A Hermenêutica Jurídica às Luzes do Ativismo Judicial Brasileiro

08/12/2020 às 15:59
Leia nesta página:

O presente trabalho acadêmico tem por objetivo identificar o ativismo judicial, verificando se tal tomada de atitude por parte do Poder Judiciário é benéfica ou prejudicial à aplicação do Direito, que é a ferramenta utilizada para se alcançar à justiça.

A Hermenêutica Jurídica às Luzes do Ativismo Judicial Brasileiro

 

 

Resumo: O presente trabalho acadêmico tem por objetivo identificar o ativismo judicial, verificando se tal tomada de atitude por parte do Poder Judiciário é benéfica ou prejudicial à aplicação do Direito, que é a ferramenta utilizada para se alcançar à justiça.

Palavras-Chave: Ativismo judicial, Tripartição dos Poderes, autonomia do Poder Judiciário, fontes do direito, jurisprudência.

 

Legal Hermeneutics in the Light of Brazilian Judicial Activism

 

Abstract: The present academic work aims to identify the judicial activism, searching if that attitude socket in heart of the Judiciary is beneficial or harmful to Law Enforcement, which is a tool used to achieve Justice.

Keywords: Judicial activism, Tripartite Power Division, judiciary independence, Sources of Law, Jurisprudence.

 

Sumário: 1. Introdução. 1.1. Objetivo e metodologia. 2. Da tripartição dos poderes. 2.1. Da teoria dos freios e contrapesos e o controle de constitucionalidade. 2.2. Do poder executivo. 2.3. Do poder legislativo. 2.4. Do poder judiciário. 3. Do controle de constitucionalidade. 3.1. Conceito. 3.2. Formas de controle de constitucionalidade: controle judiciário difuso e concentrado. 3.3. Interpretação das normas constitucionais. 4. Das normas constitucionais. 5. Conclusões iniciais. 6. Do ativismo judicial. 6.1. Conceito. 7. Das consequências. 8. Das teorias hermenêuticas. 8.1. Da teoria Dworkiana. 8.2. Da teoria Hartiana. 9. Das modalidades de ativismo judicial. 9.1. Do ativismo judicial omissio legis. 9.2. Do ativismo contra legem. 10. Conclusões finais. 11. Referências bibliográficas.

 

1. Introdução

 

A presente monografia nasce da necessidade de entender de que forma a atuação do Poder Judiciário ganha cada vez mais autonomia e se isto é benéfico ou prejudicial à aplicação da jurisdição baseada na Justiça e no Direito.

No caso de ser benéfica, que assim se mantenha, porém, caso seja prejudicial, o problema ganhará mais relevância, pois haverá de se propor uma solução racional para o fim daquilo que está afligindo a sociedade.

Observa-se hoje em dia uma série de julgamentos pautados em entendimentos políticos e administrativos, o que leva a crer que o Poder Judiciário torna-se aos poucos mais ativista em relação a sua atuação.

Como vivemos em um país que adota o Direito Romano-Germânico para a solução de seus conflitos, as regras que imperam no ordenamento jurídico vigente deverão ser pautadas exclusivamente na lei, jamais o contrário.

Desse aspecto surge o claro conflito entre a interpretação que o magistrado dá a lei, com a sua própria letra, significado e intenção do legislador ao editar a norma.

 

1.1. Objetivo e Metodologia

 

O objetivo deverá justamente ser o de identificar, citar exemplos e propor um entendimento pessoal a questão concluindo se esse tipo de situação é prejudicial ou benéfica.

Para isso acontecer não bastará apenas o conhecimento adquirido através da interpretação de doutrinas, logo, o estudo haverá de caminhar ao ramo empírico de pesquisa, que contará com o pensamento de profissionais que labutam na área do Direito, sejam eles públicos ou privados.

Destes pensamentos haverá a possibilidade de extração de informações cotidianas e emocionais, afinal de contas, o que sente o profissional do Direito que vivencia esta situação diariamente em seu árduo sacerdócio de promover a justiça?

Contudo, faz-se imperiosa a necessidade do mínimo de conhecimento acerca do funcionamento do Estado e dos Poderes Estatais para que se possa analisar o Poder Judiciário, e por fim, a interpretação dos magistrados em específico.

Sendo assim, antes de adentrarmos ao foco do trabalho – Ativismo Judicial –, é necessário esclarecer como se dá o funcionamento dos poderes do Estado, para que se possa compreender os níveis administrativos, com o intuito de chegar à figura dos magistrados em específico, verificando o quão benéfico ou prejudicial é um certo ativismo em determinadas decisões.

 

2. Da tripartição dos poderes

 

Trata-se de um relevante tema que fora debatido durante séculos pelos maiores pensadores da história, sendo filósofos e juristas que buscavam justamente encontrar um equilíbrio para que o Poder Estatal não ficasse sopesado em excesso nas mãos de um grupo de pessoas, ou de uma única pessoa em específico.

Houve então uma substancial preocupação com os vícios estatais oriundos do excesso de poder, pois se sabia através da observação dos métodos de governo adotados durante as gerações, que uma pessoa poderia facilmente desvirtuar-se do propósito honroso e relevante do serviço público caso lhe fosse concedida uma autoridade excessiva para comandar o Estado.

Há de se definir, com efeito, o que é poder, sendo que a citação do Nobre doutrinador José Afonso da Silva explica claramente do que se trata.

Um fenômeno sócio-cultural. Quer isso dizer que é fato da vida social. Pertencer a um grupo social é reconhecer que ele pode exigir certos atos, uma conduta conforme com os fins perseguidos; é admitir que pode nos impor certos esforços custosos, certos sacrifícios; que pode fixar, aos nossos desejos, certos limites e prescrever, às nossas atividades, certas formas. Tal é o poder inerente ao grupo, que se pode definir como uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 106.).[1]

 

Não é equivocado afirmar então, que poder é uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins.

Estes determinados fins nada mais são do que a busca incessante pelo Estado ao bem comum da sociedade como um todo, onde podemos ilustrar claramente do que se trata com as palavras de Raquel de Carvalho.

um Estado, para ser Democrático de Direito, deve encarar a tarefa de tutelar a primazia do bem comum, tanto na mediação das relações privadas, quanto no exercício das competências públicas. Os efeitos danosos do individualismo característico do mundo contemporâneo alastram-se nas relações privadas e até mesmo no cumprimento dos deveres estatais. É grave o resultado da falta de consciência de que existe um interesse social que, em determinadas realidades, pode transcender o particular e que deve sobre o último prevalecer. Se o século XXI nasceu sob o signo do individualismo egoísta, cumpre ao jurista estruturar o sistema normativo de modo a combater as conseqüências desastrosas de tal vício quando atinge as instituições públicas. O regime jurídico administrativo deve necessariamente reconhecer que:

a) a supremacia do interesse público primário (pertinente a toda sociedade) é princípio integrante do regime jurídico administrativo;

b) é possível que haja, em dadas situações, convergência entre interesses privados e interesse público ou atividade particular protetora do bem comum, sem qualquer tensão que torne necessário falar-se na primazia do interesse público;

c) na hipótese de conflito entre interesse publico e interesses privados, a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais não embasa a negativa de predomínio do bem comum, sendo este o interesse geral a ser tutelado pela Administração, o que não significa arbítrio ou autoritarismo, mas efetividade do Estado Democrático de Direito;

d) não conduz à negação da primazia do interesse público primário o fato deste não ser sempre único, claramente identificável e incidente, de modo exclusivo, em uma dada realidade; o caráter dinâmico e a multiplicidade de interesses públicos inerentes ao mundo contemporâneo apenas torna cabível a técnica da ponderação entre os diversos interesses, em face de cada situação específica, à luz da proporcionalidade (CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Jus Podivrm. Salvador, 2008, pag. 71-72.).[2]

 

Diante disto, é forçoso reconhecer, que o poder estatal deve buscar ao bem comum.

