INTRODUÇÃO
No dia 23 de setembro de 2019 foi publicado o Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta, no âmbito da União, o pregão na forma eletrônica. O novo regulamento federal trouxe mudanças sensíveis no pregão realizado à distância, dentre as quais ganha destaque a possibilidade de adoção de duas formas de disputa, a critério da Administração: modo de disputa aberto e modo de disputa aberto e fechado.
O modo de disputa aberto e fechado não é desconhecido pelo mercado e pela Administração Pública. Essa forma de disputa da fase competitiva já é utilizada pelos órgãos e entes que realizam licitações da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) e da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais). A Lei do RDC e seu regulamento, o Decreto Federal nº 7.581/2011 (R/RDC), possibilitam a combinação dos modos de disputa aberto e fechado (art. 16 da Lei nº 12.462/2011 combinado com os arts. 15, 23 e 24 do Decreto Federal nº 7.581/2011). Já a Lei das Estatais traz essa previsão, da combinação dos modos de disputa aberto e fechado, no art. 52.
Apesar de já conhecido, o modo de disputa aberto e fechado, ou simplesmente combinado, do pregão eletrônico trouxe inovações em relação ao modo de disputa aberto e fechado previsto na legislação do RDC. Essa alteração, configurada em verdadeira evolução, propicia em maior aproveitamento do certame licitatório.
Possivelmente essas diferenças entre os modos de disputa combinado do RDC e do pregão eletrônico não serão facilmente notadas pelos profissionais que não realizam licitações na forma eletrônica ou utilizam outros sistemas eletrônicos de licitações (licitações-e do Banco do Brasil, Portal de Compras Públicas, entre outros). Serão mais facilmente visualizadas pelo usuário do sistema eletrônico SIASG/comprasnet, módulos RDC e pregão eletrônico.
No presente texto, serão abordados: os modos de disputa no RDC, na Lei das Estatais e no pregão eletrônico; as vantagens do modo de disputa combinado; o modo de disputa combinado do pregão eletrônico; o modo de disputa combinado do RDC; o modo de disputa combinado da Lei das Estatais; e a conclusão.
Deve ser esclarecido que o presente artigo tem, predominantemente, vieses prático e técnico, justamente com o intuito de colaborar com a atuação dos Pregoeiros, Membros das Equipes de Apoio e componentes das Comissões de Licitações. Assim sendo, o texto pressupõe que o leitor já é familiarizado com o conceito de licitação, com os princípios constitucionais da Administração Pública, com os princípios informadores da licitação, com o procedimento da modalidade pregão, em especial na forma eletrônica, e com o sistema SIASG/comprasnet.
O artigo foi elaborado com base nas normas do pregão, do RDC e da Lei das Estatais; e em decisões do Tribunal de Contas da União (TCU). A experiência profissional do autor, com 15 (quinze) anos de atuação na área de licitações, também orientou o presente texto.
OS MODOS DE DISPUTA NO RDC, NA LEI DAS ESTATAIS E NO PREGÃO ELETRÔNICO
O Decreto Federal nº 10.024/2019, o novo regulamento do pregão na forma eletrônica, trouxe uma inovação importante para a fase competitiva, os modos de disputa aberto e aberto e fechado (ou combinado). Cita o art. 31 do Decreto Federal nº 10.024/2019, em termos:
Art. 31. Serão adotados para o envio de lances no pregão eletrônico os seguintes modos de disputa:
I - aberto - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com prorrogações, conforme o critério de julgamento adotado no edital; ou
II - aberto e fechado - os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final e fechado, conforme o critério de julgamento adotado no edital.
Parágrafo único. No modo de disputa aberto, o edital preverá intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta. (Decreto Federal nº 10.024/2019)
A leitura do art. 31 do regulamento federal do pregão eletrônico não deve ser realizada de forma isolada. Os agentes públicos que atuam na área de licitações devem se atentar, também, para o art. 14.
