QUEM MAIS SE AJUSTA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL PREVISTA NA LEI 11.101/05?

08/12/2020 às 08:59
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O texto trata de quem, de fato, se pode socorrer da Lei 11.101/05, relativa à insolvência empresarial.

QUEM MAIS SE AJUSTA À RECUPERAÇÃO JUDICIAL PREVISTA NA LEI 11.101/05?

 

A Lei 11.101/05, que trata da falência e da recuperação da empresa e do empresário, está em vigor há mais de 15 anos, prestes a ser alterada.  Alguns casos de recuperação judicial foram amplamente divulgados pela mídia [às vezes de forma espetacular, como exige a sociedade do espetáculo], especialmente porque são de interesse da sociedade, considerando a grande amplitude, a pletora de interesses envolvidos. Grandes companhias acabaram pedindo socorro ao Poder Judiciário. Evidentemente que aqui não serão tratados cada um dos casos mais em evidência, quer, evidentemente, porque só se pode externar juízo de valor a respeito daquilo que, de fato, se conhece (e muitos doutos se esquecem disso); quer, principalmente, porque deselegante e impolida a hipótese de inserção de nomes de relevo [ou não] em textos acadêmicos., Sou contra. Nunca se deve olvidar que o nome [denominação social] da pessoa é o seu cartão de visita. Arranhado, maculado esse nome, mesmo que minimamente, haverá dificuldade para restabelecê-lo em sua plenitude e o país está recheado de casos onde primeiramente foram divulgados [aos quatro ventos] nomes e depois verificou-se que os fatos não tinha ligação com o que foi propagado ou nominado.

Destarte, o presente abordará somente um aspecto relevante, omitindo nomes: quem mais se ajusta ao texto normativo, quando se trata de recuperação judicial? Qual é o ente com melhor perfil para requerer tal benefício? Com isso, a incursão ora pretendida ficará adstrita aos limites estreitos do que consta da Lei 11.101/05, sem qualquer divagação acerca de casos concretos, considerando os motivos justificadores antes mencionados. Haverá, pois, um apanhado geral dos temas ligados à insolvência que aqui interessam e constantes da lei. Com efeito, se outrora a lei falencial da primeira metade do século passado tinha como escopo o firme caráter liquidatário-solutório, sendo irrelevantes processos de concordata [preventiva ou suspensiva], ou mesmo a tentativa de soerguimento, mediante a adoção da continuidade de negócio, o texto normativo, considerando os ventos que sopram em outros países a respeito dos institutos em voga, apresenta substancial alteração quanto ao trato da crise empresarial, até e principalmente escorado nos ditames constitucionais. De fato, como é de sabença mediana, o espírito da Lei 11.101/05 é a tentativa (quanto possível) de soerguimento do ente, conferindo-lhe, na esfera judicial, mecanismos de cunho jurídico-econômico a fim de que a crise [numa ou mais de suas formas] seja afastada. Somente se pensa  em retirada do mercado [de forma espontânea ou compulsória, mediante processo falimentar] num segundo estágio. A lei não afasta a hipótese de ser requerida a falência do devedor, por vontade própria, ou mediante iniciativa de um ou mais legitimados. O que mudou, isso é um aspecto relevante, é a forma de tratar a crise instaurada, ou seja, em vez de se afastar o ente imediatamente, que se lhe conceda uma tentativa de sair dessa crise, até mesmo considerando o leque de princípios constitucionais.  Pois bem. Aqui não é o lugar próprio para apresentar considerações a respeito do papel do Estado-juiz e se ao Estado seria de se delegar a tarefa de conduzir a recuperação. Em outras palavras, mas com igual alcance, é de ponderar, à luz da razão, que a entidade em crise há de buscar a solução da crise no próprio mercado no qual se insere. De uma forma ou de outra, houve mudança de eixo.

Prosseguindo, a lei contém uma série de inovações [muito embora também tenha emprestado dispositivos literais do Dec.-Lei 7.661/45, e importado a ideia norte-americana, [confira-se: Bankruptcy Code, Chapter 11], e principalmente apresenta órgãos como a assembléia e o comitê de credores, que terão papel decisivo e preponderante, quer na falência, quer na recuperação judicial. Ainda deu nova atribuição ao sindico e ao comissário, que agora são simplesmente denominados de administrador judicial. Já adentrando nos dispositivos legais que interessam para dar arrimo ao presente texto, nota-se que facilmente o exegeta perceberá que a Lei 11.101/05, especialmente no âmbito da reorganização judicial, se mostra mais ajustada às entidades de médio ou de grande porte. E por que se faz tal afirmação? As respostas, buscadas na própria lei, são muitas.

Para que se possa ingressar com a recuperação judicial, bem ao contrário dos requisitos simplórios duvidosos constantes do Dec.-Lei 7.661/45, caberá ao devedor observar o constante no art. 51 do  texto de lei. Tem-se como relevante uma série de documentos, tais como as demonstrações contábeis dos três últimos exercícios sociais e as especialmente levantadas para fins de recuperação judicial; a projeção do fluxo de caixa, dentre outros. Mas, sobreleva o fato de que o plano de recuperação é, sem sombra de dúvida, o documento mais importante do processo de reorganização. É, pois, o verdadeiro fio condutor, o formal documento obrigatório, que poderá ensejar o amplo soerguimento do ente em crise. Também poderá, por outro lado, ser rejeitado e propiciar a abertura da falência do devedor.