Sabendo disto, houve a preocupação em dividir igualmente esses poderes, com o intuito de evitar a sua concentração nas mãos de um único indivíduo ou de um grupo.

A primeira preocupação surgiu com Platão [3] quando este definiu o que uma Pólis necessitaria para atingir um nível de perfeição ideal à vida em sociedade, onde futuramente foi mais bem delineada por Aristóteles através de estudos voltados à práxis [4].

Finalmente, após décadas de estudo sobre o tema, Montesquieu atribuiu que o poder seria dividido em melhor proporção caso fosse através de uma teoria tripartite, ou seja, o poder haveria de ser dividido em três esferas: a esfera do poder Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma que fossem harmônicas e interdependentes entre si, exercendo ao mesmo tempo a regulação dos outros poderes [5].

O pensamento Montesquiano foi adotado pelo Brasil perante a predisposição contida no art. 2º e defendido pelo art. 60, § 4º, III da Constituição Federal Brasileira.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

III - a separação dos Poderes; (Constituição Federal Brasileira, 1988)

 

2.1. Da teoria dos freios e contrapesos e o controle de constitucionalidade

 

A teoria dos freios e contrapesos surgiu com Montesquieu em sua obra O Espírito das Leis que foi inspirada nas obras de Aristóteles (Política) e de John Locke (Segundo Tratado do Governo Civil) e tinha o intuito de colocar uma limitação ao exercício do Poder, que em sua época encontrava-se em um período absolutista.

O filósofo nasceu em um período pautado pelo iluminismo e por um governo extremamente custoso ao povo francês, promovido por Luis XV, que decidiu governar sem o auxílio de um primeiro-ministro, tomando para si todo o poder estatal que lhe fora conferido.

Se observou que o poder era corrompido quando colocado nas mãos de apenas um indivíduo, logo, haveria de propor uma solução para que este fosse dividido de forma equânime.

Sendo assim, identificou que as funções estatais eram basicamente as de executar tarefas baseadas nas leis, criar as referidas leis e as julgar.

Porém não bastava dividi-las, e sim fazer com que cada um se regulasse para evitar os efeitos prejudiciais do abuso.

Então propôs que o Poder Executivo administrador, fosse regulado pelo Poder Legislativo que cria as leis, e que o Poder Legislativo fosse regularizado pelo Poder Judiciário, que teria a função de declarar se tal lei cabe ou não dentro do ordenamento jurídico estatal vigente.

Tal sistema é adotado no Brasil e em muitos outros sistemas políticos ao redor do mundo, logo, a breve identificação sobre as funções de cada poder se faz necessária.

 

2.2. Do poder executivo.

 

O Poder Executivo tem a função de administrar o Estado, obrigar a execução da legislação vigente, participar do processo legislativo, sancionando ou vetando os projetos de lei, comandar as forças armadas, garantir a soberania do país, entre outras funções de extrema relevância no tocante a manutenção e funcionamento da Federação Brasileira, todas previstas no art. 84 da Constituição Federal.

Como o Brasil adota um regime presidencialista de governo, a figura do Chefe de Estado e de representante do Poder Executivo são acumuladas no Presidente da República, que é eleito através do sufrágio universal concedido pela população do país.

Aplicando-se o Princípio da Isonomia, tem-se que se o Poder Executivo Federal é administrado pelo Presidente da República, logo, se reconhece que o Governador será o chefe do Poder Executivo Estatal e o Prefeito será o chefe do Poder Executivo Municipal.

 

2.3. Do poder legislativo.

 

Ao Poder Legislativo é garantido o poder de representar a nação através da criação de leis, sendo que também é garantido o direito de investigação, realizada através de Comissões Parlamentares de Inquérito, e de fiscalizar o Poder Executivo.

O Poder Legislativo é composto pelo Congresso Nacional, que é formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.

A Câmara dos Deputados é composta pelos Deputados Federais que são eleitos pelo povo, e possuem a obrigação de representar a vox populi através da edição de normas voltadas à organização da vida dos cidadãos.

O Senado Federal é composto pelos Senadores, que também são eleitos pelo povo, porém, possuem a obrigação de representar a nação brasileira como um todo, logo, terão a competência para legislar sobre assuntos inerentes a organização administrativa, política e econômica do país.

Também se aplica o Princípio da Isonomia ao Poder Legislativo, onde se pode obter que o Poder Legislativo Estadual é representado pela Assembleia ou Câmara Legislativa, composta pelos Deputados Estaduais e que o Poder Legislativo Municipal é representado pela Câmara dos Vereadores, composta pelos vereadores, todos eleitos pela população.

 

2.4. Do poder judiciário.

 

O Poder Judiciário, conforme estipula o art. 92 da Constituição Federal será composto pelo Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares, Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

A função principal do referido Poder é a de exercer a jurisdição, aplicando o Direito de forma imparcial e dentro dos limites legais sempre que for provocado, não podendo agir de ofício para que decida o direito de outrem, ressalvadas algumas situações previstas no âmbito processual trabalhista.

No mais, também exerce funções administrativas e legislativas, sendo que poderão ser exemplificadas quando o Poder Judiciário agir em interesse próprio e elaborar normas gerais e abstratas para regular seu funcionamento.

Se ao Poder Executivo e Legislativo se pode aplicar o Princípio da Isonomia para obter os poderes federais, estaduais e municipais, ao Poder Judiciário tal princípio não poderá ser aplicado, pois cada órgão exerce a sua competência de forma independente.

Porém, haverá casos em que um juiz estadual poderá julgar demandas que competem a um juiz federal, e outros casos onde recursos vindos de tribunais distintos poderão ser interpostos à um mesmo Tribunal Superior (Ex: conflito de competência entre TRT e TJ serão resolvidos no STJ), sendo assim, não se pode dizer que as competências judiciárias são absolutas.

Logo, nota-se que há um certo entrelaçamento entre os órgãos deste Poder, onde não é errado dizer que se trata de um Poder Judiciário Nacional [6] que engloba todas as competências da jurisdição, sejam elas a nível federal e estadual (as demandas de nível municipal serão englobadas pela jurisdição estadual).

 

3. Do controle de constitucionalidade.

3.1. Conceito.

 

Controle de Constitucionalidade pode ser descrito como uma forma de verificar se a norma que será aplicada está ou não em consonância com a Constituição Federal.

