Nuances do sequestro especial (Decreto-Lei nº 3.240, de 8 de maio de 1941)

11/12/2020 às 21:36

Resumo:


  • O Decreto-Lei nº 3.240/41 prevê o Sequestro Especial de Bens, aplicável em crimes que resultem em prejuízo à Fazenda Pública ou em crimes definidos no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais, desde que haja locupletamento ilícito para o indiciado.

  • Esse tipo de sequestro pode incidir sobre todos os bens do indiciado, incluindo os que estão em poder de terceiros, se estes os adquiriram de forma dolosa ou com culpa grave, abrangendo bens de origem lícita ou ilícita.

  • A jurisprudência do STJ reconhece que o sequestro especial pode recair sobre quaisquer bens e não apenas os provenientes do crime, podendo afetar também bens de terceiros que não estejam diretamente envolvidos no ilícito penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Breves considerações sobre o sequestro especial de bens em favor da Fazenda Pública.

Diversas são as cautelares penais ditas de natureza patrimonial disciplinadas no Código de Processo Penal.

A ideia aqui, na realidade, é tratar de assunto pouco explorado, mas que ultimamente tem sido utilizado pelo Ministério Público Federal ou mesmo a Polícia Federal na fase de investigações de crimes de competência da Justiça Federal, qual seja, o Sequestro Especial de Bens previsto no Decreto-Lei nº 3.240, de 8 de maio de 1941. Ressalto que nada impede que a medida seja utilizada pelo parquet dos Estados nos crimes de competência da justiça estadual.

Veja que somente podem incidir sobre bens de pessoa indiciada: 1 - por crime que resulta prejuízo para a Fazenda Pública; 2 - por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais (DECRETO Nº 847, DE 11 DE OUTUBRO DE 1890.), desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado.

Na segunda hipótese supradescrita, entendo que a remissão ao Código Penal de 1890 não pode ser direcionada aos crimes, ainda que alguns sejam aparentemente correlatos, do Código Penal de 1940, por ausência de previsão legal. Entretanto, a primeira hipótese, por demasiada aberta, já abrangeria a segunda.

É o que consta do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.240/41:

Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuizo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado.

A representação somente seria possível se instaurado formalmente inquérito policial. Veja que a menção a ser decretado no bojo de processo administrativo não se mostra mais condizente com o atual cenário constitucional e processual penal (art. 2º do  Decreto-Lei nº 3.240/41).

A grande questão e que causa uma grande confusão é, justamente, a disposição quanto aos requisitos para sua decretação. Aqui, ao contrário do previsto para o sequestro genérico, previsto no art. 125 do CPP, nada é dito quanto à origem dos bens objeto do sequestro especial. Ou seja, não se exige que “sejam adquiridos com os proventos da infração”. Vejamos:

Art. 3º Para a decretação do sequestro é necessário que haja indícios veementes da responsabilidade, os quais serão comunicados ao juiz em segredo, por escrito ou por declarações orais reduzidas a termo, e com indicação dos bens que devam ser objeto da medida.

DECRETO-LEI Nº 3.240, DE 8 DE MAIO DE 1941.

No mesmo sentido a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE PECULATO-DESVIO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. CONFIGURAÇÃO DA AUTORIA E MATERIALIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. SEQUESTRO DE BENS. DECRETO-LEI N. 3.240/41. MEDIDA QUE RECAI EM QUALQUER BEM. MESMO AQUELES DE ORIGEM LÍCITA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A incidência da Súmula n. 7/STJ está fulcrada na apontada suficiência de elementos probatórios a sustentar a condenação do agravante nos crimes de peculato-desvio e falsidade ideológica. 2. A medida de sequestro do art. 4º do Decreto-Lei n. 3.240/41 pode recair sobre quaisquer bens e não apenas aqueles que sejam produtos ou proveito do crime. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1267816 / RN, j. 16.05.2019).

Embora não expressamente inferido aqui, o possível atingido pela medida constritiva sui generis seria o próprio agente ativo de uma conduta criminosa lesiva à Fazenda Pública, sobre o qual recaí indícios veementes de responsabilidade.

Alguns julgados apontam que somente os bens do “indiciado” poderiam ser alvo do sequestro especial em razão da previsão constante do art. 1 do Decreto-Lei. Entretanto, o STJ não tem acolhido essa tese para afastar o sequestro especial, conforme fundamentado no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.380.456 - DF (2018/0272435-9), de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro:

“(...) A jurisprudência desta Corte firmou compreensão no sentido de que a medida de sequestro, deferida com apoio no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 3.240/41, pode recair sobre quaisquer bens dos requerentes e não apenas sobre aqueles que sejam produtos ou proveito do crime, inclusive sobre bens de terceiros não envolvidos diretamente no ilícito penal, desde que devidamente fundamentada a decisão em indícios veementes de que tais bens foram adquiridos ou construídos com finanças produto de crime (RMS 52.442/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 20/05/2019) mostrando-se, assim, desnecessária qualquer discussão sobre o fato das recorrentes não figurarem na condição de pessoa indiciada ou investigada na persecução criminal. (...)”

Com razão o STJ. Embora possa gerar algumas consequências, o indiciamento não deixa de ser uma formalidade. A menção a “indiciado” não guarda relação com os requisitos próprios para o sequestro especial, mas mera indicação da pessoa sobre quem recairia a medida. Tanto assim, que veremos que terceiros (que não indiciados) podem sofrer a constrição.

É o que consta do famigerado art. 4º do Decreto-Lei:

Art. 4º O sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave.

DECRETO-LEI Nº 3.240, DE 8 DE MAIO DE 1941.

Quando se afirma que os bens em poder de terceiros podem ser objeto do sequestro especial não há como deixar de se fazer um breve comparativo  com o irmão gêmeo bivitelino do CPP:

Art. 125.  Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro. CPP

O terceiro pode ter seus bens constritos em ambas as hipóteses.

No sequestro especial “todos os bens em poder de terceiros”, expressão extremamente aberta, e que possui o mesmo alcance “transferência dos bens imóveis” no sequestro do CPP, pois ao final se completa com “desde que estes os tenham adquirido”. Ou seja, mesmo se, no caso de bem imóvel, já transferido o registro no CRI, ainda assim caberia o sequestro comum. Do mesmo modo, o sequestro especial, incidente sobre bens móveis e imóveis de domínio de terceiro, também pode ser decretado se já transferido para terceiro. Se o terceiro é mero detentor ou possuidor da coisa móvel ou imóvel, não houve a transferência da propriedade, justificando-se o sequestro especial independentemente da comprovação de dolo ou culpa grave do terceiro na aquisição, pois o bem ainda seria de propriedade do investigado pela infração criminosa propriamente.

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Importa mencionar que o Decreto é da década de 40. Quando interpretamos a expressão “dolo ou culpa grave” (aplicável apenas nas hipóteses de transferência da propriedade, como visto), não vejo outro modo de interpretar essa aquisição “qualificada como dolosa ou com culpa grave” senão no caso de simulação, prevista no art. 167 do CC:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1 o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2 o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

- CC

Típica hipótese em que o agente ativo do crime transfere bens, ainda que de origem lícita, a “laranjas”.

A outra hipótese de “culpa grave” na aquisição do bem móvel ou imóvel é de impossível ou mesmo de difícil configuração. Lembremos que tanto um bem adquirido com proventos da infração criminosa, como qualquer outro de origem lícita podem sofrer o sequestro especial. Quanto à primeira hipótese (origem ilícita), mais indicável o sequestro comum (art. 125 do CPP), pois ao parquet basta comprovar que adquiridos com proventos do crime pelo infrator e o terceiro adquirente, prejudicado com o sequestro, teria o ônus de comprovar sua boa-fé na aquisição (art. 130, II, CPP). Quanto a segunda hipótese (qualquer bem de origem lícita), entendo que o ônus da prova da “culpa grave”, ab initio, seria do parquet e, como visto, não se vislumbra facilmente no plano fático; como se adquire um bem de origem ilícita com “culpa grave”?

Logo, para fins de sequestro especial de bens de terceiros anteriormente transferidos pelo agente ativo do crime lesivo à Fazenda Pública, entendo que podem ser atingidos, mesmo os de origem lícita desde que comprovada a simulação pela acusação (art. 167 do CC) isto é, “o dolo”, sendo essa a única hipótese plausível e possível hodiernamente. Ressaltado que bens de terceiros anteriormente transferidos pelo agente ativo do crime lesivo à Fazenda Pública adquiridos com proventos do crime mais adequadamente se enquadram na hipótese de sequestro comum do CPP (art. 125). Por fim, não há como se adquirir bens de um agente ativo do crime lesivo à Fazenda Pública com “culpa grave”.

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