Cita o art. 14 do Regulamento, em termos:
Art. 14. No planejamento do pregão, na forma eletrônica, será observado o seguinte:
[...];
III - elaboração do edital, que estabelecerá os critérios de julgamento e a aceitação das propostas, o modo de disputa e, quando necessário, o intervalo mínimo de diferença de valores ou de percentuais entre os lances, que incidirá tanto em relação aos lances intermediários quanto em relação ao lance que cobrir a melhor oferta; [...]. (Decreto Federal nº 10.024/2019)
Claramente, do texto do regulamento, cabe à Administração decidir, em cada caso concreto, sobre qual modo de disputa será utilizado.
De pronto, já deve ser observado que a decisão sobre o modo de disputa a ser adotado em cada caso concreto deve ocorrer em momento bem anterior à abertura da licitação. Essa análise, sobre qual modo de disputa deve ser adotado, deverá ser realizada durante a confecção do instrumento convocatório.
Porém, como já informado, os modos de disputa são previstos em outras normas.
A Lei do RDC prevê os modos de disputa aberto, fechado e a combinação de ambos (aberto/fechado ou fechado/aberto). A utilização de um ou outro modo de disputa é, a exemplo do pregão eletrônico, uma decisão da Administração.
Sobre os modos de disputa, cita a Lei do RDC, em termos:
Art. 16. Nas licitações, poderão ser adotados os modos de disputa aberto e fechado, que poderão ser combinados na forma do regulamento.
Art. 17. O regulamento disporá sobre as regras e procedimentos de apresentação de propostas ou lances, observado o seguinte:
I - no modo de disputa aberto, os licitantes apresentarão suas ofertas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado;
II - no modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e hora designadas para que sejam divulgadas; e [...]. (Lei nº 12.462/2011)
Complementando o regramento da Lei do RDC, o Regulamento Federal do RDC (Decreto Federal nº 7.581/2011 – R/RDC) discorre, sobre os modos de disputa, em termos:
[...].
Art. 15. As licitações poderão adotar os modos de disputa aberto, fechado ou combinado.
[...].
Art. 23. O instrumento convocatório poderá estabelecer que a disputa seja realizada em duas etapas, sendo a primeira eliminatória.
Art. 24. Os modos de disputa poderão ser combinados da seguinte forma:
I - caso o procedimento se inicie pelo modo de disputa fechado, serão classificados para a etapa subsequente os licitantes que apresentarem as três melhores propostas, iniciando-se então a disputa aberta com a apresentação de lances sucessivos, nos termos dos arts. 18 e 19; e
II - caso o procedimento se inicie pelo modo de disputa aberto, os licitantes que apresentarem as três melhores propostas oferecerão propostas finais, fechadas. [...]. (Decreto Federal nº 7.581/2011)
A legislação do RDC, como o regulamento do pregão, também prevê que a definição do modo de disputa a ser adotado é um ato decisório que ocorre em momento anterior à abertura da licitação. É o que prescrevem os artigos 4º, II, “f”, e 8º, III, do R/RDC.
A Lei das Estatais também prevê que a fase competitiva das licitações pode ser realizada por mais de um modo de disputa. Assim como no RDC, a Lei nº 13.303/2016 prevê a possibilidade de adoção dos modos de disputa aberto, fechado e combinado (aberto/fechado e fechado/aberto).
Cita a Lei da Estatais, sobre os modos de disputa, em termos:
Art. 52. Poderão ser adotados os modos de disputa aberto ou fechado, ou, quando o objeto da licitação puder ser parcelado, a combinação de ambos, observado o disposto no inciso III do art. 32 desta Lei.
§ 1º No modo de disputa aberto, os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de julgamento adotado.
§ 2º No modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e a hora designadas para que sejam divulgadas. (Lei nº 13.303/2016)
As empresas públicas (EPs) e sociedades de economia mista (SEMs) possuem, por força do art. 40 da Lei das Estatais, seus regulamentos internos de licitações e contratos. Esses códigos, obedecidos os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 13.303/2016, podem disciplinar a utilização dos modos de disputa.
AS VANTAGENS DO MODO DE DISPUTA COMBINADO
Os modos de disputa previstos na legislação, como visto, são o aberto, o fechado e o combinado. Tanto para o RDC quanto para a Lei das Estatais, são possíveis duas formas de modo combinado, o aberto/fechado e o fechado/aberto. Já o novo pregão eletrônico só admite a utilização dos modos aberto e aberto/fechado.