Nas palavras de Alexandre de Morais:

2 Conceito

Controlar a Constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais.

Dessa forma, no sistema constitucional brasileiro somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais (bloco de constitucionalidade).

Ressalta-se que, se possível for, a fim de garantir-se a compatibilidade das leis e atos normativos com as normas constitucionais, deverá ser utilizada a técnica da interpretação conforme, já analisada no item 5.1 do Capítulo 1. [7]

 

Da mesma forma, ensina o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

3. CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Controle de constitucionalidade é, pois, a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição. Envolve a verificação tanto dos requisitos formais – subjetivos, como a competência do órgão que o editou – objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição – quanto dos requisitos substanciais – respeito aos direitos e às garantias consagrados na Constituição – de constitucionalidade do ato jurídico.

É isto que sempre ensinou a doutrina clássica [8]

 

3.2. Formas de controle de constitucionalidade: controle judiciário difuso e concentrado.

 

Controle de constitucionalidade judiciário difuso é aquele exercido por qualquer juiz ou tribunal, onde gerará efeitos retroativos e entre as partes – ex-tunc e inter partes.

Nas palavras do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Há controle difuso quando a qualquer juiz é dado apreciar a alegação de inconstitucionalidade. É o que se dá nos Estados Unidos. Este sistema se coaduna com a ideia difundida por Marshall, de que o juiz resolve a questão de conflito de leis, ou seja, de determinação de qual a lei aplicável a um caso concreto. Entretanto, enseja por muito tempo a dúvida sobre a constitucionalidade, visto como diversos juízes são chamados a apreciar a mesma questão constitucional e podem ter opinião divergente, o que acarretará decisões que se contradizem entre si. De qualquer forma, apenas após a manifestação do mais alto Tribunal ficará definida a questão de constitucionalidade. [9]

 

Faz-se necessário atentar quando este tipo de controle adentra os tribunais, pois a estes será necessário observar o preceito da Cláusula de Reserva de Plenário, que impossibilita aos referidos magistrados a declaração de inconstitucionalidade de forma independente de qualquer norma que seja.

Logo, para que o tribunal tenha possibilidade de declarar a constitucionalidade ou não de determinada norma, necessitará reunir os seus membros e realizar uma votação visando a maioria absoluta, caso atinja esse número, a norma será declarada inconstitucional.

Porém, se já houver preceito anterior editado pela cúpula do Poder Judiciário – Supremo Tribunal Federal –, não haverá a necessidade da aplicação da Cláusula de Reserva de Plenário, logo, neste caso, os magistrados dos tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de forma individualizada.

Por outro lado, no controle de constitucionalidade judiciário concentrado, apenas um órgão é o competente para julgar determinadas questões relacionadas a:

I - Leis ou atos normativos primários estaduais ou federais ocorridos após a promulgação da CRFB de 1988 (Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI);

II - Leis ou atos normativos exclusivamente federais ocorridos após promulgação da CRFB de 1988 (Ação Direta de Constitucionalidade - ADC);

III - Leis ou atos municipais secundários, Leis revogadas, e qualquer outro preceito normativo, todos estes anteriores à CRFB de 1988 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF). Aqui cita-se, por exemplo, o julgamento do STF sobre o aborto de fetos anencefálicos através de ADPF, pois se tratava de assunto relacionado ao Código Penal (Decreto Lei 2.848/1940), norma esta, anterior a CRFB de 1988;

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

IV - Omissões legislativas no tocante a criação e regulamentação de normas de aplicabilidade limitada presentes na CRFB de 1988 (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO).

Novamente leciona o Professor:

É concentrado o controle toda vez que a competência para julgar a questão de constitucionalidade é reservada a um único órgão. Certas Constituições (Chile, 1925, Venezuela, 1936, Japão, 1949 etc.) reservam ao mais alto Tribunal o julgamento das impugnações de um ato do Poder público sob a alegação de contradizerem a Lei Magna. Outras (Alemanha, 1949) reservam esse julgamento a um Tribunal especializado (Corte Constitucional).

Esta concentração num só órgão da apreciação dos problemas de constitucionalidade tem a inegável vantagem de dar um só e última palavra sobre a validade do ato, o que não ocorre quando a sua invalidade é declarada por órgão sujeito ao controle, por via de recurso, por parte do Tribunal mais alto. [9]

 

O Supremo Tribunal Federal será o órgão competente para analisar esse tipo de demanda, sua decisão gerará efeitos erga omnes (para todos) e ex-tunc (retroativos), sendo que tais efeitos poderão ser modulados por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público aliado a decisão fundamentada de 2/3 dos Ministros do STF, poderá portanto, a decisão das ADI’s e ADO’s gerarem efeitos inter partes, ex-nunc (do momento da decisão para frente) e não vinculantes aos seus membros e à Administração Pública.

Contudo, devido à importância e a relevância das questões suscitadas, os legitimados para propor as referidas ferramentas estão estritamente especificados perante o art. 103 da CRFB/98, a ver:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

 I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

 

É necessário esclarecer que não são todos os elencados no referido artigo que possuem capacidade para ajuizarem ADI e ADC sobre qualquer assunto.

A Mesa de Assembleia Legislativa ou a Câmara Legislativa do DF, Governador de Estado ou do DF, Confederação Sindical ou Entidade de Classe Nacional serão legitimados, contudo, estes haverão de comprovar pertinência temática, conforme entendimento do STF.

Ora, não é dispendioso compreender o porquê o Excelso entendeu desta forma.

Veja, existem 26 Governadores de Estado e mais um para o DF, 26 Mesas de Assembleias Legislativas e mais uma para o DF e mais uma série de Confederações Sindicais e Entidades de Classe Nacional.

Ora, antigamente esse excessivo número de legitimados provocaram um congestionamento no STF quando cada ente federativo ajuizava ADI’s e ADO’s muitas vezes sem motivo razoável, logo, a Corte se viu obrigada a regular determinados requisitos com o intuito de assegurar o seu bom funcionamento.

 Portanto, se houve a imposição de determinados requisitos para um grupo, também será necessário classificá-los de forma diferenciada.

Classificá-los, pois, de Representantes Especiais.

Os outros serão denominados Representantes Universais, e não haverão de comprovar a referida eficácia temática, utilizando-se o raciocínio inverso para compreender o motivo, pois temos somente um Presidente da República, uma Mesa do Senado Federal, uma Mesa da Câmara dos deputados, um Procurador Geral da República, um Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e alguns partidos políticos com representação no Congresso Nacional.

Salienta-se que todos os elencados no art. 103 da CRFB serão capazes de apresentarem propostas (sem nenhum procedimento complexo) para que o STF faça, altere ou revogue Súmulas Vinculantes (são entendimentos que vinculam o entendimento judiciário e administrativo de todo o país), e também serão capazes para a propositura das ADPF’s e ADO’s.

Compreendendo de forma sucinta sobre os tipos de controle de constitucionalidade e suas ferramentas, prossegue-se com a análise do tema preliminar da pesquisa.

