Com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, fruto da Lei 8078/90, criaram-se ferramentas que deram possibilidade ao consumidor, em tese, a parte mais vulnerável na relação de consumo, um leque de direitos que o deixam em condição de paridade com o fornecedor/prestador de serviços ao litigar seus direitos, estabelecendo a necessidade de proteção do consumidor dentro de uma relação negocial. Dividido em capítulos o CDC deixa claro em seu art. 39 uma série de situações consideradas abusivas e vedadas pela legislação que acarretam até mesmo na dissolução do negócio jurídico.
Dessa forma, não se admite no ordenamento brasileiro o exercício de direito de modo absoluto. O direito somente será reconhecido quando exercido de modo leal, não frustrando as legitimas expectativas criadas em outrem sem desvio de finalidade. Caso o contrário será considerado ato ilícito ainda que o titular não ofenda a norma em si (legalidade estrita), mas ofenda a sua valoração. (GARCIA, Leonardo de Medeiros, 2017, p.317).
Ainda no rol das práticas tidas como abusivas pelo CDC incluem-se aquelas que visam ludibriar o consumidor em razão da sua idade, deficiência intelectual ou técnica sobre determinado produto, sendo por isso utilizado pela legislação critérios especial para a classificação dos consumidores.
A noção de vulnerabilidade no direito associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação Jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, ainda, de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica.(MIRAGEM,Bruno,2016,p.128).
A proteção especial desses consumidores encontra-se disperso nas legislações vigentes, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente que protege a integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes cultuando para isso o princípio da vulnerabilidade, ou o Estatuto do idoso que em seu texto também deixa explicito o dever do Estado de zelar pelos direitos da população idosa dentre eles a limitação à exposição de produtos e comerciais que visem apenas à exploração de recursos de tais.
A vulnerabilidade do consumidor idoso é demonstrada a partir de dois aspectos principais a) a diminuição ou perda de determinadas aptidões física ou intelectuais que o torna mais suscetível e débil em relação negocial dos fornecedores: b) a necessidade e catividade em relação a determinados produtos ou serviços do mercado
de consumo, que o coloca em uma relação de dependência em relação ao seus fornecedores. (MIRAGEM, Bruno. 2016, p. 134)
De forma que sendo a vulnerabilidade do consumidor uma prerrogativa legal e absoluta, sendo esta reconhecida como causa fundamental de aplicabilidade das relações consumeristas, não poderia ser diferente nas relações contratuais bancarias onde a doutrina majoritária aponta que a chamada vulnerabilidade técnica, aquela onde se exige conhecimento aprofundado sobre o que foi contratado, ou a presunção desse conhecimento por parte do fornecedor, incidindo tal instrumento nos contratos bancários como meio de proteção ao consumidor.
No caso de contrato bancário, a vulnerabilidade do consumidor resulta geralmente, da ausência de conhecimento técnico quanto a aspectos inerentes a contratação (vulnerabilidade técnica), embora não raro, estejam presentes, concomitantemente, a ausência de conhecimentos sobre os efeitos jurídicos dos contratos. (MIRAGEM, Bruno, 2019, p.324).
Com o julgamento da ADI 2591 o STF reconheceu a abrangência do CDC para as relações bancárias, pondo fim às interpretações divergentes a respeito das relações consumeristas no âmbito bancário. Com isso refutam-se legislações paralelas criadas pelas próprias entidades financeiras afins de regular a relação BANCO-CLIENTE, legislações essas que atenuavam a responsabilidade da entidade para com consumidor, à exemplo do CDC Bancário.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V,
DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS
OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA
EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO
CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.
(ADI 2591, disponível em: https// http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=2591&processo=2591, acesso em 19/11/2019)
Com o entendimento do STF sobre a abrangência do CDC, foi garantido ao consumidor protestar seus direitos quando este for vitima de excesso por parte da instituição financeira sem ter que passar por um julgamento onde o julgador não tinha uma posição uniforme sobre o tema.
Diante das modalidades de serviços e produtos oferecidos pelas instituições bancárias uma das mais atrativas e a operação de empréstimo consignado, que tem por chamativo a taxa de juros mais baixa, além do desconto da mensalidade do valor emprestado ser feito diretamente do provento do correntista.
Empréstimo consignado ou crédito consignado é um tipo de empréstimo onde a forma de pagamento é realizada de maneira indireta todos os meses, sendo deduzida de qualquer meio de vencimento do utilizador. (disponível em https://www.significados.com.br/emprestimo-consignado/, consulta em 17/11/2019)
Contudo apesar de ser o mais procurado por correntistas, o empréstimo consignado e uma das modalidades de serviços bancários que mais há reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. Dentre as queixas mais comuns sobre este tipo de serviço destacam-se principalmente o assedio moral sofrido pelo correntista quando este geralmente ao aposentar-se ou tornar-se pensionista de algum beneficio previdenciário, passa incessantemente a receber ligações de instituições financeiras oferecendo-lhe crédito consignado ou cartões de crédito consignado muita das vezes já tendo a instituição informações sobre dados pessoais e bancários do titular do beneficio, daí então se aproveita da ingenuidade e falta de conhecimento técnico e jurídico do consumidor para efetivar a operação de credito e as consequentes efetivações das parcelas muitas das vezes ficando o contratante sabendo de tal operação somente quando percebe os descontos sendo realizados no valor de seu beneficio.
