PANSOBERANIA? NÃO SOMOS MAIS COLÔNIA.
ROGÉRIO REIS DEVISATE
Advogado/RJ,
Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ,
Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias
e da Academia Fluminense de Letras,
Autor dos livros Grilagem das Terras e da Soberania,
Grilos e Gafanhotos Grilagem e Poder
e Diamantes no Sertão Garimpeiro.
2020, de fato um ano diferente. Antes que termine, este último mês começa com notícia de que o Parlamento Europeu deve votar norma que aumentará a pressão contra o desmatamento no Brasil.
Em grande resumo, a proposta decorre de resolução apresentada por eurodeputada em fins de outubro de 2020, sobre a qual a Comissão Européia poderá apresentar projeto, alvitrando editar norma que não teria jurisdição apenas no continente europeu, mas no Brasil e noutros países.
Assim, na linha básica do que se debate e diante da proposta concreta apresentada na resolução, produtos agrícolas brasileiros só entrariam em mercados europeus se ficar comprovado que não contribuíram para o desmatamento ou destruição de biomas como o Pantanal, Cerrado ou Amazônia e esses produtos não tenham contribuído para a violação de direitos humanos, de direitos de propriedade ou de direitos de povos indígenas.
Ninguém é a favor do desmatamento ou da destruição de florestas e matas nativas. É crível que todos habitamos o mesmo planeta e portanto temos o mesmo interesse na proteção de geleiras, florestas, fiordes, Alpes, Montanhas Rochosas, Oceanos, mares, rios etc
Apenas por argumentar, fala-se em povos indígenas nas Américas, na Oceania, Caribe, África mas não se comenta sobre povos indígenas na Europa. Há indígenas lá? Outrossim, a Alemanha possui cerca de 33% de florestas em seu território, ao passo que o Brasil possui 58,5% (IBGE).
A proposta, em início de tramitação na europa, tenderá a pressionar tanto os produtores brasileiros quanto fundos e investidores europeus e transnacionais, focando nos principais produtos vendidos pelo Brasil aos europeus, como a carne de boi e a soja, algo em torno de US$ 500 milhões e US$ 6 bihões, no ano de 2019.
Podem autodeterminar-se sobre o que comprarão e em quais condições de produção, mas não sobre como deverá ser plantado, fixar meta quantitativa para desmatamento etc. Pode parecer sutileza mas há aí uma grande diferença. Segundo a máxima de que “o cliente tem sempre razão”, a priori os produtores e nações produtoras deverão ajustar-se ao mercado global. A diferença é quando o mercado dita regras que não são apenas mercantis, mas ultrapassam essa barreira para definir aspecto jurídico-político de nações soberanas.
Volta-se assim a debates do início do ciclo da globalização ou mundialização do capital, quando se discutia a ausência de fronteiras para o fluxo financeiro no mundo e o quanto isso representaria como flexibilização de aspectos de Soberania de Nações.
Há uma contradição em se dizer que o Brasil tem Soberania sobre a Amazônia mas que deveria dela cuidar em benefício de todos. Equivaleria a dizer que os países que utilizam energia nuclear deveriam agir em beneficio de todos, quiçá desligando essas perigosas fontes de energia e/ou acabando com todas as ogivas nucleares que possuem – pois, afinal, potencialmente podem causar malefício a toda a humanidade e ao meio ambiente.
Apesar de se falar em preocupação com situações globais e em benefício de todos, não podemos nos esquecer de que há guerras e guerrilhas e fome em vários lugares do mundo, muro sendo construído para se impedir mexicanos de cruzarem fronteira com outro país e se deixou construir a Usina de Belo Monte, apesar dos estudos técnicos serem contrários (falamos nisso em 2017, em nosso livro Grilagem das Terras e da Soberania) e o que se vê hoje é notícia de que ter-se-á de aumentar a vazão da Usina para se proteger o Rio Xingu, diante da drástica redução do seu volume de água, o que tem atingido dramaticamente famílias – inclusive indígenas - e milhares de espécies de peixes, tartarugas e frutos, num trecho de aproximadamente 130 km, diante do desvio de cerca de 80% da água da sua calha natural para o canal artificial de mais de 20 km.
Não vi movimentos “em benefício de todos” ou “pelo bem da humanidade” na linha de se acabar com a fome, guerrilhas e guerras no mundo ou de se desligar as potencialmente danosas usinas nucleares. O que vemos é movimento numa proposta ambígua, que vale para uns com rigor mas que não vê o todo. O foco? A Amazônia, sempre ela.
Outrossim, não se nega as queimadas e os danos que causam, mas boa porção delas é da própria Natureza, tanto aqui, quanto nas Sanavas africanas ou na Califórnia.
Aliás, por se falar em Brasil e nas árvores do Cerrrado, é crível que a natureza levou muitos milhares de anos para desenvolver aquelas árvores de tortos troncos e grossa cobertura de cascas, o bastante para resistir ao fogo que habitualmente (mormente no fim dos longos meses sem chuva, no período anual de estiagem) queima o seco Cerrado, logo antes do início da temporada de chuvas. Se o fogo fosse provocado pelo homem, levando-se em conta os 500 anos desde o Descobrimento, tais árvores não teriam tais cascas grossas... A natureza é sábia!
Outra questão é quando a proposta analisada fala em não se adquirir produtos brasileiros que tenham envolvimento com violação ao direito de propriedade, quando sabemos que a Grilagem de Terras Públicas ainda é fenômeno existente e em grandes dimensões do nosso território. Enquanto não se acabar com a Grilagem, não se terá a segurança jurídica desejada por todos e pela proposta européia em tramitação.
Por fim, Soberania é poder absoluto, que não admite gradação, não podendo ser diminuído em sua plenitude e alcance. E quando o território (elemento constitutivo do Estado) é ameaçado, é a Soberania que está exposta. Se e quando isso ocorre, temos uma Soberania que diríamos “emagrecida” ou, para usar a expressão de Rivero (2000), perfurada.
Assusta imaginar o cenário que se desenha. É um tipo de neocolonialismo que se avizinha e com o fim do Poder Soberano, como hoje conhecemos. Assim, grandes potências poderão vir a ditar regras aos outros, digamos países semi-soberanos ou autônomos apenas na aparência, num neologismo que ousamos adotar, para batizar o fenômeno de Pan-Soberania (Pansoberania). Quem viver, verá.