 

3.3. Interpretação das normas constitucionais.

 

Tal técnica de interpretação é disposta nas palavras de Alexandre de Morais, a ver:

Para que se obtenha uma interpretação conforme a Constituição, o intérprete poderá declarar a inconstitucionalidade parcial do texto impugnado, no que se denomina interpretação conforme com redução do texto, ou, ainda conceder ou excluir da norma impugnada determinada interpretação, a fim de compatibilizá-la com o texto constitucional. Essa hipótese é denominada interpretação conforme sem redução do texto. Vislumbram-se, portanto, três hipóteses:

  • Interpretação conforme com redução do texto: essa primeira hipótese ocorrerá quando for possível, em virtude da redação do texto impugnado, declarar a inconstitucionalidade de determinada expressão, possibilitando, a partir dessa exclusão de texto, uma interpretação compatível com a Constituição Federal. Assim, na Adin nº 1.127-8, o STF, liminarmente, suspendeu a eficácia da expressão ou desacato contida no art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94), concedendo à imunidade material dos advogados uma interpretação conforme o art. 133 da Constituição Federal.
  • Interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade: nessas hipóteses, salienta o Pretório Excelso, “quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto em decorrência de este permitir interpretação conforme a Constituição”. O STF julgou parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade “para declarar-se inconstitucional a expressão contida no art. 276, § 2º da Lei nº 10.098 do Estado do RS, bem como declarar-se que os §§ 3º e 4º desse mesmo artigo só são constitucionais com a interpretação que exclua da aplicação deles as funções ou empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram ao concurso aludido no art. 37, II, da parte permanente da CF, ou referido no § 1º, art. 19 da ADCT”;
  • Interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade: nesses casos, o Supremo Tribunal Federal excluirá da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Constituição Federal, ou seja, será reduzido o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a à Carta Magna. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, “por votação unânime deferiu, em parte, o pedido de medida cautelar, para, sem redução de texto e dando interpretação conforme à Constituição, excluir com eficácia ex-tunc, da norma constante do art. 90 da Lei 9.099/95, o sentido que impeça a aplicação de normas de direito penal, com conteúdo mais favorável ao réu, aos processos penais com instrução iniciada à época da vigência desse diploma legislativo”. Assim, “A interpretação conforme é plenamente aceita e utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de dar ao texto do ato normativo impugnado compatibilidade com a Constituição Federal, mesmo se necessário for a redução de seu alcance.” Nesse sentido, “o Tribunal, por votação majoritária, indeferiu o pedido de medida cautelar, para em interpretação conforme a Constituição e sem redução de texto, afastar qualquer exegese que inclua, no âmbito de compreensão da Lei Complementar nº 87, de 13-9-96, a prestação de serviços de navegação ou de transporte aéreo”. [10]

 

Ou seja, o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário se dá mediante a sua interpretação sobre determinado assunto.

Sabendo-se que o controle de constitucionalidade se dá basicamente conforme a interpretação dada pelos membros do Poder Judiciário, resta saber então quais são os tipos de normas constitucionais existentes, para que finalmente possa haver uma análise sobre a prejudicialidade na interpretação excessivamente extensiva ou restritiva desta ou daquela norma.

 

4. Das normas constitucionais.

 

A doutrina clássica classifica as normas constitucionais em autoaplicáveis (são aquelas autoexecutáveis, ou seja, podem ser executadas com autonomia e independência) e não autoaplicáveis (são aquelas não autoexecutáveis, ou seja, dependem de outra norma para serem executadas).

Contudo, se há a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de toda e qualquer norma, ou ato administrativo ativo ou omissivo, logo, todas as normas são autoaplicáveis, mesmo aquelas consideradas programáticas (aquelas que tratam de objetivos e metas).

Cita-se aqui o art. 23, I da Constituição utilizando-se como exemplo.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

 

A lei disporá sobre as atitudes a serem adotadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para que o zelo pela Constituição seja guardado, porém, deste ponto nasce a dúvida: E se não o fizer?

Se um município qualquer dolosamente deixasse de zelar pela guarda da Constituição, causando danos às pessoas, não seria cabível Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, baseada no referido dispositivo constitucional?

A ver o próprio glossário do STF.

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO

Descrição do Verbete: ADO é a ação cabível para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. Como a Constituição Federal possui grande amplitude de temas, algumas normas constitucionais necessitam de leis que a regulamentem. A ausência de lei regulamentadora faz com que o dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos. A ADO tem o objetivo de provocar o Judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma regulamentadora. Caso a demora seja de algum dos Poderes, este será cientificado de que a norma precisa ser elaborada. Se for atribuída a um órgão administrativo, o Supremo determinará a elaboração da norma em até 30 dias. [11].

 

Sem dúvidas que sim, logo, a interpretação sobre a aplicação de normas constitucionais que se adequa claramente a esta pesquisa é justamente a de José Afonso da Silva, que as divide em normas de eficácia plena, limitada e contida, sendo todas consideradas autoexecutáveis.

Sendo assim, Manoel Gonçalves Ferreira Filho explica a doutrina de José Afonso da Silva com clareza substancial:

7. A DOUTRINA DE JOSÉ AFONSO DA SILVA

Este ilustre jurista, que foi titular de direito financeiro na Faculdade de Direito da USP, lançou no livro Aplicabilidade das normas constitucionais (com que concorreu infrutiferamente à cátedra de direito constitucional) uma classificação das normas constitucionais, muito aceita no país.

Para ele, haveria três espécies de normas constitucionais quanto à aplicabilidade: 1) normas de eficácia plena; 2) normas de eficácia contida; e 3) normas de eficácia limitada.

As primeiras – normas de eficácia plena – têm incidência imediata, visto haverem recebido do constituinte “normatividade suficiente” para tanto. Ou seja, por serem completas.

As segundas – normas de eficácia contida – receberam do constituinte “normatividade suficiente”, mas “preveem meios normativos... não destinados ao desenvolvimento de sua aplicabilidade, mas, ao contrário, permitindo limitações a sua eficácia e aplicabilidade”.

As últimas – normas de eficácia limitada – “não receberam do constituinte normatividade suficiente para sua aplicação”. Quer dizer, são normas incompletas. (grifos nossos).[12]

 

5. Conclusões iniciais.

 

Ante todo o exposto, podemos finalmente iniciar com segurança a análise sobre a hermenêutica judiciária e o ativismo judicial aplicado ao caso concreto, pois observa-se na prática que o principal problema está justamente nas normas de eficácia contida e limitada, que são aquelas que necessitam de outra norma reguladora.

É sabido, pois, que a CRFB por mais que possua diversos artigos e preceitos fundamentais, não está completa, e necessita de regulamentação infraconstitucional para o seu completo funcionamento.

Cita-se aqui um exemplo controvertido: o instrumento do Mandado de Injunção, verificado no art. 5º, LXXI da CRFB:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

 

Soa como um tom jocoso, porém, o Mandado de Injunção não possui regulamentação específica, e o STF possuía um posicionamento conservador a respeito do tema, onde recebia os referidos instrumentos e apenas notificava ao Poder Legislativo sobre a sua mora na criação da lei.

