As benfeitorias e acessões realizadas no imóvel e o contrato de locação

15/12/2020 às 17:28
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Locação é um contrato civil muito complexo e cheio de especificidades que podem gerar inúmeras consequências para o contrato. Destarte, o presente trabalho irá tecer comentários acerca das benfeitorias e acessões realizadas no imóvel durante a locação.

Locação é o contrato através do qual uma pessoa, o locador, cede à outra, o locatário, o uso de um bem móvel ou imóvel, mediante pagamento previamente combinado. No tocante ao caso da locação de imóveis, muitas vezes o imóvel alugado necessita de reformas para se tornar habitável ou confortável para o novo morador. Entretanto, quais são as consequências jurídicas sobre essas modificações no imóvel original? Ao término do contrato, o locatário terá direito sobre o valor pago por essas mudanças? O locatário pode renunciar esse direito de indenização? Essas são algumas das questões que serão analisadas e contempladas pelo seguinte estudo.

Primeiramente, faz-se mister elucidar o conceito de benfeitoria e suas espécies. Nesse sentido, o vocabulário jurídico é uma ferramenta extremamente útil. Segundo De Plácido e Silva,

Expressão que sempre teve o sentido de benefícios, compreende os melhoramentos promovidos em um prédio, com a intenção de torná-lo mais útil ou mais agradável. Melhoramentos, aí, tanto se entendem os trabalhos executados no sentido de tornar melhor ou mais agradável a coisa, como as próprias despesas decorrentes desses melhoramentos, mesmo que tais despesas ou tais trabalhos não se tenham mostrados necessários para a conservação da coisa (SILVA, 2016: 207).

Portanto, benfeitorias “são os bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou imóvel, visando a sua conservação ou melhora da sua utilidade” (TARTUCE, 2020: 193) e elas possuem três espécies dispostas no artigo 96 do Código Civil de 2002. As benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias como será visto na transcrição do artigo 96 a seguir:

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

§ 1 o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

§ 2 o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.

§ 3 o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore (BRASIL, 2002).

Após a conceituação de benfeitoria, faz-se mister observar o artigo 22 da lei do inquilinato, Lei n° 8.245 de 18 de outubro de 1991, que traz as obrigações do locador. A primeira obrigação disposta no inciso I é a de que o locador possui o dever de entregar o imóvel ao locatário em estado de servir ao uso a que se destina. Ou seja, o locador deve garantir ao locatário o imóvel em um bom estado de conservação com as qualidades necessárias para que o segundo tenha o proveito que deseja com o contrato. Nesse sentido, em certas ocasiões, principalmente nas locações residenciais, há a necessidade de fazer algumas modificações, a fim do imóvel cumprir com a destinação desejada pelo locatário com o contrato, tornando o uso daquele imóvel mais agradável ou mais fácil. Cumprir a razão de ser do contrato de locação. Com isso, a lei do inquilinato trouxe, em seus artigos 35 e 36 regulamentação sobre a matéria. O artigo 35 da lei 8.245 traz a seguinte redação:

Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção (BRASIL, 1991).

Com a análise desse artigo percebe-se que as benfeitorias necessárias, por serem modificações que visam a manutenção e conservação do imóvel, garantem ao inquilino o direito de retenção, ou seja, o direito de ser indenizado pelos gastos tidos mesmo que não tenha havido autorização do locador. Sobre as benfeitorias úteis, o panorama é um pouco diferente. Por não constituírem modificações necessárias para a conservação do imóvel, mas sim mudanças que agregam valor ao imóvel ou facilitam seu uso; as benfeitorias úteis deverão ser autorizadas pelo locador para que o locatário passe a ter direito de indenização.

Antes de dar prosseguimento para o estudo do artigo 36 da mesma lei, é de suma importância abordar sobre a cláusula de renúncia. A regra geral para o contrato de locação é o que está disposto na lei, porém, como usual na lei civil, as partes possuem liberdade para convencionar e acordar o que decidirem sobre as benfeitorias. Com isso, há uma particularidade que pode ou não existir nos contratos de locação: é a cláusula de renúncia ou exclusão de benfeitoria por parte do locatário. Esta cláusula expressa que o locatário renuncia seu direito de indenização pelas benfeitorias. Isso é de suma importância, pois altera significativamente a responsabilidade atribuída ao locador pelo artigo 35. Além disso, a própria redação legal, quando o legislador utiliza a expressão "Salvo expressa disposição contratual em contrário", já deixa clara a possibilidade de pactos individuais nos contratos de locação quanto às benfeitorias. Inclusive o STJ já firmou esse entendimento com a súmula 335: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.” (CAVALCANTE, 2020: 263).

