O tratamento jurídico das notícias falsas e a violação aos direitos da personalidade

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07/12/2020 às 15:53
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CONCLUSÃO

Buscou-se, ao longo do presente estudo, compreender as fake news e a proteção aos direitos da personalidade, que restam afrontados quando exorbitado o direito fundamental à liberdade de expressão, direito humano consagrado em diplomas de Direito Internacional e também assegurado na Constituição Federal de 1988, dentre os direitos fundamentais.

C onstatou-se que as notícias falsas, principalmente pela facilidade de proliferação das informações, na atualidade, apresentam-se como um problema que reflete em diversas searas, desde a política, perpassando pelas relações negociais e alcançando, também, a intimidade e a vida privada, gerando danos à honra.

Ainda, pelas considerações feitas, pode-se concluir que a facilidade de acesso à internet, aliado ao uso massivo das plataformas digitais de interação e ao lucrativo mercado de anunciantes, utilizados pelo usuário com perfis pessoais e por contas programadas, têm desencadeado a propagação de notícias falsas, elevando, por conseguinte, a capacidade desse tipo de informação causar transtornos à sociedade, ao influenciar polarizações e interferir na decisão final do ouvinte.

Portanto, se é assegurada a liberdade de se expressar, como princípio fundante, a manifestação de pensamento jamais poderá ser realizado de forma desarrazoada, sem limites, com o objetivo único de difundir informações falsas. E, considerando que muitas pessoas difundem e compartilham notícias sem se preocupar com a veracidade ou a fidedignidade da fonte, a difusão das fake news é cada vez mais fácil.

Constatou-se, ainda, que quando se confronta a liberdade de expressão com as fake news, conclui-se que esta não está englobada naquela. As fake news são atos comunicativos ausentes de valor de expressão; e, não sendo expressão, não são protegidas pelo princípio da liberdade de expressão. Ora, sendo elas conceituadas como “notícias falsas”, possuem como intuito enganar e desinformar os cidadãos, não se adaptando, sobremaneira, aos valores expressos na Constituição Federal de 1988. Logo, deve ser rechaçada, e jamais tuteladas pelo Direito, sem que isso configure censura.

Mais do que isso, em um contexto em que as redes sociais possuem papel primordial na vida das pessoas, estas são usadas como palco para a disseminação viral das fake news. Motivadas por fins pecuniários ou ideológicos, atentam, de igual forma, contra princípios fundamentais, a exemplo do direito à vida, à privacidade, à intimidade, além de ferir a democracia, ao passo que desvirtuam a opinião pública com informações sabidamente falsas.

Como restou demonstrado, este processo não se restringe ao Brasil, atinge o mundo de maneira global. Por conseguinte, é possível reconhecer que as fake news é mecanismo de poder, embora dotadas pelo discurso vazio. Portanto, o uso de fake news é perigoso e possibilita a ação com vieses democráticas e tomadas de poder autoritárias. Por conseguinte, cabe ao Judiciário fazer prevalecer o princípio da liberdade de expressão.

Exatamente por isso é cada vez mais comum que os indivíduos busquem, junto ao Poder Judiciário, a responsabilização penal e civil daqueles que são os responsáveis pelas fake news. Contudo, não há, no Brasil, uma norma específica, a regulamentar a questão. Invoca-se, para tanto, além de princípios constitucionais e dispositivos insertos na Constituição Federal, que tratam da questão de forma genérica, também artigos do Código Penal e do Código Civil, a depender da natureza da responsabilização pretendida.

Nesse cenário é que ganha relevo o projeto de Lei do Senado, nº 2.630/2020, aprovado no Senado Federal em junho do corrente ano e em tramitação na Câmara dos Deputados. Contudo, a proposição em comento é alvo de críticas; e, apesar de parcos os estudos, percebe-se que uma das principais é o escasso debate com a sociedade civil.

Destarte, resta evidente os malefícios das fake news e a necessidade de se estabelecerem meios para o seu enfrentamento, pois vai de encontro ao princípio da liberdade de expressão, conquista da humanidade que não se coaduna com a divulgação de informações falsas, que comprometem a democracia e corrobora para a desinformação da sociedade.


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NOTA

1 Cf. Magalhães (2010), a liberdade ganhou relevo quando da Revolução Francesa e evidencia a defesa dos direitos humanos, está relacionada à luta contra regimes tradicionais e arbitrários. E complementa o autor que “ideias como “nação”, “direitos humanos”, “liberdade”, “igualdade” e “democracia” são ideias que – modernizadas – foram fundamentais para essa projeção da política e do direito no futuro. Nisso consistiu o giro semântico que tais expressões, antigas no vocabulário político-jurídico, alcançaram com a fundamentalização e posterior positivação da noção de direitos humanos. As soluções “direitos humanos” e “Constituição” foram concomitantes e, não necessariamente, excludentes, como havia pensado Rousseau. Os direitos humanos, antes pano de fundo do contrato social, transformaram-se num texto de direito positivo que, por sua vez, encontrou seu fundamento na supralegalidade constitucional. Assim que a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, foi recebida pela Constituição Francesa de 1791 em seu preâmbulo” (MAGALHÃES, 2010, p. 37).


Abstract: This study aims to analyze the legal treatment given by Brazilian law to false news when it violates the rights of the personality. It is the struggle between freedom of expression and personality rights, since fake news tends to affront privacy, honor, intimacy, among other rights. The research is classified as hypothetical-deductive, deviated and bibliographic. Although fake news is not a recent phenomenon, with the spread of technology, information has become much easier and faster to share, causing serious damage when untrue. It was found that although there is no absolute fundamental right, the dissemination of false news should generate the responsibility of the person responsible, given the harm to the affected person, who, often, has his life devastated. Therefore, it is up to the interpreter of the law, in the specific case, to weigh up the interests in question, protecting the rights of the personality and stopping the dissemination of false news.

Key words: Personality Rights; Fake news; Freedom of expression.

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