Contudo, no dia 25 de outubro de 2007 o STF foi obrigado a rever esse posicionamento quando tomou uma postura ativa perante o julgamento clássico dos Mandados de Injunção de números 670, 708 e 712, que reivindicavam o direito a greve dos servidores públicos, previsto no art. 37, VII da CRFB, que até o momento não foi regulado por lei específica.

Diante de tal situação, entendeu o STF que enquanto a referida regulamentação não fosse realizada, valeriam as regras previstas para a greve no setor privado dispostas na Lei 7.783/89.

O Ministro Celso de Mello alegou que não era aceitável, tampouco razoável a falta de regulamentação do direito de greve no serviço público, e avaliou que é dever do STF dar efetividade às cláusulas constitucionais, e que, no caso a inércia arrasta consigo a descrença na Constituição Federal.

O Ministro Gilmar Mendes alegou que a omissão gerou um quadro de selvageria, com sérias consequências para o Estado de Direito. [13]

Com aquele ato, o STF saiu de sua passividade para atuar de forma ativa ante os conflitos gerados pela omissão legislativa, desde então, observa-se um aumento substancial na edição de Súmulas Vinculantes, Súmulas, Entendimentos Jurisprudenciais entre outras atitudes empenhadas pelo Poder Judiciário para sanar a omissão legislativa e tentar de alguma forma completar a Constituição Federal.

É de uma situação como essas que a partir deste ponto iremos nos debruçar, citando alguns exemplos ocorridos na prática, para que ao fim da pesquisa haja uma conclusão racional sobre o intrigante tema.

 

6. Do ativismo judicial.

6.1. Conceito.

 

Como o Brasil adota o sistema romano-germânico, ou civil law, o ordenamento jurídico é regido justamente por uma legislação baseada em princípios norteadores do direito que deve ser seguida por todos, principalmente pelos funcionários públicos no exercício de sua função.

Contudo, essa mesma legislação garante uma certa liberdade a determinados funcionários públicos para que possam agir conforme certos limites impostos pela própria lei, onde tal liberdade poderá ser submetida a análise do Poder Judiciário, que terá a liberdade para determinar a anulação de determinado ato que extrapolou a determinada limitação.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, essa liberdade – denominada discricionariedade – deve seguir critérios de oportunidade conveniência, justiça, equidade, razoabilidade e interesse público.

quando a lei deixa à administração a possibilidade de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas validas perante o direito. E esta escolha se faz segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, razoabilidade, interesse público, sintetizados no que se convencionou chamar de mérito do ato administrativo. [14]

 

É garantido ao Poder Judiciário tal discricionariedade, porém, quando este extrapola os limites do ordenamento jurídico vigente, temos o que se chama de ativismo judicial, muito bem-conceituado por Elival da Silva Ramos.

por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). [15]

 

O principal problema surge quando a decisão judicial não é amparada apenas pela doutrina jurídica, mas também por questões políticas, econômicas e sociais, atividades estas atreladas ao exercício do Poder Executivo e Legislativo, o que acaba por causar um conflito direto entre os Poderes Constitucionais.

As razões para que o magistrado decida dessa forma são incontáveis, citando-se como exemplo a morosidade judiciária, a falta de confiança no Poder Legislativo e as consequências sociais de uma decisão pautada apenas por parâmetros jurídicos.

 

7. Das consequências.

 

A Constituição Federal garante uma série de direitos vinculados a uma obrigação legislativa, são as já citadas normas de eficácia limitada que necessitam de complementação para que possam gerar seus efeitos, como por exemplo o art. 5º, XXXII da CF deu azo para a criação do Código de Defesa do Consumidor, conforme consta em seu primeiro artigo.

Quando tais omissões acabam por gerar um dano a outrem, a este surge o direito a pleitear a devida indenização ao Poder Judiciário e também de receber uma resposta sobre a sua demanda, ou seja, o magistrado jamais poderá se escusar de julgar, pois em primeiro lugar, o Estado tomou para si o monopólio da jurisdição, logo, caso o magistrado não aprecie a demanda, ninguém o fará, e em segundo lugar, sua omissão estaria infringindo o princípio do non liquet, elencado perante o art. 5º, XXXV da CF.

Contudo, a ausência de legislação forçará do magistrado uma postura mais ativa para que possa decidir, e isso traz como principal consequência a judicialização dos conflitos de ordem política, econômica, administrativa e social, pois desse julgamento nascerá um precedente para que outros possam pleitear judicialmente.

Neste momento, a necessidade que o magistrado teve em cumprir o seu papel constitucional acaba por gerar um entendimento jurisprudencial que será utilizado para suprir a lacuna da lei, onde, na prática, até que não haja a edição desta norma, valerá como se fosse uma, pois outros indivíduos poderão utilizar deste entendimento para cobrar o direito que acabara de ser indiretamente regulamentado mediante o uso da jurisdição.

Perfeitamente condizente o entendimento de Castro, em sua obra.

A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo mostra-se falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos’. [16]

 

Contudo, como o juiz deverá interpretar o caso para que se pronuncie em determinada situação como essas?

Deste ponto surgem duas correntes hermenêuticas opostas, a adotada por Ronald Dworkin e Herbert Hart.

 

8. Das teorias hermenêuticas.

8.1. Da teoria Dworkiana.

 

Para se resolver um hard case, aquele em que não há regra que se aplique no caso concreto, a decisão deveria ser pautada nos princípios, na doutrina, na possibilidade de integração desta ao ordenamento jurídico, à razoabilidade e a proporcionalidade.

Não é distante da proposta por Ronald Dworkin para se interpretar esse tipo de demanda, pois o filósofo invoca que os hard cases deverão ser julgados através da análise dos princípios e pela diferenciação dos princípios e das regras de forma fria, ou seja, nesse determinado modelo de hermenêutica, o magistrado poderia proferir até mesmo decisões desfavoráveis ao seu próprio entendimento, pois defende que a discricionariedade não poderia ser aplicada neste caso.

Dworkin afirmava que, como na maioria das sociedades o juiz não é eleito pelo povo, caso este haja com certa discricionariedade acabará por criar uma nova regra e a aplicará de forma retroativa, punindo a parte perdedora por ter violado um dever ocorrido após o fato.

A conhecida história de que a decisão judicial deve ser subordinada à legislação é sustentada por duas objeções à originalidade judicial. De acordo com a primeira, uma comunidade deve ser governada por homens e mulheres eleitos pela maioria e responsáveis perante ela. Tendo em vista que, em sua maior parte, os juízes não são eleitos, e como na prática eles não são responsáveis perante o eleitorado, como ocorre com os legisladores, o pressuposto acima parece comprometer essa proposição quando os juízes criam leis. A segunda objeção argumenta que, se um juiz criar uma nova lei e aplicá-la retroativamente ao caso que tem diante de si, a parte perdedora será punida, não por ter violado algum dever que tivesse, mas sim por ter violado um novo dever, criado pelo juiz após o fato. [17]

 

Resumindo de forma simples, para que o juiz possa resolver um hard case em Dworkin, este deverá se basear nos princípios existentes, sendo vedada qualquer discricionariedade justamente pelo fato de que agindo desta forma, cometerá uma injustiça com a parte perdedora.