Mostra-se tarefa fácil simplesmente pôr no papel os meios de recuperação a serem empregados. Mostra-se bastante simples a utilização deste ou daquele instrumento previsto, também, no art. 50 do texto e cujo teor a prática empresarial de há muito vem adotando. Mas o levantamento contábil e econômico a ser levado a efeito; esquadrinhar a estratégia de soerguimento; estabelecer de forma clara os meios efetivos para que tal ocorra, e principalmente demonstrar a viabilidade econômica do ente recuperando, se traduzem em tarefas árduas, complexas e endereçadas a profissionais especializados, competentes no seu mister. Analisar toda a vida da entidade e principalmente quais são suas reais possibilidades de se manter no mercado competitivo, não é tarefa para qualquer um.  É tarefa de fôlego para especialistas na área. Aqui já começa a haver uma distinção no tamanho, por assim dizer, da entidade em crise. Qual é a pessoa jurídica de pequeno porte que tem condições mínimas para pagar o custo de uma verdadeira perícia a ser levada a efeito? As de médio e de grande porte, na sua grande maioria, já dispõem de pessoal interno qualificado para efetuar levantamentos contábeis, econômicos etc., a fim de que conferir embasamento ao plano de recuperação. O custo [em sentido amplo] do processo de recuperação judicial já começa a apartar a pequena jurídica daquelas de médio e ou grande porte. Ainda, durante o processo de recuperação judicial poderão ser colocados em prática alguns órgãos deveras importantes, órgão esses acionados, principalmente quando o caso tratar de entidades de médio ou de grande porte.  A bem da verdade, a assembleia de credores não é instituto novo, pois, já prevista na lei ab-rogada [art. 122], podendo ser considerado como novo o comitê de credores. Sem adentrar, aqui, na relevância ou mesmo na pertinência deste órgão, que exclui de forma não definitiva a participação do Estado [e cuja ausência poderá ser prejudicial a este, em caso de decretação da abertura da falência do devedor em recuperação judicial], impende colocar em evidência que não será em todo e qualquer caso que ocorrerá a convocação de assembleia, a fim de deliberar a respeito da formação do comitê de credores. Não. Evidentemente que caberá ao credor requerer ao juiz condutor do processo que proceda à convocação dos credores, a fim de que seja constituído formalmente o comitê e também não será em processos de pequeno porte, por assim dizer, que haverá a arregimentação de interessados [credores] a fim de deliberar a respeito do destino, também por assim dizer, da entidade em processo de recuperação judicial. Com efeito, caso se faça necessária a convocação de assembleia - e a consequente formação do comitê de credores -, as despesas [todas elas] deverão ser suportadas pelo devedor. Um dispositivo legal sem pé nem cabeça [dentre tantos outros não menos estranhos e de pouca valia] inserto na Lei 11.101/05 é o art. 29. Estabelece, em síntese, que os membros do comitê não serão remunerados por suas atividades, mas, as despesas realizadas para a realização (sic) de atos previstos na lei, se comprovados e com autorização judicial, serão ressarcidas atendendo às disposições de caixa. É exatamente o constante de tal disposição legal. Bem, a remuneração não é paga, de fato, mas as despesas para a realização do ato serão cobradas do devedor. Ainda, caso o comitê resolva, por exemplo, se reunir uma vez por semana a fim de deliberar a respeito do prosseguimento, ou mesmo resolva fiscalizar in loco determinada filial da recuperanda, instalada em local longínquo,  cujo deslocamento requeira transporte aéreo, o devedor também será responsável pelas despesas. Então, crê-se que a instalação de assembleia e a formação de comitê certamente não ocorrerão em todo e qualquer processo de reorganização e quando for o caso, certamente o devedor terá despesa acentuada. Para a pequena entidade, o custo da recuperação é muito mais elevado, em relação às de médio e de grande porte. A lei vale para todas; todas as legitimadas pela lei se poderão valer dos mecanismos para a tentativa de soerguimento, mas nem todas terão condições mínimas necessárias a fim de suportar o elevado custo dispendioso do processo.                                                                      

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O que cabe esclarecer é que, tendo em vista os  ditames legais, documentos importantes deverão ser direcionados ao processo e, principalmente caberá a elaboração do plano de reorganização, o qual competirá a profissional qualificado para esse mister. A entidade deve arcar com o pagamento das despesas e remuneração. Portanto, o processo de recuperação judicial poderá ser dispendioso ao devedor em crise, caso as possibilidades aqui aventadas se concretizem, cabendo à  recuperanda arcar com as despesas necessárias à pratica de alguns atos, sendo não menos certo que nem todos os entes em crise terão condições financeiras de arcar com  os custos do procedimento na esfera exclusivamente judicial. Na esteira de tudo o que foi aqui exposto, é também de mediana sabença que a Lei 11.101/05, além de recolher dispositivos constantes do Dec.-Lei 7.661/45, também foi embasada nas legislações norte-americana e francesa, que afloram noutra conjuntura sócio-econômica, totalmente diversa da local. Caberá ao tempo, e só a ele, dizer se houve [ou não] avanço legislativo no Brasil, especialmente diante do empréstimo legislativo efetuado. Por enquanto, considerando o elevado número de entidades falidas e aquelas que simplesmente cerram suas portas, a lei ainda não disse a que veio.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

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