Neste ano, uma consumidora aposentada, de 65 anos, moradora de Santa Catarina e que prefere não se identificar, viveu uma situação que não foi fácil de resolver. “Nunca procurei créditos por não precisar, mas um dia me ligaram se identificando de um banco e perguntando se eu e meu marido tínhamos um cartão do aposentado, que seria nosso direito. Pediram para confirmar os meus dados e na confiança fiz, mas só depois de desligar me toquei que seria um crédito consignado e me arrependi de ter fornecido”(Disponível em: https://noticias.reclameaqui.com.br/noticias/em-dois-anos-reclamacoes-sobre-credito-consignado-crescem-32_3789/, consulta em 21/11/2019)
Outra pratica realizada pelas instituições financeiras e tida como abusiva, e a chamada contratação de Reserva de Margem Consignável ou RMC, que consiste no ato que trata o § 5º do art. 6 da Lei 10.820/2003, até então sua contratação é legal desde que respeitado os princípios da transparência para com o consumidor, o que muitas vezes não acontece. O que ocorre na maioria dos casos levados a justiça e que são reconhecidos os abusos, e a implantação da RMC junto com o empréstimo contratado ou o quando o empréstimo e feito dentro da própria margem consignável sem prévio conhecimento do contratante, nesta modalidade os juros são maiores do que o consignado comum onerando uma maior parcela dos proventos do consumidor.
APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL PARA USO DE CARTÃO DE CRÉDITO INSERIDA EM BENEFICÍO PREVIDENCIÁRIO POR AGENTE FINACEIRO SEM AUTORIZAÇÃO DO CONSUMIDOR. EMISSÃO INDEVIDA DO CARTÃO SEM PRÉVIO CONSENTIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MAJORADO R$ 8.000,00 1. O objeto da presente ação diz respeito a margem reservada no beneficio previdenciário, em nome do banco requerido, sem autorização do autor e do envio indevido de cartão de crédito sem prévio consentimento. 2. Compulsando os autos, depreende-se da documentação juntada aos autos, que as partes possuíam relação jurídica entre os anos de 2008 até 2010, fato não negado pelo autor. Entretanto, não há que se ater ao contrato firmado no ano de 2008 e findo em 2010, como insiste o banco recorrente. 3. Isto porque, as provas colacionadas aos autos, demonstram que não houve contratação do autor em 01/07/2015, para margem consignável em nome do banco (reservada em 23/09/2015), sobre o beneficio previdenciário, ônus que o réu não se desincumbiu, nos termos do art. 373, II, do CPC/15. Portanto, não havendo autorização do beneficiário, tal prática se mostra abusiva e ilegal ao consumidor. (AgAREsp 275047/RJ, Relª. Ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 29/04/2014). DUPLA APELAÇÃO. CONHERAM DOS RECURSOS, E NESTA EXTENSÃO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR, E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº
70076137736, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clademir José Ceolin Missaggia, Julgado em 27/03/2018).
(TJ-RS - AC: 70076137736 RS, Relator: Clademir José Ceolin Missaggia, Data de Julgamento: 27/03/2018, Vigésima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/04/2018)
Desta forma a aplicabilidade tanto do Código de Defesa do consumidor como das demais legislações protetivas nas relações bancarias se faz essencial para uma relação de consumo saudável tanto nas atividades de credito como nos serviços ofertados pelas instituições financeiras afastando a incidência de práticas tidas como abusivas.
As aplicações das de defesa do consumidor ás relações bancarias são diversa- tanto no tocante ao contrato bancário, em relação aos quais as normas de proteção do consumidor visam à promoção do equilíbrio contratual, quanto em matéria de responsabilidade civil das instituições financeiras no que se refere a danos causados ao consumidor. (MIRAGEM, Bruno, 2019, p. 214).
Desta forma e essencial que diante da procura ou solicitação de crédito, a instituição faça o reconhecimento do consumidor com o proposito de identificar uma possível vulnerabilidade agravada de modo que ocorra a devida adequação do produto oferecido à realidade do adquirente.
A ampliação de órgãos de controle, regulamentação e defesa dos direitos do consumidor também e de grande importância no combate às desigualdades na relação comercial, uma vez que com a virtualização dos serviços e o crescimento das instituições hoje é possível à obtenção de crédito até mesmo pelo telefone ou APP.