 

8.2. Da teoria Hartiana.

 

Já Hart adota um posicionamento contrário, ensinando que existem dois tipos de regras, as regras primárias, que são aquelas as quais se exigem obrigações ou impõe deveres, e as regras secundárias, que são aquelas que outorgam certas competências para a criação, modificação e até mesmo a extinção das regras primárias.

No mais, assevera que os juízes possuam substancial discricionariedade para decidirem, sendo que a utilização jurisprudencial não poderá ser desrespeitada livremente.

os juízes, mesmo os do supremo tribunal, são parte de um sistema cujas regras são suficientemente determinadas na parte central para fornecer padrões de decisão judicial correcta. Estes padrões são considerados pelos tribunais como algo que não pode ser desres­peitado livremente por eles no exercício da autoridade para proferir essas decisões, que não podem ser contestadas dentro do sistema. [18]

 

A forma que os juízes se utilizarão para julgar casos mais complexos é justamente a união das regras primárias com as regras secundárias, onde a incerteza deverá ser dirimida mediante a discricionariedade do magistrado, ou seja, uma teoria completamente inversa a de Ronald Dworkin, que assevera a utilização racional dos princípios norteadores do direito para a solução dessas situações.

Clareadas as consequências voltadas a judicialização dos conflitos, cumulada com a disparidade hermenêutica sobre as formas de se julgar um caso complexo, nota-se, na prática, que o ativismo judicial é um gênero que se divide em duas espécies, uma que serve para suprir as lacunas legais, criando e direcionando as normas de conduta a serem utilizadas, que chamaremos de omissio legis, e outra que cria entendimentos e diretrizes contrárias à própria letra da lei, que chamaremos de contra legis.

 

9. Das modalidades de ativismo judicial.

9.1. Do ativismo judicial omissio legis.

Como a própria nomenclatura indica, o ativismo judicial nessa modalidade é aquele ocorrido no momento em que um magistrado vê a necessidade de solucionar algum tipo de caso sem que exista legislação específica para ser aplicada concretamente.

É a forma mais comum de ativismo, e surge justamente por conta de um direito previsto legalmente que não é regulamentado pelo Poder Legislativo.

Para complementar o raciocínio, perfeitamente condizente a passagem contida na obra do professor Carlos Alberto Garbi, que defendeu uma nova visão ao adimplemento contratual, observando a necessidade de uma certa intervenção judicial nesse tipo de relação jurídica, justamente por conta da ineficácia legislativa.

É inevitável reconhecer que os Códigos e Leis são incapazes de solucionar os complexos conflitos que a moderna sociedade pode produzir. A solução para esses conflitos encontra-se no ordenamento, mas não está disposta analiticamente. Deve ser construída a partir de valores e do uso de ferramentas que o próprio sistema coloca à disposição do juiz, destinatário das normas abertas e cláusulas gerais e que está investido de poderes para interferir nas relações privadas.

A intervenção judicial é cada vez mais necessária à solução de conflitos para os quais não há formulação legal de regras. O juiz integra ativamente o sistema ao criar soluções a partir dos valores que estão positivados no ordenamento e impõe medidas que podem abalar seriamente o valor que tem a vontade na formação dos vínculos obrigacionais. [19]

 

Contudo, o ativismo judicial omissio legis não atinge meramente as relações jurídicas lastreadas na falta de legislação.

Nota-se que o judiciário também age quando, preocupantemente, o Poder Executivo permanece omisso em suas funções, e essas omissões acabam por gerar algum tipo de dano ou mesmo quando ferem preceitos fundamentais.

Podemos citar a determinação da reforma nos presídios do Estado do Rio Grande do Sul, proferida pelo STF nos autos do Recurso Extraordinário nº 592.581 proposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, que se originou de uma Ação Civil Pública que pleiteava justamente o que fora concedido pelo Excelso, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste caso, o Tribunal determinou a improcedência do pedido por concluir que não compete ao Judiciário determinar ao Executivo a realização de obras em estabelecimento prisional, sob pena de indevida invasão no campo decisório reservado à Administração Pública daquele Estado, segundo a ementa do referido julgado.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE REALIZAÇÃO DE OBRAS EM PRESIDIO. DESCABIMENTO. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO.

Preliminar:

O pedido não é juridicamente impossível, porquanto não lhe veda expressamente a ordem jurídica.

Mérito:

O texto constitucional dispõe sobre os direitos fundamentais do preso, sendo certo que as precárias condições dos estabelecimentos prisionais importam ofensa à sua integridade física e moral. A dificuldade está na técnica da efetivação desses direitos fundamentais.

É que diversa a carga de eficácia quando se trata de direito fundamental prestacional proclamado em norma de natureza eminentemente programática, ou quando sob forma que permita, de logo, com ou sem interposição legislativa, o reconhecimento de direito subjetivo do particular (no caso do preso), como titular do direito fundamental.

Aqui o ponto: saber se a obrigação imposta ao Estado atende norma constitucional programática, ou norma de natureza imposivita.

Vê-se às claras, que mesmo não tivesse ficado no texto constitucional senão que também na Lei das Execuções Criminais, cuida-se de norma de cunho programático. Não se trata de disposição auto-executável, apenas traça linha geral de ação ditada ao poder público.

Para alem disso, sua efetiva realização apresenta dimensão econômica que faz depender da conjuntura; em outras palavras, das condições que o Poder Público, como destinatário da norma, tenha de prestar. Daí que a limitação de recursos constitui, na opinião de muitos, no limite fático à efetivação das normas de natureza programática. É a denominada “reserva do possível“.

Pois a “reserva do possível”, no que respeita aos direitos de natureza programática, tem a ver não apenas com a possibilidade material para sua efetivação (econômica, financeira, orçamentária), mas também, e por conseqüência, com o poder de disposição de parte do Administrador, o que imbrica na discricionariedade, tanto mais que não se trata de atividade vinculada.

Ao Judiciário não cabe determinar ao Poder Executivo a realização de obras, como pretende o Autor Civil, mesmo pleiteadas a título de direito constitucional do preso, pena de fazer as vezes de administrador, imiscuindo-se indevidamente em seara reservada à Administração.

Falta aos Juízos, porque situados fora do processo político-administrativo, capacidade funcional de garantir a efetivação de direitos sociais prestacionais, sempre dependentes de condições de natureza econômica ou financeira que longe estão dos fundamentos jurídicos.

Preliminar rejeitada. Apelo provido. Unânime. (TJRS, AC 70022363717, Relator Genaro José Baroni Borges)

 

A técnica hermenêutica utilizada pelo Tribunal gaúcho fora a de Ronald Dworkin, pois o magistrado baseou-se nos princípios e limites da atuação jurisdicional para proferir a sua decisão, mesmo sendo certo que as precárias condições dos estabelecimentos prisionais importam ofensa à sua [presidiários] integridade física e moral.