Cabe à Administração, em cada caso concreto, avaliar a conveniência e oportunidade de adotar uma ou outra forma de competição. Diante da disponibilidade de formas de competição, surgem indagações sobre as possíveis vantagens de cada modo de disputa.
Sobre a forma de disputa fechada, deve ser rememorado que o pregão não comporta esse modo de disputa. Já para os casos específicos do RDC e da Lei das Estatais, o modo de disputa fechado deve ser adotado de forma residual. Somente em situações excepcionalíssimas, em que não seja possível os participantes melhorem seus preços por meio de lances, deve ser adotado o modo fechado.
A dúvida surge quando o certame admite a competição com formulação de lances. Nesses casos, independentemente de RDC, pregão eletrônico ou a modalidade da Lei das Estatais, a Administração deve decidir se adota o modo de disputa aberto ou o combinado.
O modo de disputa aberto é largamente conhecido, visto a grande utilização do pregão eletrônico. O TCU possui inúmeras decisões determinando a adoção da licitação eletrônica em detrimento tanto das modalidades comuns da Lei nº 8.666/1993 quanto do pregão presencial.
A forma de disputa aberta apresenta, indiscutivelmente, vantagens em relação ao modo de disputa fechado. A maior vantagem é a possibilidade das concorrentes poderem apresentar melhores preços durante a competição (fase de lances).
Porém, existem poucos dados que demonstrem vantagens do modo aberto em relação ao modo combinado, tanto o fechado/aberto quanto o aberto/fechado. No pregão, não é possível qualquer inferência sobre o assunto, visto que até 23/09/2019, por força do Decreto Federal nº 5.450/2005, o pregão eletrônico previa somente o modo de disputa aberto (fase de lances, tempo de iminência e tempo aleatório).
Mas existem textos doutrinários e estudos específicos sobre o RDC que apontam uma maior economicidade com a adoção do modo de disputa combinado.
O TCU, atendendo a uma solicitação do Congresso Nacional, realizou um estudo das licitações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o DNIT. Esse estudo aponta para uma vantagem econômica na adoção do modo de disputa combinado em relação aos modos aberto e fechado.
O Acórdão nº 306/2017 – TCU – Plenário discorre, em termos:
[...].
299. Após essa avaliação inicial, passou-se à análise dos descontos obtidos nos procedimentos licitatórios, índice caracterizado pela relação entre o preço contratado e o preço de referência utilizado pela Administração para a execução do objeto pretendido. Importante registrar que a quase totalidade dos resultados apresentaram desvios padrão altos, em função das características inerentes aos objetos analisados e do número ainda baixo de licitações/contratos em obras do RDC.
300. A primeira conclusão quanto aos descontos retratou a estreita relação entre o número de participantes no procedimento licitatório e os descontos obtidos pela Administração. Ou seja, quanto maior o número de empresas interessadas na licitação, maior o desconto em relação ao preço de referência.
301. Em seguida, foram analisados os descontos obtidos nos procedimentos licitatórios em várias situações. As análises apresentaram, em linhas gerais, indícios de que:
a) os descontos médios dos procedimentos licitatórios no âmbito do RDC-Contratação Integrada são menores que os descontos médios obtidos no âmbito do LGL e do RDC-Parte Geral;
b) o modo de disputa Combinado apresenta vantajosidade em relação aos modos de disputa Aberto e Fechado quando se analisam os descontos obtidos nos procedimentos licitatórios;
c) a forma Eletrônica conduz a descontos maiores nos procedimentos licitatórios em relação à forma Presencial;
d) para o RDC-Parte Geral, orçamentos sigilosos conduzem a descontos maiores do que orçamentos não sigilosos; [...].
No citado Acórdão, o Relator (Min. Bruno Dantas), reforça a possível vantagem do modo de disputa combinado. Cita o Relator:
[...].
32. Também foram comparadas as licitações realizadas por modos de disputa (aberto/fechado/combinado). Por estimular maior competitividade, o modelo combinado atingiu melhores resultados, com contratações a preços mais baixos, conforme já assinalava a doutrina especializada. [...].
Do exposto, pode-se concluir pela adoção preferencial do modo de disputa combinado em relação às demais formas de competição (aberto ou fechado). Para o pregão eletrônico, que passou a prever as formas aberta e combinada de competição, essas informações podem subsidiar a decisão administrativa.
Não obstante, sugere-se cautela com a decisão de adoção do modo combinado para as licitações realizadas no módulo RDC do sistema SIASG/comprasnet. No comprasnet, em que pese a vantagem apontada pelos textos doutrinários e pelo julgado do TCU, o modo de disputa combinado do RDC apresenta uma fragilidade.
O MODO DE DISPUTA COMBINADO DO PREGÃO ELETRÔNICO
O modo de disputa combinado do novo regulamento do pregão eletrônico apresenta peculiaridades quando comparado com os modos combinados do RDC e da Lei das Estatais. Essas diferenças do modo aberto e fechado, significativas, podem impactar no resultado final da licitação.
O modo de disputa aberto e fechado do novo pregão eletrônico é disciplinado no art. 33 do Decreto Federal nº 10.024/2019. Cita o regulamento federal, em termos:
Art. 33. No modo de disputa aberto e fechado, de que trata o inciso II do caput do art. 31, a etapa de envio de lances da sessão pública terá duração de quinze minutos.
§ 1º Encerrado o prazo previsto no caput, o sistema encaminhará o aviso de fechamento iminente dos lances e, transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada.
§ 2º Encerrado o prazo de que trata o § 1º, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas com valores até dez por cento superiores àquela possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo.
§ 3º Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições de que trata o § 2º, os autores dos melhores lances subsequentes, na ordem de classificação, até o máximo de três, poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento do prazo.
§ 4º Encerrados os prazos estabelecidos nos § 2º e § 3º, o sistema ordenará os lances em ordem crescente de vantajosidade.
§ 5º Na ausência de lance final e fechado classificado nos termos dos § 2º e § 3º, haverá o reinício da etapa fechada para que os demais licitantes, até o máximo de três, na ordem de classificação, possam ofertar um lance final e fechado em até cinco minutos, que será sigiloso até o encerramento deste prazo, observado, após esta etapa, o disposto no § 4º. (Decreto Federal nº 10.024/2019)
Sobre o modo de disputa aberto e fechado do pregão eletrônico, podemos observar que a primeira etapa, aberta, é composta de uma fase de lances com duração de 15min; finda a fase de lances, há um tempo de zero a dez minutos aleatoriamente definido pelo sistema (tempo randômico ou aleatório). A segunda etapa, fechada, prevê a participação do detentor da melhor oferta e daqueles que possuam ofertas em até 10% superiores à melhor proposta (inferiores se o critério de julgamento for o “maior desconto”); os participantes da etapa fechada devem formular, em até 5 minutos, uma proposta final fechada (sigilosa até a abertura pelo sistema).
Como se observa, o novo pregão eletrônico não sepultou o tempo aleatório, que subsiste no modo de disputa combinado. O tempo aleatório, ou randômico, não existe mais no modo de disputa aberto.
Essa alteração, no campo prático, é positiva. O tempo aleatório previsto no regulamento anterior, Decreto Federal nº 5.450/2005, culminava em uma verdadeira loteria na etapa competitiva. No pregão eletrônico, sagrava-se vencedora a licitante que tinha a sorte de ter transcrito, por último, a proposta de menor valor.
Essa imprevisibilidade foi afastada tanto no modo de disputa aberto quanto no aberto e combinado. No modo aberto, foi excluído o tempo aleatório, substituído pela prorrogação automática quando houver lance nos últimos dois minutos.
Já no modo combinado, existe o tempo aleatório, mas a ferramenta é sucedida pela etapa fechada, mitigando os efeitos dessa aleatoriedade. Na etapa fechada, aqueles licitantes que por ventura estavam transcrevendo seus melhores lances terão uma última oportunidade de vencer o pleito, formulando sua melhor oferta. Evidentemente, os concorrentes deverão se esforçar ao máximo para ficar dentro da margem de 10% em relação a melhor oferta.
