DIRIGENTE DE ENTIDADE PRIVADA QUE ADMINISTRA RECURSOS PÚBLICOS PODE RESPONDER SOZINHO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE

17/12/2020 às 10:13
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O ARTIGO DISCUTE A POSSIBILIDADE DE PARTICULAR PODER RESPONDER POR AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA MESMO QUE SOZINHO NO POLO PASSIVO.

DIRIGENTE DE ENTIDADE PRIVADA QUE ADMINISTRA RECURSOS PÚBLICOS PODE RESPONDER SOZINHO EM AÇÃO DE IMPROBIDADE

Rogério Tadeu Romano

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, com o advento da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), o particular que recebe subvenção, benefício ou incentivo público passou a se equiparar a agente público, podendo, dessa forma, figurar sozinho no polo passivo em ação de improbidade administrativa.

A decisão teve origem em ação de ressarcimento proposta pela União, fundamentada na Lei 8.429/1992, contra uma Organização Não Governamental (ONG) e seu gestor pela suposta prática de atos ímprobos na execução de convênio que envolveu o recebimento de recursos do governo federal.

Como relatado pela União, o gestor da entidade teria prestado contas de forma precária, sem juntar os documentos que minimamente comprovariam a aplicação dos recursos públicos na execução do convênio, incorrendo na conduta prevista no artigo 10 da Lei de Improbidade.

A União afirmou ainda que o réu foi omisso ao não atender aos diversos pedidos de esclarecimentos formulados pelos órgão controladores – atitude que se enquadraria na previsão do artigo 11, VI, da mesma lei.

A decisão se encontra nos autos do REsp 1845674.

Na matéria dita o artigo 3º da Lei 8.429/92:

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Não apenas os agentes públicos, servidores ou não, praticam atos de improbidade administrativa contra a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidades para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido. Os particulares, na forma do artigo 3º da Lei 8.429/92, também praticam atos que afrontam a probidade administrativa.

Sendo assim, como acentuou Marcelo Figueiredo(Probidade Administrativa, 2ª edição, pág. 27), ao contrário da Lei 3.502/58, que só tipificava a conduta de quem era servidor público, ou de quem indiretamente intervinha em sua conduta(artigo 1º e 3º), a Lei nº 8.429/92 aplica-se, no que couber, àqueles que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorfra para a prática do ato de improbidade, ou dele se beneficie sob  qualquer forma, direta ou indiretamente.

Anote-se que, no regime da lei anterior, o terceiro, estranho à administração pública, não era alcançado pela tipificação, salvo pelas normas do Código Penal.

O que é terceiro para efeitos da lei de improbidade? É o terceiro, o particular, aquele que não é servidor ou agente público, participa do ato ilícito, participando ou concorrendo.

O terceiro que seja beneficiado com a ação ilícita incorrerá nas sanções previstas na lei, salvo a perda de função pública.

Autor do voto que prevaleceu no julgamento colegiado, o ministro Gurgel de Faria lembrou que, de fato, a jurisprudência do STJ reconhece a impossibilidade de que o particular figure sozinho no polo passivo das ações de improbidade.

Segundo o ministro, a jurisprudência considera "inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda".

No caso analisado, o relator explicou que os autos evidenciam supostas irregularidades cometidas pela ONG na execução de convênio com recursos obtidos do governo federal, circunstância que equipara o seu gestor a agente público, para os fins de improbidade administrativa, e permite o prosseguimento da ação nas instâncias ordinárias.

É certo que, no passado, a jurisprudência do STJ era limitativa com relação a apenação do particular em atos de improbidade administrativa. Veja-se:

“É inegável que o particular sujeita-se à Lei de Improbidade Administrativa, porém, para figurar no polo passivo, deverá, como bem asseverou o eminente Min. Sérgio Kukina, a) induzir, ou seja, incutir no agente público o estado mental tendente à prática do ilícito; b) concorrer juntamente com o agente público para a prática do ato; e c) quando se beneficiar, direta ou indiretamente do ato ilícito praticado pelo agente público (REsp 1.171.017/PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/2/2014, DJe 6/3/2014.) (grifo nosso). 5. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública comum para obter o ressarcimento do Erário” (REsp 896.044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.9.2010, DJe 19.4.2011). Agravo regimental improvido (AgRg no AREsp. 574.500/PA, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 10.6.2015)

"Inviável a propositura de ação de improbidade administrativa contra o particular, sem a presença de um agente público no polo passivo, o que não impede eventual responsabilização penal ou ressarcimento ao Erário, pelas vias adequadas. Precedentes. V - Recurso especial improvido" (REsp. 1.405.748/RJ, Rel. p/ Acórdão Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 17.8.2015).

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Mas, deve-se destacar que que a Lei 8.429/1992 ampliou o conceito de agente público, que não se restringe aos servidores públicos. Além disso, o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Improbidade "submete as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público à disciplina do referido diploma legal, equiparando os seus dirigentes à condição de agentes públicos".

No caso analisado, o relator explicou que os autos evidenciam supostas irregularidades cometidas pela ONG na execução de convênio com recursos obtidos do governo federal, circunstância que equipara o seu gestor a agente público, para os fins de improbidade administrativa, e permite o prosseguimento da ação nas instâncias ordinárias.

A decisão historiada no REsp 1845674.é um importantíssimo precedente uma vez que atinge a administradores de ONG por conta de mal uso de recursos públicos e dá uma interpretação ampliada ao que dispõe o artigo 3º da Lei nº 8.429/92 em benefício da sociedade.

Essa mutação interpretativa se agrega a melhor atenção que se deve dar a empresa ou entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.

Na verdade, a norma em foco dilata seu raio de abrangência para colher em suas malhas também entidades que recebam do Estado “benefícios” que especifica. Por certo, a ideia central é resgatar os valores públicos investidos nas entidades que recebam esses itens.

Parta-se da ideia de que há obrigação de indenizar as consequências de um ato ilícito cometido contra a administração.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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