A DISCUSSÃO QUANTO AO ENTENDIMENTO DO ARTIGO 57, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

04/12/2020 às 20:00
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O PRESENTE TEXTO PÕE EM DISCUSSÃO A INTERPRETAÇÃO QUE DEVE SER DADA AO ARTIGO 57, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DIANTE DA DOUTRINA NACIONAL E AMERICANA.

A DISCUSSÃO QUANTO AO ENTENDIMENTO DO ARTIGO 57, § 4º, DA CF

Rogério Tadeu Romano

Observo o artigo 57, parágrafo quarto da CF:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)

§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006).

Por sua vez, na linha da norma paratípica, a norma típica secundária, Regimento Interno do Senado, no artigo 59 assim determina:

“Os membros da Mesa serão eleitos para mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente”.

Possibilita-se a recondução para membro da mesa, desde quando seja para outro cargo diverso do que o parlamentar ocupava antes.

Tal recondução era vedada na ordem constitucional pretérita.

A Constituição atual permitiu, na sua redação primeira.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela impossibilidade de recondução para o mesmo cargo de eleição imediatamente subsequente (RTJ, 119: 964 e 163: 52).

O Supremo Tribunal Federal também entendeu que “a norma do parágrafo quarto do artigo 57 da CF, que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido (STF, RTJ, 163: 52).

A Constituição e o regimento do Senado impedem que membros da Mesa Diretora sejam reeleitos na mesma legislatura, ou seja, no período de quatro anos entre duas eleições gerais.

Isso é claro, diante dos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e, ainda, o republicano, um princípio democrático por excelência.

No entanto, divulgou o site Antagonista (7 de fevereiro de 2020) o que segue:

“Para ficar mais dois anos na presidência do Senado, porém, Alcolumbre tirará da manga, no momento que considerar oportuno, um parecer da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) datado de novembro de 1998, que levanta a possibilidade de reinterpretação do texto constitucional e da norma interna.”

Para tanto, pensam em ressuscitar o parecer 555, que dá interpretação permissiva a tal reeleição, baseando-se, inclusive, em que as funções exercidas na Mesa Diretora — incluindo a de presidente, claro — como de “natureza executiva”, e não de “legislativa”. “É função de direção, supervisão, polícia, administração e execução. Em tudo e por tudo, se afigura função executiva e administrativa”, diz trecho do parecer. Sendo assim, uma vez que o sistema republicano havia passado a permitir a reeleição de titulares do Poder Executivo um ano antes, em 1997, “não haveria mais razão doutrinária” para impedir a reeleição de presidentes do Senado, ainda que na mesma legislatura.

O ressurgimento da ideia de permitir a reeleição dos atuais presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados atesta o baixo apreço da classe política pela longevidade das normas.

Um desvio, de resto, encontradiço até no Supremo Tribunal Federal, cujo vaivém de decisões desvaloriza a missão de resguardar a fortaleza constitucional, como bem acentuou Editorial da Folha, em 24 de agosto do corrente ano.

O Supremo Tribunal Federal tem uma oportunidade para impedir a concretização de tal entendimento.

O PTB representou ao STF para que este consagre o veto à reeleição dos presidentes parlamentares em qualquer situação, não só na legislatura presente.

É claro que, no quadro da política brasileira, poderá haver insondáveis interesses por detrás dessa iniciativa no processo constitucional.

Lembrou Rafael Tomas de Oliveira (Republicanismo deve reger eleições municipais para a mesa diretora de câmara municipal in Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2016), que o princípio republicano, destacado logo no caput artigo da Constituição Federal de 1988, possui densidade normativa, devendo vincular os poderes constituídos em todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal).

Ainda nessa linha de raciocínio, tem-se que o princípio republicano exige a alternância de poder.

É igualmente elemento normativo do princípio republicano a alternância no poder. As repúblicas modernas, que se organizam por meio do regime democrático, devem possuir, institucionalmente, mecanismos que possibilitem a troca da pessoa ou grupo que, transitoriamente, detém o exercício do poder político (em qualquer dimensão ou esfera de governo), sob pena de criar-se uma espécie de regime dinástico, aristocrático ou oligárquico que coloque a república apenas como símbolo político-jurídico, como ainda disse Rafael Tomas de Oliveira, naquele artigo citado.

E conclui aquele autor:

É igualmente elemento normativo do princípio republicano a alternância no poder. As repúblicas modernas, que se organizam por meio do regime democrático, devem possuir, institucionalmente, mecanismos que possibilitem a troca da pessoa ou grupo que, transitoriamente, detém o exercício do poder político (em qualquer dimensão ou esfera de governo), sob pena de criar-se uma espécie de regime dinástico, aristocrático ou oligárquico que coloque a república apenas como símbolo político-jurídico.”

Afinal, há deveres de proteção à Constituição, como revelou Canaris (Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2009).

As casas legislativas da República têm um compromisso republicano de forma que tal pretensão nociva de reeleição fere princípios constitucionais nucleares e deve ser objeto de confrontação dentro das formas que a Jurisdição constitucional permite.

Entretanto, segundo o chefe do Ministério Público Federal, “não cabe ao Judiciário, ainda que pela via do controle abstrato de normas, substituir-se ao Legislativo a fim de definir qual o real significado da previsão regimental”.