Merece observação, ainda, os parágrafos 3º e 5º do art. 33 do novo regulamento. O art. 33, § 3º, prescreve que em caso de ausência de licitantes dentro da margem de 10%, serão convocados os subsequentes até o máximo de três. Já o art. 33, § 5º, disciplina a possibilidade de reinício da etapa fechada na hipótese de desclassificação de todas as propostas que participaram inicialmente dessa fase.
Inequivocamente, o novo pregão eletrônico buscou uma aproximação do pregão presencial (a regra dos 10%) e do RDC (modo de disputa combinado). Porém, deve ser observado que o modo de disputa combinado previsto no Decreto Federal nº 10.024/2019 significa uma grande evolução com relação ao modo de disputa combinado do RDC.
Essa evolução pode ser observada em uma situação em especial, a possibilidade de reinício da fase fechada. No novo pregão eletrônico quando ocorrer a desclassificação de todas as propostas que participaram da fase fechada, a etapa pode ser reiniciada. Essa ferramenta, que é um reaproveitamento da etapa competitiva, amplia a efetividade e mitiga a possibilidade de fracasso da licitação.
Contrariamente ao pregão eletrônico trazido pelo Decreto Federal nº 10.024/2019, o modo de disputa combinado do RDC eletrônico não prevê essa possibilidade de retomada da etapa final. Não há, no RDC do sistema SIASG/comprasnet, a possibilidade de reaproveitar a fase competitiva no modo de disputa combinado.
O MODO DE DISPUTA COMBINADO DO RDC
O modo de disputa combinado do RDC (aberto/fechado e fechado/aberto) possui singularidades em relação ao ora definido para o pregão eletrônico. Essas diferenças, principalmente nas licitações eletrônicas realizadas por meio do sistema SIASG/comprasnet, podem afastam as vantagens do modo combinado do RDC.
Citam os arts. 23 e 24 do R/RDC, em termos:
Art. 23. O instrumento convocatório poderá estabelecer que a disputa seja realizada em duas etapas, sendo a primeira eliminatória.
Art. 24. Os modos de disputa poderão ser combinados da seguinte forma:
I - caso o procedimento se inicie pelo modo de disputa fechado, serão classificados para a etapa subsequente os licitantes que apresentarem as três melhores propostas, iniciando-se então a disputa aberta com a apresentação de lances sucessivos, nos termos dos arts. 18 e 19; e
II - caso o procedimento se inicie pelo modo de disputa aberto, os licitantes que apresentarem as três melhores propostas oferecerão propostas finais, fechadas. (Decreto Federal nº 7.581/2011)
Do texto, o operador da área licitações, ou mesmo o intérprete da norma, será levado a crer que ao final primeira etapa serão eliminados, da etapa seguinte, os concorrentes que não praticarem os menores preços. Porém, o módulo RDC do sistema SIASG/comprasnet aplica um entendimento diferente, interpretação esta que pode prejudicar o resultado de licitações na modalidade RDC.
Para o comprasnet, todas as propostas que não avancem para a etapa seguinte são desclassificadas automaticamente pelo sistema. Essa solução, parecer ser equivocada, visto que: 1) o regulamento do RDC não prevê a desclassificação, prevê a eliminação; e 2) a desclassificação é um ato decisório da Comissão de Licitações, ato este que deve ser motivado pelo não atendimento da especificação, pela inexequibilidade ou pelo valor excessivo da proposta.
Evidentemente, o significado da expressão “eliminação” é vasto, podendo ser redigidos parágrafos inteiros sobre o significado da palavra inserida no caput do art. 23 do R/RDC. Porém, para os profissionais que atuam na área de licitações, não necessariamente o vocábulo tem o mesmo significado de “desclassificação”.
A desclassificação não pode ser operada diretamente pelo sistema sem a atuação da Comissão de Licitações e, principalmente, sem a observação das hipóteses de afastamento da proposta. Nesse sentido devem ser observados os artigos 6º, IV, 17, parágrafo único, e 40, I a V, tudo do Decreto Federal nº 7.581/2011.
Podem surgir interpretações de que a autorização para a desclassificação estaria subentendida no art. 24, I, do R/RDC, quando cita que “serão classificados para a etapa subsequente os licitantes que apresentarem as três melhores propostas”. Ainda assim não parece ser a melhor interpretação, visto as já citadas hipóteses para a desclassificação de propostas. Outro ponto, é que essa interpretação induziria, em outras modalidades em situações inusitadas. No pregão presencial, por exemplo, essa interpretação para o art. 11, VI, do Decreto Federal nº 3.555/2000, acarretaria na desclassificação de todos os licitantes que não avançassem à fase de lances, o que é incabível.
Esse modus operandi do módulo RDC do sistema SIASG/comprasnet produz efeitos indesejáveis para o modo de disputa combinado? Sim, visto que o RDC eletrônico incorporou as vantagens do pregão, em especial a inversão de fases em relação às modalidades comuns da Lei nº 8.666/1993 (regra geral – art. 12 da Lei do RDC) e a ampliação da competitividade com a sessão pública virtual (participação à distância), mas também trouxe consigo uma desvantagem do pregão eletrônico.
A desvantagem do RDC eletrônico, assim como do pregão eletrônico, é a de permitir a participação de licitantes que não tem condições de adimplir o objeto. Esses concorrentes, que não cumprem os requisitos de habilitação ou ofertam propostas que não atendam a especificação, são descobertos somente após o encerramento da etapa competitiva.
Essa participação de proponentes que não atendam aos requisitos é possível porque o sistema do RDC eletrônico, similarmente ao do pregão eletrônico, não permite a juntada de informações completas sobre o conteúdo das propostas. Esse fato impede um exame de conformidade exaustivo como o realizado no pregão presencial, que possibilita o afastamento de propostas em desacordo antes da fase de lances. Já no pregão eletrônico, é comum a participação de concorrentes que não atendam a especificação ou os requisitos de habilitação. Situação similar ocorre no RDC eletrônico.
Se o RDC eletrônico conduzido no comprasnet adotar o modo de disputa combinado e as licitantes que ofertarem os menores preços não atenderem os requisitos, a licitação restará fracassada. Segundo o art. 24, I, do R/RDC, somente as três melhores propostas avançam para a segunda etapa. Essa quantidade limitada de propostas que avançam para etapa final do modo combinado, prejudica a obtenção de um resultado positivo para a Administração.
Como exemplo, podemos citar o RDC nº 02/2019 – CBMDF (UASG 170394), cujo objeto é a reforma de uma edificação (obra).
No citado certame, realizado pelo modo disputa combinado (aberto/fechado), 30 (trinta) licitantes ofertaram propostas e participaram da etapa aberta; dessas propostas, 3 (três) avançaram para a etapa fechada. Após a etapa competitiva, 1 (uma) proposta foi desclassificada e 2 (duas) licitantes foram inabilitadas. Como o sistema SIASG/comprasnet, no modo de disputa combinado, desclassifica automaticamente todas as concorrentes que não participam da etapa final, a licitação fracassou, mesmo com a existência de mais 27 propostas remanescentes.
Na licitação citada, caso a empresa classificada em quarto lugar tivesse sua proposta analisada, aceita e habilitada, a futura contratação implicaria em uma economia de, aproximadamente, 20% (vinte por cento) do valor estimado. Inequivocamente, seria obtida uma proposta vantajosa para a Administração.
Porém, a interpretação utilizada pelo sistema SIASG/comprasnet para o art. 23 do R/RDC impossibilitou o aproveitamento da licitação. A obtenção de uma proposta mais vantajosa foi flagrantemente prejudicada por uma injustificável impossibilidade de convocação de licitantes remanescentes para a fase de aceitação de propostas. O prejuízo é ainda maior quando é levado em consideração outros custos, como, por exemplo, as horas trabalhadas na fase externa da licitação.
Claramente, a limitação de propostas passíveis de serem analisadas no modo de disputa combinado do RDC no comprasnet, assim como a impossibilidade de reinício da etapa final, prejudica a efetividade da licitação.
Como visto há pouco, essa limitação do modo de disputa combinado foi corrigida no novo pregão eletrônico.
