética no Cotidiano. 2016.

CUNHA, Carolina. Ética e moral: Qual é a diferença?. UOL, 2015. Disponível em: <http://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/etica-e-moral-qual-e-adiferenca.htm>. Acesso em: 18 de Jul 2020.

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Sobre o autor
Fabrício Ferreira Oliveira

SERVIDOR PÚBLICO DO TJ/RJ [ATUAL]; ASSESSOR DE JUÍZO TJ/RJ; Consultoria em Licitações & Contratos; MBA Gestão Pública; Especialista em Direito Público e Processo Civil; Mais de 15 Anos de Experiência em Gestão Pública; Ex-Empregado Publico Federal. Tem experiências na Área de Direito, com ênfase em Direito Público. Experiência prática em Licitações e Contratos, Processos Administrativos, Processos de Apuração Disciplinar. Atuação como Instrutor de Cursos Relacionados a Licitações, Gestão e Fiscalização de Contratos na ECT. Credenciado para Banca Examinadora do CEPERJ. Autor de Artigos publicados na Área de Direito Público (Direito Constitucional, Administrativo, Tributário, Penal e Processo Penal).

Informações sobre o texto

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