O PGR destacou que a interpretação e a aplicação de normas regimentais, em regra, escapam do controle judicial, “uma vez que o primado da separação de Poderes inibe a possibilidade de intervenção judicial na indagação de critérios interpretativos de preceitos regimentais definidos pelas casas legislativas”.

A AGU (Advocacia-Geral da União) enviou, em 16 de setembro, parecer ao Supremo em que também defende que só os próprios congressistas devem decidir sobre a possibilidade ou não de reeleição para as presidências de Câmara e Senado.

No julgamento com votos por escrito que vai até o dia 14, uma segunda-feira, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes votaram a favor da reeleição dos dois, e Kassio Nunes defendeu a possibilidade de recondução apenas de Alcolumbre.

Até agora, o ministro Marco Aurélio foi o único a divergir e a defender a proibição da reeleição. O magistrado afirmou que a vedação é "peremptória" e pretende alcançar a alternância de poder, "evitando-se a perpetuação, na mesa diretiva, de certos integrantes".

Fala-se que se trata de matéria interna corporis e, em razão disso, não caberia a apreciação do Supremo Tribunal Federal.

Mas ela já está disciplinada no texto constitucional.

Como tal não cabe a aplicação de um direito livre, proativo, que leve o Supremo Tribunal Federal a revogar a norma e dar a ela um objetivo que ela não tem. É proibida a reeleição, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

Gény (1861-1944) lecionou sobre a libre recherche scientifique, que consistiria numa “pesquisa livre, porque subtraída da ação própria de uma autoridade positiva; pesquisa científica, ao mesmo tempo, porque busca as suas bases sólidas nos elementos objetivos que só a ciência lhe pode revelar” (Méthode d’interprétation et sources em droit privé positif, Paris, 1954, 2ª edição, tomo II, pág. 78). Entretanto, não reconhecia, moderadamente, que dita pesquisa “pudesse criar regras de direito com a mesma latitude que pertence ou ao costume” – que estabelecia o critério científico de sua escola, que era o da indagação praeter legem – ao longo da lei – nunca, porém, contra legem, frontalmente à lei, o que importaria insurreição contra a ordem jurídica vigente, não admitida pela escola moderada de Gény.

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Contudo, desde o momento em que a lei – por deficiência ou ineficiência – viesse a colidir com o direito, ou, ainda, este com os fatos, era legítimo sustentar o direito atuante contra a lei superada (inefetividade da lei), verdadeiro direito à insurreição, legitimando uma resistência passiva, dos súditos pessoalmente afetados, às leis escritas, que violassem, de maneira intolerável, as faculdades essenciais do homem, consagradas pelo direito natural, a fim de que assegurasse “o triunfo da justiça irredutível sobre os caprichos de uma autoridade ultrajantemente opressiva”(Science et technique em droit privé positif, Paris, 1927, 2ª edição, tomo IV, pág. 153, n. XXI).

Ao Judiciário cabe a correta aplicação da lei. Não cabe a ele criar a lei. Isso é tarefa do Legislativo que para tanto dá o direito posto.

É certo que, no passado, o Supremo Tribunal Federal lembrou que lhe cabia “a prerrogativa e necessidade, em ordem a suprir as deficiências ou imperfeições da legislação”(voto do Ministro Edmundo Macedo Ludolf), e, ainda que “o Supremo Tribunal Federal, ao modo da Corte Suprema norte-americana, desempenha, não o papel de um simples Tribunal de Justiça, mas o de uma Constituição permanente, porque os seus deveres são políticos, no mais alto sentido dessa palavra, tanto quanto judiciais”(voto do Ministro Edgar Costa): Pedido de Intervenção Federal nª 14, in Diário da Justiça, de 28 de novembro de 1951, páginas 4.528-9, apud Paulino Ignácio Jacques, Da Norma Jurídica, pág. 39.

Consagrava-se a doutrina de James Beck que, em Conferência que pronunciou em 1922, já havia acentuado que “a Suprema Corte pode ser considerada como estando acima do Poder Legislativo e do Poder Executivo”(in La Constitution des États-Unis, Paris, tradução de M. J. Charpentier, 1923, pág. 150).

Era a linha consagrada por Roger Pinto(Des Juges qui ne gouvernent pas, Paris, 1934, La Cour Suprême et le New Deal, Paris, 1938, e La Crise de l’Etat aux États-Unis, Paris, 1951), quando concluía que o poder normativo dos tribunais continua a se exercer

J. C. Gray entendia que “o direito é composto das regras que as Cortes estabelecem”(in The nature and sources of the law, Nova York, 1938, pág. 84). Nesse ponto acentuava W.J.Brown(The Austinian Theory of Law, Londres, 1926, pág. 334) para quem “ a lei, até ser interpretada pelos tribunais, não constitui realmente direito”.

Está aí  base desse poder criativo do direito que é dado a Corte Suprema.

Essa é a conclusão a que pode chegar o Supremo Tribunal Federal com o caso em discussão.

Por fim, deve-se entender que o Supremo Tribunal Federal não está a exercer resposta a consulta realizada por partido político.

Não cabe ao Supremo Tribunal Federal oficiar em consulta.

Esse instrumento no processo constitucional brasileiro pode vir a ser exercido pela Justiça Eleitoral em matéria daquela legislação especial.  

 

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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