O MODO DE DISPUTA COMBINADO DA LEI DAS ESTATAIS
Como já abordado, não somente RDC e o novo pregão eletrônico preveem a possibilidade de adoção do modo de disputa combinado. A Lei das Estatais possibilita a combinação dos modos de disputa aberto e fechado da mesma forma que o RDC (aberto/fechado ou fechado/aberto).
Em leitura rápida dos dispositivos das normas do RDC e da Lei das Estatais, não se observa diferenças consideráveis no modo de disputa combinado. Evidentemente, os regulamentos das EPs e das SEMs podem impor alguns limites ou estipular parâmetros para a utilização do modo de disputa combinado, desde que não conflitem com a Lei nº 13.303/2016.
Uma pequena diferença no modo de disputa combinado da Lei das Estatais chama a atenção. O caput do art. 52 da Lei das Estatais prevê que o modo combinado pode ser utilizado “quando o objeto da licitação puder ser parcelado”.
Essa inovação em relação ao modo de disputa combinado do RDC pode ser de difícil aplicação prática. Essa dificuldade é oriunda de uma, até agora, inexplicável relação entre o parcelamento do objeto e o modo de disputa combinado.
Os regulamentos de licitações das SEMs e das EPs, como Petrobras, Telebras e Caixa Econômica, se limitam a transcrever o previsto no art. 52 da Lei das Estatais. Como se observa, as normas internas dos entes não aprofundam sobre a aplicação concreta do modo de disputa combinado.
Sobre o modo de disputa combinado da Lei das Estatais, pode-se inferir duas possíveis formas de aplicação: 1) aplicação literal da Lei nº 13.303/2016; e 2) aplicação de forma similar à utilizada no RDC.
1) a primeira é oriunda do entendimento restrito do art. 52 da Lei das Estatais. O modo combinado seria caracterizado pela utilização de mais de um modo de disputa no certame – modo aberto e modo fechado. Em uma licitação por itens, alguns objetos teriam a fase competitiva por meio de disputa fechada e outros por modo aberto. No campo teórico, não há impedimento para essa interpretação.
Empiricamente, não faz sentido utilizar dois modos de disputa distintos em um único certame. Inicialmente essa situação pode confundir os participantes e a própria Administração.
Não deve ser esquecido, ainda, que a prática adotada pelos profissionais que atuam em licitações, até mesmo pela experiência agregada na realização de pregões eletrônicos, é que a utilização do modo de disputa aberto é preferencial em relação ao modo de disputa fechado. Tendo em vista essa prática, a utilização do modo de disputa fechado ocorreria em objetos em que o modo aberto fosse desaconselhado, isto é, em objetos que importassem em considerável complexidade (equipamentos complexos, soluções tecnológicas, etc).
Claramente, o modo de disputa fechado só faria sentido em licitações com julgamento por critério técnico (técnica e preço). Deve ser observado, porém, que o sistema comprasnet permite, no módulo RDC, licitação do tipo técnica e preço com o modo de disputa aberto, isto é, até nos objetos que comportam certa complexidade, é possível uma fase de lances.
Novamente, a interpretação apresentada parece, ressalte-se, no campo prático, não fazer muito sentido.
Outro óbice prático para a interpretação trazida, é a impossibilidade de alguns sistemas de viabilizarem essa operação. A título de exemplo, no sistema SIASG/comprasnet, a “Divulgação de Compras” do módulo RDC só permite a definição do modo de disputa para a licitação como um todo. O comprasnet não permite a utilização de modos de disputa diferentes – é possível somente um modo de disputa para todo o certame, independentemente da quantidade de itens.
Vide figuras abaixo, sendo a primeira referente à inscrição da licitação e a segunda sobre o lançamento do item.
Figura 1 – lançamento da licitação no módulo RDC do sistema comprasnet.
Fonte: página do comprasnet (divulgação de compras)
Figura 2 – lançamento de item no módulo RDC do sistema comprasnet.
Fonte: página do comprasnet (divulgação de compras)
Claramente, não é possível definir um modo de disputa para cada item. Como já discorrido, o modo de disputa deve ser definido para toda a licitação.
Essa constatação assume especial importância quando observado que o sistema SIASG/comprasnet permite a utilização do módulo RDC para as licitações das Estatais (Lei nº 13.303/2016). Vide figura abaixo:
Figura 3 – página inicial do módulo RDC no sistema comprasnet.