Contudo, em sentido contrário, a Suprema Corte utilizou a técnica exegética concebida por Herbert Hart, aplicando a jurisdição mesmo que a matéria fosse de competência do Poder Executivo, com vistas a resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana nos presídios gaúchos, citando até mesmo uma decisão dos EUA – Que adota o sistema common law, diferente do aplicado no Brasil – que determinou a reforma do sistema prisional daquele país.

Além do mais, pode se citar também a jurisprudência praticamente pacificada nos tribunais para que a Administração Pública conceda medicamentos de forma gratuita aos pacientes do Sistema Único de Saúde, sem levar em consideração a eventual receita que o Estado possua para custear tal determinação, em flagrante ofensa ao princípio da reserva do possível, contudo, atendendo também ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Conclui-se, portanto, que quanto mais cresce o ativismo judicial omissio legis, mais se utiliza a hermenêutica de Hart e mais o ordenamento jurídico brasileiro se afeiçoa ao common law praticado nos EUA e em outros países, justamente pelo fato de que os juízes passam, aos poucos, a não mais utilizar o direito de forma fria, mas sim da forma que mais garanta justiça em seu entendimento pessoal.

 

9.2. Do ativismo contra legem.

 

Já no caso de entendimentos judicias que contrariam a própria letra da lei, faz-se necessária a análise prévia de alguns julgados para que se possa discorrer de forma segura sobre a questão e sobre o porquê ocorre esse fato.

Sem sombra de dúvidas essa modalidade de ativismo é a que mais causa preocupações, principalmente levando em consideração que esse tipo de posicionamento pode sim comprometer a segurança jurídica do estado democrático de direito, minando aos poucos a eficiência da norma escrita.

Um dos casos em que não há respeito pela legislação, é justamente a questão dos honorários advocatícios sucumbenciais quando este atinge valores exorbitantes, para o entendimento do magistrado.

Primeiramente, o §3º do art. 20 do CPC (Lei 5.869/73) determina de forma clara que os honorários advocatícios sucumbenciais deverão ser arbitrados entre a quantia mínima de 10% e a máxima de 20% sobre o valor da condenação, a ver:

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação do serviço;

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

 

O que não ocorreu no AgRg no REsp nº 1.434.365 – BA (2013/035923-7), oriundo de uma ação promovida pelo Estado da Bahia em 1994, que pleiteou a nulidade de uma procuração que outorgava poderes para que uma das empresas do grupo Carmargo Corrêa recebesse parte de um crédito no valor de R$ 23.112.620,21 perante uma sociedade de economia mista cujo sócio majoritário era o Estado da Bahia, onde o valor atualizado atingia a soma de R$ 105.057.669,26.

No decorrer do processo, o Estado da Bahia levantou indevidamente os valores.

O caso chegou até o Tribunal baiano, que determinou a restituição do valor em dinheiro, corrigido a partir da data do levantamento, afastando a litigância de má fé e diminuindo o valor das custas processuais e honorários advocatícios fixados pelo juízo a quo em 10% do valor da condenação, conforme o art. 20, §3º do CPC.

Contudo, o Estado da Bahia promoveu REsp que não fora reconhecido pelo Colendo, culminando no controvertido AgRg no REsp 1.434.365 – BA que reduziu os honorários advocatícios de 10% para 2%, ou seja, a um patamar inferior ao estabelecido nos ditames legais anteriormente citados, sob o fundamento de que a cifra alcançaria um valor de R$ 10.505.766,92, o que se demonstra exorbitante aos olhos da Corte, conforme parte do voto proferido pelo Ministro Sérgio Kukina, nos trechos doravante destacados:

Na hipótese dos autos, deve-se considerar que o valor da causa adotado na sentença, no importe de R$ 23.112.620,21 (ano de 1994), corresponde, presentemente (maio de 2015), ao montante aproximado de R$ 105.057.669,26 (cento e cinco milhões, cinquenta e sete mil, seiscentos e sessenta e nove mil e vinte seis centavos), segundo cálculo obtido junto ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT) (http://www.tjdft.jus.br/sevicos/atualizacao-monetaria/calculo).

Logo, a fixação, pelo Tribunal de origem, de honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, em valores contemporâneos, alcançaria a cifra de R$ 10.505.766,92 (dez milhões, quinhentos e cinco mil, setecentos e sessenta reais e noventa e dois centavos). De se ver, portanto, que a exorbitância do valor assim projetado configura a excepcionalidade exigida por esta Corte, mostrando-se cabível, à luz do critério da razoabilidade e dos parâmetros do art. 20, §4º, do CPC, o decotamento da verba honorária para o percentual de 2% sobre o valor atualizado da causa, como, aliás, chegou a sugerir o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, nos debates em sessão de julgamento.

Ante o exposto, e apenas nesse aspecto divergindo respeitosamente do culto do Relator, dou provimento ao agravo regimental para, em consequência, dar parcial provimento ao recurso especial do Estado da Bahia, unicamente para se reduzir a verba honorária sucumbencial ao patamar acima indicado.

É como voto.

(STJ, AgRg no REsp nº 1.434.365 – BA, Ministro Sérgio Kukina)

 

Tal entendimento proferido pelo STJ é utilizado como exemplo nos outros Tribunais, a ver seus reflexos que afrontam os parâmetros mínimos elencados pelo CPC:

EMENTA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Embargos à execução fiscal – Alegada omissão do acórdão quanto ao § 4º do art. 20 do CPC – Honorários advocatícios fixados em valor exorbitante – Omissão suprida para o fim de reduzir a verba honorária – Possibilidade – Precedentes do STJ – Inteligência do § 4º do art. 20 do CPC Embargos de declaração acolhidos.

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração opostos pela MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO contra o v. acórdão de fls. 153/160 que, por votação unânime, não conheceu do recurso voluntário e negou provimento ao recurso oficial, mantendo a sentença que julgou procedentes os embargos à execução.

Sustenta a embargante que o acórdão é omisso em relação à regra contida no § 4º do art. 20 do CPC, pois, tendo em vista o valor total das execuções, a verba honorária arbitrada em 10% atinge quase R$ 6.000.000,00, devendo ser reduzida. Requer o acolhimento dos embargos para que seja suprida a omissão apontada (fls 163/168)

É a síntese do necessário...

(TJSP, Embargos de Declaração nº 433.077-5/3-01, Relator: Desembargador Eutálio Porto)

 

Primeiramente, salienta-se que não há qualquer legislação ditando o que seria um “valor exorbitante”, sendo que, cada magistrado possui um entendimento pessoal do que seria tal quantia, logo, tal hermenêutica amparada por princípios pessoais do julgador enquadra-se na exegética Hartiana, que garante um julgamento conforme a sua discricionariedade, conforme explicado anteriormente.

Apenas para analisar a questão da exorbitância dos honorários advocatícios, se propõe que, em um plano ideal, um magistrado receba a quantia mensal de R$ 25.000,00 a título de salário, trabalhando durante um período máximo de 30 anos para que atinja a aposentadoria compulsória.