1ª Ementa

Des(a). MARÍLIA DE CASTRO NEVES VIEIRA - Julgamento: 12/08/2020 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL

 

APELAÇÃO. LOCAÇÃO COMERCIAL. DESPEJO. RESCISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. RECONVENÇÃO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PRINCIPAL E RECONVENCIONAL. RECURSO DAS PARTES. Apelo que procede. Sentença rescindindo o contrato de locação, fixando como termo final a data posta no Termo de Rescisão, mas que não chegou a ser celebrado pelas partes. Inexistência de prova quanto à recusa ao recebimento das chaves. Ação consignatória, ademais, propostas pelo locatário, em se fixou a inexistência de recusa por parte do locador, com a imissão na posse do imóvel ocorrida no curso daquela demanda, que assim deve ser considera como termo final do contrato, arcando a parte ré com os alugueres e encargos até então. Improcedência da reconvenção, por via de consequência. Recurso adesivo que se rejeita. Insistência quanto ao descabimento da multa moratória de 20% fixada no contrato e mantida pela sentença. Percentual livremente pactuado entre as partes, inexistindo razões para que agora seja reduzido, na ausência de qualquer limitação prevista em lei. Impossibilidade de indenização pelas benfeitorias realizadas prevista em contrato (art. 35, da Lei 8.245/91 - Súmula 335 do STJ), pelo que descabe o pedido de compensação ou abatimento da dívida. Provimento ao apelo dos autores, para julgar procedente a cobrança de alugueres e encargos, considerada a imissão na posse do locador em 24/08/17, e condenar a parte ré ao pagamento da dívida até então, nos termos do contrato, arcando ainda integralmente com as custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. Por via de consequência, julga-se improcedente a reconvenção, condenando a parte ré-reconvinte ao pagamento das custas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor atribuído à reconvenção. Recurso adesivo desprovido (APELAÇÃO, 0303923-94.2016.8.19.0001 - 12/08/2020 - Data de Publicação: 17/08/2020). (GRIFOS MEUS)

Inexistindo essa cláusula, no caso das benfeitorias necessárias, o locatário tem o direito de indenização ou retenção. No caso das benfeitorias úteis, “Caso sejam realizadas sem a devida autorização do locador, mesmo que inexista cláusula de renúncia no contrato de locação, o locatário deixará de ter direito de indenização e retenção sobre as benfeitorias úteis realizadas” (GARCIA, 2017). Isso é pacífico na jurisprudência brasileira como se observa através do voto da relatora Desa. Mônica Libânio Rocha Bretas em uma apelação cível do TJ-MG: “Julgo procedente o pedido formulado pela requerida para declarar que a possuidora boa-fé, tem direito de indenização pelas benfeitorias úteis, direito de levantamento de benfeitoria voluptuária, bem como o direito de retenção do imóvel até que haja o pagamento de indenização.” (TJ-MG – AC: 10000190779645001 MG, Relator: Mônica Libânio, Data de Julgamento: 14/10/2019, Data de Publicação: 16/10/2019).

Por fim, é necessário abordar as benfeitorias voluptuárias que são tratadas pelo artigo 36. Essa espécie de benfeitoria é apenas para deleite do morador e se destina ao uso pessoal (coisas para tornar a vida de quem mora mais agradável). Segundo o dispositivo legal,

Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel (BRASIL, 1991).

Com isso, infere-se que essas não serão indenizáveis. "Contudo, apesar da lei não conferir o direito de indenização ao locatário, esta lhe facultou o direito de retirada das benfeitorias voluptuárias por ele introduzidas no imóvel locado desde que sua retirada não cause prejuízos ao prédio locado" (GARCIA, 2017). Além disso, a cláusula de renúncia também produz efeitos sobre as benfeitorias voluptuárias, uma vez que se o locatário abrir mão da indenização pelas benfeitorias, "a renúncia atingirá também o direito de retirada das benfeitorias voluptuárias, deixando assim de ter o locatário o direito de levantamento da benfeitoria." (GARCIA, 2017).

Findado o estudo sobre as benfeitorias e o contrato de locação, as atenções serão voltada para as acessões. Primeiramente é necessário conceituar acessões e diferenciá-las das benfeitorias para, posteriormente, observar suas nuances no contrato de locação. De acordo com  De Plácido e Silva, acessões: “É o direito conferido por lei ao proprietário de bens ou coisas, sobre todos os acréscimos ou frutos produzidos, isto é, sobre tudo o que se incorpora natural ou industrialmente a essas coisas ou bens.” (SILVA, 2016: 51). Acessão então é o direito que o proprietário possui por qualquer mudança na essência de sua propriedade, podendo ser natural ou artificial, aumentando-a ou agregando valor. É o que depreende do artigo 1.248 do Código Civil. Sua principal diferença para as benfeitorias seria a sua natureza. Tartuce diferencia benfeitorias de acessões afirmando:

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Não se podem confundir as benfeitorias com as acessões, nos termos do art. 97, pois as últimas são incorporações introduzidas em um outro bem, imóvel, pelo proprietário, possuidor e detentor. Ademais, é possível afirmar que o que diferencia as benfeitorias das pertenças é que as primeiras são introduzidas por quem não é o proprietário, enquanto as últimas por aquele que tem o domínio. Tanto isso é verdade a título de ilustração, que a Lei de Locação (Lei n° 8.245/1991) não trata das pertenças, apenas das benfeitorias quanto aos efeitos para o locatário (arts 35 e 36). (TARTUCE, 2020: 193).

Com todo o respeito ao doutor em Direito Civil Flávio Tartuce, há de se discordar um pouco de sua proposição, uma vez que o locatário pode realizar acessões e, por mais que a lei de locações não disponha nada sobre elas, será utilizado por analogia o artigo 35 referente às benfeitorias. Percebe-se isso com a posição da Ministra do STJ Nancy Andrighi na EREsp 1411420. Em seu voto, a ministra relatora dos embargos, Nancy Andrighi, afirmou que, em vista dos artigos 35 da Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) e 1.255 do Código Civil, devem ser indenizadas ao fim do contrato as acessões construídas pelo locatário com o consentimento do locador. Ela considerou não haver controvérsia sobre esse ponto, porém a questão debatida no recurso era a viabilidade de incluir a acessão no cálculo da revisional de aluguel (EREsp 1411420 – 2013/0349083-6 de 27/08/2020). Além disso, nas Jurisprudências em Teses do STJ, em sua Edição N. 53, referente à locação de imóveis urbanos, a tese de número 19 deixa clara a analogia com o tratamento dado pela lei do inquilinato às benfeitorias: “19 – Aplicam-se, por analogia, os direitos de indenização e retenção previstos no art. 35 da Lei de Locações às acessões edificadas no imóvel locado”. Com isso, apesar da lei do inquilinato não dispor sobre as acessões, essas também poderão ser passíveis de indenização ao locatário, podendo ou não existir cláusula de renúncia.

 

Referências Bibliográficas:

 

BRASIL. Código Civil de 2002.

BRASIL. Lei No 8.245, de 18 de outubro de 1991

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência: Dizer o direito. – 9. Ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

GARCIA, Pedro Carvalho. Contrato de Locação e Benfeitorias Realizadas pelo Locatário no Imóvel. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/contrato-de-locacao-e-benfeitorias-realizadas-pelo-locatario-no-imovel/#:~:text=Caso%20sejam%20realizadas%20sem%20a,sobre%20as%20benfeitorias%20%C3%BAteis%20realizadas.&text=Este%20tipo%20de%20benfeitoria%2C%20conforme,%2F91%2C%20n%C3%A3o%20ser%C3%A1%20indeniz%C3%A1vel. Acesso em: 29 de setembro de 2020.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. – 32. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. – 10. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

Sobre o autor
Patrick Henriques Gonçalves

Graduado em História pela Universidade Federal Fluminense. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal Fluminense.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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