Fonte: página do comprasnet (divulgação de compras)
Do exposto, há uma impossibilidade prática, no SIASG/comprasnet, para essa interpretação para a combinação dos modos de disputa, (aberto para uns itens e fechado para outros).
2) a segunda é a já utilizada pela modalidade RDC. O modo de disputa combinado seria aplicado da forma prevista na Lei do RDC e no R/RDC, isto é, o modo de disputa combinado comporta os modos aberto/fechado e fechado/aberto, que orientarão toda a fase competitiva.
No modo aberto/fechado a primeira etapa é a aberta (fase de lances) e a segunda etapa é a fechada. No modo fechado/aberto a primeira etapa é a fechada (propostas sigilosas até a abertura) e a segunda etapa é a fase de lances. Em ambas as configurações do modo de disputa combinado do RDC, a primeira etapa serve para limitar a participação na fase final, isto é, a primeira etapa é eliminatória (art. 23 do R/RDC).
Essa segunda interpretação permite a utilização do módulo RDC do sistema SIASG/comprasnet pelas EPs e SEMs. Não deve ser esquecido, porém, que o comprasnet não permite a convocação de licitantes remanescentes que não tenham participado da etapa final do modo combinado, mitigando a possibilidade de sucesso da licitação.
Constata-se, portanto, que há uma diferença nos modos de disputa combinados do RDC e da Lei das Estatais. A Lei nº 13.303/2016 traz um requisito inexistente no RDC para a utilização do modo de disputa combinado.
Como já abordado, não foi possível até o presente momento, inferir o que o legislador quis dizer no caput do art. 52 da Lei nº 13.303/2016. A expressão “quando o objeto da licitação puder ser parcelado” é, como discorrido, de difícil aplicação prática para os profissionais da área de licitações.
CONCLUSÃO
Claramente, o pregão eletrônico evoluiu com a possibilidade de utilização do modo de disputa combinado (aberto e fechado). Inegavelmente, o modo de disputa aberto e fechado previsto no Decreto Federal nº 10.024/2019 foi influenciado pelo modo combinado do RDC.
Mas deve ser ressaltado que o novo pregão eletrônico não se limitou a incorporar o modo de disputa combinado. O modo aberto e fechado previsto no regulamento federal, além de aumentar a possibilidade de obtenção do melhor preço e mitigar a “loteria” do tempo aleatório, evoluiu em relação ao modo combinado do RDC.
O modo de disputa combinado impactou de maneira positiva as licitações da modalidade RDC, como informado no Acórdão nº 306/2017 – TCU – Plenário. Porém, a forma como o módulo RDC do comprasnet aplica a disputa combinada não parece ser a ideal.
Uma atualização do Decreto Federal nº 7.581/2011 poderia corrigir esse equívoco. A incorporação do reinício da etapa final, similarmente à prevista no art. 33, § 5º, do Decreto Federal nº 10.024/2019, permitiria um modo de disputa combinado mais exitoso.
Não deve ser esquecido que a licitação é um procedimento administrativo dispendioso e demorado. Quando a Administração autua um processo licitatório, ela almeja alcançar um resultado final efetivo. Qualquer modificação que possibilite um maior aproveitamento do processo, principalmente da fase competitiva, deve ser incentivada.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Decreto Federal nº 3.555 de 8 de agosto de 2000. Aprova o Regulamento para a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3555.htm>.
BRASIL. Decreto Federal nº 5.450 de 31 de maio de 2005. Regulamenta o pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/ d5450.htm>.
BRASIL. Decreto Federal nº 7.581 de 11 de outubro de 2011. Regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, de que trata a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7581.htm>.
BRASIL. Decreto Federal nº 10.024 de 20 de setembro de 2019. Regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm>.
BRASIL. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/leis/l8666cons.htm>.
BRASIL. Lei nº 12.462 de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC; [...]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm>.
BRASIL. Lei nº 13.303 de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm>.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Acórdão nº 306/2017 – TCU – Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas. Disponível em <https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/resultado/acordao-completo>.