Logo, um magistrado receberia em um ano o valor de R$ 300.000,00, e durante toda a sua carreira, receberia um valor de R$ 9.000.000,00.

Sendo assim, um valor que atinge cerca de R$ 10.000.000,00 ou R$ 6.000.000,00 a título de verba sucumbencial, conforme os julgados citados anteriormente, demonstra-se excessivo à visão de certos magistrados, tendo em vista que, em um único ato, o causídico receberia um valor que ultrapassaria ou se aproximaria ao que o magistrado receberia em toda a sua carreira. 

Em outro giro, na visão do causídico, tal valor não necessariamente implicaria em ser exorbitante, pois trata-se de um profissional liberal que possui renda variável, sendo impossível determinar o que seria irrisório ou excessivo pelo trabalho que exerceu.

Porém, o ativismo judicial contra legem não é verificado apenas no caso dos honorários sucumbenciais, sendo possível observar uma crescente judicialização no sistema da arbitragem [20], do processo administrativo [21], entre outros.

Conclui-se que, no exemplo dos honorários advocatícios bem como nas outras citações, a alteração de um procedimento ou parâmetro pré-estabelecido se dá conforme o entendimento do Poder Judiciário e não em algum precedente em específico, levando ao entendimento que as decisões administrativas e até mesmo a própria legislação podem ser ineficazes em determinados casos.

Mesmo que o magistrado se baseie em princípios, como por exemplo o da razoabilidade e proporcionalidade para a redução dos honorários advocatícios, conforme os ensinamentos de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tal atitude é equivocada, a vermos em suas próprias palavras:

9. APLICAÇÃO CONTRA LEGEM

Absolutamente descabida é a aplicação contra legem do princípio. Isto seria levar o juiz a prevalecer sobre o legislador no plano da densificação, o que fere o Estado de Direito.

É verdade que, ocorrendo inconstitucionalidade da lei, por ofensa a princípio – e a lei obviamente tem de ser compatível com os princípios constitucionais –, o juiz pode declarar a sua inconstitucionalidade e aplicar em seu lugar o princípio. Ele não pode fazê-lo – sublinhe-se – sem declarar tal inconstitucionalidade, porque estaria sobrepondo a sua vontade à do legislador (o que configura violação do Estado de Direito). Essa hipótese de inconstitucionalidade de lei por violação de princípios há de ser rara, visto que o princípio, em razão de sua generalidade, é compatível com diferentes densificações. Ora, não pode o juiz fazer prevalecer a sua à densificação legal. [22]

 

Logo, na visão do professor constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a decisão que contrariar a lei, sem, contudo, declará-la inconstitucional, se sobreporá a vontade do legislador e poderá ferir o Estado Democrático de Direito.

 

10. Conclusões finais.

 

I – Conforme observado, o ativismo judicial é uma consequência da ineficácia do Poder Legislativo em editar normas que afligem a sociedade, levando o Poder Judiciário a se contorcer para resolver litígios que envolvam matérias sem legislação específica, contudo, o fenômeno da judicialização também pode refletir em decisões contrárias a lei, tendo em vista o descrédito de um Poder sobre o outro, e o engrandecimento de um perante o outro, o que é preocupante, tendo em vista que vivemos em uma estrutura jurídica ligada ao modelo Romano-Germânico;

II – Levando em consideração que cada vez mais o Poder Judiciário interfere nas relações políticas e legais da sociedade, observa-se que cada vez mais a estrutura jurídica brasileira vai se assemelhando ao direito consuetudinário, ou common law, que é aplicado nos Estados Unidos e em outros países ao redor do mundo;

III – A aplicação da exegese concebida por Herbert Hart nos tribunais faz com que o direito brasileiro passe por algumas transformações, tais como a judicialização de determinadas funções incumbidas aos outros poderes e o ativismo judicial, conforme explicado anteriormente;

IV – Como o ativismo judicial leva ao engrandecimento do Poder Judiciário, não se pode descartar uma eventual mudança que venha ocorrer na estrutura jurídica brasileira – do civil law para o common law –, logo, o estudo e aprofundamento sobre este fenômeno é de suma importância para que, com o passar do tempo, os juristas brasileiros não sejam surpreendidos, e com isso, se evite um dano direto ao Estado Democrático de Direito;

 

11. Referências bibliográficas.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.[1]

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Editora Jus Podivrm. Salvador, 2008.[2]

PLATÃO. A República. Trad. Enrico Corvisieri, São Paulo: Nova Cultural, 2004.[3]

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 2001.[4]

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. Introdução, trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 7ª ed. São Paulo. Saraiva: 2000.[5]

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3286 [6]

MORAES, de Alexandre, Direito Constitucional. Editora Atlas. Vigésima terceira edição. Pg. 701. [7]

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. Trigésima primeira edição. Pg. 60 [8]

MORAES, de Alexandre, Direito Constitucional. Editora Atlas. Vigésima terceira edição. Pg. 64. [9]

MORAES, de Alexandre, Direito Constitucional. Editora Atlas. Vigésima terceira edição. Pg. 17/18. [10]

http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=482 [11]

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira, Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. Trigésima primeira edição. Pg. 418/419 [12]

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=165753 [13]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa. Revista Brasileira de direito público (RBDP), Belo horizonte, ano 5, n. 17, p. 75-96, abr/jun. 2007. [14]

RAMOS, Elival da Silva, Ativismo Judicial Parâmetros Dogmáticos. Editora Saraiva. 2ª edição. Pg. 131 [15]

CASTRO, Marcos Faro. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista de Ciências Sociais, São Paulo, n. 34, v. 12, 1997. Pg. 27 [16]

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Pg 132 [17]

HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 2001. Trechos Selecionados. Pag 159 [18]

GARBI, Carlos Alberto. A Intervenção Judicial no Contrato em face do Princípio da Integridade da Prestação e da Cláusula Geral da Boa-fé, Uma nova visão do adimplemento contratual. Escola Paulista da Magistratura. São Paulo, 2014. Pg 213 [19]

Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI231771,31047-A+judicializacao+da+arbitragem> Acesso em: 09 de fevereiro de 2016, publicado em 22 de dezembro de 2015. [20]

Disponível em < https://jus.com.br/artigos/24387/judicializacao-envolvendo-contratos-da-administracao-publica-do-estado-de-sao-paulo > Acesso em: 09 de fevereiro de 2016, publicado em 02 setembro de 2014 [21]

FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 38ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. Pag. 424 [22]

Sobre o autor
Rodrigo Nunes Sindona

Advogado, mestre em direito pela FADISP, especialista em direito tributário, previdenciário e empresarial pela EPD, direito penal e constitucional pela Faculdade LEGALE, Defensor Dativo junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trata-se de monografia apresentada por volta de dezembro de 2015, junto ao professor Roberto Senise Lisboa, diretor do Núcleo de Ciências Jurídicas da FMU, com o intuito de obtenção do bacharelado em direito. Integrantes da banca: Marco Kalikowski Verrone (orientador), Roque de Siqueira Gomes e Leandro Nava. Monografia aprovada pela banca com nota 9.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos