Quando o Poder Público não consegue atender à população na prestação de serviços de saúde, relacionados a procedimentos de média e alta complexidade, tem autorização constitucional para contratar entes privados, com ou sem fins lucrativos, que serão pagos pelos serviços prestados com base na tabela SUS.
Impende acrescentar, por oportuno, que o processo de contratação de prestadores de serviços de saúde visa a definir o papel da rede contratada, com o estabelecimento de direitos e obrigações de cada parte, vindo ao encontro dos princípios da legalidade e da eficiência, bem como do interesse público. Os contratos de prestação de serviços devem ser compreendidos como instrumentos de gestão, vez que permitem a regulação e avaliação dos resultados na prestação de serviços, resultando em melhoria da qualidade da assistência prestada.
Como o objetivo principal é a oferta de serviços de qualidade e compatíveis com as necessidades dos usuários, devem estar previstos em cada contrato a definição de metas quantitativas e qualitativas por serviços, obrigações e responsabilidades para cada parte envolvida, instrumentos de monitoramento e controle bem como cláusulas que permitam a atuação da regulação estadual e/ou municipal nos serviços de saúde.
A Constituição Federal em seu art. 199, §1º, da CF/1988 prevê:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
(...)
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Observa-se que, a partir do dispositivo constitucional, a preferência na celebração de ajustes com a iniciativa privada deve ser pelas entidades filantrópicas, por meio de convênio, e pelas entidades privadas sem fins lucrativos. Entretanto, em caso de participação na assistência à saúde, por meio do SUS, em havendo participação de entidades privadas sem ou com fins lucrativos, deve ser celebrado contrato específico.
A Lei 8.080/1990 estabelece:
“Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS) .
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) , aprovados no Conselho Nacional de Saúde.
§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.
§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) , mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
§ 3° (Vetado) .
§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS) ”.
A Portaria de Consolidação nº 1/2017 assim dispõe:
“Art. 130. Nas hipóteses em que a oferta de ações e serviços de saúde públicos próprios forem insuficientes e comprovada a impossibilidade de ampliação para garantir a cobertura assistencial à população de um determinado território, o gestor competente poderá recorrer aos serviços de saúde ofertados pela iniciativa privada. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º)
(...)
§ 3º A participação complementar das instituições privadas de assistência à saúde no SUS será formalizada mediante a celebração de contrato ou convênio com o ente público, observando-se os termos da Lei nº 8.666, de 1993, e da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, de acordo com os seguintes critérios: (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 3º)
I - convênio: firmado entre ente público e a instituição privada sem fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços assistenciais à saúde; e (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 3º, I)
II - contrato administrativo: firmado entre ente público e instituições privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra de serviços de saúde. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 3º, II)
§ 4º As entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos deixarão de ter preferência na contratação com o SUS, e concorrerão em igualdade de condições com as entidades privadas lucrativas, no respectivo processo de licitação, caso não cumpram os requisitos fixados na legislação vigente. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 4º)
§ 5º As entidades filantrópicas e sem fins lucrativos deverão satisfazer, para a celebração de instrumento com a esfera de governo interessada, os requisitos básicos contidos na Lei nº 8.666, de 1993, e no art. 3º da Lei nº 12.101, independentemente das condições técnicas, operacionais e outros requisitos ou exigências fixadas pelos gestores do SUS. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 5º)
§ 6º Para efeito de remuneração, os serviços contratados deverão utilizar como referência a Tabela de Procedimentos do SUS. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 3º, § 6º)
Art. 131. A instituição privada com a qual a Administração Pública celebrará contrato deverá: (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º)
I - estar registrada no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) ; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, I)
II - submeter-se a avaliações sistemáticas pela gestão do SUS; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, II)
III - submeter-se à regulação instituída pelo gestor; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, III)
IV - obrigar-se a apresentar, sempre que solicitado, relatórios de atividade que demonstrem, quantitativa e qualitativamente, o atendimento do objeto pactuado com o ente federativo contratante; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, IV)
V - submeter-se ao Sistema Nacional de Auditoria (SNA) e seus componentes, no âmbito do SUS, apresentando toda documentação necessária, quando solicitado; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, V)
VI - assegurar a veracidade das informações prestadas ao SUS; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, VI)
VII - cumprir todas as normas relativas à preservação do meio ambiente; e (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, VII)
VIII - preencher os campos referentes ao contrato no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) . (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 4º, VIII) ” (grifos acrescidos)
Art. 132. A contratação complementar dos prestadores de serviços de saúde se dará nos termos da Lei nº 8.666, de 1993. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 5º)
§ 1º Desde que justificado pelo gestor competente, será admitido o credenciamento formal das entidades privadas nas hipóteses em que houver necessidade de um maior número de prestadores para o mesmo objeto e a competição entre eles for inviável. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 5º, § 1º)
§ 2º No caso do § 1º, serão aplicadas as regras da inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, "caput", da Leiº 8.666, de 1993. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 5º, § 2º)
Art. 133. O credenciamento das entidades privadas prestadoras de serviços de saúde obedecerá às seguintes etapas: (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º)
I - chamamento público, com a publicação de edital e respectivo regulamento; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, I)
II - inscrição; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, II)
III - cadastro (Certificado de Registro Cadastral - CRC) das entidades interessadas; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, III)
IV - habilitação; (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, IV)
V - assinatura do termo contratual; e (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, V)
VI - publicação do extrato do contrato no Diário Oficial do ente contratante ou jornal local de grande circulação. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 6º, VI)
Art. 134. Os requisitos para o credenciamento devem estar previstos no respectivo regulamento, garantindo-se isonomia entre os interessados dispostos a contratar pelos valores definidos pelo SUS, constantes, obrigatoriamente, no edital. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 7º)
Art. 135. O registro de dados cadastrais para credenciamento estará permanentemente aberto a futuros interessados, estabelecidos limites temporais para as contratações. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 8º)
Art. 136. O edital e o respectivo regulamento do chamamento público deverão ser disponibilizados no Diário Oficial correspondente, em jornais de grande circulação e por meios eletrônicos, contendo o prazo de inscrição. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 9º)
Art. 137. O ente contratante deverá acompanhar todo o processo de credenciamento, podendo designar comissão especial para este fim. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 10)
Art. 138. No caso de contratação por inexigibilidade de licitação, como condição de eficácia dos atos, o gestor do SUS deverá publicar extrato da contratação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, por força do que dispõe o art. 26 da Lei nº 8.666, de 1993. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 11)
Art. 139. Os contratos vigentes permanecerão regidos e executados de acordo com as regras do tempo de sua celebração. (Origem: PRT MS/GM 2567/2016, Art. 12)
Ressalte-se, ainda, que o TCU tem admitido a prestação de serviços de saúde (e não sua manutenção) por instituições privadas com recursos públicos, desde que previsto em lei, e com formalização contratual, com prévia seleção pública, e apenas entidades privadas sem fins lucrativos podem receber recursos do SUS para investimentos em infraestrutura.
Nesse sentido, a jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão 1215/2013-Plenário, Min. Relator Aroldo Cedraz, estabelece que os serviços de saúde no âmbito do SUS devem ser prestados diretamente pelo Poder Público. Se este não tem capacidade de fazê-lo integralmente, recorre-se a entidades sem fins lucrativos e filantrópicas e, em último lugar, às empresas comerciais.
Outros enunciados do TCU aplicáveis ao caso em tela podem ser assim sintetizados:
A Administração somente deve permitir a participação complementar de instituições privadas no Sistema Único de Saúde (SUS) , segundo diretrizes deste, quando suas disponibilidades forem insuficientes para garantir cobertura assistencial à população mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público e com a concessão de preferência a entidades filantrópicas e sem fins lucrativos (art. 199 da Constituição Federal e artigos 24 e 25 da Lei 8080/1990) (Acórdão 2254/2008-Plenário – Ministro-Relator Aroldo Cedraz) .
“A prestação de serviços de saúde por instituições privadas sem a devida formalização contratual e sem a realização de prévio procedimento de seleção pública, licitação ou chamamento público, para a escolha do prestador, afronta disposições legais e normativas”. (Acórdão 876/2011-TCU-Plenário, rel. Min. José Jorge)
A Administração deve regularizar a prestação de serviços de saúde por estabelecimentos privados custeados com recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) , mediante prévia celebração de contrato, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 e do art. 3º da Portaria GM/MS 1.034/2010, fazendo constar nos respectivos instrumentos as exigências relacionadas no art. 8º da citada Portaria (Acórdão 601/2013-Plenário – Ministro-Relator José Jorge) .
A compra de serviços de saúde pelo SUS junto a instituições privadas com ou sem fins lucrativos deve ser realizada mediante contrato administrativo (Acórdão 1215/2013 – Plenário – Ministro-Relator Aroldo Cedraz) .
“Havendo autorização orçamentária, somente entidades privadas sem fins lucrativos participantes de forma complementar do Sistema Único de Saúde podem receber recursos para investimentos em infraestrutura”. (Acórdão 2.942/2013-TCU-Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler)
Diante de cenário normativo jurisprudencial mencionado depreende-se que a Administração Pública, para permitir a participação complementar de instituições privadas no Sistema Único de Saúde (SUS) deve ter como pressuposto a adoção das seguintes medidas:
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Ter realizado consulta ao CNES e verificado a sua capacidade instalada.
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Ter elaborado o Plano Operativo de cada unidade pública sob sua gestão, organizando sua rede e identificado a necessidade ou não de complementação de serviços.
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Verificada a necessidade de complementação de serviços, esta deverá constar no Plano de Saúde e ser aprovada pelo respectivo Conselho de Saúde.
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Ter elaborado a PPI/PGASS.(PROGRAMAÇÃO PACTUADA INTEGRADA / PROGRAMAÇÃO GERAL DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE)
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Ter elaborado o desenho da rede.
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Uma vez constatado que a rede própria é capaz de suprir as necessidades da população, não havendo necessidade de complementação haverá o fim do processo;
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Se constatado que a rede própria é insuficiente e, portanto que há a necessidade de complementação e, que em sua rede existem instituições de outras esferas de governo, a Gestão deverá recorrer a essas e o instrumento para formalizar esse acordo será o Protocolo de Cooperação entre Entes Públicos;
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Se, com os serviços públicos de saúde devidamente contratados ainda for verificada a necessidade de complementação da rede, o gestor deverá recorrer aos serviços da rede privada.
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Verificada a existência de entidades filantrópicas e, em função da prioridade da contratação prevista na CF/88 e na Lei 8080/90 poderá firmar convênio com a instituição, desde que firmada parceria para a prestação de serviços e ações de saúde.
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Caso inexistentes ou não cumpram os requisitos fixados na legislação vigente, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos deixarão de ter preferência na contratação com o SUS, e concorrerão em igualdade de condições com as entidades privadas lucrativas, no respectivo processo de licitação.
A Administração Pública deverá sempre fazer uso da Lei 8.666/93 para a realização de qualquer contrato ou convênio com particular, podendo utilizar-se da modalidade do chamamento público, conforme reiterada jurisprudência do TCU.
A inexigibilidade de licitação poderá ser constatada quando houver incapacidade de se instalar concorrência entre os licitantes, que poderá ocorrer quando apenas um prestador estiver apto a fornecer o objeto a ser contratado, ou quando o gestor manifestar o interesse de contratar todos os prestadores de serviços de seu território de uma determinada área desde que devidamente especificada no Edital, conforme art. 25 da Lei 8.666/93
Quando a licitação for inexigível porque o gestor manifestou o interesse de contratar todos os prestadores ele poderá fazer uso do procedimento de Chamada Pública, onde será aberto um edital chamando todos os prestadores para se cadastrarem e contratarem com a Administração Pública, desde que se enquadrem nos requisitos constantes do edital.
Do chamamento público será celebrado um contrato administrativo com as entidades privadas com e sem fins lucrativos e com as entidades filantrópicas.